REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504172202
Esdras Henrique Dias Junior
Gabriela Lavorato Cordeiro Casa
Giuliana Kelly de Aguiar Fontenelle
Orientadora: Rhayany de Castro Lindenblatt Ribeira
RESUMO
Dentre as alterações dentárias de desenvolvimento, os dentes supranumerários tem sua etiologia pouco elucidada, são muitas vezes descritos pela sua localização. O mesiodens é o mais comum dentre os supranumerários, tem predileção pela maxila na região de linha média, pode ser único, múltiplo, uni ou bilateral. O trabalho apresenta um caso clínico de um paciente de gênero masculino, com 08 anos de idade, em fase de dentição mista, com queixa principal de apresentar um dente com formato diferente na região anterior da arcada dentária superior , com o hábito de morder lápis e canetas e a ausência de histórico de traumatismo, hereditariedade, sangramento gengival e reações alérgicas. Ao exame oral observou-se mordida aberta anterior em topo no lado esquerdo e cruzada no lado direito. Após o diagnóstico clínico e radiográfico foi determinado o tratamento que compreendeu a remoção cirúrgica do dente, evitando desordens de origem estéticas e funcionais consequente da permanência da alteração dentária. O objetivo do presente trabalho é analisar o caso clínico e discutir a importância do diagnóstico e tratamento precoce do mesiodens em dentição mista. Em casos onde estejam presentes lesões císticas, rotação, impactação e alteração no trajeto da erupção dos incisivos permanentes, o tratamento deve ser conduzido de forma a minimizar possíveis complicações, com solicitação de tomografia, uma abordagem multidisciplinar com um ortodontista e se necessário o retardamento da exodontia, sendo preciso o acompanhamento e a observação do paciente durante o tratamento proposto. O conhecimento das alterações dentárias de desenvolvimento presente nas fases iniciais da formação dentária possibilita ao profissional clínico realizar um diagnóstico precoce, o planejamento para um tratamento adequado e favorece ao paciente um excelente prognóstico, evitando complicações futuras.
Área temática: Estomatologia
Palavras-chave: Supranumerário, Mesiodente, Mesiodens
INTRODUÇÃO
Dentre as alterações dentárias de desenvolvimento, os dentes supranumerários tem sua etiologia pouco elucidada, várias teorias sugerem uma explicação, que vão de fatores genéticos, ambientais, trauma local, dicotomia do germe dentário e hiperatividade da lâmina dentária 1,2,3,4,5,6.
A literatura expõe uma associação com a hereditariedade, principalmente em pacientes sindrômicos, com a presença de múltiplos supranumerários, algumas das síndromes mais associadas são Displasia Cleidocranial e a Síndrome de Gardner 4,6.
A prevalência dos casos não associado a síndromes concomitantes é menor, podendo ser unitário ou múltiplo, unilateral ou bilateral, tendo maior prevalência na dentição permanente e na região maxilar com predileção para região anterior 5,6,7,8.
Os supranumerários podem apresentar um aspecto morfológico similar ou incomum aos dentes, podendo apresentar uma forma cônica, tuberculada ou molariforme 5,6,7,8. São muitas vezes descritos pela sua localização, os dentes supranumerários localizados entre os incisivos centrais superiores é chamado mesiodente 6,7,8.
A literatura destaca uma maior incidência de casos em homens, os mesiodens se apresentam em sua maioria com morfologia conóide e raiz curta, em posição normal na arcada, os casos de elementos invertidos e horizontais são raros, assim como os casos bilaterais também são raros 6,7,8,9.
É comum para os mesiodens erupcionar normalmente ao invés de permanecer impactados, os casos de elementos invertidos são menos frequentes é necessitam de um planejamento e tratamento mais criterioso, já quando impactados podem ocasionar complicações como o atraso na erupção dos dentes permanentes ou erupção em posição ectópicas, rotação dentária, apinhamento, diastemas, desenvolvimento de cistos, reabsorção de dentes adjacentes 7,8,9,10.
As radiografias possuem uma imensa relevância para a escolha do tratamento, assim como para o diagnóstico nos casos de mesiodens impactados, em muitos casos a radiografia panorâmica é utilizada para definição do tratamento, muitas vezes sendo único exame complementar solicitado ao paciente, permitindo uma visualização das estruturas anatômicas circundantes, do formato da raiz e coroa nos impactados e inclusos, diminuindo o tempo cirúrgico e reduzindo o estresse ao paciente e maior segurança ao profissional.
Além disso, os elementos invertidos, fora do eixo normal de erupção, apresentam a necessidade de uma conduta mais minuciosa, podendo ser solicitado uma tomografia para um detalhamento de precisão do posicionamento do elemento na arcada dentária 11.
A literatura salienta o tratamento cirúrgico, como escolha para um melhor prognóstico, principalmente nos pacientes pediátricos, com dentição mista, onde a presença do elemento possa prejudicar e comprometer a oclusão e erupção da dentição permanente 9,10. Contudo sempre se faz necessário um bom plano de tratamento, para que a intervenção cirúrgica ocorra no momento adequado.
Dentre as anomalias dentárias de desenvolvimento, os supranumerários quando não diagnosticado precocemente desencadeiam inúmeras complicações. O objetivo do presente trabalho é relatar o caso clínico e discutir a importância do diagnóstico e tratamento precoce do mesiodens em dentição mista.
RELATO DO CASO
Paciente do gênero masculino, feoderma, com 8 anos de idade, acompanhado de seu responsável, procurou atendimento odontológico na Clínica odontológica do centro Universitário São José, em 28 de agosto de 2020, foi encaminhado para o serviço de odontopediatria, relatando como queixa principal, apresentar um dente com formato diferente na região anterior da arcada dentária superior (figura 1, 2 e 3).

Foi preenchida a folha de anamnese, onde algumas questões relacionadas história médica e odontológicas foram levantadas e o paciente juntamente com seu responsável relatam que não há sangramento gengival com facilidade; nunca apresentou reações alérgicas a nenhum medicamento e alimentos; têm o hábito de morder lápis e canetas e não roi as unhas
Ao exame extraoral o paciente apresentou os lábios ressecados, ao exame intraoral foi possível observar, uma higiene regular; halitose ausente; tártaro em pouca quantidade; gengiva com coloração e textura normal; mucosas sem alterações; mordida aberta anterior em topo lado esquerdo e cruzada lado direito.
Paciente em fase de dentição mista. Elementos da dentição permanente presente: incisivos centrais superiores 11/21, incisivos centrais inferiores 31/41 e incisivo lateral inferior 32, primeiro molares presentes nas 4 hemiarcadas 16/26/36/46. Elementos da dentição decídua presente: caninos nas 4 hemiarcadas, incisivo lateral inferior direito, primeiro e segundo molares decíduos nas 4 hemiarcadas. Ausentes: os elementos 52/62.
Foi solicitado o exame radiológico (figura 4), onde foi definido o diagnóstico, localização e a extensão radicular do elemento supranumerário na região anterior da maxila entre os incisivos centrais, não havendo impactação com os germes dentários adjacentes, foi estabelecendo um planejamento para o plano de tratamento, que foi determinado pela indicação de exodontia do elemento supranumerário.

Realizado o tratamento de exodontia do mesiodens (figura 5 e 6), com anestesia local infiltrativa e sulcular, prescrições de medicações, orientações pós-operatórias e solicitado acompanhamento periódico com odontopediatra e radiografias panorâmica, periapicais dos incisivos laterais para acompanhamento.

DISCUSSÃO
A literatura relata que maior parte dos diagnósticos em pacientes ocorre na fase de dentição permanente, porém em pacientes pediátricos o diagnóstico é comumente realizado na fase de dentição mista, sendo frequente os relatos de casos na literatura1,2,3,9,10. O que demonstra a importância e relevância do conhecimento dessa anomalia dentária pelo clínico, pois quando feito o diagnóstico em fases precoces, em conjunto com um tratamento adequado, consegue prevenir complicações decorrentes do quadro patológico.
Os dados obtidos por um estudo realizado com um grupo de crianças turcas, composto por 58.142 pacientes pediátricos, foram diagnosticados um total de 83 mesiodentes em 59 crianças, foi estimado uma prevalência de 0,1%. A apresentação dos casos foi de um mesiodens em 36 casos (61,0%), dois mesiodentes em 22 casos (37,3%) e três mesiodentes em um único caso (1,7%). A média de idade dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 9,5 anos, sendo diagnosticados (50,6%) na faixa etária de 10 a 14 anos e (49,4%) na faixa de 6 a 9 anos. Dentre as principais complicações relacionadas aos mesiodentes foi deslocamento ou rotação dos dentes permanentes (73,3%), maioria dos mesiodentes apresentou seu estado clínico impactado é não irrompido (68,7%), localizados na direção vertical (77,1%) e apresentando inversão (22,9%). A morfologia apresentada dos mesiodentes foi de 48,2% cônica, 31,3% tuberculados e 20,5% similares aos incisivos, 22,9% estavam invertidos e 68,7% totalmente impactados 12.
Já outro estudo realizado no sul da Índia com 3.936 pacientes pediátricos não sindrômicos, diagnosticou um dente supranumerário em 35 casos, dois em 8 casos e três em 1 caso, totalizando 45 pacientes, sendo um percentual de (1,1%) dos pacientes avaliados. Dentre os pacientes com presença de dentes supranumerários 8 estavam na fase de dentição decídua, 29 na fase de dentição mista e 8 na fase de dentição permanente. A idade média em que os casos foram detectados foi de 8,6 anos, sendo (17,8%) com menos 6 anos, (44,4%) tinham entre 6 e 9 anos e (37,8%) tinham entre 9 e 12 anos, um dado interessante foi que (11,1%) tinha histórico familiar enquanto que (88,9%) apresentou histórico familiar negativo. há morfologia dos dentes foi predominantemente cônicas, clinicamente apresentando-se com orientação reta e apenas (24,1%) dos casos com orientação invertida. A maioria dos supranumerários apresentou seu estado clínico irrompido (48,6%), já 34,3% apresentaram-se impactados e (17,1%) erupcionados e impactados. As complicações associadas foram o retardo e a não erupção dos dentes adjacentes (24.4%), mau posicionamento ou rotação dos dentes adjacentes (37,8%), formação diastema (22.2%), formação de cisto dentígero (2,2%) e os (13,4%) não apresentaram anormalidades 13.
Um estudo multicêntrico com 518 pacientes com hiperdontia na população espanhola, buscando estabelecer a prevalência de dentes supranumerários na população de Madrid, investigou 28.114 em um período de 14 anos, encontrou com maior frequência distomolares e pré-molares do que os mesiodens, os distomolares superiores foram os mais comuns (30,3%), seguidos dos mesiodentes (19,8%) e dos pré-molares inferiores (17,9%) a idade dos pacientes com hiperdontia variou de 5 a 75 anos, com média de 24,28 anos. A pesquisa leva em consideração que os pacientes foram atendidos em serviços de cirurgia oral, implantodontia, onde os serviços de exodontia de terceiros molares são mais comuns e demandados, além de considerar que média de idade dos 28.114 pacientes incluídos no estudo foi de 34,65 anos, podendo ser esperado uma maior prevalência de supranumerários de desenvolvimento tardio, como distomolares e pré-molares, ao mesmo tempo o percentual de mesiodens pode ter sido menor do que outros estudos pelo menor percentual de crianças, ademais a possibilidade de extração desses dentes já ter ocorrido. O estudo também levando a questão de haver uma relação estatística entre a idade do paciente e o tipo de supranumerário diagnosticado, os mesiodens foram mais frequentes em pacientes com menos de 20 anos cerca de (42,1%), enquanto os distomolares foram mais encontrados nas faixas 20 a 30 anos e representou cerca de (52.3%) de todos os supranumerários em pacientes com mais de 30 anos 14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alguns autores consideram importante avaliar a dentição adjacente ao mesiodens para definir o momento ideal para exodontia do elemento supranumerário, devido ao processo de rizogênese apresentar-se incompleto e a proximidade com ápice da raiz. Como foi possível observar o mesiodens apresentava-se rompido, com raiz curta, sem impactação aos dentes adjacentes, quadro favorável a exodontia imediata.
Em casos onde estejam presentes lesões císticas, rotação, impactação e alteração no trajeto da erupção dos incisivos permanentes, o tratamento deve ser conduzido de forma a minimizar possíveis complicações, com solicitação de exames de imagens e se necessário o retardamento da exodontia, sendo preciso o acompanhamento e a observação do paciente durante o tratamento proposto.
O conhecimento das alterações dentárias de desenvolvimento presente nas fases iniciais da formação dentária possibilita ao profissional clínico realizar um diagnóstico precoce, o planejamento para um tratamento adequado e favorece ao paciente um excelente prognóstico, evitando complicações futuras.
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