REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504241610
Thiago Dias de Barros1
Orientador: Prof. Avelino Thiago Dos Santos Moreira2
Resumo
Este estudo analisa as transformações no Direito Penal global e seu impacto nas legislações nacionais e relações internacionais, com foco nos crimes transnacionais. A pesquisa destaca a expansão do escopo de crimes internacionais, como os ambientais e cibernéticos, e a consolidação de mecanismos de cooperação internacional, exemplificada por tratados como a Convenção de Palermo. Abordagens preventivas e restaurativas ganham ênfase, refletindo uma compreensão ampliada dos fatores sociais e econômicos da criminalidade. Contudo, desafios como a harmonização legislativa, divergências culturais e assimetrias de poder político e econômico persistem. O estudo também explora o impacto das tecnologias emergentes, como inteligência artificial, e propõe recomendações para fortalecer as estruturas legais globais, incluindo a revisão de tratados, o uso de tecnologias e a capacitação de profissionais. Em síntese, o trabalho contribui para a compreensão crítica das interações entre o Direito Penal global e as realidades nacionais, oferecendo informações para uma justiça global mais coesa e adaptada aos desafios emergentes.
Palavras-chave: Direito Penal Global. Crimes Transnacionais. Cooperação internacional. Harmonização Jurídica.
Abstract
This study examines the transformations in global Criminal Law and its impact on national legislations and international relations, with a focus on transnational crimes. The research highlights the expansion of the scope of international crimes, such as environmental and cybercrimes, and the consolidation of international cooperation mechanisms, exemplified by treaties like the Palermo Convention. Preventive and restorative approaches gain emphasis, reflecting a broader understanding of the social and economic factors of criminality. However, challenges such as legislative harmonization, cultural divergences, and political and economic power asymmetries persist. The study also explores the impact of emerging technologies, such as artificial intelligence, and proposes recommendations to strengthen global legal structures, including the revision of treaties, the use of technologies, and the training of professionals. In summary, the work contributes to a critical understanding of the interactions between global Criminal Law and national realities, offering insights for a more cohesive and adaptive global justice system to address emerging challenges.
Keywords: Global Criminal Law. Transnational Crimes. International Cooperation. Legal Harmonization.
Introdução
Nos últimos anos, os avanços no campo do Direito Penal têm sido significativos, moldando não apenas as estruturas jurídicas nacionais, mas também desempenhando um papel importante nas interações entre Estados. Este artigo visa explorar as tendências globais no Direito Penal e analisar de que maneira esses avanços influenciam as dinâmicas das relações internacionais. O contexto contemporâneo revela uma interconexão cada vez maior entre sistemas jurídicos nacionais e a necessidade de abordar questões criminais em uma perspectiva global. O cerne deste estudo reside na compreensão de como as transformações no Direito Penal, que tratam dos crimes sob uma ótica global, impactam as relações entre os diferentes atores no cenário internacional.
O problema de pesquisa centraliza-se na complexidade das ramificações desse entrelaçamento, levantando questões sobre como as mudanças nas legislações criminais em âmbito global reverberam nos protocolos e tratados que regem as relações internacionais. Este artigo pretende, assim, investigar de maneira aprofundada essas relações, contribuindo para uma compreensão mais clara do papel do Direito Penal na configuração das interações entre Estados. A motivação para esta pesquisa reside na necessidade premente de abordar as lacunas e desafios emergentes na interface entre Direito Penal e relações internacionais. A urgência de compreender como as tendências globais nesse campo afetam as dinâmicas geopolíticas é evidente, e este estudo busca preencher essa lacuna, proporcionando uma visão abrangente e esclarecedora.
A globalização e o avanço tecnológico têm ampliado a complexidade dos crimes transnacionais, como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e os crimes cibernéticos, que exigem respostas coordenadas e eficazes em nível internacional. Nesse cenário, o Direito Penal global emerge como um instrumento essencial para promover a cooperação entre Estados, harmonizar legislações e garantir a aplicação da justiça além das fronteiras nacionais. No entanto, a implementação dessas normativas enfrenta desafios significativos, como a resistência de alguns países em renunciar a aspectos de sua soberania e às divergências culturais e políticas que dificultam a criação de padrões universais.
Além disso, o surgimento de novas formas de criminalidade, impulsionadas por tecnologias emergentes como a inteligência artificial e o blockchain, exige uma constante atualização das estruturas legais globais. Esses avanços tecnológicos, embora ofereçam ferramentas poderosas para o combate ao crime, também trazem consigo dilemas éticos e jurídicos, como a proteção da privacidade e a prevenção de abusos. Diante desses desafios, este estudo busca não apenas analisar as tendências atuais, mas também elucidar recomendações para fortalecer as estruturas legais globais, visando uma justiça mais eficiente e adaptada às demandas do século XXI.
Objetiva-se com este artigo analisar, de forma geral, os impactos dos avanços no Direito Penal global nas relações internacionais. De maneira específica, busca-se: identificar as principais transformações no Direito Penal global; avaliar as implicações dessas mudanças nas legislações nacionais; e analisar como as novas abordagens influenciam a cooperação internacional no combate aos crimes transnacionais. Ao longo deste artigo, serão abordados temas como as evoluções recentes no Direito Penal, os desafios emergentes nas relações internacionais e as implicações práticas dessas tendências. Este estudo visa contribuir para um diálogo crítico e informado sobre a interseção entre Direito Penal e relações internacionais, promovendo uma compreensão mais profunda das complexidades inerentes a esse cenário em constante evolução.
1. Evoluções no Direito Penal global: uma análise das principais transformações
As evoluções no Direito Penal global representam uma resposta dinâmica e necessária aos desafios cada vez mais complexos enfrentados pela comunidade internacional. Ao longo da última década, observou-se uma série de transformações significativas nesse campo, moldando a maneira como os Estados abordam e enfrentam as questões criminais em uma escala global. A análise das principais transformações no Direito Penal global destaca não apenas a adaptação das estruturas legais existentes, mas também a emergência de novos paradigmas e abordagens inovadoras.
Uma das principais transformações identificadas diz respeito à expansão do escopo de crimes internacionais. Bassiouni (2017) e Cassese (2015) ressaltam a crescente inclusão de novas categorias de crimes, como os contra o meio ambiente e os cibernéticos, refletindo a necessidade de atualização para enfrentar desafios contemporâneos. Essa expansão do escopo reflete a crescente interconexão das sociedades e a necessidade de abordar crimes que ultrapassam fronteiras nacionais.
Paralelamente, observa-se uma tendência na consolidação de mecanismos de cooperação internacional, uma resposta pragmática à natureza transnacional de muitos delitos. Tratados e convenções multilaterais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), são apontados por Damásio (2018) como instrumentos importantes para promover a colaboração entre Estados na prevenção e repressão de crimes. A eficácia desses mecanismos depende, em grande parte, da aceitação e implementação por parte dos Estados, indicando a importância do engajamento internacional.
Outro aspecto relevante nas transformações do Direito Penal global refere-se à crescente ênfase em abordagens preventivas e restaurativas. Zehr (2015) destaca a transição de uma abordagem exclusivamente punitiva para estratégias que buscam prevenir a ocorrência de crimes e reintegrar infratores à sociedade. Essa mudança de paradigma reflete uma compreensão mais ampla dos fatores sociais e econômicos que contribuem para a criminalidade, buscando soluções mais abrangentes e eficazes.
No entanto, as transformações no Direito Penal global não estão isentas de desafios. A harmonização das legislações nacionais, por exemplo, permanece uma questão complexa e controversa. Roach (2019) aponta as dificuldades práticas e políticas na criação de normas uniformes, considerando as diferentes tradições jurídicas e sistemas políticos existentes. A necessidade de um equilíbrio delicado entre a soberania nacional e a cooperação global é evidente nesse contexto.
De todo modo, a análise das principais transformações no Direito Penal global revela uma paisagem jurídica em constante evolução, adaptando-se aos desafios contemporâneos e buscando abordagens mais eficazes e abrangentes. A expansão do escopo de crimes, o fortalecimento da cooperação internacional, a ênfase na prevenção e a busca por mecanismos de harmonização são aspectos fundamentais desse processo dinâmico, que molda o panorama jurídico internacional na atualidade.
1.1 Contextualização histórica
O Direito Penal global tem suas raízes em eventos históricos marcantes, como os julgamentos de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial, que estabeleceram precedentes para a responsabilização internacional por crimes contra a humanidade. Esses julgamentos foram fundamentais para a criação de um sistema jurídico global, culminando na adoção do Estatuto de Roma em 1998, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI). O TPI representa um marco na luta contra a impunidade, ao permitir o julgamento de indivíduos por crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. No entanto, a eficácia do TPI tem sido limitada pela falta de adesão de grandes potências, como os Estados Unidos, China e Rússia, o que reflete os desafios políticos inerentes à justiça global (ICC, 2021).
Outro marco importante foi a criação da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e de tribunais ad hoc, como o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR). Esses tribunais demonstraram a viabilidade de uma justiça penal internacional, mas também destacaram as dificuldades logísticas e financeiras de operar em escala global (HURTADO, 2023). Apesar dos avanços, a comunidade internacional ainda enfrenta o desafio de garantir que os princípios estabelecidos nesses tribunais sejam aplicados de forma consistente e equitativa.
1.2 Impacto das tecnologias
A ascensão das tecnologias digitais trouxe novos desafios e oportunidades para o Direito Penal global. Ferramentas como inteligência artificial (IA) e big data têm sido utilizadas para identificar e combater redes criminosas transnacionais. Por exemplo, a INTERPOL utiliza sistemas de análise de dados para rastrear fluxos financeiros ilícitos e identificar padrões de tráfico de drogas e pessoas. No entanto, o uso dessas tecnologias também levanta questões éticas, como a proteção da privacidade e o risco de vigilância massiva por parte de governos e corporações (ANDRADE, 2019). Além disso, a falta de regulamentação específica para o uso de IA em investigações criminais pode resultar em decisões enviesadas ou discriminatórias, especialmente quando algoritmos são treinados com dados que refletem preconceitos sociais existentes.
Crimes cibernéticos, como ransomware e espionagem digital, exigem respostas globais coordenadas. A Convenção de Budapeste sobre Cibercrime, adotada em 2001, é um exemplo de esforço internacional para harmonizar legislações nacionais e facilitar a cooperação no combate a esses crimes (COUNCIL OF EUROPE, 2001). No entanto, a implementação da convenção varia significativamente entre os países, e muitos ainda carecem de infraestrutura e expertise para lidar com ameaças cibernéticas complexas. A falta de capacitação técnica e recursos financeiros em nações em desenvolvimento amplia a disparidade na capacidade de resposta a crimes cibernéticos, criando brechas que podem ser exploradas por organizações criminosas.
Outro desafio significativo é a rápida evolução das tecnologias, que frequentemente supera a capacidade dos sistemas legais de se adaptarem. Crimes como o uso de criptomoedas para lavagem de dinheiro ou a manipulação de mercados financeiros por meio de algoritmos de IA exigem uma constante atualização das normativas internacionais. A criação de frameworks jurídicos flexíveis e adaptáveis, capazes de responder a novas ameaças de forma ágil, é essencial para garantir a eficácia do Direito Penal global. Além disso, a cooperação entre setores público e privado, incluindo empresas de tecnologia e instituições financeiras, é imprescindível para desenvolver soluções inovadoras e compartilhar conhecimentos técnicos (FORMIGONI FILHO; BRAGA; LEAL, 2017).
Por fim, é fundamental que o uso de tecnologias no combate ao crime seja acompanhado por salvaguardas robustas para proteger os direitos fundamentais. A transparência no uso de algoritmos, a garantia de due process em investigações baseadas em IA e a proteção de dados pessoais são aspectos que não podem ser negligenciados (ANDRADE, 2019). A comunidade internacional deve buscar um equilíbrio entre a eficiência no combate ao crime e a preservação das liberdades individuais, garantindo que o avanço tecnológico não se torne uma ferramenta de opressão ou vigilância indiscriminada.
1.3 Perspectivas futuras
O Direito Penal global enfrenta desafios emergentes, como a regulamentação de crimes cometidos por meio de inteligência artificial (IA) e em ambientes virtuais, como o metaverso. A IA, por exemplo, pode ser usada para cometer fraudes em larga escala ou manipular mercados financeiros, exigindo respostas jurídicas inovadoras. Além disso, a ascensão de criptomoedas e blockchain tem facilitado o financiamento de atividades criminosas, como o tráfico de drogas e armas, ao mesmo tempo em que oferece ferramentas para rastrear e combater esses crimes (FORMIGONI FILHO; BRAGA; LEAL, 2017).
Outro desafio futuro é a integração de abordagens multidisciplinares no Direito Penal global. A criminologia, a sociologia e a psicologia social podem contribuir para estratégias preventivas e restaurativas, enquanto a economia e as ciências políticas podem ajudar a entender os fatores estruturais que impulsionam a criminalidade transnacional. A cooperação entre essas áreas será essencial para enfrentar os desafios complexos do século XXI (ZACHARIADIS; HILEMAN; SCOTT, 2019).
Além disso, a globalização e a digitalização acelerada exigem que o Direito Penal global adote uma abordagem proativa e preventiva, antecipando-se às novas formas de criminalidade antes que elas se consolidem. A criação de observatórios internacionais para monitorar tendências criminais emergentes, como crimes no metaverso ou o uso de deepfakes para fraudes e desinformação, pode ser uma estratégia eficaz para garantir respostas rápidas e coordenadas. Paralelamente, a educação e a conscientização pública sobre os riscos associados às novas tecnologias são fundamentais para fortalecer a resiliência das sociedades frente a essas ameaças (ANDRADE, 2019). A combinação de esforços preventivos, respostas jurídicas ágeis e cooperação internacional será importante para garantir que o Direito Penal global permaneça eficaz e relevante em um mundo em constante transformação.
2. Implicações nas legislações nacionais: um exame detalhado dos impactos locais das tendências globais
As tendências globais no Direito Penal exercem uma influência profunda e multifacetada nas legislações nacionais, sendo essencial examinar de maneira detalhada os impactos locais desse fenômeno. Ao longo da última década, uma série de transformações no âmbito jurídico internacional têm moldado diretamente as estruturas legais dos Estados, refletindo não apenas uma necessidade de adaptação, mas também a complexidade das interações entre as esferas global e nacional.
A expansão do escopo de crimes internacionais e a busca por uma maior cooperação transfronteiriça têm implicações diretas nas legislações nacionais. Malumad-Goti (2016) destaca que, para lidar com desafios como o terrorismo transnacional e a criminalidade organizada, muitos países têm promulgado leis mais rigorosas e abrangentes. Esse movimento reflete a necessidade de alinhar as legislações nacionais com os padrões internacionais, a fim de facilitar a extradição e o julgamento eficaz de criminosos em contextos globais.
No entanto, o impacto das tendências globais nas legislações nacionais não se limita apenas à criação de leis mais abrangentes. Costa (2018) aponta que, em alguns casos, ocorre uma reestruturação mais profunda dos sistemas legais, com a implementação de novas instituições e a revisão de procedimentos judiciais. Esse processo de readequação visa criar ambientes legais mais eficientes e aptos a lidar com os desafios específicos trazidos pelos avanços no Direito Penal global.
Além disso, a influência das tendências globais nas legislações nacionais também se manifesta nas políticas de execução penal. Nioche (2019) destaca que a crescente preocupação com a prevenção e a ressocialização dos infratores, em conformidade com princípios internacionais, tem motivado reformas nas políticas de encarceramento em diversos países. A busca por alternativas ao encarceramento tradicional e a ênfase em abordagens mais humanitárias refletem a influência de padrões globais na promoção dos direitos humanos.
No entanto, é importante ressaltar que a implementação dessas mudanças nem sempre é homogênea, sendo moldada por fatores políticos, sociais e culturais específicos de cada nação. Para tanto, Silva (2020) destaca a complexidade na harmonização entre as diretrizes internacionais e as realidades nacionais, evidenciando desafios na incorporação efetiva das tendências globais nas legislações locais.
No contexto brasileiro, por exemplo, a implementação de medidas previstas em tratados internacionais pode ser observada em legislações específicas, como a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), que reflete a preocupação do país em alinhar-se às normativas globais de combate à criminalidade financeira (BRASIL, 1998).
Assim, o exame detalhado dos impactos locais das tendências globais no Direito Penal revela uma dinâmica complexa e em constante evolução. A busca por alinhamento com padrões internacionais, a reestruturação de sistemas legais e a influência nas políticas de execução penal são aspectos imprescindíveis desse processo, destacando a necessidade de uma análise aprofundada das implicações nas legislações nacionais em face das transformações no cenário jurídico global.
3. Cooperação internacional no combate aos crimes transnacionais: avaliação crítica das novas abordagens colaborativas
A cooperação internacional no combate aos crimes transnacionais representa um desafio no cenário contemporâneo, exigindo uma avaliação crítica das novas abordagens colaborativas adotadas por Estados e organizações internacionais. Ao longo da última década, o aumento da complexidade e sofisticação das atividades criminosas que transcendem fronteiras tem impulsionado a necessidade de estratégias mais eficazes e coordenadas entre as nações. Nesse contexto, a análise crítica das abordagens colaborativas emergentes destaca-se como um elemento fundamental para compreender a eficácia dessas iniciativas no enfrentamento de desafios transnacionais.
A implementação de tratados e convenções internacionais desempenha um papel central na promoção da cooperação global no combate aos crimes transnacionais. Para Stessens (2018), destaca-se a importância desses instrumentos legais para estabelecer bases normativas comuns e facilitar a extradição, a troca de informações e a harmonização de procedimentos judiciais. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), por exemplo, representa um marco relevante no esforço internacional para enfrentar crimes como o tráfico de pessoas e o tráfico de drogas.
Contudo, a eficácia desses instrumentos depende da vontade política e do comprometimento efetivo dos Estados em sua implementação. Boister (2017) aponta desafios relacionados à inconsistência na aplicação das normativas internacionais, destacando a necessidade de mecanismos de monitoramento e avaliação para garantir a conformidade dos Estados signatários.
A colaboração entre agências de aplicação da lei e órgãos de inteligência de diferentes países é outro aspecto fundamental das novas abordagens colaborativas no combate aos crimes transnacionais. A troca de informações em tempo real e a coordenação de esforços investigativos são enfatizadas por Nadelmann (2016) como elementos essenciais para enfrentar organizações criminosas que operam em múltiplas jurisdições. Iniciativas como a INTERPOL e a Europol surgem como catalisadores dessa cooperação, buscando superar barreiras burocráticas e agilizar a resposta a ameaças transnacionais.
Entretanto, a implementação eficaz dessas estratégias não está isenta de desafios. A questão da soberania nacional muitas vezes se interpõe, dificultando a harmonização de procedimentos e a execução de ações conjuntas. Bobbio (2019) destaca a importância de mecanismos de resolução de conflitos e a criação de plataformas neutras para promover a cooperação em um contexto global.
A análise crítica das novas abordagens colaborativas no combate aos crimes transnacionais também requer uma reflexão sobre questões éticas e de proteção dos direitos humanos. Dammer (2020) alerta para os riscos de abusos e violações quando há compartilhamento indiscriminado de informações sensíveis entre países, ressaltando a necessidade de salvaguardas e padrões éticos robustos.
Dessa forma, a avaliação crítica das novas abordagens colaborativas na cooperação internacional para combater crimes transnacionais revela uma complexa teia de desafios e oportunidades. A implementação eficaz de tratados, a coordenação entre agências de aplicação da lei e as considerações éticas são elementos cruciais nesse processo. A busca por soluções inovadoras e adaptativas é essencial para fortalecer a capacidade global de resposta a ameaças que transcendem fronteiras.
4. Recomendações para fortalecer as estruturas legais globais: propostas para uma maior eficiência e eficácia
Fortalecer as estruturas legais globais para enfrentar os desafios contemporâneos no campo do Direito Penal exige a formulação de recomendações robustas e inovadoras. Diante da crescente complexidade dos crimes transnacionais e das transformações nas relações internacionais, propostas eficazes são importantes para promover maior eficiência e eficácia nas estratégias de combate à criminalidade em escala global.
Uma recomendação fundamental envolve a revisão e atualização periódica dos tratados e convenções internacionais que regem a cooperação no campo penal. Cassese (2015) avulta a importância de adaptar esses instrumentos normativos às mudanças nas dinâmicas criminais, garantindo que permaneçam relevantes e eficazes ao longo do tempo. Essa revisão constante é imprescindível para incorporar novas categorias de crimes, abordar lacunas legais e aprimorar mecanismos de cooperação.
A implementação de mecanismos de monitoramento e avaliação é outra recomendação essencial. Zappalà (2017) observa a estima de órgãos independentes que possam avaliar a conformidade dos Estados signatários aos tratados internacionais e garantir a implementação efetiva das normativas. Esses mecanismos são fundamentais para identificar e corrigir lacunas na cooperação global, promovendo a responsabilidade dos Estados na implementação das recomendações normativas.
Além disso, a promoção de padrões comuns de legislação penal entre os Estados é uma recomendação que ganha destaque. Malamud-Goti (2018) ressalta a importância de criar uma base normativa sólida que possibilite a cooperação mais eficaz. Isso inclui a harmonização de definições legais, procedimentos judiciais e penas, facilitando a aplicação consistente das leis em diferentes contextos e fortalecendo as estruturas legais globais.
A utilização de tecnologias da informação e comunicação (TICs) é outra recomendação que visa aprimorar a eficiência dos mecanismos de cooperação internacional. Damásio (2019) enfatiza o papel das TICs na agilização da troca de informações entre agências de aplicação da lei e órgãos de inteligência. A implementação de sistemas integrados e seguros de compartilhamento de dados contribui para a resposta rápida e eficaz diante de ameaças transnacionais.
Paralelamente, a promoção de capacitação e treinamento contínuo para profissionais envolvidos na aplicação da lei é uma recomendação que visa fortalecer as competências necessárias para lidar com a complexidade dos crimes globais. Stessens (2020) destaca a necessidade de desenvolver habilidades específicas para a investigação de crimes transnacionais, bem como para a interpretação e aplicação de normas internacionais. Essa recomendação visa garantir que os agentes envolvidos estejam preparados para lidar com a dinâmica complexa desses casos.
Outra proposta inovadora é a criação de unidades especializadas e equipes multidisciplinares dedicadas ao combate de crimes transnacionais. Nadelmann (2021) ressalta a eficácia dessas equipes na agilização das investigações e na promoção de uma abordagem integrada. Unidades especializadas podem facilitar a cooperação ao proporcionar expertise específica e maior coordenação entre diferentes jurisdições.
As recomendações para fortalecer as estruturas legais globais no combate aos crimes transnacionais abrange a revisão normativa constante, a implementação de mecanismos de monitoramento, a promoção de legislação comum, o uso de tecnologias, a capacitação de profissionais e a criação de equipes especializadas. A combinação dessas propostas visa criar um ambiente jurídico global mais resiliente, capaz de enfrentar os desafios emergentes e promover uma cooperação internacional eficaz.
5. Desafios no Direito Penal global
A harmonização legislativa no Direito Penal global é um processo complexo e multifacetado, que enfrenta desafios enraizados na estrutura do sistema internacional. Esses desafios não se limitam a questões técnicas ou jurídicas, mas envolvem também aspectos culturais, políticos e econômicos que influenciam a adoção e implementação de normas globais. A análise crítica desses obstáculos revela a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e equitativa para promover a cooperação internacional efetiva.
Um dos principais desafios da harmonização legislativa é a tensão entre as normas internacionais e as legislações nacionais. Conforme destacado por Bassiouni (2017), o Direito Penal global entra em conflito com os princípios de soberania dos Estados, que priorizam suas próprias leis e tradições jurídicas. Por exemplo, a Convenção de Palermo, que busca combater o crime organizado transnacional, enfrenta resistência em países onde a corrupção e a falta de transparência dificultam a implementação de suas diretrizes. Em alguns casos, as legislações nacionais são incompatíveis com as exigências dos tratados internacionais, como ocorre com a criminalização do tráfico de pessoas em países onde práticas análogas à escravidão ainda são culturalmente toleradas.
Além disso, a falta de mecanismos eficazes para garantir a conformidade dos Estados com as normativas globais é um problema persistente. Conforme apontado por Zappalà (2017), muitos tratados internacionais carecem de sistemas de monitoramento e sanções robustas, o que permite que os Estados ignorem ou minimizem suas obrigações sem enfrentar consequências significativas. Um exemplo disso é a implementação irregular da UNCAC, que, apesar de ser um dos instrumentos mais abrangentes no combate à corrupção, enfrenta desafios de aplicação em países onde a corrupção é sistêmica e enraizada nas estruturas de poder.
A diversidade cultural e a pluralidade de valores éticos entre os países representam outro obstáculo significativo para a harmonização legislativa. Como observa Anghie (2012), o direito internacional muitas vezes reflete os valores e interesses das potências ocidentais, o que pode gerar resistência em países com tradições e sistemas de valores distintos. Por exemplo, normas relacionadas aos direitos humanos, como a proteção de minorias religiosas ou a igualdade de gênero, frequentemente entram em conflito com práticas culturais e religiosas em diversas regiões do mundo.
Um caso emblemático é a dificuldade de implementação global de normas relacionadas aos direitos LGBTQ+. Enquanto países como Canadá e Holanda adotam legislações progressistas que garantem direitos e proteções a essa comunidade, outros, como Uganda e Arábia Saudita, criminalizam práticas homossexuais com base em interpretações religiosas e culturais. Essa divergência de valores dificulta a criação de normas universais e expõe as limitações de um sistema jurídico global que busca impor padrões homogêneos em contextos profundamente heterogêneos (ONU, 2023).
O poder político e econômico desempenha um papel importante na implementação (ou não) de normativas globais. Conforme destacado por Krasner (1999), a assimetria de poder no sistema internacional permite que países com maior influência geopolítica moldem as agendas globais de acordo com seus interesses nacionais, muitas vezes em detrimento de nações menos poderosas. Um exemplo claro é a não adesão dos Estados Unidos ao TPI, sob o argumento de que o tribunal poderia ser usado para perseguir politicamente cidadãos americanos. Essa postura reflete a capacidade de grandes potências de optar por não participar de mecanismos internacionais que consideram contrários aos seus interesses (MAIA; DIAS, 2019).
Além disso, a influência econômica também afeta a implementação de normativas globais. Países com economias frágeis muitas vezes dependem de assistência financeira e técnica para adotar e implementar tratados internacionais, o que pode limitar sua capacidade de cumprir plenamente com as obrigações assumidas. Por exemplo, a implementação de medidas de combate ao crime organizado transnacional em países da África Subsaariana é prejudicada pela falta de recursos e infraestrutura adequada, conforme destacado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2013).
Para superar esses desafios, é essencial adotar uma abordagem mais inclusiva e equitativa no Direito Penal global. Isso inclui a promoção de diálogos interculturais que considerem as particularidades de cada país, bem como a criação de mecanismos de apoio técnico e financeiro para nações com menos recursos. Além disso, a revisão periódica de tratados e convenções internacionais, com a inclusão de novas categorias de crimes e a atualização de mecanismos de monitoramento, é fundamental para garantir que as normativas globais permaneçam relevantes e eficazes (COSTA, 2018).
De todo modo, os desafios da harmonização legislativa no Direito Penal global são profundos e multifacetados, envolvendo conflitos entre normas internacionais e nacionais, divergências culturais e a influência do poder político e econômico. Superar esses obstáculos exige um esforço coletivo e coordenado, que promova a cooperação internacional de forma mais justa e eficaz, respeitando as particularidades de cada país e garantindo a proteção dos direitos humanos em escala global.
Conclusão
Este estudo evidenciou as transformações significativas no Direito Penal global e seu impacto nas legislações nacionais e nas relações internacionais. A expansão do escopo de crimes internacionais, como os ambientais e cibernéticos, reflete a necessidade de adaptação às complexidades do mundo contemporâneo, marcado pela interconexão global e pela transnacionalidade das atividades criminosas. A consolidação de mecanismos de cooperação internacional, exemplificada por tratados como a Convenção de Palermo, demonstra a importância de esforços conjuntos para enfrentar desafios que transcendem fronteiras.
Contudo, a harmonização legislativa e a implementação efetiva dessas normativas esbarram em obstáculos como divergências culturais, assimetrias de poder político e econômico, e a resistência de alguns Estados em renunciar a aspectos de sua soberania. A análise também destacou a crescente ênfase em abordagens preventivas e restaurativas, que buscam não apenas punir, mas também prevenir a criminalidade e reintegrar infratores à sociedade. Além disso, o impacto das tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e o blockchain, trouxe novos desafios e oportunidades para o Direito Penal global, exigindo respostas inovadoras e adaptativas. As recomendações propostas, que incluem a revisão periódica de tratados, a promoção de padrões comuns de legislação, o uso de tecnologias e a capacitação de profissionais, visam fortalecer as estruturas legais globais e promover uma cooperação internacional mais eficaz.
Olhando para o futuro, é fundamental que o Direito Penal global continue a evoluir para enfrentar os desafios emergentes, como os crimes cometidos por meio de inteligência artificial e em ambientes virtuais, como o metaverso. A integração de abordagens multidisciplinares, que combinem perspectivas jurídicas, tecnológicas, sociológicas e econômicas, será essencial para desenvolver estratégias eficazes e sustentáveis. Além disso, a promoção de diálogos interculturais e a consideração das particularidades de cada país são passos importantes para garantir que as normativas globais sejam justas, inclusivas e respeitosas das diversidades locais.
Por fim, a construção de uma justiça global mais coesa e adaptada aos desafios do século XXI exige um compromisso coletivo e contínuo. A cooperação internacional, embora complexa e desafiadora, é indispensável para enfrentar crimes que transcendem fronteiras e ameaçam a segurança e os direitos humanos em escala global. Este estudo reforça a importância de um esforço colaborativo entre Estados, organizações internacionais, sociedade civil e setor privado, visando um sistema jurídico global que seja não apenas eficiente, mas também equitativo e resiliente diante das transformações do mundo contemporâneo.
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1Mestrando em Estudos Jurídicos, ênfase no Direito Internacional pela Must University. E-mail: thiago.diasadm@gmail.com
2Professor orientador. Doutor em Direito.