DISTÚRBIO DO SONO RELACIONADO COM O TRABALHO POR TURNOS

SHIFT WORK SLEEP DISORDER

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505062222


Ana Pinela¹; Pedro Mestre; Kamila Troper; Ana Lima; Ana Cunha; Teresa Martinho.


Resumo

O trabalho por turnos é essencial na sociedade atual, mas tem impacto negativo sobre a saúde dos trabalhadores. O Distúrbio do Sono Relacionado com o Trabalho por Turnos (DSTT) é um distúrbio do ritmo circadiano do sono-vigília, subdiagnosticado, com impacto na saúde física, mental e social dos trabalhadores. Assim, pela sua relevância, este artigo teve como principal objetivo realizar uma revisão sobre os seus aspetos fisiopatológicos, sinais e sintomas, tratamento e prevenção.

Trata-se de uma revisão narrativa feita através da pesquisa de artigos nos motores de busca Pubmed, ScienceDirect e Google Scholar com as combinações de descritores MeSH: “Sleep Disorders, Circadian Rhythm” associados aos termos “diagnosis”, “epidemiology”, “pathology”, “physiopathology”, e “prevention and control”. Foram selecionados artigos escritos em inglês e português, entre 2000-2024 e um artigo de 1995, pela sua pertinência para o tema. 

A prevalência global do DSTT é de 20-30%. Resulta da resistência do relógio biológico central à adaptação ao turno da noite, e da disrupção da harmonia entre os processos homeostático e circadiano do sono, que determinam a sua propensão. A desregulação leva à perda de 1 a 4 horas de sono diurno após turno, e à diminuição em 80% da eficácia do sono de ondas lentas, considerado o mais reparador.  Clinicamente traduz-se em queixas de fadiga, diminuição da atenção e capacidade cognitiva, com implicações para a segurança no trabalho, aumento do risco de acidentes, absentismo e custos. A sua gestão eficaz inclui a sugestão de medidas organizacionais, formação, e adoção de intervenções específicas.

Palavras-chave: Distúrbio relacionado com o trabalho por turnos. Sono. Risco. Saúde ocupacional.

ABSTRACT

Shift work is essential in today’s society, but it has a negative impact on workers’ health. Shift Work Sleep Disorder (SWSD) is a circadian rhythm sleep-wake disorder that is underdiagnosed and affects workers’ physical, mental, and social health. Given its relevance, this article aimed to review its pathophysiological aspects, signs and symptoms, treatment, and prevention strategies.

This is a narrative review conducted through research of articles in the PubMed, ScienceDirect, and Google Scholar databases using the MeSH descriptor “Sleep Disorders, Circadian Rhythm” combined with the terms “diagnosis”, “epidemiology”, “pathology”, “physiopathology”, and “prevention and control”. Articles written in English and Portuguese from 2000–2023 were selected, along with one 1995 article due to its relevance to the topic.

The global prevalence of SWSD is 20–30%. It results from the central biological clock’s resistance to adapting to night shifts and from the disruption of harmony between the homeostatic and circadian sleep processes, which determine sleep propensity. This dysregulation leads to a loss of 1 to 4 hours of daytime sleep after shifts and an 80% reduction in the effectiveness of slow-wave sleep, considered the most restorative. Clinically, it manifests as complaints of fatigue, decreased attention and cognitive performance, with implications for workplace safety, increased accident risk, absenteeism, and costs. Effective management includes organizational measures, training, and adoption of specific interventions.

Keywords: Shift work disorder. Sleep. Risk. Occupational health.

INTRODUÇÃO

O ser humano está naturalmente programado para dormir durante a noite e manter-se vígil durante o dia.  Todavia, atendendo à evolução socioeconómica e tecnológica global, o trabalho por turnos tornou-se essencial para assegurar a qualidade de vida das comunidades, garantia de serviços de saúde, transporte, produção, entre muitos outros (1).

É considerado trabalho por turnos, todo aquele que é realizado diariamente fora do horário tradicional estabelecido das 9 às 17 horas (2). Os turnos podem ser feitos ao final do dia, durante a noite, ou de madrugada, e podem ser necessários ocasionalmente, regularmente num período fixo do dia, ou de forma rotativa (3,4). Em Portugal, e de acordo com o artigo 223º do Código do Trabalho, considera-se trabalho noturno o prestado num período que tenha a duração mínima de sete horas e máxima de onze horas, compreendendo o intervalo entre as 0 e as 5 horas. Pode ser determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, com observância do disposto no número anterior, na falta daquela determinação, o compreendido entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte (5).

O efeito do trabalho por turnos ao nível da saúde e segurança é amplamente conhecido (6) A disrupção do sono é uma das suas principais consequências, tipicamente pelas alterações que origina nos padrões de sono-vigília, decorrentes do desalinhamento do ritmo circadiano (6,7) Os trabalhadores podem desenvolver um distúrbio designado de distúrbio do sono relacionado com o trabalho por turnos, que se caracteriza por habituais queixas de fadiga, insónia e/ou sonolência excessiva. Estes sintomas têm implicações no âmbito da sua vida pessoal e ocupacional. Aumentam a predisposição para doenças cardiovasculares, metabólicas, gastrointestinais, psicológicas, assim como acidentes domésticos e de trabalho, o que acarreta um aumento de custos para os empregadores e para sociedade no global (7–9).

DESENVOLVIMENTO

Este trabalho é uma revisão narrativa realizada por meio da pesquisa de artigos nas bases de dados PubMed, ScienceDirect e Google Scholar. Foram utilizadas combinações de descritores MeSH, incluindo: “Sleep Disorders, Circadian Rhythm” associados aos termos “diagnosis”, “epidemiology”, “pathology”, “physiopathology”, e “prevention and control”.

Para a seleção dos artigos, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: artigos, teses e dissertações publicados em inglês ou português, com data de publicação entre 2000 e 2024, e que fossem pertinentes à temática. Foram excluídos artigos duplicados, aqueles sem texto integral disponível e que não possuíam acesso gratuito.

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, obteve-se um total de 233 artigos, cuja triagem foi realizada manualmente por três revisores, através da leitura de títulos e resumos. A partir dessa triagem, foram selecionados 43 artigos e 2 teses/dissertações para leitura integral. Além desses, foi incluído um artigo datado de 1995, dada a sua relevância e pertinência para a compreensão do tema.

Ritmo circadiano

Os seres humanos apresentam oscilações biológicas que se repetem regularmente no tempo, designadas de ritmos biológicos.  De acordo com a sua frequência os ritmos biológicos podem ser classificados como ultradianos – frequência inferior a 20 horas, circadianos – frequência dentro de um período de aproximadamente 24 horas, ou infradianos – frequência superior a 28 horas (10)

O ritmo circadiano humano é uma característica das células dos vários tecidos do organismo, que resulta da transcrição e tradução autorregulada de genes relógio (11,12). É regulado por um relógio biológico central, localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NSQ) do hipotálamo anterior, embora existam tecidos periféricos capazes de o fazer de forma autossustentada – relógio biológico periférico (12). O relógio biológico central sincroniza o ritmo circadiano humano com o ritmo circadiano do ambiente externo (13), através de agentes sincronizadoresdesignados de zeitgebers – ciclo de luz claro-escuro, alimentação, horários sociais e de trabalho, entre outros(14). O principal sincronizador ambiental é o ciclo de luz claro-escuro (11,12,15)  A luz, especialmente a azul, é detetada pelas células ganglionares da retina fotossensíveis, que expressam melanopsina, e transmitem essa informação através do trato retinohipotalâmico aos NSQ. A partir do input dos níveis de luminosidade, o relógio biológico central coordena a expressão dos genes relógio nos diferentes tecidos do organismo, mantendo-o adaptado ao exterior (12) O padrão de exposição à luz – a intensidade, a composição espectral, os horários de exposição e história prévia de exposição – alteram o tempo e a direção do ritmo circadiano humano, podendo adiantá-lo ou atrasá-lo (11,16)

Os ritmos biológicos: secreção hormonal, temperatura corporal, libertação de corticosteroides e sono-vigília são considerados ritmos circadianos (11,17). A libertação de melatonina inicia-se ao anoitecer, atinge o seu pico a meio da noite, e diminui lentamente até ao final da manhã. A temperatura central do corpo apresenta o seu nadir (mínimo) 1 a 2 horas antes do habitual acordar, e atinge o seu zenit (máximo) 1 a 2 horas antes do habitual adormecer.  O cortisol tem um valor pico ao acordar e um valor mínimo pouco tempo após o início do episódio de sono.

Variação circadiana do sono-vigília

O ritmo sono-vigília é regulado por uma complexa interação entre dois processos – o processo homeostático também designado de S e o processo Circadiano ou C (18)  O primeiro representa, nas 24 horas do dia, o acúmulo de sono. Durante o tempo de vigília, a variável S aumenta, causando cansaço e aumento da necessidade de dormir. O processo C, refere-se à propensão para dormir gerada pelo dia biológico – é fortemente influenciado pela libertação de Melatonina, responde sobretudo aos zeitgebers, particularmente à exposição luz/escuridão (11,14,19), e parece ter um papel mais determinante na duração e estrutura interna do sono. Assim, este inicia-se ao anoitecer, devido à pressão de sono gerada pelo processo S, e prolonga-se por cerca de 8 horas, por ação do processo C (1) É da ótima sincronização entre estes processos e o ambiente externo, que resulta um sono consolidado e uma vigília mantida durante o dia(14).

O ritmo circadiano do sono é ainda, marcado por variabilidade individual. O Cronótipo é o comportamento que descreve o horário de sono-vigília de cada um, de acordo com as suas preferências, e parece estar relacionado com a capacidade adaptativa a turnos. Os indivíduos com cronótipos diurnos dormem e acordam cedo, enquanto aqueles com cronótipos noturnos têm horários mais flexíveis e adormecem mais tardiamente, sendo por isso mais tolerantes aos turnos de trabalho noturno (1)

Patologias do ritmo circadiano sono-vigília

As patologias do ritmo circadiano sono-vigília caracterizam-se por disrupções do padrão de sono, crónicas ou recorrentes, resultantes da desregulação do ritmo circadiano humano ou da sua dessincronização com o ambiente externo (16,20). Implicam a presença de sintomas de insónia, sonolência excessiva ou ambos e produzem um impacto clínico importante a nível mental, físico, social, ocupacional, educacional e/ou em outras áreas importantes de funcionamento (21) Podem ser classificadas como distúrbios endógenos: avanço de fase do sono, atraso de fase do sono, ritmo circadiano irregular, ritmo circadiano não 24 horas; ou distúrbios exógenos: Jet Lag e Distúrbio do sono relacionado com o trabalho por turnos.

Distúrbio do sono relacionado com o trabalho por turnos

O Distúrbio do sono relacionado com o trabalho por turnos (DSTT) é uma patologia que afeta habitualmente, indivíduos que trabalham em horários compatíveis com o comum período de sono (1) (13) (22). O diagnóstico implica queixas de insónia e/ou sonolência excessiva e redução duração do episódio sono, durante pelo menos 3 meses, devidas ao trabalho por turnos recorrentes. Deve ser comprovado por um registo diário do padrão de sono e estudo por actigrafia, não sendo mais bem explicado por nenhum outro distúrbio, ou por outra qualquer condição neurológica, mental, uso de substâncias, ou má higiene do sono (23)

Contribuem para o seu desenvolvimento fatores como, horários prolongados de trabalho, curtos períodos de descanso entre turnos, inexistência de períodos de sono durante o trabalho noturno, elevada frequência de turnos semanais, idade avançada, estado civil (casado) e uso de substâncias aditivas (álcool, tabaco, entre outras) (8,9,24)

Estima-se que tenha uma prevalência global de cerca de 20 a 30% (24). Nos EUA, aproximadamente 10% dos trabalhadores por turnos cumprem os critérios de diagnóstico. Em Itália, nos Países Baixos e na Etiópia a prevalência deste distúrbio nos trabalhadores da área da saúde é estimada entre 28-52%, 10-23% e 33,67%, respetivamente(9).

As suas consequências parecem ser significativamente mais graves para os trabalhadores noturnos (11), que são expostos a sincronizadores externos que os orientam para o horário diurno.   Por sua vez, o relógio biológico central faz persistir processos fisiológicos característicos do sono – nadir de cortisol, pico de melatonina e nadir da temperatura central – durante o período de vigília noturna (1). Verifica-se,  uma importante disrupção da harmonia temporal entre os processos S e C do sono (1,15). Decorrente desta desregulação, os trabalhadores experienciam sonolência excessiva, que coloca em risco a sua segurança e a de terceiros, assim como a dos processos de trabalho (9).

Subsequentemente, o sono diurno é caracterizado por um início habitualmente rápido, pelo efeito máximo de ambos os processos S e C, mas com uma duração curta, dado que o efeito de pressão de sono rapidamente desaparece e o processo C se orienta para a vigília (1). Avaliações por polissonografia (PSG) em trabalhadores de turnos noturnos, revelaram um encurtamento do tempo de sono diurno de 1 a 4 horas (11,25,26) em comparação com o noturno (11). Estes resultados foram corroborados por Pedersen, et.al, que nos seus estudos, simularam um período de três turnos noturnos consecutivos, seguidos de sono diurno e revelaram uma divida total de sono de 227.6 minutos e uma maior pressão de sono, mesmo após 6 horas dormidas (25).

Do ponto de vista da arquitetura, o sono diurno tem uma diminuição na latência, nos estadios N2 e REM, (27) não obstante, o estadio N3 está preservado (25,27). O estadio N3 do sono NREM, também designado de sono de ondas lentas, é considerado o período mais reparador do ponto de vista energético e para o sistema nervoso (25).  Embora mantido, a evidência científica revela que a sua eficácia está profundamente comprometida, podendo ser inferior a 80% (11).

Após um turno da noite, a necessidade de sono noturno compensatório aumenta 8 a 43% (11). Assim, os trabalhadores, nas suas folgas, devem dormir cerca de 9 horas/noite ou mais, para recuperarem esta divida (28). A maioria dos indivíduos apenas se restabelece após duas noites dormidas.  A cronicidade e gravidade da perda de sono podem levar à necessidade de mais dias de descanso (28) sendo que a recuperação pode acontecer apenas ao fim de sete noites (29).

A adaptação ao trabalho por turnos, especialmente noturnos, depende da variabilidade individual e pode consistir num processo gradual, longo e consistente de exposição ao novo ritmo sono-vigília (1). Alguns fatores que interferem com essa adaptação, são: a história prévia de trabalho por turnos, a organização dos horários de trabalho, a exposição a luz, a possibilidade de realizar sestas durante os turnos, a idade, a situação global de saúde, e as responsabilidades domésticas após o trabalho (11) Sem intervenções facilitadoras, apenas 3% dos trabalhadores se adaptam completamente ao trabalho noturno, 25% de forma parcial e 72% não se adaptam (1,11).

Distúrbio do sono relacionado com trabalho por turnos e risco ocupacional

O trabalho por turnos diminui a duração total de sono, a sua qualidade e eficácia. Situações em que ocorra a sua privação, aguda ou crónica, condicionam maior fadiga, diminuição sustentada da atenção, diminuição do processamento cognitivo e da performance visual-motora dos trabalhadores, o que aumenta o risco de acidentes em cerca de 60% (9,11,28,30–32), sendo três vezes mais frequentes em trabalhadores noturnos (11). A sinistralidade decorrente do DSTT resulta num absentismo que ronda os 31–53% e que acarreta um aumento dos custos de 48–92% (8)(1).

O impacto do desajuste decorrente do trabalho por turnos pode culminar em doenças: metabólicas, como a obesidade e a diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, aumento da inflamação, ansiedade, depressão e até mesmo, cancro (2), que impactam não só a saúde do trabalhador, mas também a sua produtividade e os custos empresariais, direta ou indiretamente (14).  

Gestão do transtorno de distúrbio relacionado com os turnos

Muitas situações de trabalho requerem necessariamente a existência de turnos, o que implica a tomada de medidas que minimizem o seu impacto. Do ponto de vista organizacional, os empregadores, trabalhadores e sociedade em geral, devem estabelecer horários adequados ao desempenho das tarefas laborais, com respeito pelas questões de segurança. A organização do trabalho por turnos deve ter em atenção o número de turnos consecutivos, assim como a duração de cada um. Não deverão ser ultrapassados os cinco dias consecutivos de trabalho e o número deverá ser ainda menor em caso de turnos de doze horas trabalho (aumentam a fadiga e o risco de acidentes de trabalho relativamente às oito horas), noturnos, ou com início entre as seis e sete horas da manhã (31). As rotações entre turnos deve ser curta (a cada dois dias), ou longa (a cada três a quatro semanas), pois a rotação semanal é favorecedora da dessincronização dos ritmos circadianos. Deve ser privilegiado o horário de trabalho com rotações no sentido dos ponteiros do relógio, ou seja, dia-tarde-noite, e devem ser evitados o acumular de turnos seguidos. A realização de tarefas que exijam elevada concentração não devem ser realizadas entre as três e as seis da manhã (31). Os descansos entre turnos devem ser iguais ou superiores a 11 horas e as pausas após sequências de turnos devem ser no mínimo de dois dias (32).  Idealmente os trabalhadores devem dispor de alguns fins-de-semana livres, com pelo menos dois dias sem trabalho, para facilitar a conciliação da vida profissional com a vida social e familiar. A empresa pode ter de aumentar o número de trabalhadores por forma a cumprir com os princípios de segurança. É fundamental que os serviços garantam formação e informação sobre o trabalho por turnos, especialmente noturnos, efeitos sobre o sono e saúde em geral, e medidas a adotar para prevenir os seus efeitos.

Algumas medidas que podem melhorar o estado de alerta dos trabalhadores durante o turno de trabalho noturno são: a realização de sestas profiláticas ou durante o turno – para mitigar a sonolência e melhorar o desempenho laboral (28); o uso estratégico de cafeína; a realização de atividade física e a exposição a luz brilhante ou azul monocromática. Nos EUA a Food and Drug Administration (FDA) autorizou o uso de fármacos estimulantes como o Modafinil e Armodafinil, todavia, na Europa, o uso destes fármacos não está aprovado (33).

Para melhorar a sincronização do ciclo circadiano com os horários de trabalho e a qualidade do sono diurno, medidas comportamentais como o uso de óculos de sol (à saída do trabalho) e a redução da luminosidade em casa, são recomendadas. Pode haver a necessidade de recorrer a fármacos como a melatonina. Estudos em que foi usada esta terapêutica, em doses de 1 a 3 mg, provaram aumentar a duração total do sono. Esta evidencia é questionável uma vez que os estudos foram desenvolvidos com amostras de pequeno número, requerendo por isso, mais investigação (11,33). Para os indivíduos com dificuldades em iniciar o sono, os hipnóticos podem também ser uma opção a ponderar, em função do risco benefício.  

Nos dias de folga, uma boa higiene do sono é fundamental, através da adoção de horários regulares de sono-vigília, com períodos de sono no mínimo de 7 horas ou mais, e condições de conforto – luminosidade e ruído reduzidos e adequados níveis de temperatura e humidade. Devem ser evitados a cafeína, a nicotina ou qualquer outro tipo de agente estimulante, a exposição a luz brilhante e o exercício físico pelo menos 6 horas, 2 a 3 horas, e de forma imediata, respetivamente. Devem, ainda, ser evitadas as refeições pesadas, o consumo de álcool e as sestas diurnas.

CONLUSÃO

O trabalho por turnos é uma realidade necessária e incontornável em diversos contextos de trabalho atual e pode estar na origem do DSTT, uma entidade nosológica subdiagnosticada, com impacto negativo sobre a saúde, desempenho laboral e segurança dos trabalhadores, que representa um desafio para a Medicina do Trabalho.

O médico do trabalho é responsável por participar na implementação de medidas preventivas que minimizem o impacto dos turnos no sono, o que inclui a sugestão de medidas organizacionais, a garantia de formação e partilha de informação aos empregadores e trabalhadores sobre o tema e o incentivo para a adoção de medidas específicas.

Cabe ao médico do trabalho realizar a vigilância de saúde dos trabalhadores expostos ao trabalho por turnos, considerando entre outros, o risco de DSTT. Nos exames de saúde, deve ter presente as tarefas e atividades que estão incumbidas ao trabalhador e qual é o tipo de organização do trabalho – se implica a realização de turnos. Deve realizar a história profissional de forma a saber se o trabalhador já esteve nesta modalidade de trabalho e se existiram as implicações da mesma do ponto de vista clínico e/ou da performance laboral, assim como excluir a história prévia de acidentes de trabalho relacionados com insónia e/ou sonolência excessiva. Deve realizar uma história clínica detalhada que permita identificar o seu cronótipo, antecedentes pessoais que possam interferir com o sono, e hábitos de vida, como o tipo de alimentação, uso de substâncias potencialmente estimulantes (café, álcool, tabaco, etc.), prática de exercício físico, uso de fármacos, conciliação do trabalho com a vida pessoal/social e hábitos de higiene do sono – duração e qualidade – podendo fazer uma avaliação de sonolência através da utilização de escalas, como a de Epworth Sleepiness Scale. O médico, deve ser capaz de identificar e vigiar os sinais e sintomas sugestivos de DSTT e sempre que considere necessário, encaminhar os trabalhadores a outras especialidades, como a Pneumologia, para o esclarecimento diagnóstico de outras patologias (como SAOS, Narcolepsia, entre outas) ou de DSTT.  Em função do exame de saúde, o médico do trabalho define a aptidão para o trabalho, considerando os riscos para a saúde e segurança do trabalhador, de terceiros e dos processos de trabalho (34).

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¹Mestrado integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve. Atualmente Médica Interna de Formação especifica em Medicina do trabalho, na Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra, Portugal. E-Mail: ana.pinela@ulsasi.min-saude.pt;