EXPERIÊNCIA DE UM MÉDICO COM SÍNDROME PÓS-INTENSIVA E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO APÓS COVID-19 GRAVE: UM RELATO DE CASO 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202504280558


Igor Zarpellon Campelo De Queiroz; Maria Darlyane Da Silva Araújo; Pollyana Pedrosa Pinto Holanda; Rochely De Melo Garcia; Rodrigo De Melo Garcia; Orientador (A): Kátia Regina De Oliveira


RESUMO 

Este relato descreve a experiência de um médico residente, previamente hígido, que  contraiu COVID-19, evoluindo com insuficiência respiratória, internação em UTI e  intubação prolongada. O paciente apresentou complicações como pneumonia  associada à ventilação mecânica (PAVM), hipoxemia refratária e estenose traqueal  pós-extubação. Durante a internação, vivenciou episódios traumáticos, como delírios,  alucinações auditivas e sensação de desamparo, dentre outros que culminaram nos diagnósticos de Síndrome Pós-Intensiva (SPI) e Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT). Os sintomas de TEPT incluíram revivência do trauma, esquiva,  alterações cognitivas e hiperexcitação, atendendo aos critérios do DSM-5. A SPI  manifestou-se por danos físicos, cognitivos e psicológicos. A experiência traumática  reforçou a importância da humanização no cuidado em saúde, levando o paciente a  implementar melhorias na assistência pós-alta, como a coordenação de uma UTI  COVID com idealização de práticas empáticas de acordo com sua experiência com a  doença. O caso ilustra os desafios físicos e emocionais enfrentados por sobreviventes  de COVID-19 grave, destacando a necessidade de abordagens integradas,  multiprofissionais e a longo prazo da reabilitação e do suporte psicológico nos pré e  pós-UTI. 

Palavras chaves: COVID-19, Síndrome Pós-Intensiva, Transtorno de Estresse Pós Traumático, Humanização em saúde

INTRODUÇÃO 

A medicina intensiva possibilita que pacientes em estado crítico sobrevivam a  condições potencialmente fatais. Essas condições podem surgir devido a cirurgias,  traumas, infecções ou agravamento de doenças pré-existentes, levando à falência de  um ou mais órgãos e demandando suporte especializado, geralmente em Unidade de  Terapia Intensiva (UTI). No entanto, nem sempre a recuperação plena da saúde é  alcançada. Embora as taxas de sobrevivência sejam utilizadas como referência nos  cuidados intensivos, muitos pacientes que deixam a UTI enfrentam maior risco de  complicações, necessidade de novas hospitalizações e mortalidade, além de impactos  duradouros na qualidade de vida e na reintegração social (Kleinpell et al., 2021). 

Os sintomas e consequências vivenciados por pacientes que passaram por  internação em UTI são englobados no conceito de síndrome pós-terapia intensiva  (SPI). Essa síndrome representa um conjunto diversificado de comprometimentos  neurológicos (Rousseau et al., 2021) e ocorre quando há disfunção em um ou mais  aspectos: cognitivo (como delírio, dificuldades de atenção, memória, funções  executivas e percepção visuoespacial), psicológico (incluindo depressão, ansiedade  e transtorno de estresse pós-traumático [TEPT]) e físico (fraqueza adquirida na UTI,  impactando deglutição, respiração, mobilidade e independência). Os sintomas podem  surgir em diferentes momentos da doença crítica e têm causas multifatoriais,  envolvendo riscos pré-internação (como fragilidade e limitações funcionais), durante  a hospitalização (devido à sedação, delírio, sepse e SDRA) e após a alta (com  persistência de ansiedade, depressão e TEPT). Além do paciente, os familiares  também podem sofrer impactos, tornando essa condição um fenômeno amplo e  interconectado (Vester; Holm; Dreyer, 2022). 

Um dos desafios contemporâneos é a síndrome SPI associada à pandemia de  COVID-19, devido ao elevado número de internações em UTIs, à sobrecarga dos  sistemas de saúde e centros de reabilitação, além das rigorosas medidas de  isolamento hospitalar e social que afetaram tanto os pacientes quanto seus familiares  (Vrettou et al., 2022). 

A pandemia também pode ser vista como um trauma externo (TE) com  potencial para comprometer a saúde física e mental, levando a uma alta incidência de  sintomas do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A manifestação clínica do  TEPT varia entre os indivíduos, sendo influenciada por fatores como lembranças traumáticas da internação na UTI, tempo prolongado sob sedação, uso de opioides,  pesadelos e episódios de falta de ar (Kumar; Kumar, 2022). 

De acordo com a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de  Transtornos Mentais (DSM-V), o TEPT é caracterizado por sete dimensões principais,  incluindo a exposição a eventos traumáticos ou de risco de vida, o tempo e a  persistência dos sintomas, a reação a gatilhos específicos, a evolução das  consequências cognitivas e emocionais, o nível de excitação e reatividade, as  alterações funcionais relacionadas ao trauma e o impacto na vida social e  ocupacional. Além disso, o diagnóstico requer que os sintomas não sejam decorrentes  do uso de medicamentos ou substâncias como álcool (Muresanu, 2022). 

Este relato de caso contribui para a compreensão dos impactos do TEPT pós UTI em um paciente da área da saúde acometido pela COVID-19, destacando a  complexidade da recuperação e a necessidade de estratégias multidisciplinares para  a reabilitação física e mental. Ao documentar a experiência clínica de um paciente,  este estudo fornece informações valiosas sobre os desafios enfrentados na fase pós aguda, auxiliando na identificação precoce de fatores de risco e no desenvolvimento  de intervenções direcionadas. Além disso, outro aspecto essencial no cuidado desses  pacientes é a abordagem humanizada por parte da equipe de saúde, que deve  considerar não apenas as necessidades clínicas, mas também o sofrimento emocional  e psicológico vivenciado durante e após a internação e reforça a importância do  acompanhamento prolongado desses pacientes e a urgência de diretrizes específicas  para minimizar os efeitos da SPI e melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes da  UTI. 

RELATO DE CASO 

Paciente masculino, 31 anos, médico, residente do primeiro ano de cirurgia  geral, previamente hígido, iniciou quadro de sintomas gripais inespecíficos em  04/07/2020, evoluindo com fadiga, cefaleia e mialgia, sintomas atribuídos a carga  horária da residência médica. Único residente em exercício devido ao afastamento  dos demais por conta de suspeita/confirmação de diagnóstico de COVID-19, com  sobrecarga de atribuições devido ao período pandêmico. 

Na madrugada de 15/07, apresentou dispneia aos pequenos esforços,  levando-o a procurar atendimento na unidade de pronto atendimento na manhã  seguinte. Ao dar entrada no serviço, sua saturação de oxigênio (SAT02) em ar  ambiente estava entre 90-92%. Inicialmente, recebeu oxigenoterapia por cateter nasal  a 5 L/min e foi mantido em observação. A radiografia de toráx da admissão evidenciou  infiltrados pulmonares bilaterais, levando à introdução de sintomáticos e  antibioticoterapia empírica com piperacilina-tazobactam. 

Foram três dias até a intubação orotraqueal (IOT), ora sugerida pelo próprio  paciente e – segundo relata – postergada por acreditarem se tratar de somatização do seu quadro ansioso devido conhecer dos processos fisiopatológicos de progressão da  doença, por conta da sua profissão. Mantendo quadro hipoxêmico, evoluiu com  posição prona e mesmo com máscara de alto fluxo a 15 L/min, a SAT02 chegava até  88%. Em 18/07, houve agravamento da hipoxemia, SAT02 80%, com Índice de  Oxigenação (IO) de 173mmhg e apresentando gasometria arterial evidenciando  acidose respiratória (pH 7,31, pCO2 49, pO2 65, HCO3 23), realizando-se após este  quadro a IOT. 

A intubação foi realizada sob uso das seguintes drogas: midazolam, fentanil e  pancurônio, iniciada a ventilação mecânica controlada por pressão, com FiO2 de  100% e PEEP de 12 cmH2O. Nesse momento, em 19/07, foi transferido para UTI  COVID. Nas primeiras horas, houve dificuldade na adaptação ventilatória,  necessitando ajustes constantes, com elevação progressiva da PEEP até 24 cmH2O  devido à hipoxemia refratária. Nos primeiros dias, com persistência da hipoxemia  refratária, o que demandou seis ciclos de pronação durante todo o internamento, com  melhora progressiva da relação ventilação/perfusão: primeiro ciclo (20/07 – IO 107 → 150), segundo ciclo (21/07), terceiro ciclo (22/07), quarto ciclo (24/07), quinto ciclo  (27/07) e sexto ciclo (30/07 IO 198 → 298) . 

Uma nova radiografia em 25/07 demonstrou piora da consolidação bilateral. Foi  diagnosticado com pneumonia associada à ventilação (PAVM), com culturas de  secreção orotraqueal positivas para Serratia, Stenotrophomonas e Corynebacterium,  sendo iniciado meropenem e amicacina em 28/07 por 10 dias. Exames laboratoriais  revelaram leucocitose progressiva (pico de 16.950 leucócitos/mm³ em 08/08), além de  oscilações de sódio (mínimo de 132 mmol/L, máximo de 145 mmol/L) e potássio (3,2- 5,1 mmol/L), possivelmente relacionadas ao uso prolongado de corticosteroides e  distúrbios hidroeletrolíticos associados a infecção ativa. Em 30/07, um  ecocardiograma revelou fração de ejeção preservada de 59% e pequeno derrame  pleural à esquerda. 

A função renal manteve-se estável durante a internação, com creatinina  variando entre 0,8-1,2 mg/dL e diurese preservada, sem necessidade de suporte  dialítico. No entanto, apresentou elevação discreta da ureia (pico de 55,9 mg/dL em  08/08), compatível com estado inflamatório sistêmico. 

Apresentava tremores e movimentos de elevação das mãos, mesmo com  infusão do pancurônio a 25ml/h, midazolam a 30ml/h e ketamina a 18ml/h. Bem como,  movimentos cefálicos latero-laterais, fasciculações palpebrais, nistagmos ocasionais,  taquicardia e fáscies de tensão e ansiedade.  

Durante o período de intubação, foi utilizada a ketamina para controle da dor e  sedação dissociativa, auxiliando na redução da necessidade de opióides e garantindo  maior estabilidade hemodinâmica e que durante a COVID-19 foi amplamente utilizada  por seu também efeito broncodilatador. A combinação e ajuste das drogas evoluiu  conforme a resposta do paciente e devido ao desenvolvimento de tolerância. Foi aventada a suspeita de intoxicação pela ketamina, devido ao quadro de inquietação  apresentado, sendo substituída pelo fentanil. 

A sedação foi mantida com uma combinação de midazolam, fentanil e propofol,  ajustados conforme a necessidade para evitar despertar inadvertido e desconforto do  paciente. O diazepam 10mg foi introduzido em 25/07 para ajudar no desmame da sedação e para controle da ansiedade e agitação, auxiliando na transição para a  extubação e na redução dos sintomas de abstinência aos sedativos de uso  prolongado. 

Após três tentativas sem êxito, do teste de respiração espontânea (TRE) – fator  causador de mais angústia e ansiedade para o paciente – a extubação ocorreu com  sucesso em 07/08, 20 dias pós IOT. Foi mantido sob observação na UTI, com  reabilitação motora e respiratória intensiva. No entanto, manifestou insônia, pesadelos  e episódios de ansiedade intensa. Um novo exame de imagem de controle realizado em 09/08 revelou melhora das lesões pulmonares.  

Em seguida a sua extubação o paciente revelou que durante os períodos de  sedação prolongada, experimentou sonhos vívidos e alucinações auditivas. Entre os  episódios mais marcantes, descreveu a sensação/sonho de estar em um avião sem  combustível em queda livre. Relatou que se sentia observado, perseguido e com a  sensação de morte iminente e ouvia as vozes distantes que discutiam sua condição,  nas passagens de caso e plantão. Rememora que os banhos de leito dado com água  na temperatura fria, sentia sensação dolorosa de moderada a alta intensidade. Além  disso, acordou em momentos de despertar intermitente sentindo-se preso, incapaz de  comunicar-se, o que intensificou sua sensação de desconforto e ansiedade. 

Nessa condição a sua percepção de segurança variava conforme a equipe  médica de plantão. Relatou que sentia confiança quando reconhecia alguns médicos pelas vozes e ansiedade extrema em turnos com outros em que se sentia mais  distante do cuidado humanizado. Em um episódio, pré-intubação, recorda-se da saída  espontânea do seu cateter nasal, sendo confundida por um membro da equipe com  um ato consciente do paciente o que gerou sensação de desconforto e incapacidade  ao não conseguir recolocar o equipamento sozinho – evento que reforçou sua  sensação de desamparo e solidão. 

Após a alta, em 12/08, episódios de hipervigilância, ansiedade e flashbacks do  período de intubação passaram a interferir em sua rotina. Como sensação ter tubo na  traqueia, até de sentir o gosto do material do tubo, medo de dormir e não acordar, ou  acordar novamente intubado. Posteriormente, foi diagnosticado com estenose  traqueal como sequela da intubação prolongada, necessitando acompanhamento  especializado para avaliação de possível intervenção terapêutica. 

Apesar das dificuldades vivenciadas, o paciente não demonstrou receio em  retornar ao ambiente hospitalar. Referindo sentimentos diversos e impulsionados  dentre eles pela raiva ao período e experiência na qual o motivou combater a COVID  de outra maneira. Em torno de 40 dias após a alta, retoma a rotina da residência médica. Subsequentemente utilizou sua experiência com a doença para aprimorar a  assistência prestada, assumindo um papel ativo na coordenação de uma UTI COVID.  Dentre as ações fazia reuniões de alinhamento com a equipe tentando adequar o  manejo destes e quaisquer pacientes para uma forma mais humanizada possível.  Motivado pelos desafios enfrentados e pelas falhas observadas durante sua  internação e vivência, empenhou-se em implementar melhorias no manejo clínico e  humanização do atendimento, buscando minimizar o impacto emocional e estrutural  sobre outros pacientes críticos. 

DISCUSSÃO 

A COVID-19 é uma infecção viral aguda, em muitos casos é assintomática ou  apresenta sintomas leves. No entanto, um subconjunto de pacientes pode  desenvolver insuficiência respiratória, ou mesmo Síndrome do Desconforto  Respiratório Agudo (SDRA), necessitando de ventilação mecânica, com uma taxa de  mortalidade na faixa de 20–40%. Essa subpopulação de pacientes pode ter sintomas  duradouros, persistindo por um tempo após a alta da UTI, também descrito como “COVID longa” (Anesi et al., 2021). 

Durante a pandemia do novo coronavírus, as expectativas aumentaram, com  maior ênfase na tomada de decisões de saúde pública. Os prestadores de cuidados  de saúde, viveram sob uma tremenda pressão e continuaram a ser os líderes da  sociedade na orientação do público durante a pandemia. Foram solicitados a assumir  turnos extras, trabalhar até tarde e pular intervalos, tudo em um ambiente  continuamente de alto estresse. A proporção paciente-equipe era tensa, considerando  o número de pacientes infectados e clinicamente instáveis, onde também  experimentavam resultados negativos de pacientes e morte em altas taxas (Tang, Lin,  Chan, 2021; Yinggui et.al, 2021). Corroborando com o relatado, onde o paciente ainda  enquanto profissional de saúde estava numa sobrecarga excessiva de trabalho devido  ao afastamento de outros profissionais pela crise pandêmica da época. 

A pandemia também pode ser considerada um evento traumático, com impacto  significativo na saúde física e mental. Essas condições podem impactar a saúde  mental dos trabalhadores da saúde e levar ao desenvolvimento de depressão, ansiedade, sintomas de estresse pós-traumático, transtorno de estresse pós traumático (TEPT) e outros transtornos de saúde mental. Esses eventos traumáticos  geralmente têm um impacto tardio na saúde mental de um indivíduo. Podem sentir  irritabilidade, alterações do sono e retraimento social ou comunicativo após eventos  traumáticos (Zhang et al., 2020). 

Em 2019, 1 em cada 8 pessoas, ou 970 milhões de pessoas em todo o mundo,  sofria de uma perturbação mental, sendo as mais comuns as perturbações de  ansiedade e depressivas. Em 2020, o número de pessoas vivendo com transtornos  de ansiedade e depressão aumentou significativamente devido à pandemia de  COVID-19 (Tatayeva et al., 2022). 

Estudos evidenciaram que, durante o surto do novo coronavírus, a prevalência  de sintomas compatíveis com transtorno de estresse pós-traumático variou entre 11%  e 73,4%, com 51,5% dos profissionais de saúde apresentando escores acima do limite  estabelecido pela escala de impactos de eventos revisada (IES-R) para diagnóstico  de TEPT. Comparativamente, observou-se que os profissionais de saúde durante a  pandemia de COVID-19 apresentaram taxas mais elevadas de sintomas semelhantes  ao TEPT (71,5%–73%) em relação ao surto de SARS (5%) (Preti et al., 2020). A escala  IES-R não foi aplicada ao paciente na época do acometimento da doença, contudo  preencheria os critérios de pontuação para o diagnóstico de TEPT. 

Dado que o caso também atende aos critérios diagnósticos do DSM-V onde  tendo sido exposto a um evento traumático com internação em UTI por COVID-19,  intubação prolongada e risco de morte iminente. Demonstra sintomas de revivência,  como flashbacks vívidos da intubação, pesadelos recorrentes (avião em queda livre)  e memórias angustiantes de episódios específicos (saída do cateter nasal).  Há comportamentos de esquiva, como medo de dormir e acordar intubado,  e alterações cognitivas e de humor, incluindo crenças negativas (desamparo, solidão),  ansiedade intensa e sentimentos de raiva. O paciente também  apresenta hiperexcitação, com hiper vigilância, insônia e reações físicas ao relembrar  o trauma. Os sintomas podem persistir por mais de um mês, causando prejuízos  significativos na rotina, vida social e emocional, e não são atribuíveis a outras  condições ou uso de substâncias, configurando um quadro clássico de TEPT (Muresanu, 2022). 

Projeções indicam que entre 10% e 40% dos profissionais de saúde poderão  manifestar TEPT entre um e três anos após o término da pandemia. Essa taxa é  especialmente preocupante, considerando que as estratégias de enfrentamento e os  tratamentos para TEPT não são amplamente conhecidos ou acessíveis entre os  profissionais de saúde (Preti et al., 2020). Uma meta-análise que investigou a  prevalência de ansiedade, depressão e insônia durante a COVID-19 revelou taxas de  23%, 28% e 39%, respectivamente (Pappa et al., 2020). 

A apresentação clínica do TEPT é heterogênea, com sobreposição significativa  de sintomas com outras condições psiquiátricas, como depressão, ansiedade e abuso  de substâncias. Cerca de 91% dos indivíduos diagnosticados preenchem critérios  para outros diagnósticos psiquiátricos. Reações emocionais baseadas no medo e  emoções negativas persistentes são sintomas comuns, impactando não apenas a vida  dos pacientes e suas famílias, mas também gerando um ônus significativo para os  sistemas de saúde mental. O TEPT também está associado a comorbidades médicas,  como dor crônica, doenças cardiometabólicas e risco aumentado de demência  (Kumar, Kumar, 2022).  

As consequências de doenças críticas podem ter efeitos prolongados sobre os  sobreviventes de unidades de terapia intensiva (UTI), afetando sua saúde física,  psicológica e cognitiva. Para descrever esse conjunto de sintomas, o termo “Síndrome  Pós-Terapia Intensiva” (SPI) tem sido amplamente utilizado na literatura médica. A  SPI é definida como “comprometimentos novos ou agravados no estado de saúde  física, cognitiva e mental que surgem após uma doença crítica e persistem além da  hospitalização” (Jackson et al., 2014). 

Os sintomas da SPI podem manifestar-se em qualquer fase da doença crítica,  desde 48 horas após a admissão na UTI, mascarados pela sedação, até fases tardias  durante a reabilitação ou mesmo após a alta hospitalar. Além disso, diferentes  sintomas podem ocorrer simultaneamente ou em momentos distintos. Portanto, é  essencial realizar avaliações repetidas das funções físicas, cognitivas e psicológicas. 

Apesar do crescente reconhecimento da SPI em nível global, os cuidados oferecidos  aos sobreviventes de doenças críticas ainda são fragmentados (Platz, Sandrini, 2020).  O paciente em questão apresenta características típicas da SPI, como déficits  físicos (fraqueza muscular e necessidade de reabilitação motora e respiratória pós extubação), comprometimento cognitivo (memórias vívidas e perturbadoras, sonhos angustiantes, sensação de desorientação durante a sedação) e impactos  psicológicos (ansiedade intensa, hipervigilância, pesadelos e sintomas de TEPT).  Além disso, o paciente desenvolveu sequelas físicas, como estenose traqueal  decorrente da intubação prolongada, e alterações emocionais persistentes, incluindo  medo de dormir, flashbacks e sentimentos de desamparo. Esses achados, somados  à sua experiência traumática na UTI e à recuperação prolongada, caracterizam a SPI,  que requer acompanhamento multidisciplinar para uma reabilitação de forma integral. 

A indução da intubação orotraqueal (IOT) em pacientes com COVID-19 grave  frequentemente envolve o uso de drogas como midazolam, fentanil e pancurônio, que  podem contribuir para o desenvolvimento de delírios, alucinações e pesadelos durante  a sedação. A ketamina, em particular, é amplamente utilizada nesse contexto devido  às suas propriedades analgésicas, sedativas e broncodilatadoras, além de promover  estabilidade hemodinâmica. No entanto, em altas doses ou uso prolongado, a  ketamina pode desencadear efeitos dissociativos, como sonhos vívidos, alucinações  e pesadelos, exacerbando a angústia psicológica em pacientes críticos. Em pacientes  com COVID-19, esses efeitos podem ser agravados pelo isolamento, privação  sensorial e estresse associado à ventilação mecânica, aumentando o risco de  transtornos psiquiátricos pós-UTI, como o transtorno de estresse pós-traumático (Rousseau et al., 2021). Desse modo, o uso e tempo de uso dessas drogas poderia  explicar alguns dos episódios vividos pelo paciente onde foram utilizadas as drogas  supracitadas podendo ter trazido os efeitos dissociativos, pesadelos e sonhos vívidos. Porém esses pesadelos aconteceram mesmo após a retirada da sedação,  concomitantemente, da retirada das drogas que levariam a tais manifestações. 

Os sintomas de TEPT são um componente bem estabelecido da síndrome pós UTI, resultante de fatores como medo da morte, tratamentos invasivos, dor, delírio,  dificuldades de comunicação, fraqueza, imobilidade, distúrbios sensoriais e privação  de sono. Sintomas relacionados ao estresse (ansiedade, depressão e TEPT) e delírio  foram associados a um aumento de aproximadamente 4 vezes no risco de  comprometimento neurocognitivo, o qual, por sua vez, está relacionado a um aumento  de 4,5 vezes na morbidade psiquiátrica. Esses fatores neuropsicológicos podem  exacerbar comprometimentos cognitivos e até mesmo aumentar a mortalidade,  destacando a importância da reabilitação psiquiátrica para sobreviventes pós-COVID-19 e a necessidade de fortalecer fatores de proteção, como o apoio social, que atuam  como mecanismos de amortecimento do estresse (Shanbehzadeh et al., 2023). Uma parte fundamental na experiência da doença é a relação médico-paciente  que desempenha um papel central na prática médica, uma vez que a interação com  os pacientes constitui a base do cuidado clínico. Essa relação é reconhecida por seu  valor terapêutico em áreas como antropologia médica, sociologia médica e educação  médica. Trata-se de uma dinâmica complexa, que envolve tanto aspectos informativos  (diagnóstico e tratamento) quanto afetivos (empatia, respeito e confiança). A  pandemia de COVID-19 reconfigurou essa relação, impactando não apenas a forma  de comunicação entre médicos e pacientes, mas também a compreensão mútua e a  construção de vínculos (Lazzaro-Salazar, Pujol-Cols, 2022). Podemos destacar com os relatos subjetivos descritos anteriormente que a falta de cuidado e manejo da  relação médico-paciente atuou no processo de saúde doença de forma negativa,  gerando impactos emocionais a longo prazo. 

Embora problemas de saúde mental sejam comuns entre profissionais de  saúde, períodos de crise podem exacerbá-los significativamente (Bismark et al.,  2022). Por outro lado, o enfrentamento da COVID-19 pode ter proporcionado, de  diversas maneiras, a alguns indivíduos uma sensação de propósito e realização  pessoal, possivelmente mitigando efeitos adversos na saúde mental (Tempski et al.,  2021; Villar et al., 2021). Tendo em vista que um dos sentimentos que inspirou o  paciente foi a raiva junto aos acontecimentos da sua vivência e enquanto médico o  levou ao impulsionamento de gerir uma unidade de terapia intensiva de COVID com  a adequação do manejo clínico para uma humanização em saúde na prática. 

CONCLUSÃO 

Este relato possui uma relevância no meio acadêmico-científico por oferecer  sob olhar e perspectiva de um profissional de saúde os impactos físicos, emocionais  e psicológicos ao redor da pandemia da COVID-19, principalmente pela vivência da  dualidade de papéis entre médico e paciente. O desenvolvimento de complicações  como a síndrome pós-terapia intensiva e o transtorno de estresse pós-traumático  reflete os desafios enfrentados por sobreviventes de doenças críticas. 

A experiência com a doença pelo paciente evidencia a importância  de estratégias multidisciplinares para reabilitação, incluindo suporte psicológico,  fisioterapêutico e acompanhamento a longo prazo, visando mitigar também as sequelas como ansiedade, pesadelos e déficits cognitivos. Além disso, reforça a  necessidade de uma abordagem humanizada no cuidado em saúde, que considere  não apenas as necessidades clínicas, mas também o sofrimento emocional e  psicológico. A implementação de diretrizes específicas é urgente para minimizar os  efeitos da SPI e do TEPT, assim acarretando numa melhor qualidade de vida dos  sobreviventes da UTI e promovendo um cuidado mais integral e compassivo. 

A trajetória relatada configura-se como um paradigma de resiliência e  aprendizado transformativo, demonstrando como a adversidade pode ser catalisadora  de mudanças significativas, não apenas no âmbito individual, mas também no coletivo,  podendo promover melhorias na prática clínica e no cuidado em saúde de forma mais  ampliada e integral.  

REFERÊNCIAS  

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