REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202504301935
Ane Beatriz Meneses Dos Santos; Delusio De Araújo Coelho Junior; Fernanda Santana Pimentel; Hyngrid Vanessa De Oliveira Reis; Stella Menezes Roma; Orientadora: Dra. Katia Regina
RESUMO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polineuropatia inflamatória aguda de origem autoimune, frequentemente desencadeada por infecções virais ou bacterianas, que leva à desmielinização dos nervos periféricos e consequente fraqueza muscular progressiva. O objetivo deste estudo é relatar um caso clínico de um paciente diagnosticado com SGB, abordando suas manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento. A metodologia baseou-se em um relato de caso descritivo, com coleta de dados por meio de revisão de prontuário e literatura médica. O paciente, após um quadro infeccioso prévio, apresentou sintomas progressivos de fraqueza muscular e insuficiência respiratória, necessitando de suporte ventilatório intensivo. O diagnóstico foi estabelecido com base nos achados clínicos e exames laboratoriais. O tratamento envolveu suporte intensivo, fisioterapia e monitoramento neurológico, evoluindo para recuperação progressiva. Destaca-se a importância do diagnóstico precoce e da intervenção adequada, ressaltando que a maioria dos pacientes pode se recuperar com acompanhamento multidisciplinar. Conclui-se que a SGB, apesar de rara, requer atenção médica imediata para minimizar complicações, enfatizando a relevância da reabilitação no prognóstico.
Palavras-chave: Síndrome de Guillain-Barré; Polineuropatia inflamatória; Desmielinização; Reabilitação.
1 INTRODUÇÃO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma condição neurológica rara, grave, caracterizada pela inflamação e desmielinização aguda dos nervos periféricos. Esta doença autoimune ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca equivocadamente os nervos periféricos, levando a uma série de sintomas que podem variar de leves a graves. Embora a causa exata da SGB ainda não seja completamente compreendida, há uma forte associação entre o início da síndrome e infecções bacterianas ou virais, como o vírus Zika, o vírus Epstein-Barr e a bactéria Campylobacter jejuni (Rigo et al., 2020).
A epidemiologia da SGB mostra uma incidência global estimada de 1 a 2 casos por 100.000 habitantes por ano. Apesar de rara, a SGB pode ocorrer em qualquer faixa etária, sendo ligeiramente mais comum em adultos e em homens. Há variações geográficas na incidência, possivelmente, relacionadas a fatores genéticos, ambientais e agentes infecciosos prevalentes em diferentes regiões. Durante surtos de doenças infecciosas, como o vírus Zika, a incidência de casos pode aumentar significativamente. Este aspecto ressalta a importância do monitoramento epidemiológico e da resposta rápida a ameaças emergentes (Malta; Ramalho, 2020).
A progressão da SGB, geralmente, é rápida, com os pacientes tendo manifestações clínicas de fraqueza muscular, dormência e formigamento nas extremidades. Em muitos casos, essa fraqueza pode evoluir para paralisia total, comprometendo a mobilidade, a respiração e, em situações graves, até mesmo funções autônomas, como a regulação da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. Apesar da gravidade potencial da condição, é importante destacar que a maioria dos pacientes se recupera ao longo do tempo, embora alguns possam apresentar sequelas permanentes (Silva et al., 2016).
O diagnóstico da SGB é baseado em uma combinação de histórico clínico, exames físicos e testes complementares, como a eletromiografia (EMG) e a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), que, muitas vezes, revela altos níveis de proteína sem aumento significativo de leucócitos (Rigo et al., 2020).
O tratamento inicial inclui imunoterapia, como a plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa (IVIG), que ajudam a reduzir a resposta autoimune. Além disso, o suporte respiratório e a reabilitação são fundamentais em casos mais graves (Sarmento et al., 2024).
Embora a Síndrome de Guillain-Barré seja uma condição potencialmente incapacitante, os avanços no diagnóstico e no tratamento têm melhorado significativamente as taxas de recuperação e redução de mortalidade. No entanto, devido a sua natureza imprevisível e aos desafios que impõe, tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde, a SGB continua a ser um campo de intenso estudo na área da neurologia (Malta; Ramalho, 2020).
Este trabalho tem como objetivo descrever um estudo de caso de um paciente adulto com Síndrome de Guillain-Barré, discorrer sobre as principais manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento, evidenciando o manejo adequado para pacientes com SGB, por se tratar de um diagnóstico desafiador, complexo e de grande relevância, devido ao número de casos e publicações referentes a mesma no Brasil, revelando a necessidade de mais discussões em torno desta patologia.
2 METODOLOGIA
O presente estudo é um relato de caso descritivo, exploratório e teve a concordância na participação através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde foram entregues duas cópias, uma ficando com o participante e a outra com as pesquisadoras.
As informações contidas nesta descrição do caso clínico foram obtidas por meio de revisão de prontuário, registro de imagens de exames diagnósticos e revisão de literatura.
Durante todo o trabalho, foi assegurado a confidencialidade dos dados coletados, conforme à Lei Geral de Proteção dos Dados Pessoais nº 13.709/2018.
3 RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 31 anos, etilista social, sem comorbidades prévias conhecidas, apresentou um quadro gripal autolimitado, sem necessidade de assistência médica. Após alguns dias, evoluiu com diarreia associada a vômitos, procurando atendimento na UBS após sete dias do início dos sintomas, sendo encaminhado para o hospital da cidade, onde recebeu tratamento sintomático e recebeu alta. No dia seguinte, retornou ao hospital devido à persistência dos sintomas, foi medicado e liberado após melhora aparente. Entretanto, em 24 horas apresentou piora clínica com dispneia progressiva, necessitando de internação e suporte intensivo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Foi admitido no Hospital de Campo Formoso no dia 16/09/2024 com quadro de cetoacidose diabética (CAD), diagnosticado por hiperglicemia, cetonuria (EAS 3+ cetonas) e gasometria com acidose metabólica associada a hipercalemia. Iniciou insulinoterapia em BIC e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. No dia 17/09, foi iniciada ceftriaxona devido suspeita de pneumonia, e no dia 18/09 houve necessidade de intubação orotraqueal (IOT) devido à insuficiência respiratória.
No dia 21/09, evoluiu com parada cardiorrespiratória (PCR) com duração de 3 minutos. No dia 22/09, tomografia de crânio evidenciou pequenos focos de hemorragia subaracnoide (HSA) esparsos nos sulcos corticais dos dois hemisférios, fissura silviana esquerda e cisterna interpeduncular, motivando regulação para o Hospital Universitário de Petrolina para avaliação neurocirúrgica.
O paciente foi admitido em sala vermelha do HU no dia 23/09, em uso de fentanil (5 ml/h) e insulina em bomba de infusão continua (BIC), apresentando midríase bilateral e ausência de reflexos de tronco cerebral. Evoluiu com nova PCR em atividade elétrica sem pulso (AESP) com retorno da circulação espontânea após 4 minutos de massagem cardíaca.
Como parte da investigação, foi realizada ainda no dia 23/09, tomografia computadorizada de crânio que demonstrou intensos artefatos de endurecimento de feixe, os quais dificultaram a análise, mas não foram observados sinais de lesões isquêmicas, hemorragia aguda, edema cerebral, hidrocefalia, herniações ou outras alterações estruturais. Além disso, a tomografia computadorizada de tórax evidenciou extensas consolidações nos segmentos posteriores dos lobos superiores e nos lobos inferiores de forma bilateral, sugestivas de broncopneumonia, com padrão compatível com broncoaspiração. Diante desses achados, foi iniciado tratamento com Piperacilina/tazobactam.
No dia 25/09, avaliação neurológica demonstrou preservação dos reflexos vestibulocalórico, córneo-palpebral e óculo-cefálico, não sendo preenchidos os critérios clínicos necessários para abertura do protocolo de morte encefálica. No dia 26/09, o paciente foi transferido para o HRJ, onde se manteve em estado gravíssimo, arreflexivo, sem sedação e necessitando de ventilação mecânica. No dia 30/09, seguia sem reflexo de tosse e sem mobilidade ativa, indicando disfunção neurológica grave. Ademais, evoluiu com episódios febris diários, leucocitose e hipotensão, sendo aventada a hipótese de pneumonia associada a ventilação mecânica, diante da qual foi iniciado Meropenem.
No dia 05/10, foi realizada nova tomografia de crânio que evidenciou hematoma subgaleal occipital à direita e parietal à esquerda, com até 1,2 cm de espessura. No dia 08/10, diante da dependência prolongada do suporte ventilatório e visando reduzir os riscos associados a intubação orotraqueal prolongada, foi indicada realização de traqueostomia.
No dia 15/10, o parecer da neurologia descreveu que o paciente apresentava abertura ocular espontânea, obedecendo comandos, balbuciando nomes e tentando resposta verbal apesar da traqueostomia. Apresentava miose bilateral, tetraparesia grave (FMG 1 global), arreflexia generalizada e atrofia de MMSS e MMII com edema importante. Não apresentava espasticidade. Hipóxia pós-PCR e neuropatia diabética sobreposta foram consideradas. Foram orientadas reabilitação, suporte nutricional e vigilância clínica.
No dia 18/10, o paciente evoluiu com rash maculopapular eritemato-pruriginoso em membros superiores, tórax, abdome e membros inferiores. Iniciada corticoterapia com prednisona e anti-histamínico (Alektos 5 mg), e realizada bópsia cutânea para avaliação diagnóstica.
No dia 20/10, iniciou ortostatismo na prancha ortostática, alcançando 80º, mas apresentou hipotensão e foi reposicionado. No dia 21/10, nova avaliação neurológica evidenciou melhora clínica significativa, com recuperação progressiva da força muscular. Diante da evolução clínica e da análise do líquor, foi considerada a hipótese diagnóstica de polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda (síndrome de Guillain-Barré).
O líquor apresentou proteinorraquia (139,8 mg/dL), glicose normal (72,2 mg/dL), pH de 8,5, 3 leucócitos por mm³ e ausência de crescimento na cultura. Contudo, o uso de imunoglobulina foi contraindicado devido à perda da janela terapêutica em que há benefício comprovado. Foi indicado a realização de eletroneuromiografia dos quatro membros, além da continuidade do acompanhamento com equipe de reabilitação. No entanto o exame não foi realizado por indisponibilidade no serviço.
No dia 25/10, já estava consciente, orientado e sem sedação, apresentando fraqueza generalizada com MRC 26. Iniciou treino de controle cervical e tronco em sedestação. No dia 30/10, apresentava MRC 28 e melhora progressiva da motricidade. Realizou uma tomografia de crânio dia 11/11 onde não mostrou sinais de insulto isquêmico ou hemorrágico. No dia 13/11, MRC 36 e IMS 7. No dia 19/11, MRC 38 e IMS 7.
No dia 20/11, foi transferido para enfermaria da clínica médica devido à melhora clínica progressiva. No dia 22/11, iniciou progressão de dieta via sonda nasoenteral (SNE) e oral conforme avaliação da fonoaudiologia. No dia 23/11, apresentava MRC 42 e IMS 8. No dia 24/11, foi realizada decanulação sem sinais de desconforto respiratório, com retirada da SNE no mesmo dia. No dia 25/11, evoluiu clinicamente e hemodinamicamente estável, recebendo alta hospitalar com orientações. (Vide anexo)
O paciente apresentou melhora progressiva durante a internação, com recuperação da força muscular, da mobilidade e das funções neurológicas. Manteve-se estável do ponto de vista clínico e hemodinâmico, recebendo alta hospitalar em bom estado geral, com orientação para seguimento ambulatorial e reabilitação.

4 DISCUSSÃO
4.1 Definição e fisiopatologia da SGB
A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polineuropatia inflamatória aguda de origem autoimune que afeta os nervos periféricos, muitas vezes, desencadeada por infecções prévias, como infecções respiratórias ou gastrointestinais. O mecanismo inicial envolve o mimetismo molecular entre antígenos dos patógenos, como Campylobacter jejuni ou vírus, por exemplo, Epstein-Barr ou Zika, e componentes das células nervosas, como a mielina ou os axônios. Essa similaridade faz com que o sistema imunológico produza anticorpos que atacam erroneamente a bainha de mielina ou os axônios dos nervos periféricos (Nóbrega et al., 2018).
A resposta autoimune leva à infiltração de linfócitos T e macrófagos, que causam inflamação e destruição da mielina, resultando na forma desmielinizante da doença ou dano direto aos axônios, caracterizando a forma axonal. Esse processo inflamatório interfere na condução dos impulsos nervosos, reduzindo a velocidade ou bloqueando totalmente a transmissão dos sinais nervosos (Silva et al., 2016).
4.2 Epidemiologia
A síndrome de Guillain-Barré (SGB) tem uma incidência anual global de, aproximadamente, 0,8 a 1,9 casos por 100.000 pessoas. Essa taxa pode variar de acordo com a idade, sendo mais alta em adultos mais velhos, especialmente, aqueles acima de 50 anos. Homens são afetados com uma frequência ligeiramente maior do que mulheres, com uma razão de cerca de 1,5:1, o que o presente caso tem essa maior probabilidade por ser homem (Oliveira et al., 2020).
A SGB frequentemente segue uma infecção, onde Campylobacter jejuni é o agente mais comum associado, embora infecções virais, como influenza, citomegalovírus e o vírus Zika, também sejam implicadas. Surtos de SGB têm sido observados em contextos epidêmicos, como durante a epidemia de Zika na América Latina, o que ressalta a influência de fatores ambientais e infecciosos na sua epidemiologia (Sarmento et al., 2024).
4.3 Fatores de risco para SGB
O principal fator de risco para o desenvolvimento dessa síndrome é a infecção prévia, especialmente por Campylobacter jejuni, uma bactéria frequentemente associada a contaminações alimentares. Além disso, infecções virais, como as causadas pelos vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus (CMV), gripe (influenza), Zika, Dengue, Chikungunya e, até mesmo o coronavírus (COVID-19), também estão entre os gatilhos mais comuns. No caso supracitado, o paciente teve uma infecção respiratória (Lucca et al., 2021).
Embora menos frequente, a vacinação também pode ser um fator de risco, sendo a vacina contra a gripe, a influenza, mais frequentemente associada a casos de SGB. No entanto, a relação entre vacinas e SGB é extremamente rara e os benefícios da vacinação continuam a ser amplamente superiores ao risco (Lima; Cavalcanti, 2020).
Condições médicas subjacentes, como doenças autoimunes, por exemplo, lúpus ou artrite reumatoide, infecção pelo HIV/AIDS e certos tipos de câncer, como linfomas, podem aumentar o risco de SGB. Fatores genéticos também podem desempenhar um papel de risco, embora não haja uma predisposição genética clara ou herdada. Outros fatores que podem contribuir para o desenvolvimento da SGB incluem cirurgias recentes ou traumatismos, bem como a gravidez, que, em alguns casos, pode estar associada a um risco ligeiramente maior de desenvolver a síndrome. Entretanto, mbora esses fatores aumentem a probabilidade de ocorrência da SGB, é importante notar que a condição permanece rara e, muitas vezes, difícil de prever (Oliveira et al., 2020).
4.4 Manifestações clínicas
Suas manifestações clínicas se iniciam, geralmente, de forma abrupta e incluem fraqueza muscular, que evolui rapidamente, com uma progressão que pode ser ascendente (começando nos pés e subindo em direção aos membros superiores) ou em outras variações. Além da fraqueza, os pacientes frequentemente apresentam sintomas sensitivos, como parestesias (formigamento) e dor nos membros. Em muitos casos, há também perda de reflexos tendinosos profundos, como o reflexo patelar (Bezerra et al., 2017).
A síndrome pode afetar funções autônomas, causando complicações, como alterações na pressão arterial, arritmias cardíacas e distúrbios respiratórios, devido ao comprometimento dos músculos respiratórios. Em alguns casos mais graves, a dificuldade respiratória se torna tão significativa que a ventilação mecânica se torna necessária, como ocorreu no presente relato de caso (Nóbrega et al., 2018).
Outros sintomas podem incluir dificuldade para engolir, alterações na fala e até paralisia facial, dependendo da gravidade da condição. A SGB pode ser desencadeada por infecções virais ou bacterianas, como a infecção por vírus da gripe, citomegalovírus ou a bactéria Campylobacter jejuni, e também pode ser associada a imunizações (Rigo et al., 2020).
A evolução da doença varia de paciente para paciente, com alguns se recuperando parcialmente em poucos meses, enquanto outros podem apresentar sequelas permanentes, especialmente, se o quadro evoluir rapidamente e envolver complicações respiratórias graves (Sarmento et al., 2024).
4.5 Diagnóstico da SGB
O diagnóstico da síndrome de Guillain-Barré (SGB) é baseado principalmente na história clínica e no exame neurológico, uma vez que não existe um teste diagnóstico único e definitivo. A avaliação do paciente geralmente começa com a identificação de sintomas característicos, como fraqueza muscular progressiva, alterações sensoriais e perda de reflexos, geralmente de início ascendente. A anamnese pode revelar uma infecção recente, que é um dos fatores desencadeantes mais comuns da SGB, ou ainda uma vacinação recente, o que pode reforçar a suspeita clínica. O paciente em questão teve uma infecção recente e perda de reflexos (Lucca et al., 2021).
Além disso, exames complementares desempenham um papel essencial no diagnóstico. A eletroneuromiografia (ENMG) é fundamental para avaliar a condução nervosa, detectando a presença de bloqueios ou desaceleração da condução nervosa, sinais típicos da SGB. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) também é uma ferramenta importante, geralmente revelando uma dissociação albuminocitológica, caracterizada por níveis elevados de proteínas no LCR com um número de células normal ou levemente aumentado. Esse achado é um dos marcos diagnósticos da SGB. Porém, no relato de caso em apreço, o paciente não realizou a ENMG devido indisponibilidade do exame. Sendo realizada apenas a análise do líquor evidenciando proteinorraquia com celularidade normal, padrão clássico denominado dissociação albuminocitológica, característico da SGB (Azevedo et al., 2023).
4.6 Diagnósticos diferenciais da SGB
O diagnóstico diferencial também é um aspecto relevante, pois a SGB pode ser confundida com outras condições neurológicas, como esclerose múltipla, neuropatia diabética e mielopatias, entre outras. Dentre os diagnósticos diferenciais, destaca-se a Polineuropatia do Doente Crítico (PDC), uma condição neurológica frequentemente observada em pacientes submetidos a internações prolongadas em unidades de terapia intensiva, especialmente em contexto de sepse, falência de múltiplos órgãos ou necessidade prolongada de ventilação mecânica. Ambas as condições compartilham semelhanças clínicas importantes, como tetraparesia, fraqueza muscular generalizada e arreflexia, podendo dificultar o diagnóstico diferencial (Bezerra et al., 2017).
No entanto, neste caso, alguns elementos da evolução clínica do paciente são mais compatíveis com o diagnóstico de SGB. Primeiramente, o início dos sintomas motores ocorreu precocemente, logo após um quadro infeccioso, com progressão rápida da fraqueza, acometendo musculatura respiratória e exigindo intubação. Esse padrão é típico da SGB, especialmente em sua forma aguda desmielinizante inflamatória (AIDP), ao passo que a PDC tende a surgir de maneira mais insidiosa, após dias ou semanas de ventilação mecânica, geralmente em pacientes sépticos ou com disfunção orgânica múltipla. Além disso, o líquor, apresentou dissociação albuminocitológica (proteína elevada com contagem celular normal), um achado característico da SGB e incomum na PDC (Azevedo et al., 2023).
Entretanto, embora a dissociação albuminocitológica seja um achado clássico da Síndrome de Guillain-Barré, é importante destacar que outras polineuropatias também podem cursar com elevação de proteínas no líquor, ainda que menos frequentemente. Entre essas, incluem-se algumas neuropatias associadas ao uso de imunoterapia, como os inibidores de checkpoint imune, doenças de depósito, como a amiloidose. Dessa forma, torna-se essencial a integração dos dados clínicos, laboratoriais e eletrofisiológicos para a adequada diferenciação diagnóstica (Stubgen, 2008; Koike et al., 2012; Mazzaferro et al., 2020).
Outro ponto relevante neste caso diz respeito à ausência de abertura do protocolo de morte encefálica (ME), apesar de o paciente apresentar, em determinado momento, ausência de reflexos de tronco cerebral, midríase bilateral e necessidade de suporte ventilatório. A abertura do protocolo de ME no Brasil, conforme definido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), exige a presença de coma não perceptivo e ausência de atividade supraespinal, além da confirmação da causa do coma e exclusão de fatores reversíveis, como distúrbios metabólicos, hipotermia e uso de sedativos (Conselho Federal de Medicina, 2017).
No presente caso, apesar dos achados clínicos iniciais sugerirem ME, os reflexos de tronco retornaram na reavaliação neurológica (vestibulocalórico, córneo-palpebral e óculo-cefálico presentes), afastando o diagnóstico. Assim, não se preencheu o primeiro critério obrigatório para a abertura do protocolo. Ademais, o paciente encontrava-se sob uso recente de sedação (fentanil), além de apresentar glicemia alterada e potencial lesão neurológica reversível (AESP), o que inviabiliza a confirmação de irreversibilidade, conforme exigido para abertura do protocolo.
Portanto, entende-se que a exclusão de outras patologias com sintomas semelhantes é uma parte importante do processo diagnóstico. O acompanhamento com exames laboratoriais e neurológicos adicionais é fundamental para monitorar a evolução do quadro e a resposta ao tratamento. No estudo em questão, foram excluídas outras patologias até se obter o diagnóstico de SGB (Bezerra et al., 2017).
4.7 Tratamento e prognóstico da SGB
O tratamento da síndrome de Guillain-Barré (SGB) é, fundamentalmente, de suporte e visa minimizar os danos neurológicos, controlar os sintomas e prevenir complicações. A intervenção precoce pode ser crucial para melhorar o prognóstico, já que a evolução rápida da doença pode levar a sequelas permanentes, especialmente, em casos graves. O tratamento inicial, geralmente, envolve a hospitalização, pois muitos pacientes necessitam de monitoramento intensivo, devido ao risco de insuficiência respiratória e disfunções autonômicas, como ocorreu com o paciente em questão (Guimarães et al., 2024).
Uma das abordagens terapêuticas mais eficazes é a administração de imunoglobulina intravenosa (IVIg). O uso de IVIg tem como objetivo modular a resposta imunológica do corpo, reduzindo a inflamação nos nervos e interrompendo o ataque autoimune. Estudos demonstram que a IVIg pode acelerar a recuperação e diminuir a necessidade de ventilação mecânica, sendo indicada nas primeiras duas semanas de evolução da doença. Entretanto, não foi realizada tal tratamento no paciente do presente estudo (Bezerra et al., 2017).
Outra opção terapêutica amplamente utilizada é a plasmaférese, um procedimento que consiste na remoção de anticorpos do plasma do paciente, com a substituição do plasma por uma solução especial. A plasmaférese tem mostrado bons resultados na redução dos sintomas e na melhoria do prognóstico a longo prazo, especialmente, em pacientes com formas mais graves de SGB (Lima; Cavalcanti, 2020).
Além dessas terapias específicas, o manejo sintomático é um aspecto importante do tratamento. O controle da dor, que pode ser intensa, devido à neuropatia, pode envolver o uso de analgésicos e medicamentos para neuropatia, como os anticonvulsivantes ou antidepressivos. A fisioterapia também desempenha um papel essencial na reabilitação do paciente, ajudando a recuperar força muscular e mobilidade, à medida que a condição evolui e o paciente se estabiliza. No relato de caso, observou-se manejo sintomático e auxílio da fisioterapia (Guimarães et al., 2024).
Nos casos em que há comprometimento respiratório, a ventilação mecânica pode ser necessária, e a monitorização da função pulmonar é fundamental. O controle de complicações autonômicas, como arritmias e flutuações na pressão arterial, também pode ser necessário, requerendo medicações para estabilizar essas funções (Lucca et al., 2021).
O prognóstico da SGB depende da rapidez no diagnóstico e no início do tratamento, além da gravidade da doença. Em muitos casos, a recuperação é possível com o tempo, embora possa levar meses ou até anos, sendo que, algumas pessoas, podem permanecer com sequelas neurológicas, como fraqueza residual ou dificuldades de coordenação motora. O paciente teve um bom prognóstico pela agilidade em seu diagnóstico e tratamento, não tendo nenhuma sequela (Azevedo et al., 2023).
5 CONCLUSÃO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma condição rara e de caráter desafiador no manejo clínico, destacando-se pela diversidade de suas manifestações e pela gravidade potencial em casos de progressão rápida. Este relato de caso reforça a importância do diagnóstico precoce e da intervenção imediata para otimizar o prognóstico do paciente. A identificação de sinais clínicos iniciais, como fraqueza progressiva e alterações sensoriais, combinada com exames complementares, é essencial para a confirmação diagnóstica.
O relato do presente estudo contribui para a ampliação do conhecimento sobre a apresentação clínica da SGB e reforça a relevância de condutas terapêuticas individualizadas, baseadas nas peculiaridades de cada caso. O estudo destaca, também, a importância de iniciativas para aumentar a conscientização entre profissionais de saúde sobre a SGB, promovendo diagnósticos mais rápidos e abordagens terapêuticas mais efetivas.
A escolha por relatar este caso clínico surgiu da relevância da reabilitação neurológica e funcional em pacientes com Síndrome de Guillain-Barré (SGB), especialmente em apresentações graves. O caso em questão nos chamou a atenção pela rápida progressão do déficit neurológico e pelo comprometimento clínico significativo, que quase levou o paciente à investigação de morte encefálica. No entanto, mesmo diante de um quadro inicialmente grave, com risco iminente de desfecho fatal, a evolução clínica foi positiva, com melhora progressiva das funções neuromusculares e recuperação da mobilidade.
O processo acima ressaltou a importância de uma abordagem terapêutica intensiva e precoce, com foco na reabilitação global do paciente, incluindo aspectos motores, funcionais e respiratórios, e reforçou o papel fundamental da equipe multiprofissional na condução e no sucesso da reabilitação. O presente relato busca, portanto, compartilhar essa experiência singular, evidenciando o impacto positivo de intervenções reabilitadoras bem conduzidas em pacientes com SGB em contexto hospitalar.
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RIGO, Denise de Fátima Hoffmann et al. Síndrome de Guillain Barré: perfil clínico epidemiológico e assistência de enfermagem. Revista electrónica trimestral de Enfermería, v. 57, p. 361-375, jan. 2020. Disponível em: https://scielo.isciii.es/pdf/eg/v19n57/pt_1695-6141-eg-19-57-346.pdf . Acesso em: 12 jan. 2025;
SARMENTO, Maíra Lopes et al. Síndrome de Guillain-Barré: Neuropatia periférica. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 7, n. 3, p. 01-10, mai/jun 2024. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/69682 . Acesso em: 13 jan. 2025;
SILVA, Maria João Pinto et al. Síndrome de Guillain-Barré Recorrente: Caso Clínico. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação, v. 27, n. 2, p. 24-27, jan. 2016. Disponível em: https://spmfrjournal.org/index.php/spmfr/article/view/202 . Acesso em: 27 jan. 2025;
STUBGEN, J. P. Neurosarcoidosis: A Clinical Approach to Diagnosis and Management. Journal of the Neurological Sciences, v. 269, n. 1-2, p. 1–12, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jns.2007.12.024 . Acesso em: 05 abr. 2025.
ANEXO
A Escala de Força Muscular do Medical Research Council (MRC)
A Escala de Força Muscular do Medical Research Council (MRC) é utilizada para avaliar a força muscular em uma escala de 0 a 5. O grau 0 indica ausência de contração muscular visível ou palpável. O grau 1 corresponde a uma contração muscular perceptível, mas sem movimentação da articulação. O grau 2 significa que há movimento da articulação quando a gravidade é eliminada. O grau 3 indica que o movimento ocorre contra a gravidade, mas sem resistência adicional. O grau 4 representa movimento contra a gravidade com alguma resistência, porém inferior à força normal. Por fim, o grau 5 corresponde à força normal, sem déficits detectáveis. Essa escala é amplamente utilizada na avaliação de pacientes com fraqueza muscular, como em casos de doenças neuromusculares e lesões neurológicas.
Pontuação | Descrição da Força Muscular |
0 | Sem contração muscular |
1 | Contração visível, sem movimento |
2 | Movimento com gravidade eliminada |
3 | Movimento contra a gravidade |
4 | Movimento contra resistência parcial |
5 | Força normal |
Pontuação | Interpretação |
0-24 | Fraqueza grave |
25-36 | Fraqueza moderada |
37-47 | Fraqueza leve |
48-60 | Fraqueza Preservada |
A Escala de Mobilidade em UTI (IMS)
A Escala de Mobilidade em UTI, a IMS consiste em uma escala que apresenta escores de capacidades alcançadas pelos pacientes que variam de 0 a 10, ou seja, desde a incapacidade de realizar qualquer atividade até a deambulação independente sem o auxílio de dispositivos de marcha.
A IMS avalia o maior nível diário de mobilização do paciente em UTI de maneira rápida, simples e confiável, podendo ser realizada em menos de um minuto e utilizada pela equipe multiprofissional.
Pontuação | Descrição da Mobilidade |
0 | Acamado, sem mobilidade |
1 | Passagem passiva para cadeira |
2 | Sentado na beira do leito |
3 | Sentado com tronco ereto |
4 | Ortostatismo com auxílio |
5 | Transferência para cadeira com auxílio |
6 | Marcha assistida por duas pessoas |
7 | Marcha assistida por uma pessoa |
8 | Marcha com mínimo auxílio ou com dispositivo |
9 | Deambulação independente por curtas distâncias |
10 | Deambulação independente por longas distâncias |