ALTERAÇÕES DA MARCHA HUMANA EM IDOSOS: UMA REVISÃO DA LITERATURA

GAIT ALTERATIONS IN OLDER ADULTS: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202505151802


Andreza Júlia Bezerra Nunes – RGM: 26692236
Bruna Wellen Lindozo da Silva – RGM: 27071090
Gabrielly Fernandes Amorim – RGM: 26264765
Braian de Souza Lenza – RGM: 27320987
Prof. Laura de Moura Rodrigues1
Prof.  Fabrício Vieira Cavalcante2


RESUMO

O processo de envelhecimento compromete diretamente a marcha, função motora essencial para a independência funcional do idoso. Alterações fisiológicas, biomecânicas e sensoriais geram instabilidade, lentidão e aumento do risco de quedas. Este trabalho teve como objetivo analisar, por meio de revisão bibliográfica, os principais aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha humana em idosos, suas alterações relacionadas à idade e as estratégias fisioterapêuticas aplicáveis à reabilitação. A metodologia adotada foi uma revisão integrativa da literatura, com buscas nas bases Google Acadêmico, SciELO e PubMed, entre 2003 e 2024, com seleção de artigos em português, inglês e espanhol. Os estudos analisados apontam que a marcha em idosos é caracterizada por redução da velocidade, diminuição do comprimento dos passos, maior tempo de apoio duplo e assimetria na locomoção, frequentemente associadas à sarcopenia, doenças crônicas e alterações cognitivas. Intervenções como o treinamento de marcha em esteira, exercícios com dupla tarefa, fortalecimento muscular e uso de tecnologias digitais demonstraram eficácia na melhora da mobilidade e na prevenção de quedas. Conclui-se que a atuação fisioterapêutica baseada em evidências é fundamental para promover a funcionalidade, prevenir incapacidades e garantir um envelhecimento ativo e seguro, sendo recomendada a ampliação de estudos clínicos que validem protocolos específicos de reabilitação da marcha.

Palavras-chave: Envelhecimento; Marcha; Fisioterapia; Mobilidade funcional; Reabilitação.

ABSTRACT

The aging process directly affects gait, a motor function essential for the functional independence of older adults. Physiological, biomechanical, and sensory changes result in instability, reduced speed, and an increased risk of falls. This study aimed to analyze, through a literature review, the main physiological and biomechanical aspects of human gait in the elderly, the age-related alterations, and applicable physical therapy strategies for rehabilitation. The methodology adopted was an integrative literature review, with searches conducted in the databases Google Scholar, SciELO, and PubMed, covering the period from 2003 to 2024, including articles in Portuguese, English, and Spanish. The analyzed studies indicate that gait in older adults is characterized by reduced speed, shorter step length, increased double-support time, and asymmetry in locomotion, often associated with sarcopenia, chronic diseases, and cognitive impairment. Interventions such as treadmill gait training, dual-task exercises, muscle strengthening, and the use of digital technologies have proven effective in improving mobility and preventing falls. It is concluded that evidence-based physical therapy practice is essential to promote functionality, prevent disability, and ensure active and safe aging. The expansion of clinical studies to validate specific gait rehabilitation protocols is recommended.

Keywords: Aging; Gait; Physical Therapy; Functional Mobility; Rehabilitation.

1. INTRODUÇÃO

O envelhecimento humano constitui um processo fisiológico complexo e contínuo, caracterizado por alterações gradativas nas estruturas e funções do organismo, que afetam diretamente a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos. Entre os sistemas mais impactados, destacam-se o neuromuscular e o musculoesquelético, cuja degeneração repercute de forma significativa sobre a mobilidade funcional. Nesse cenário, a marcha, entendida como uma atividade motora cíclica, coordenada e essencial para a locomoção e independência, torna-se um marcador clínico de grande relevância, sendo inclusive reconhecida como o “sexto sinal vital” na avaliação geriátrica (SPEKALSKI et al., 2024).

À medida que a população mundial envelhece, com projeções que indicam um crescimento expressivo do número de pessoas idosas nas próximas décadas, torna-se urgente compreender as alterações biomecânicas, fisiológicas e sensoriais que acometem a marcha ao longo do processo de envelhecimento. No Brasil, segundo dados do IBGE (2021), a população idosa deve ultrapassar, até 2030, o número de crianças e adolescentes de até 14 anos, o que demanda a reorganização das políticas públicas de saúde, especialmente aquelas voltadas à prevenção de quedas, à manutenção da funcionalidade e ao estímulo à autonomia dos idosos.

Do ponto de vista fisiológico, o envelhecimento acarreta alterações estruturais como perda de massa muscular (sarcopenia), rigidez articular, redução da propriocepção e declínio da força e do controle postural, interferindo diretamente na estabilidade e na segurança durante a marcha (FARIA et al., 2003; REZAEI et al., 2024). Do ponto de vista biomecânico, são observadas reduções na velocidade de deslocamento, no comprimento dos passos e aumento no tempo de apoio duplo, o que compromete a eficiência locomotora e eleva o risco de quedas (ABREU; CALDAS, 2008; PILASTRI et al., 2024).

Diversas condições clínicas contribuem para a degradação do padrão de marcha em idosos, incluindo doenças cardiovasculares, alterações vestibulares, declínio cognitivo e histórico de hospitalizações, além de fatores sociais como institucionalização e inatividade física (CUI et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2019). Essas alterações podem culminar em isolamento social, perda da autoestima e dependência funcional, afetando negativamente a qualidade de vida dessa população. Por isso, o acompanhamento fisioterapêutico baseado em evidências torna-se essencial para mitigar os impactos do envelhecimento sobre a locomoção e promover o envelhecimento ativo e saudável.

Nesse contexto, é fundamental destacar o papel da fisioterapia na reabilitação da marcha em idosos, por meio de estratégias terapêuticas eficazes que visam à restauração da funcionalidade, prevenção de quedas e promoção da independência. Intervenções como o treinamento de marcha em esteira, os exercícios com dupla tarefa, o fortalecimento muscular voltado à sarcopenia, o uso de restrição de fluxo sanguíneo e as abordagens digitais centradas no paciente vêm sendo amplamente estudadas e aplicadas na prática clínica, demonstrando resultados positivos sobre parâmetros como velocidade da marcha, simetria, equilíbrio dinâmico e desempenho funcional geral (FERNANDES et al., 2012; GOMES et al., 2016; HSIEH et al., 2024; MONTERO-ODASSO et al., 2021).

Diante de tais evidências, o presente estudo teve como objetivo analisar os principais aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha humana em idosos, as alterações decorrentes do processo natural de envelhecimento e as abordagens fisioterapêuticas que têm se mostrado eficazes para a reabilitação da mobilidade funcional. Para tanto, propôs-se identificar as modificações neuromusculares e sensoriais que interferem no padrão de marcha, investigar os fatores clínicos e sociais associados ao comprometimento da locomoção e discutir as estratégias terapêuticas fundamentadas na literatura científica que promovam a melhora da marcha, do equilíbrio e da segurança postural na população idosa.

2. METODOLOGIA

A metodologia de um trabalho científico constitui o conjunto de procedimentos técnicos e lógicos utilizados para alcançar os objetivos propostos, conferindo ao estudo credibilidade, coerência e rigor investigativo. De acordo com Gil (2019), a escolha adequada da metodologia é fundamental para garantir que os dados sejam interpretados de forma válida e confiável.

2.1 Desenho da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, do tipo revisão narrativa da literatura. A finalidade foi identificar, selecionar e analisar criticamente publicações científicas que abordam os aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha humana em idosos, as alterações decorrentes do envelhecimento e as intervenções fisioterapêuticas voltadas à sua reabilitação.

Segundo Lakatos e Marconi (2003), a revisão bibliográfica é apropriada quando se busca reunir e discutir ideias oriundas de diferentes autores, permitindo uma abordagem teórica aprofundada sobre determinado fenômeno. A abordagem qualitativa foi escolhida por ser mais adequada à análise de temas complexos e multifatoriais, que envolvem elementos clínicos, funcionais e sociais.

2.2 Coleta de dados

A coleta dos dados foi realizada entre março e abril de 2025, mediante busca estruturada nas bases de dados Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PubMed (U.S. National Library of Medicine). Foram selecionados artigos científicos publicados no período de 2003 a 2024, com acesso gratuito, em português, inglês ou espanhol, disponíveis na íntegra.

Os termos de busca foram definidos com base em descritores controlados (DeCS/MeSH) e termos livres, combinados por operadores booleanos (AND, OR), abrangendo as seguintes palavras-chave: “marcha humana”, “idoso”, “fisioterapia”, “mobilidade funcional”, “quedas”, “sarcopenia”, “reabilitação da marcha”, “gait”, “elderly”, “aging”, “physical therapy” e “fall prevention”.

Como critérios de inclusão, foram utilizados:

  • Artigos científicos publicados entre 2003 e 2024;
  • Estudos disponíveis em português, inglês ou espanhol;
  • Publicações que abordem diretamente a marcha de idosos, as alterações relacionadas ao envelhecimento e as estratégias fisioterapêuticas de reabilitação;
  • Textos completos disponíveis para acesso gratuito nas bases consultadas.

Já como critérios de exclusão, foram adotados os seguintes:

  • Artigos que não tratem da população idosa ou que se refiram a contextos não clínicos

(como esportes de alto rendimento ou tecnologias sem aplicação clínica);

  • Estudos duplicados entre as bases de dados;
  • Trabalhos sem texto completo disponível ou com acesso restrito;
  • Resumos simples, editoriais, cartas ao editor, dissertações e teses.
2.3 Análise de dados

Os artigos selecionados foram lidos na íntegra e submetidos à análise temática, conforme proposta por Minayo (2010), a qual permite organizar os dados por categorias de sentido, favorecendo a compreensão crítica do fenômeno investigado. A análise foi estruturada em três eixos temáticos principais: (1) aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha no envelhecimento; (2) alterações da marcha relacionadas a fatores clínicos e funcionais; e (3) estratégias fisioterapêuticas utilizadas para reabilitação da marcha em idosos.

Essa forma de análise qualitativa possibilita uma leitura integrada das evidências disponíveis, contribuindo para a construção de uma discussão aprofundada, coerente com os objetivos do estudo e com o contexto clínico da prática fisioterapêutica.

2.4 Instrumentos e materiais

Não foram utilizados instrumentos ou equipamentos específicos, visto tratar-se de estudo de revisão bibliográfica. As principais ferramentas foram os próprios textos científicos, gerenciados digitalmente com o auxílio do Mendeley Desktop, utilizado para organização e formatação automática das referências, e o Google Planilhas, para tabulação dos dados extraídos dos artigos.

2.5 Procedimentos éticos

Por se tratar de um estudo baseado exclusivamente em dados secundários, de acesso público e sem envolvimento direto de seres humanos, a presente pesquisa não requer submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, conforme determina a Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016).

2.6 Limitações

As principais limitações desta pesquisa decorrem da natureza da revisão narrativa, que não segue um protocolo padronizado de revisão sistemática, o que pode induzir a viés de seleção e interpretação. Além disso, a heterogeneidade metodológica dos estudos analisados, bem como a variação nos instrumentos de avaliação da marcha, limita a comparação direta entre os achados. Tais limitações são reconhecidas por Souza, Silva e Carvalho (2010) ao destacarem que revisões narrativas exigem atenção redobrada do pesquisador quanto ao rigor analítico.

2.7 Validação dos resultados

A confiabilidade dos resultados foi assegurada por meio da triangulação de dados, da utilização de bases científicas reconhecidas internacionalmente e da inclusão de publicações com revisão por pares. Além disso, o cruzamento de evidências de diferentes contextos clínicos e populacionais permitiu maior consistência às análises. Como destacam Gil (2019) e Minayo (2010), o rigor metodológico na seleção e análise de fontes é essencial para garantir a validade de pesquisas bibliográficas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A busca estruturada realizada nas bases de dados Google Acadêmico, SciELO e PubMed entre março e abril de 2025 resultou inicialmente na identificação de 62 publicações. Após a leitura dos títulos, resumos e, posteriormente, do texto completo, 42 estudos foram excluídos. As principais razões para a exclusão foram: ausência de foco específico na marcha de idosos (n = 18), indisponibilidade do texto completo gratuito (n = 11), linguagem inacessível (n = 5) e inadequação metodológica ou científica ao objetivo da revisão (n = 8).

Ao final do processo seletivo, 20 artigos científicos atenderam integralmente aos critérios de inclusão estabelecidos e foram incluídos no referencial teórico desta revisão. Ressalta-se que não foram contabilizadas as três referências utilizadas exclusivamente para embasamento metodológico e legal, sendo elas: Gil (2019), Lakatos e Marconi (2003), e a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Esses 20 estudos foram classificados em três eixos temáticos principais, conforme a análise qualitativa proposta por Minayo (2010): (1) aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha no envelhecimento, (2) alterações da marcha relacionadas a fatores clínicos e funcionais, e (3) abordagens fisioterapêuticas voltadas à reabilitação da marcha em idosos.

No eixo referente aos aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha, os estudos apontam que a marcha humana depende de um sistema neuro musculoesquelético íntegro, e que o envelhecimento impacta diretamente esse processo. Os principais achados relatam redução da velocidade da marcha, diminuição do comprimento dos passos, aumento do tempo em fase de apoio duplo, e assimetria postural. Essas alterações estão frequentemente associadas à perda de força muscular, comprometimento sensorial, sarcopenia e rigidez articular (FARIA et al., 2003; PRANKE; TEIXEIRA; MOTA, 2006; PILASTRI et al., 2024).

No segundo eixo, relativo às alterações da marcha relacionadas ao envelhecimento, os dados demonstram que fatores como doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2, sarcopenia, anemia, doenças neurodegenerativas e contextos de institucionalização contribuem significativamente para a deterioração do padrão da marcha. Estudos como os de Bordin et al. (2024), Carlos et al. (2024) e De la Cruz-Góngora et al. (2024) evidenciam que tais condições estão associadas a menor velocidade da marcha, menor estabilidade postural e aumento da incidência de quedas. Ademais, Cui et al. (2020) destacam que o acúmulo de riscos cardiovasculares acelera o surgimento da incapacidade funcional.

No terceiro eixo, voltado às estratégias fisioterapêuticas para reabilitação da marcha em idosos, observou-se que intervenções como o treinamento em esteira, exercícios de dupla tarefa, uso de tecnologias digitais, restrição de fluxo sanguíneo (BFR), e programas voltados à sarcopenia têm apresentado resultados promissores. Fernandes et al. (2012) demonstraram que programas de exercícios físicos contribuem para a melhora do desempenho funcional e da marcha. Já Montero-Odasso et al. (2021) ressaltam a importância de abordagens centradas no paciente e no uso de tecnologias para prevenção de quedas. Técnicas emergentes como o BFR, segundo Hsieh et al. (2024), mostraram eficácia em promover ganhos funcionais mesmo com cargas leves, sendo úteis em populações frágeis.

Esses achados reforçam a necessidade de intervenções fisioterapêuticas integradas e baseadas em evidências, que considerem os aspectos biomecânicos, clínicos e psicossociais do envelhecimento. A compreensão aprofundada dessas variáveis permite a elaboração de estratégias individualizadas de reabilitação que favoreçam a mobilidade funcional, a autonomia e a qualidade de vida dos idosos.

Tabela 1 – Síntese dos Estudos Incluídos

Título do ArtigoAutoresPopulação EstudadaObjetivoPrincipais Resultados
Padrão de marcha, prevalência de quedas e medo de cair em idosas ativas e sedentáriasAbdala et al. (2017)Idosas ativas e sedentáriasComparar o padrão de marcha entre idosas ativas e sedentáriasIdosas ativas apresentam melhor padrão de marcha e menor medo de cair
Velocidade de marcha, equilíbrio e idadeAbreu e Caldas (2008)Idosas praticantes e não praticantes de exercíciosCorrelacionar velocidade de marcha, equilíbrio e idadeDeclínio da velocidade de marcha com a idade, independentemente do equilíbrio
Análise cinemática de pessoas idosas durante a tarefa de ultrapassagem de obstáculosBardy, Apoloni e Deprá (2024)IdososAvaliar ajustes posturais ao ultrapassar obstáculosIdosos utilizam adaptações posturais para vencer obstáculos com segurança
Avaliação da velocidade da marcha reduzida em pessoas idosas hospitalizadasBordin et al. (2024)Idosos hospitalizadosAnalisar a velocidade da marcha e sua associação com variáveis sociodemográficasRedução da velocidade associada à idade avançada e à inatividade laboral
Equilíbrio postural e fatores associados ao risco de quedas em idosos com diabetes mellitus tipo 2Carlos et al. (2024)Idosos com DM2Investigar o equilíbrio postural e risco de quedasComprometimento no domínio das respostas posturais
Reabilitação fisioterapêutica: sarcopenia na terceira idadeCorrêa et al. (2024Idosos com sarcopeniaAnalisar intervenções fisioterapêuticas para sarcopeniaFisioterapia eficaz na melhora da qualidade de vida e força muscular
Association of cardiovascular risk burden with risk and progression of disabilityCui et al. (2020)Adultos e idososAvaliar impacto do risco cardiovascular na progressão da incapacidadeMaior risco cardiovascular aumenta a incapacidade e acelera seu progresso
Prospective changes in anemia and sarcopeniaDe La Cruz- Góngora et al. (2024)Idosos mexicanosInvestigar associação entre anemia e sarcopeniaAnemia associada ao surgimento e persistência de sarcopenia
Importância do treinamento de força na reabilitação da função muscularFaria et al. (2003)IdososAnalisar o impacto do treino de força na mobilidadeTreinamento reduz risco de quedas e melhora a função muscular
Efeitos da prática de exercício físico sobre a marchaFernandes et al. (2012)IdososAvaliar impacto do exercício na marchaExercícios melhoram funcionalidade e variáveis da marcha
Desempenho de idosos na marcha com dupla tarefaGomes et al. (2016)IdososRevisar desempenho da marcha com dupla tarefaDupla tarefa afeta negativamente a marcha
Blood flow restriction and gaitHsieh et al. (2024)IdososAvaliar BFR na marcha e mobilidadeBFR eficaz para tarefas de mobilidade e marcha curta
Treinamento de marcha em esteira em idosos com ParkinsonLuna et al. (2020)
Idosos com Parkinson
Analisar o efeito do treino em esteiraMelhora na marcha com ou sem suporte de peso
Mudanças na marcha em idosos com dor cervical crônicaMadsalae et al. (2024)Idosos com dor cervicalInvestigar impacto da dor cervical na marchaDor afeta velocidade e simetria durante o movimento da cabeça
Mudanças relacionadas à idade na marcha e equilíbrioRezaei et al. (2024)IdososAnalisar equilíbrio, força e marcha com a idadeEquilíbrio e força diminuem, mas velocidade pode se manter
Parâmetros espaço temporais da marcha em idosos e ParkinsonPenedo et al. (2024)Idosos saudáveis e com ParkinsonComparar parâmetros da marchaParkinson reduz comprimento e velocidade do passo
Comparação da marcha em idosos frágeis e saudáveisPilastri et al. (2024)Idosos frágeis e saudáveisComparar desempenho funcional e marchaIdosos frágeis têm menor resistência e força
Contribuições biomecânicas ao público da terceira idadePranke, Teixeira e Mota (2006)IdososAnalisar aspectos biomecânicos da marchaEncontradas assimetrias e redução da amplitude dos passos
Velocidade da marcha e fatores clínicosSpekalski et al. (2024)Idosos na atenção primáriaInvestigar fatores associados à velocidade da marchaRedução da VM associada a comorbidades e quedas
Risco de quedas e preocupação em mulheres com tonturaToledo et al. (2024)Mulheres adultas e idosas com tonturaAnalisar risco de queda e preocupação em cairPreocupação maior com perda cognitiva e tontura
Fonte: Adaptada pelos autores, 2025.
3.1 Aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha humana

A marcha humana é uma das atividades motoras mais complexas e fundamentais do ser humano, composta por um ciclo repetitivo de movimentos coordenados entre membros inferiores, tronco e cintura pélvica, que visa promover o deslocamento eficiente e seguro do corpo no espaço. Esse processo envolve um controle neuromuscular refinado, sustentado pela interação entre sistemas musculoesquelético, sensorial e nervoso central, sendo, portanto, altamente suscetível aos efeitos do envelhecimento fisiológico e funcional.

Com o avanço da idade, é esperado que ocorram mudanças estruturais e funcionais em diversos sistemas corporais, as quais repercutem diretamente na marcha, tornando-a mais lenta, assimétrica e com maior risco de instabilidade. Tais alterações são compreendidas dentro da fisiologia do envelhecimento, mas quando acentuadas, podem ser indicativas de fragilidade e de maior vulnerabilidade à perda da independência funcional.

A velocidade da marcha é frequentemente adotada como marcador objetivo e sensível da funcionalidade geral do idoso, sendo considerada por muitos autores como o “sexto sinal vital” na avaliação geriátrica. Estudos recentes apontam que esse parâmetro sofre impacto direto de fatores clínicos diversos, incluindo o histórico de doenças crônicas, número de hospitalizações, polifarmácia e histórico de quedas. Conforme Spekalski et al. (2024), “a velocidade da marcha (VM) reduzida pode estar relacionada aos fatores clínicos, como doenças crônicas não transmissíveis, hospitalizações, uso contínuo de medicamentos e quedas” (SPEKALSKI et al., 2024, p. 2).

Nesse sentido, compreende-se que a marcha do idoso deve ser interpretada não apenas como um resultado biomecânico, mas também como um reflexo de seu estado clínico geral. A presença de alterações posturais, perda de massa e força muscular (sarcopenia), comprometimentos sensoriais e cognitivos, bem como alterações vestibulares, podem comprometer a estabilidade do padrão de marcha e aumentar significativamente a preocupação com quedas. Segundo Toledo et al. (2024), “a preocupação em cair foi maior à medida que a amostra apresentava maiores indícios de perda da capacidade cognitiva e maiores níveis de tontura” (TOLEDO et al., 2024, p. 2).

Outro fator amplamente documentado é a relação entre equilíbrio e desempenho da marcha. Ainda que indivíduos idosos apresentem equilíbrio aparentemente preservado, há evidências de que a velocidade de deslocamento tende a declinar progressivamente com o passar dos anos. Em estudo conduzido por Abreu e Caldas (2008), observou-se que “foi evidenciado que, independente de um bom nível de equilíbrio, o parâmetro velocidade de marcha declinou com a idade nos dois grupos” (ABREU; CALDAS, 2008, p. 329), o que reforça a ideia de que o envelhecimento, por si só, interfere na eficiência do padrão locomotor.

Do ponto de vista biomecânico, a marcha humana é composta por duas fases principais: a fase de apoio, em que o pé permanece em contato com o solo, e a fase de balanço, quando o membro avança no ar. A sincronia entre essas fases e sua duração relativa define o padrão da marcha. Em idosos, estudos cinemáticos têm demonstrado alterações significativas nesses parâmetros, principalmente em situações que exigem adaptações posturais mais complexas, como a ultrapassagem de obstáculos. Bardy, Apoloni e Deprá (2024) analisaram a cinemática da marcha de pessoas idosas e concluíram que “as pessoas idosas apresentam maiores adaptações da postura para a ultrapassagem a fim de vencer com segurança os obstáculos” (BARDY; APOLONI; DEPRÁ, 2024, p. 2).

A instabilidade e a necessidade de ajustes compensatórios tornam-se mais evidentes em idosos considerados frágeis, os quais apresentam não apenas lentidão nos movimentos, mas também declínio nas capacidades cardiorrespiratórias e neuromusculares. Pilastri et al. (2024) demonstraram em sua pesquisa que “idosos frágeis possuem declínio no desempenho funcional em testes que avaliam a resistência aeróbia e a força muscular” (PILASTRI et al., 2024, p. 2). Esses dados evidenciam que a marcha é um processo multifatorial, influenciado não apenas pela estrutura locomotora, mas também pela condição funcional sistêmica.

Além disso, alterações estruturais típicas do envelhecimento, como o encurtamento muscular, rigidez articular e redução da propriocepção, contribuem para um padrão de marcha menos eficiente e mais custoso energeticamente. Em relação às características espaciais, estudos biomecânicos apontam que há assimetrias relevantes nos passos e diminuição de sua amplitude, conforme relatado por Pranke, Teixeira e Mota (2006): “em relação à marcha, […] foram encontradas assimetrias entre os comprimentos dos passos e uma diminuição de sua amplitude” (PRANKE; TEIXEIRA; MOTA, 2006, p. 78).

A partir dessa perspectiva integrada, torna-se evidente que a análise da marcha em idosos deve considerar aspectos fisiológicos (como o envelhecimento dos sistemas corporais), clínicos (como presença de doenças crônicas e comprometimentos neurológicos) e biomecânicos (como alterações no comprimento do passo, cadência e simetria), pois todos esses fatores se inter-relacionam e influenciam diretamente o risco de quedas, a independência funcional e a qualidade de vida dessa população. Antes de adentrar nas especificidades clínicas e terapêuticas do envelhecimento locomotor, é fundamental compreender as principais alterações fisiológicas e biomecânicas que caracterizam a marcha humana na população idosa.

A seguir, a Tabela 2 sintetiza essas alterações com base nos principais achados da literatura científica utilizada nesta pesquisa.

Tabela 2 – Alterações fisiológicas e biomecânicas da marcha em idosos

Aspecto analisadoAlterações comuns no envelhecimentoImplicações funcionais observadas
Velocidade da marchaRedução progressiva com a idade (ABREU; CALDAS, 2008)Maior risco de quedas, limitação funcional e dependência nas AVDs
Comprimento e simetria dos passosEncurtamento e assimetrias (PRANKE; TEIXEIRA; MOTA, 2006)Desorganização da marcha e esforço compensatório elevado
Estabilidade posturalComprometimento sensorial e neuromuscular (TOLEDO et al., 2024)Aumento da instabilidade e da preocupação com quedas
Adaptação postural em obstáculosMaior inclinação do tronco e cuidado no apoio (BARDY; APOLONI; DEPRÁ, 2024)Marcha mais lenta e cuidadosa, menor fluidez em ambientes desafiadores
Desempenho funcional geralQueda da resistência aeróbica e da força (PILASTRI et al., 2024)Redução da tolerância ao esforço e perda da autonomia funcional
Fatores clínicos associadosPolifarmácia, doenças crônicas, hospitalizações (SPEKALSKI et al., 2024)Aceleração do declínio funcional e maior incidência de fraturas e internações
Fonte: Adaptada pelos autores, 2025.

Assim, o aprofundamento no entendimento dos aspectos fisiológicos e biomecânicos da marcha humana no envelhecimento é essencial não apenas para o diagnóstico precoce de distúrbios do movimento, mas também para o planejamento de intervenções fisioterapêuticas eficazes e personalizadas, as quais possam promover o envelhecimento ativo e seguro.

3.2 Alterações da marcha relacionadas ao envelhecimento

O processo de envelhecimento humano, ainda que natural, implica uma série de modificações fisiológicas, estruturais e funcionais que repercutem significativamente sobre a mobilidade e, especialmente, sobre o padrão de marcha dos indivíduos idosos. A marcha, compreendida como um comportamento motor complexo e altamente coordenado, depende de um sistema neuro-musculoesquelético íntegro, além de adequada integração sensorial e equilíbrio postural. Com o envelhecimento, a disfunção progressiva desses sistemas gera alterações biomecânicas e funcionais perceptíveis e mensuráveis, sendo frequentemente associadas ao aumento do risco de quedas, à limitação da independência funcional e ao comprometimento da qualidade de vida.

O declínio da função neuromuscular é um dos principais determinantes das alterações da marcha em idosos. De acordo com Faria et al. (2003), “com o processo de envelhecimento ocorrem modificações fisiológicas na função neuro-músculo-esquelética […] que predispõem à ocorrência de quedas” (FARIA et al., 2003, p. 134). A redução da força muscular, especialmente nos membros inferiores, prejudica a propulsão durante o ciclo da marcha, contribuindo para passadas mais curtas, menor velocidade e maior tempo em fase de apoio duplo. Essas características biomecânicas não apenas indicam uma marcha menos eficiente, como também evidenciam mecanismos compensatórios adotados pelos idosos para garantir maior estabilidade.

Paralelamente ao comprometimento da força, o equilíbrio postural é outra função sensorial-motora amplamente afetada pelo envelhecimento. Carlos et al. (2024) destacam que “os idosos deste estudo apresentaram um equilíbrio postural comprometido, principalmente no domínio das respostas posturais” (CARLOS et al., 2024, p. 2), o que sinaliza uma deficiência na capacidade de reagir a estímulos ambientais imprevisíveis, como desníveis e obstáculos. Tal comprometimento aumenta o risco de quedas, um dos eventos mais temidos e limitantes para a população idosa, que por sua vez retroalimenta a insegurança, a inatividade física e o declínio funcional.

As mudanças observadas na marcha também podem ser intensificadas por condições clínicas e contextos sociais adversos, como a institucionalização. Oliveira et al. (2019) demonstram que “durante o período de um ano, a capacidade funcional reduziu 7,6% (p = 0,003) e a capacidade cognitiva reduziu 6,7% (p = 0,001)” (OLIVEIRA et al., 2019, p. 139), revelando que a institucionalização pode acelerar o processo de declínio físico e cognitivo. Tais dados indicam que ambientes de convivência restrita e ausência de estímulos funcionais impactam diretamente no desempenho motor dos idosos.

No que tange às características sociodemográficas, a idade avançada e o sedentarismo se destacam como preditores relevantes para o comprometimento da marcha. Em estudo conduzido por Bordin et al. (2024), observou-se que “o predomínio de pessoas idosas com a velocidade de marcha reduzida foi alto, associado às características demográficas de idade avançada e não exercício de atividade laboral” (BORDIN et al., 2024, p. 2). Isso demonstra que o envelhecimento biológico aliado à inatividade funcional acelera a deterioração da capacidade locomotora, favorecendo alterações na marcha mesmo na ausência de patologias específicas.

Essas alterações não ocorrem de forma isolada. Muitas vezes, estão associadas a múltiplos fatores clínicos, como doenças cardiovasculares, uso de medicamentos contínuos e histórico de hospitalizações. Conforme aponta Spekalski et al. (2024), “a velocidade da marcha (VM) reduzida pode estar relacionada aos fatores clínicos, como doenças crônicas não transmissíveis, hospitalizações, uso contínuo de medicamentos e quedas” (SPEKALSKI et al., 2024, p. 1). Essa correlação entre condições clínicas e desempenho funcional reforça a importância da avaliação multidimensional na geriatria.

Outro fator relevante são as comorbidades, como o diabetes mellitus tipo 2, a sarcopenia e a anemia, que afetam a mobilidade por diferentes vias. De La Cruz-Góngora et al. (2024) observam que “changes in anemia are significantly associated with incident and persistent sarcopenia” (DE LA CRUZ-GÓNGORA et al., 2024, p. 1), indicando que distúrbios hematológicos podem impactar diretamente na força muscular e na resistência funcional. Tais alterações, combinadas com o declínio sensorial, intensificam as perturbações na marcha, tornando-a mais instável e menos segura.

Do ponto de vista cardiovascular, a marcha também é influenciada pela integridade do sistema circulatório. Cui et al. (2020) afirmam que “higher cardiovascular risk burden increased the risk of disability and accelerated its progression over time” (CUI et al., 2020, p. 1), evidenciando que doenças cardiovasculares não apenas afetam a marcha por via hemodinâmica, mas também por suas repercussões no sistema nervoso central e na cognição, ambos cruciais para o controle postural e a coordenação motora.

Ainda, doenças neurodegenerativas como o Parkinson podem gerar alterações marcantes no padrão de marcha, mesmo em idosos saudáveis. Penedo et al. (2024) demonstram que “people with Parkinson’s disease show shorter step length, larger step width, slower step velocity, and longer step duration” (PENEDO et al., 2024, p. 1), alterações essas que também são observadas, em menor grau, em idosos não diagnosticados, evidenciando que há um continuum entre envelhecimento fisiológico e patológico da marcha.

Por fim, a prática regular de exercícios físicos se mostra como uma estratégia preventiva e terapêutica para minimizar as alterações da marcha decorrentes do envelhecimento. Segundo Abdala et al. (2017), “a prática de exercícios físicos realizados de forma sistemática […] parece ser uma estratégia interessante para minimizar os efeitos do processo de envelhecimento na marcha” (ABDALA et al., 2017, p. 29). Programas de treinamento que combinam força, equilíbrio e resistência são eficazes para manter ou restaurar parâmetros cinemáticos da marcha, reduzir o risco de quedas e promover maior autonomia entre os idosos.

Com base na literatura analisada, é possível sistematizar as principais alterações da marcha relacionadas ao envelhecimento, categorizando-as conforme sua origem fisiológica, funcional ou clínica. A seguir, a Tabela 4 apresenta um panorama comparativo dessas alterações e suas repercussões sobre a mobilidade e a segurança funcional da população idosa.

Tabela 3 – Alterações da marcha relacionadas ao envelhecimento e suas repercussões funcionais

Fator associadoAlteração observada na marchaRepercussões funcionais relevantesReferência
Declínio da força neuromuscularRedução da propulsão e encurtamento do passoMenor velocidade, instabilidade, aumento da fase de apoio duploFARIA et al., 2003
Déficits no equilíbrio posturalReação postural comprometida a estímulos ambientaisMaior risco de quedas, insegurança ao caminharCARLOS et al., 2024
InstitucionalizaçãoAceleramento do declínio funcional e cognitivoPiora na autonomia e desempenho motor geralOLIVEIRA et al., 2019
Avanço da idade e sedentarismoLentidão e redução da velocidade da marchaDiminuição da mobilidade e do engajamento socialBORDIN et al., 2024
Polifarmácia e doenças crônicasMarcha lenta e desequilibradaQuedas, internações recorrentes e maior dependência funcionalSPEKALSKI et al., 2024
Anemia e sarcopeniaPerda de força e resistência muscularFadiga precoce, dificuldade em manter ritmo constanteDE LA CRUZ- GÓNGORA et al., 2024
Doenças cardiovascularesInstabilidade e fadiga ao esforçoProgressão da incapacidade funcional e declínio cognitivoCUI et al., 2020
Parkinson e distúrbios neurológicosPasso curto, largura aumentada, lentidão e cadência alteradaRedução da fluidez e previsibilidade da marchaPENEDO et al., 2024
Inatividade físicaEnfraquecimento muscular global e desequilíbrioAgravamento do padrão de marcha e risco de quedasABDALA et al., 2017
Fonte: Adaptada pelos autores, 2025.

Diante desse panorama, torna-se evidente que as alterações da marcha no envelhecimento são multifatoriais, envolvendo aspectos fisiológicos, clínicos, ambientais e comportamentais. A compreensão aprofundada dessas alterações é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e reabilitação funcional, que contribuam para o envelhecimento ativo, seguro e com qualidade.

3.3 Abordagens fisioterapêuticas para reabilitação da marcha em idosos

A marcha é uma habilidade motora essencial para a autonomia e qualidade de vida dos indivíduos, especialmente na população idosa. Dada sua complexidade biomecânica e a interdependência entre sistemas neuromuscular, osteoarticular e sensorial, sua preservação exige atenção clínica constante, sobretudo no contexto do envelhecimento. A fisioterapia, nesse sentido, desempenha um papel de destaque ao oferecer intervenções eficazes que visam à manutenção, recuperação e aprimoramento da marcha, por meio de estratégias terapêuticas individualizadas e baseadas em evidências científicas.

Entre as abordagens mais consolidadas está o exercício físico sistemático, que atua diretamente na melhora da mobilidade funcional, da força muscular e da estabilidade postural. Fernandes et al. (2012) constataram em seu estudo que “o programa de exercícios físicos direcionados para a prevenção de quedas melhorou o desempenho funcional de idosos e alterou positivamente as variáveis da marcha” (FERNANDES et al., 2012, p. 829). O fortalecimento de grandes grupos musculares, associado ao treinamento de equilíbrio e à estimulação da coordenação motora, é capaz de restaurar componentes da marcha afetados pelo processo fisiológico do envelhecimento.

Outro recurso terapêutico promissor é a dupla tarefa, técnica que consiste em executar simultaneamente uma atividade motora (como a marcha) e uma tarefa cognitiva ou motora secundária. Essa abordagem tem se mostrado eficaz ao promover o recrutamento de múltiplas áreas cerebrais envolvidas na locomoção e atenção dividida, fortalecendo o controle postural e a segurança do andar. Gomes et al. (2016) destacam que “os idosos demonstraram alterações nos parâmetros espaço-temporais da marcha sob condições de dupla tarefa” (GOMES et al., 2016, p. 170), o que reforça a importância de sua aplicação clínica como forma de simular situações reais do cotidiano e, assim, prevenir quedas.

Para pacientes com doenças neurológicas, como o Parkinson, a marcha em esteira tem sido uma estratégia eficaz e segura. A repetição cíclica do padrão locomotor, com ou sem o suporte do peso corporal, auxilia na padronização dos movimentos, melhora a cadência e favorece a simetria da passada. Segundo Luna et al. (2020), “o treinamento em esteira com ou sem suporte de peso […] foi efetivo para melhorar a marcha” (LUNA et al., 2020, p. 2), sendo uma alternativa importante principalmente em ambientes clínicos com estrutura adaptada.

Ainda no campo da reabilitação neuromuscular, estudos recentes evidenciam os efeitos da dor cervical crônica na marcha de idosos, especialmente sobre a velocidade e simetria da marcha durante movimentos cefálicos. A dor compromete o alinhamento postural, interfere no sistema vestibular e prejudica os mecanismos automáticos de estabilização. Madsalae et al. (2024) enfatizam que “a dor cervical crônica afeta tanto a velocidade quanto a simetria da marcha durante a movimentação da cabeça” (MADSALAE et al., 2024, p. 6), demonstrando que o tratamento da dor é também uma estratégia indireta, porém essencial, para a preservação da mobilidade.

Outro fator relevante a ser considerado nas intervenções fisioterapêuticas é o impacto do envelhecimento sobre os sistemas de equilíbrio e força. Rezaei et al. (2024) identificaram que, embora a velocidade da marcha possa não sofrer alterações significativas em algumas populações idosas, há declínio expressivo na estabilidade postural e na força muscular, evidenciado pelo fato de que “a velocidade da marcha não foi significativamente afetada pela idade, enquanto o equilíbrio e a força apresentaram declínio relevante” (REZAEI et al., 2024, p. 5). Esses achados reforçam a importância da abordagem multicomponente que integre diferentes capacidades funcionais ao plano terapêutico.

Dentre as inovações aplicadas na fisioterapia geriátrica, destaca-se o uso da restrição de fluxo sanguíneo (Blood Flow Restriction – BFR) como método de reabilitação. Essa técnica, ao limitar parcialmente a circulação venosa durante o exercício, permite que idosos realizem atividades de baixa intensidade com benefícios semelhantes aos de exercícios de maior carga, reduzindo o risco de lesão. De acordo com Hsieh et al. (2024), “a restrição de fluxo sanguíneo pode ser eficaz para tarefas de mobilidade e marcha em distâncias curtas” (HSIEH et al., 2024, p. 8), o que a torna uma alternativa viável para populações fragilizadas.

Adicionalmente, as estratégias de reabilitação da sarcopenia, como o fortalecimento muscular direcionado e a periodização do treinamento funcional, têm mostrado grande impacto na restauração da marcha. A redução da massa muscular relacionada à idade compromete diretamente a propulsão e o controle postural, sendo a intervenção fisioterapêutica essencial na sua prevenção e reversão. Corrêa et al. (2024) destacam que “a fisioterapia é essencial na prevenção dos agravos causados pela sarcopenia, promovendo melhor qualidade de vida por meio do fortalecimento muscular” (CORRÊA et al., 2024, p. 2020), evidenciando o papel do fisioterapeuta como protagonista no manejo dessa condição.

Por fim, cabe ressaltar que as abordagens fisioterapêuticas devem ser personalizadas, considerando não apenas as alterações físicas, mas também os aspectos psicossociais e cognitivos do paciente idoso. Nesse contexto, Montero-Odasso et al. (2021) sugerem que “a abordagem centrada na pessoa e o uso da tecnologia digital emergem como componentes fundamentais para a prevenção de quedas” (MONTERO-ODASSO et al., 2021, p. 1505), apontando para a incorporação de tecnologias assistivas, plataformas digitais de treino e estratégias interativas no cuidado com o idoso.

Tabela 4 – Abordagens fisioterapêuticas na reabilitação da marcha em idosos: técnicas e benefícios

Estratégia terapêuticaObjetivo principalBenefícios funcionais observadosReferência
Exercício físico sistemáticoPrevenir quedas e manter desempenho funcionalAumento da força, estabilidade, amplitude e ritmo da marchaFERNANDES et al., 2012
Dupla tarefa (motor + cognitivo)Estimular atenção dividida e controle posturalMelhora da simetria e estabilidade em situações do cotidianoGOMES et al., 2016
Treinamento em esteiraReforçar ritmo e simetria do padrão locomotorPadronização da marcha, aumento da cadênciaLUNA et al., 2020
Controle da dor cervical crônicaReduzir interferências posturais e vestibularesMelhora da simetria e velocidade da marchaMADSALAE et al., 2024
Restrição de fluxo sanguíneo (BFR)Promover hipertrofia com baixa cargaGanho de força com menor risco em idosos fragilizadosHSIEH et al., 2024
Reabilitação da sarcopeniaAumentar massa muscular e prevenir perda funcionalMelhora da propulsão, força de membros inferiores e equilíbrioCORRÊA et al., 2024
Abordagem centrada na pessoa com tecnologiaPersonalizar o cuidado com recursos digitaisEngajamento, prevenção de quedas e adesão ao tratamentoMONTERO-ODASSO et al., 2021
Fonte: Adaptada pelos autores, 2025

Em suma, a reabilitação da marcha em idosos exige uma abordagem multidimensional, fundamentada em evidências científicas e adaptada à realidade funcional e clínica de cada indivíduo. O uso combinado de métodos tradicionais, como exercícios físicos e treinamento em esteira, com inovações como a dupla tarefa, a restrição de fluxo e o uso de tecnologia, compõe um arsenal terapêutico robusto e promissor. A atuação fisioterapêutica eficaz não apenas contribui para a melhora da marcha, mas também promove autonomia, autoestima, segurança e dignidade na vida dos idosos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente revisão bibliográfica permitiu compreender com profundidade os impactos do processo de envelhecimento sobre a marcha humana, destacando as alterações fisiológicas, biomecânicas e funcionais que comprometem significativamente a mobilidade, o equilíbrio e a autonomia da população idosa. A análise crítica da literatura revelou que a marcha em idosos tende a se tornar mais lenta, assimétrica e instável, fenômeno associado à sarcopenia, à presença de comorbidades crônicas, ao declínio cognitivo e sensorial, e à redução da força muscular e da capacidade de resposta postural.

Conforme evidenciado, a marcha não é apenas um padrão motor, mas um importante marcador clínico e funcional do estado de saúde do idoso, sendo amplamente reconhecida como um preditor de morbimortalidade. Diante disso, a fisioterapia assume um papel central tanto na prevenção quanto na reabilitação das disfunções da marcha, utilizando abordagens baseadas em evidências, como exercícios multicomponentes, treinamento em esteira, técnicas de dupla tarefa, uso de tecnologias assistivas e estratégias voltadas ao fortalecimento muscular.

Os achados desta pesquisa reforçam a importância de intervenções personalizadas, que considerem as particularidades funcionais, cognitivas e sociais de cada indivíduo idoso. Além disso, a integração de métodos inovadores, como a restrição de fluxo sanguíneo e o uso de plataformas digitais, revela-se promissora para ampliar o alcance e a efetividade dos programas de reabilitação.

Em suma, a análise dos aspectos fisiológicos, das alterações da marcha e das abordagens fisioterapêuticas disponíveis evidencia que a atuação fisioterapêutica, quando fundamentada cientificamente, é capaz de restaurar a função locomotora, reduzir riscos de quedas e promover a qualidade de vida no envelhecimento. Espera-se que este trabalho contribua para o fortalecimento do conhecimento teórico-prático dos profissionais da área, incentivando práticas mais seguras, eficazes e humanizadas no cuidado ao idoso.

5. REFERÊNCIAS

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1FSG Centro Universitário laura.rodrigues@fsg.edu.br
ORCID 0000-0002-0985-9685
Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/1730352819303133

2Universidade de Brasília, Brasília, Brasil fabricioocavalcante@gmail.co
https://orcid.org/0000-0002-8706-0457
Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/5076386341043134