INFECTIOUS ENDOCARDITIS CAUSED BY MULTI-RESISTANT BACTERIA: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202504122305
Marina Miranda Ely1*
Sara Vanessa Braatz Almeida1
Helena Papi Germiniano1
Beatriz Saory Matsunaga1
Mary Héllem Rech dos Santos1
Mateus David Benevides Ribeiro Dias1
Fernanda Ribeiro de Paula¹
Wanderley Pereira da Silva Neto¹
Luccas de Araujo Pereira¹
Andyane Freitas Tetila2
Resumo
A Endocardite Infecciosa (EI) é uma condição rara, mas grave, caracterizada por infecções que afetam estruturas cardíacas como valvas nativas, protéticas e dispositivos intracardíacos. A resistência bacteriana, especialmente de patógenos como Staphylococcus aureus, Streptococcus spp. e Enterococcus spp., representa um desafio significativo ao manejo clínico, restringindo opções terapêuticas. Este estudo tem como objetivo revisar os mecanismos fisiopatológicos da EI, os desafios no tratamento devido à resistência antimicrobiana e a importância de estratégias clínicas eficazes para reduzir a mortalidade relacionada à doença. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica sistemática com bases como PubMed, Scopus e Embase, abrangendo artigos publicados entre 1986 e 2024. A fisiopatologia envolve lesões endocárdicas, bacteremia e formação de vegetações intracardíacas, exacerbadas pela produção de biofilmes e resistência a antimicrobianos. Os métodos diagnósticos revisados incluem hemoculturas, ecocardiograma e técnicas avançadas de imagem. Abordagens terapêuticas envolveram antimicrobianos de amplo espectro e intervenções cirúrgicas em casos graves. Apesar dos avanços, a mortalidade permanece elevada, variando entre 20% e 30%, concluindo a necessidade de estratégias multidisciplinares para mitigar a morbidade e mortalidade associadas à EI.
Palavras-chaves: Endocardite Infecciosa, Resistência bacteriana, Manejo clínico
Abstract
Infective Endocarditis (IE) is a rare but severe condition characterized by infections affecting cardiac structures such as native and prosthetic valves and intracardiac devices. Bacterial resistance, particularly from pathogens like Staphylococcus aureus, Streptococcus spp., and Enterococcus spp., poses a significant challenge to clinical management, limiting therapeutic options. This study aims to review the pathophysiological mechanisms of IE, treatment challenges due to antimicrobial resistance, and the importance of effective clinical strategies to reduce disease-related mortality. A systematic literature review was conducted using databases such as PubMed, Scopus, and Embase, covering articles published between 1986 and 2024. Pathophysiology involves endocardial lesions, bacteremia, and intracardiac vegetation formation, exacerbated by biofilm production and antimicrobial resistance. Diagnostic methods reviewed include blood cultures, echocardiography, and advanced imaging techniques. Therapeutic approaches involved broad-spectrum antimicrobials and surgical interventions in severe cases. Despite advancements, mortality remains high, ranging from 20% to 30%, emphasizing the need for multidisciplinary strategies to mitigate morbidity and mortality associated with IE.
Keywords: Infective Endocarditis, Bacterial resistance, Clinical management
Introdução
Descrita pela primeira vez há mais de 350 anos, a Endocardite Infecciosa (EI) representa um problema de saúde global caracterizado por infecções que afetam as valvas cardíacas nativas ou protéticas, o endocárdio mural, um defeito septal ou um dispositivo cardíaco permanente (LI et al., 2024). Os fatores de risco para endocardite incluem pacientes com comorbidades crônicas em frequente contato com serviços de saúde, principalmente os submetidos a procedimentos invasivos, como à terapia renal substitutiva (hemodiálise) (VINCENT; OTTO, 2018).
A princípio, a doença pode manifestar-se como uma infecção aguda, ou como uma condição subaguda ou crônica, com febre, torpor, choque, e com outros sintomas inespecíficos que podem confundir a avaliação inicial (CAHILL; PRENDERGAST, 2016).
Um fator importante a ser considerado no manejo desta infecção é a capacidade das bactérias de sobreviverem e se multiplicarem, mesmo na presença de antimicrobianos que anteriormente eram eficazes. Isso ocorre devido ao desenvolvimento de mecanismos de resistência que impedem a ação dos agentes antimicrobianos(ZHANG; CHENG, 2022). As principais bactérias envolvidas neste contexto, e que são os principais agentes envolvidos na EI são os Staphylococcus aureus, Streptococcus spp e Enterococcus spp. (BARNETT, 2016), dificultando o seu tratamento ao restringir as opções de antibióticos disponíveis (BARNETT, 2016).
Assim, esse estudo tem como objetivo fornecer uma compreensão abrangente dos mecanismos fisiopatológicos da EI, das dificuldades no tratamento devido à crescente resistência bacteriana aos antimicrobianos disponíveis, e da importância de um manejo clínico eficaz para reduzir a mortalidade associada à doença.
Material e Métodos
O estudo foi feito a partir de uma revisão bibliográfica sobre a EI causada por bactérias multirresistentes, por meio de pesquisas nas bases de dados do PubMed, Google Acadêmico e Scielo. Foram utilizados como descritores: “bacterial resistance and endocarditis”; “endocarditis, diagnosis, resistance”; “resistance, endocarditis, diagnosis and clinical presentation”; “pathophysiology, infectious endocarditis, antimicrobial resistance”; “treatment, resistance, mortality, S. aureus, bacterial endocarditis” e “epidemiology, endocarditis, Staphyloccocus”. Foram selecionados 37 artigos dos anos entre 1986 a 2024. A partir da leitura dos artigos de interesse, foi feita a montagem do presente capítulo, dividindo em tópicos para facilitar a construção do texto, bem como para facilitar a compreensão das informações descritas.
Resultados e Discussão
Fisiopatologia
O endocárdio intacto e saudável normalmente oferece resistência à colonização bacteriana. Portanto, para o desenvolvimento da EI, geralmente é necessária uma lesão endocárdica inicial seguida por um período de bacteremia (CAHILL; PRENDERGAST, 2016). A ruptura do endocárdio pode ocorrer devido ao fluxo turbulento em torno de valvas doentes ou por trauma mecânico direto causado pela inserção de cateteres ou eletrodos. Além disso, no contexto do uso de drogas intravenosas, a passagem repetida de material particulado através das valvas pode causar lesões (CAHILL; PRENDERGAST, 2016). Outros fatores de risco significativos que predispõem à lesão, e subsequente infecção, incluem a presença de novas valvas após cirurgia e pacientes em hemodiálise, que apresenta uma porta de entrada para bactérias patogênicas. Além de imunossupressão devido à quimioterapia, ao vírus da imunodeficiência humana, entre outros (KAMDE; ANJANKAR, 2022).
Uma lesão no endocárdio pode expor componentes da matriz extracelular do subendotélio, que são trombogênicos e desencadeiam a adesão e ativação plaquetária, que propiciam rápida colonização de microrganismos que podem infectar as células endoteliais (HOLLAND et al., 2016). Esses componentes expostos promovem uma imunotrombose, que é a interação do sistema de coagulação com a imunidade inata, destinada a eliminar os patógenos da bacteremia. No entanto, na EI, ao invés de conter a infecção, essa imunotrombose cria um ambiente ideal para o crescimento bacteriano (LIESENBORGHS et al., 2020).
Em um cenário favorável ao crescimento bacteriano, ocorre a colonização das vegetações, que são massas compostas por microrganismos, fibrina, plaquetas e células inflamatórias. Estas se formam nas valvas cardíacas ou outras superfícies endocárdicas, quando bactérias da corrente sanguínea aderem ao endotélio danificado, característica da EI. A bacteremia necessária para o processo pode surgir a partir de uma infecção estabelecida em outro sítio de infecção ou pode aparecer temporariamente, como por exemplo, devido à inoculação da flora oral no sangue durante manipulações dentárias ou gengivais (VELOSO et al., 2013). Mesmo na presença de uma lesão endocárdica e bacteremia, a patogênese requer um microrganismo virulento que possa se ligar e facilitar a formação de depósitos de plaquetas e fibrina. Por exemplo, três proteínas do S. aureus (fatores de aglutinação A e B, e proteína de repetição serina-aspartato) são capazes de mediar a agregação plaquetária de forma independente, assim a expansão dos depósitos inicialmente estéreis de plaquetas e fibrina protege os patógenos da resposta imunológica do hospedeiro e permite que a vegetação cresça culminando na EI (O’BRIEN et al., 2002).
É importante destacar que os principais patógenos associados à endocardite infecciosa (EI) são os cocos Gram-positivos, incluindo Streptococcus, S. aureus e Enterococcus (BARNETT, 2016). Esses microrganismos frequentemente apresentam resistência a múltiplos antibióticos, o que restringe as opções terapêuticas disponíveis (NADEEM et al., 2020).
Resistência bacteriana
A resistência bacteriana, definida como a capacidade das bactérias em sobreviver e proliferar na presença de antimicrobianos que anteriormente eram eficazes, é reconhecida como uma das ameaças globais mais sérias à saúde humana no século XXI (ZHANG; CHENG, 2022). Desde o princípio de sua descoberta, os antibióticos têm sido utilizados em larga escala, sendo responsáveis pelo sucesso no tratamento de milhares de pacientes e sendo considerada uma das maiores descobertas da história da medicina. Contudo, em 1972, surgiram os primeiros registros de microrganismos resistentes, mais especificamente, o MRSA (S. aureus resistente à meticilina) (LEE et al., 2018). O MRSA possui a capacidade de hidrolisar o anel β-lactâmico da penicilina, levando à resistência à essa (GUO et al., 2020), e o consagrando como patógeno resistente mais frequentemente identificado no mundo (LAKHUNDI; ZHANG, 2018).
Neste contexto, a resistência bacteriana parte do princípio de que as bactérias adotarão estratégias correspondentes para quebrar o efeito inibitório dos antibióticos. Como por exemplo, ao criar mutação no alvo do medicamento, produzindo enzimas e descarregando antibióticos para fora das células por meio de uma bomba de efluxo (DU et al., 2018). Ainda, os principais mecanismos de resistência também envolvem as mutações genéticas, reduzindo a permeabilidade da membrana bacteriana ao fármaco (NADEEM et al., 2020), a transferência horizontal de genes (através de mecanismos de conjugação, transformação e transdução) e promovendo a superação da pressão seletiva dos antibióticos (MICKIEWICZ et al., 2019). Por fim, a produção de enzimas como a beta-lactamase, pode hidrolisa ou modificar os beta-lactâmicos (TOOKE et al., 2019). As beta-lactamases são enzimas produzidas por algumas bactérias que inativam os antibióticos beta-lactâmicos, rompendo o anel beta-lactâmico desses fármacos. A destruição dessa parte da molécula do antibiótico retira a sua ação bactericida.
Não obstante, o biofilme bacteriano é uma estrutura complexa formada por uma comunidade de microrganismos que se aderem a superfícies, cercados por uma matriz polimérica extracelular altamente hidratada, que eles mesmos produzem. Esta matriz serve como um mecanismo de proteção, permitindo que as bactérias sobrevivam e se adaptem ao ambiente hostil (CRAFT et al., 2019). A presença do biofilme confere às bactérias uma maior resistência aos antimicrobianos e ao sistema imunológico do hospedeiro, complicando o tratamento de infecções e promovendo a persistência das bactérias em diversas superfícies, desde dispositivos invasivos até tecidos biológicos (SAXENA et al., 2019).
Epidemiologia
A EI é uma doença relativamente rara, com uma incidência aproximada de 7 casos por 100.000 pessoas por ano (MILLS; AL-MOHAMMAD; WARRINER, 2022), sendo que a partir de um estudo realizado nos Estados Unidos, a EI mais comum está associada ao Staphylococcus spp., cerca de 50,6%, em sequência por Streptococcus spp., com cerca de 25,1%, Enterococcus spp. com 9,7% e com microrganismos gram-negativos, cerca de 6,1% (KHAN et al., 2021).
Nos últimos anos, mudanças consideráveis ocorreram na EI, em relação aos agentes patogênicos que causam a doença (KHALEDI et al., 2022). Essas alterações são particularmente notáveis em certos grupos de pacientes. A EI, que anteriormente afetava principalmente jovens com doença reumática, agora é mais comum em indivíduos mais velhos, frequentemente com comorbidades crônicas, indivíduos com histórico de uso de drogas endovenosas, pacientes que tenham sido submetidos a troca de valva cardíaca (principalmente as bioprotéticas) ou que possuam dispositivos intracardíacos (MILLS; AL-MOHAMMAD; WARRINER, 2022). Outro aspecto importante da epidemiologia da endocardite infecciosa é que esta tem sido duas vezes mais comum em indivíduos do sexo masculino do que no feminino, com uma idade média superior a 65 anos (KHALEDI et al., 2022).
O padrão de distribuição da EI pode variar muito de acordo com o padrão socioeconômico dos países (NOUBIAP et al., 2022), sendo que, nos países em fase de desenvolvimento, os patógenos mais evidentes são os Streptococcus spp. (KHALEDI et al., 2022). Apresentando aumento de predisposição para pacientes com a doença cardíaca reumática e a doença cardíaca congênita (NOUBIAP et al., 2022). No entanto, mesmo com os progressos no tratamento da EI nas últimas décadas, a taxa de incidência da doença nesses países permaneceu relativamente estável (MILLS; AL-MOHAMMAD; WARRINER, 2022).
Já nos países desenvolvidos, os agentes patogênicos mais importantes são os Staphylococcus spp., havendo uma mudança drástica na epidemiologia da doença, demonstrando um aumento gradativo de casos nos últimos anos (KHALEDI et al., 2022). Em contrapartida, a facilidade de acesso ao tratamento aliado à grande disponibilidade de procedimentos cirúrgicos cardíacos colaborou para que a EI nesses locais tivesse uma evolução positiva (NOUBIAP et al., 2022).
Em relação ao público infantil, a endocardite infecciosa pode ser fatal, já que está associada a uma alta taxa de mortalidade (KHALEDI et al., 2022). Sabe-se que o número de crianças acometidas é muito menor que o de adultos, também com menor taxa de internação hospitalar, sendo que o agente patogênico mais comum em pacientes pediátricos são os Streptococcus spp., principalmente os α-hemolíticos, os Staphylococcus spp. e os Enterococcus spp. (KHALEDI et al., 2022).
Além disso, o S. aureus tem uma íntima relação com o aumento do tempo de hospitalização e a mortalidade relacionadas com a EI (MILLS; AL-MOHAMMAD; WARRINER, 2022). De acordo com Shrestha et al, 2021, os principais grupos de risco para a resistência bacteriana são idosos e pessoas que fazem uso de drogas injetáveis. Além disso, patógenos como o S. aureus possuem uma considerável facilidade em desenvolver resistência a antibióticos (NOUBIAP et al., 2022), o que pode aumentar o risco de complicações em cerca de 25% (SHRESTHA et al., 2021). Para que o desenvolvimento de resistência entre microrganismos e a propagação de superbactérias seja atenuada é necessário implementar um sistema contínuo de vigilância e gerenciamento do uso de antimicrobianos nos serviços de saúde (SHRESTHA et al., 2021).
Quadro clínico e diagnóstico
A EI é uma condição pouco comum, porém associada a um alto índice de complicações graves, sendo frequentemente vista como um conjunto de sintomas ou manifestações clínicas (CAHILL; PRENDERGAST, 2016). A doença pode manifestar-se como uma infecção aguda e rapidamente progressiva, ou como uma condição subaguda ou crônica, com febre baixa ou até mesmo sem febre e com sintomas inespecíficos que podem confundir a avaliação inicial (DELGADO et al., 2023).
No início do quadro, os sintomas são de febre, suor noturno, cansaço, mal-estar, perda de peso, calafrios e dores nas articulações. Já no decorrer da doença, o paciente pode evoluir com sinais de sepse e febre de origem desconhecida (CAHILL; PRENDERGAST, 2016) ou até problemas relacionados ao coração, como insuficiência cardíaca (WEINSTEIN, 1986).
Há alguns fatores que tornam a EI de difícil diagnóstico, sua apresentação clínica variável é um deles, por isso é importante considerar essa hipótese diagnóstica em todos os pacientes com sepse ou febre de origem desconhecida, na presença de fatores de risco. Especialmente se houver um sopro cardíaco (DELGADO et al., 2023). Além disso, como a insuficiência cardíaca congestiva é a principal comorbidade observada em pacientes com EI, o diagnóstico torna-se mais desafiador, pois ela causa confusão clínica e atrasa o diagnóstico preciso (JORGE et al., 2023).
Em casos de hemoculturas positivas, associados ao uso de cateteres intravenosos permanentes, uso de válvulas protéticas, procedimentos cirúrgicos recentes e uso de drogas intravenosas, devem receber uma suspeita clínica para a EI (CAHILL; PRENDERGAST, 2016). Porém, para se ter uma suspeita clínica sustentada, são necessários dados microbiológicos consistentes e identificação de lesões cardíacas associadas por meio de técnicas de imagem (DELGADO et al., 2023).
Em relação ao diagnóstico microbiológico, as hemoculturas positivas continuam a ser a base do diagnóstico de EI e fornecem bactérias vivas para identificação e testes de suscetibilidade (DELGADO et al., 2023). As hemoculturas podem ser coletadas a qualquer momento, independentemente dos picos de febre (LI et al., 2024). A amostra deve ser obtida de uma veia periférica e não de um cateter venoso central (devido ao risco de contaminação e interpretação enganosa) e deve ser coletada antes do início da antibioticoterapia (DELGADO et al., 2023).
Entre as técnicas de imagem utilizadas para o diagnóstico de EI, a tomografia cardíaca sincronizada com eletrocardiograma tem sido cada vez mais utilizada, devido à sua resolução temporal e espacial superior (OLIVEIRA et al., 2020). A comprovação do envolvimento de valvas cardíacas ou de material protético intracardíaco é um critério diagnóstico crucial para a EI (ERBA et al., 2018). Em pacientes portadores de material protético intravascular e dispositivos cardíacos permanentes, é comum a identificação de achados ecocardiográficos sugestivos dessa doença (SHEPPARD, 2022).
As hemoculturas positivas permanecem como o principal método diagnóstico para essa condição, sendo fundamental a coleta de, pelo menos, três conjuntos separados de hemoculturas, realizados em intervalos de 30 minutos, antes do início da terapia antimicrobiana (LI et al., 2024).
Sendo assim, tratando-se de EI, um diagnóstico rápido e preciso é essencial para proporcionar ao paciente a oportunidade de uma intervenção mais eficaz e no momento adequado. A avaliação clínica inicial de pacientes com sintomas suspeitos envolve avaliar fatores de risco e explorar histórico médico de suporte e achados de exames (LI et al., 2024). Portanto, diagnósticos tardios e a demora na administração de uma terapia antimicrobiana adequada resultam em sérias complicações e pioram os desfechos clínicos (BIGNOTO, 2023).
Tratamento e Mortalidade
O tratamento da EI é determinado pela etiologia microbiana e pela gravidade da infecção, o regime terapêutico padrão consiste na administração de antibióticos. A amoxicilina pode ser utilizada para Estreptococos sensíveis e Enterococos, já a Dicloxacilina, o Levofloxacino e o Sulfametoxazol com Trimetoprima podem ser usados para Estafilococos sensíveis, com a necessidade de combinação com a Rifampicina no caso da Levofloxacino. A Linezolida pode ser utilizada para qualquer coco gram-positivo sensível e pode ser usada sozinha ou em combinação com rifampicina, moxifloxacino ou amoxicilina (MCDONALD et al., 2023).
Em relação às bactérias multirresistentes, no caso da Enterococcus faecalis de resistência de alto nível aos aminoglicosídeos (HLAR) recomenda-se a combinação de ampicilina com ceftriaxona, minimizando riscos de nefrotoxicidade (LEBEAUX et al., 2020). Já quando a infecção é causada por MRSA, os regimes terapêuticos são mais complexos e prolongados (MAUFFREY et al., 2024), podendo empregar o uso de vancomicina, daptomicina, ceftarolina e dalbavancina para tratar infecções graves, estes também demonstraram sucesso para o tratamento com Streptococcus viridans e E. faecalis (TONG et al., 2020).
Delgado et al., através de um trabalho em 2023 propuseram que além dos antibióticos, pode ser necessário realizar intervenções cirúrgicas. Especialmente em casos com complicações como insuficiência valvular significativa, abscessos ou grande vegetações, com risco de emissão de êmbolos na corrente sanguínea (embolização). Bem como, quando o tratamento clínico não teve efetividade ou a infecção venha comprometer a função cardíaca, especialmente em situações de insuficiência cardíaca, infecção não controlada e prevenção de êmbolos sépticos.
Em relação a mortalidade da EI, ela apresenta-se alta, variando de 20% a 30%, mesmo com o tratamento adequado. S. aureus, idade avançada, presença de próteses valvares e comorbidades são fatores que desencadeiam maior risco de óbito (SOUSA; PINTO, 2022). Além disso, alguns fatores são associados a uma maior mortalidade pós-cirúrgica, incluindo idade avançada, sexo feminino, realização de cirurgia em caráter de urgência ou emergência, histórico de cirurgia cardíaca prévia, choque cardiogênico, presença de prótese valvar, envolvimento de múltiplas valvas, insuficiência renal, abscesso perivalvular e infecção por S. aureus (VARELA BARCA et al., 2019). O diagnóstico precoce e tratamento agressivo são determinantes para um bom prognóstico dos pacientes (SOUSA; PINTO, 2022).
Conclusões
A endocardite infecciosa causada por bactérias multirresistentes representa um desafio crescente na medicina devido à dificuldade de tratamento e alta mortalidade associada. A compreensão dos mecanismos fisiopatológicos, a identificação precoce e o manejo clínico adequado são cruciais para melhorar os desfechos clínicos. A resistência bacteriana limita as opções terapêuticas, exigindo abordagens multidisciplinares e o uso de antibióticos mais potentes, muitas vezes em combinação com intervenções cirúrgicas. Apesar dos avanços, a mortalidade permanece elevada, destacando a necessidade contínua de pesquisa e inovação no tratamento dessa condição crítica.
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¹Acadêmicos de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
²Médica infectologista do Hospital Universitário da UFGD
*Autor correspondente, e-mail: marina.ely023@academico.ufgd.edu.br