CUIDADOS ODONTOLÓGICOS NO ESPAÇO: PREVENÇÃO E MANEJO DE EMERGÊNCIAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202504120842


João Guilherme Medeiros1; Aurelio Rosa da Silva Júnior2; Laura  Barbosa Saltarelli1; Sumaya Angie Farina2; João Guilherme Zanutto Martins1; Winícius Arildo Ferreira Araújo1; Renata Cecília Burgo Fortes2; Sônia Groisman3


Resumo

Missões espaciais representam desafios ímpares, caracterizados por opções limitadas  de evacuação e pela necessidade de autossuficiência nos cuidados de saúde. A  microgravidade experimentada durante o voo espacial impacta profundamente a saúde  dos astronautas, incluindo a saúde bucal. Assim, compreender e revisar os efeitos das  missões espaciais sobre a saúde bucal dos tripulantes é essencial para o planejamento  de missões seguras e bem-sucedidas. Diante desse contexto, foi realizada uma revisão  narrativa abrangente e atualizada da literatura existente, com o objetivo de sintetizar o  conhecimento atual sobre os impactos das condições espaciais na saúde bucal dos  astronautas. 

Palavras-chave: Biologia Espacial; Medicina Aeroespacial; Astronautas; Saúde Bucal; Assistência Odontológica.

Introdução 

O envio de seres humanos para explorar o espaço é uma das principais  atividades de programas espaciais (1). Essas missões, que ultrapassam a órbita  terrestre, distinguem-se das missões em volta da órbita terrestre devido à sua  maior duração (2). Nessas expedições, a própria equipe é responsável pela  segurança e pela saúde de todos a bordo; portanto, qualquer comprometimento  da saúde da tripulação pode colocar em risco a segurança e o êxito da missão  (3). 

A microgravidade desempenha um papel crucial na fisiologia dos  astronautas, ocasionando diversas alterações no organismo, como perda óssea,  atrofia muscular, disritmias cardíacas, desorientação cognitiva (4) e alterações  na homeostase oral (11). A manutenção da saúde plena dos astronautas durante  essas missões é essencial para a execução eficaz das tarefas designadas e para  o retorno seguro à Terra (5). As condições atuais para o manejo e tratamento de  doenças bucais no espaço são limitadas, sendo urgente o desenvolvimento de  processos que viabilizem o diagnóstico, o tratamento e a prevenção eficaz  dessas condições (9). Em missões espaciais de longa duração, os tripulantes  precisam ser autossuficientes no atendimento a qualquer intercorrência médica,  com acesso restrito a pessoal, equipamentos e recursos disponíveis a bordo.  Isso representa um aumento significativo dos riscos potenciais para a missão e  para a tripulação, especialmente em futuras explorações da Lua, Marte e do espaço profundo (7), comprometendo, possivelmente, o sucesso da missão. 

A odontologia espacial, ramo emergente da medicina espacial, tem  despertado crescente interesse com o prolongamento das missões espaciais (7).  Embora relatos de problemas odontológicos em voos espaciais sejam escassos,  missões prolongadas têm evidenciado um aumento na ocorrência de doenças  bucais entre astronautas (8). A necessidade de intervenções odontológicas  durante o voo aumenta proporcionalmente à duração da missão e ao número de tripulantes (5). Em expedições espaciais que ultrapassam um ano, o intervalo  desde o último exame odontológico rotineiro dos tripulantes se estende,  elevando o risco de emergências odontológicas em pleno voo (2).

Metodologia 

Foi realizada uma busca bibliográfica nos bancos de dados PubMed,  Scielo e Lilacs por artigos publicados em inglês de 2009 a 2024. A estratégia de  pesquisa incluiu os termos MeSH “Astronauts”, “Oral Health” e “Dental Care”, o  termo adicional frequentemente empregado em estudos, “Space Dentistry”,  também foi usado nas buscas. Além disso, outros trabalhos foram adicionados  manualmente a partir da leitura das referências dos artigos encontrados nas  bases de dados. 

Foram incluídos estudos que abordassem, no título ou no resumo, a  saúde bucal de astronautas, mudanças na fisiologia e microbiologia oral no  espaço, ou os efeitos da microgravidade na saúde bucal.  

Foram excluídos da seleção os artigos duplicados, aqueles que não  apresentavam um processo de revisão por pares, bem como artigos que  apresentavam perspectivas e opiniões, resenhas de livros, resumos de  conferências, editoriais ou trabalhos com dados insuficientes. 

Resultados e Discussão 

À medida que as estações espaciais desejam explorar e estabelecer  habitação humana no espaço, prevenir e prever ameaças potenciais aos  objetivos da missão são uma prioridade principal8. Durante o voo espacial, os  astronautas encontram várias condições incomuns, incluindo microgravidade,  radiação, desnutrição e alterações do ciclo dia-noite, resultando em importantes  implicações médicas e de saúde dos astronautas, em missões espaciais de curta  e longa duração10

Durante viagens espaciais, o ambiente de microgravidade e a ausência  de cuidados dentários regulares tornam os astronautas mais suscetíveis a  emergências dentárias, que podem comprometer tanto a saúde pessoal quanto  o sucesso da missão. 

A saúde bucal é um aspecto essencial nas explorações espaciais, assim  a odontologia espacial trabalha na prevenção de doenças bucais8. Antes de  serem escolhidos para a missão, os astronautas passam por diversos exames  odontológicos2. Espera-se que, após serem selecionados, eles mantenham uma  rotina rigorosa de higiene bucal5. Uma vez que , a escovação dos dentes é a  única profilaxia prática para a prevenção de doenças orais no espaço9

No entanto, mesmo com os mais altos padrões, ainda existe o potencial  para a ocorrência de emergências e urgências odontológicas durante os voos  espaciais5. Isso se deve ao fato de que a má higiene bucal é o principal fator  etiológico para o desenvolvimento de doenças bucais nas missões9

Na ausência de gravidade, os principais fatores que impactam  diretamente a homeostasia da saúde bucal são: alteração do fluxo salivar10,  perda de densidade óssea6, exposição à radiação5 e a resposta do organismo  diante de uma situação diária de estresse durante as missões espaciais10

Comprometendo a função de limpeza natural da boca e aumentando o risco de  incidência e desenvolvimento de doenças bucais impactando diretamente a  saúde bucal13

Apesar dos desafios de realizar uma rotina de escovação e uso de fio  dental em um ambiente sem gravidade, esses são os métodos mais eficazes  para evitar problemas7. No entanto, o isolamento prolongado, o estresse e a falta  de motivação em ambientes extremos podem fazer com que alguns astronautas  negligenciem a higiene, o que pode levar a um aumento do biofilme oral e,  consequentemente, a maiores riscos do desenvolvimento de doenças bucais tais  como a cárie, gengivite e periodontite13

Emergências odontológicas durante o voo têm sido um evento raro,  apesar disso, missões de longa duração aumentam a probabilidade de uma  emergência dentária significativa, resultando em emergências que precisarão  ser tratadas com recursos e pessoal disponíveis que podem não ter treinamento  extensivo para realizar o tratamento odontológico2 . No entanto, o acometimento  de doenças bucais e urgências e emergências odontológicas, como cárie,  periodontite, pulpite, fratura e avulsão dentária podem afetar seriamente o  desempenho dos astronautas, uma vez que diante de sua ocorrência é difícil  para eles se concentrarem em suas tarefas e vida diária durante as missões  espaciais9.  

Durante as missões espaciais de longa duração, quando a evacuação  para tratamento de saúde não é uma opção, os astronautas devem ser capazes  de manejar com eficácia quaisquer problemas incluindo os relacionados à  cavidade bucal7 

As emergências dentárias mais comuns durante missões espaciais  incluem deslocamento de coroas, fraturas dentárias, pulpite e cáries11. Para mitigá-las, os astronautas recebem treinamento básico para o manejo  odontológico antes de suas missões e levam consigo um kit para a realização de  procedimentos odontológico2. No entanto, muitas vezes estes não possuem  conhecimentos e habilidades suficientes para a realização dos procedimentos, o que pode levar ao desenvolvimento de possíveis consequências criadas por um  tratamento mal sucedido14

Dessa forma, o desenvolvimento de novas tecnologias e o treinamento  aprimorado de astronautas são essenciais para mitigar esses riscos e garantir a  segurança e o bem-estar da tripulação7

Tecnologias emergentes oferecem soluções promissoras para o  tratamento de emergências dentárias no espaço3. Entre elas, destaca-se o uso  da impressão 3D para fabricar coroas e obturações personalizadas a bordo da  nave11. Tecnologias de diagnóstico remoto, como câmeras intraorais, permitem  que especialistas na Terra guiem os astronautas durante procedimentos  odontológicos7. Essa assistência remota é crucial, pois, em missões de longa  duração no espaço profundo, o atraso na comunicação pode ser significativo,  dificultando consultas em tempo real com especialistas. Portanto, os astronautas  precisam ser treinados para lidar com essas situações. A fim de minimizar a  ocorrência de complicações devido a tratamentos mal sucedidos15

O sucesso do manejo de urgências e emergências durantes as missões  exige não apenas o uso de recursos tecnológicos, mas também protocolos de  prevenção e tratamento que garantam a saúde bucal em condições extremas. 

Conclusão 

A combinação de um ambiente desafiador, como a microgravidade, e a  ausência de cuidados odontológicos regulares eleva os riscos de emergências  bucais, que podem comprometer tanto a saúde individual dos tripulantes quanto  o sucesso da missão como um todo. Portanto, é crucial que sejam  implementadas estratégias rigorosas de prevenção, treinamento e tecnologia  para garantir que os astronautas possam manter uma saúde bucal adequada  durante suas longas jornadas no espaço. 

No caso da ocorrência de problemas de saúde bucal durante a missão  espacial, é imperativo que um membro proficiente da tripulação com experiência  odontológica esteja a bordo para administrar um tratamento rápido e eficaz. A presença de tal pessoal é indispensável para salvaguardar a saúde dos  astronautas e, assim, garantir o sucesso geral da missão. 

Além disso, é imperativo que outras investigações científicas elucidem de forma abrangente as ramificações das viagens espaciais na saúde bucal dos  membros da tripulação.  

REFERÊNCIAS 

1. Chitkara NI, Garg AS, Mittal RA. Explorando a Odontologia Astronáutica: Uma  Revisão. International Healthcare Research Journal. 2017 Jul 1;1(4):5-8.

2. NASA TM-2012-217368, Revisão de emergências odontológicas em voos  espaciais, A. Menon, Contrato de bioastronáutica NASA/Johnson Space Center, 2012. 

3. DAS, K. et al. Odontologia no Ar. Revista Internacional de Cuidados Orais e  Pesquisa, v. 5, n. 1, p. 68–70, 2017. 

4. Rai B, Kaur J, Foing BH. Avaliação por um dentista aeronáutico sobre os  efeitos adversos de um período de seis semanas de microgravidade na cavidade  oral. Int J Dent 2011 Out;2011:548068. 

5. Häuplik-Meusburger , Sandra. (2016). Tratamento odontológico de  emergência a caminho de Marte. Sala – The Space Journal. #3. 70-73.

6. Rai B, Kaur J, Catalina M. Densidade mineral óssea, conteúdo mineral ósseo,  fluido gengival crevicular (metaloproteinases de matriz, catepsina K,  osteocalcina) e níveis de osteocalcina salivar e sérica em mandíbula humana e  osso alveolar sob condições de microgravidade simulada. J Oral Sci. 2010  Set;52(3):385-90. doi : 10.2334/josnusd.52.385. PMID: 20881330.

7. Häuplik-Meusburger S, Meusburger H, Lotzmann U. Tratamento odontológico  durante uma missão humana a Marte com suporte remoto e tecnologia  avançada. 46ª Conferência Internacional sobre Sistemas Ambientais.

8. Fernander MC, Parsons PK, Khaled B, Bradley A, Graves JL Jr, Thomas MD.  Adaptação à microgravidade simulada em Streptococcus mutans. NPJ  Microgravity. 2022 Jun 2;8(1):17. doi : 10.1038/s41526-022-00205-8. PMID:  35654802; PMCID: PMC9163064. 

9. Zaitsu T, Ohta T, Ohshima H, Mukai C. A importância e a necessidade da  odontologia espacial. Transações da Sociedade Japonesa de Ciências Aeronáuticas e Espaciais, Aerospace Technology Japan. 2014;12(ists29 ):Tp _7- 9. 

10. Rai B, Kaur J. Marcadores de estresse salivar e estresse psicológico em  microgravidade simulada: 21 dias em inclinação de 6° da cabeça para baixo. J  Oral Sci. 2011 Mar;53(1):103-7. doi : 10.2334/josnusd.53.103. PMID: 21467821.

11. NASA JSC-48522-E4, Lista de verificação médica do Grupo Médico  Integrado (IMG) da Estação Espacial Internacional ISS – Todas as expedições,  NASA / Johnson Space Center , 2001. 

12. Shaddox LM, Morford LA, Nibali L. Saúde e doença periodontal: a  contribuição da genética. Periodontal 2000. 2021 fev;85(1):161-181. doi :  10.1111/prd.12357. Epub 2020 nov 23. PMID: 33226705. 

13. Kumar S. Atualização baseada em evidências sobre diagnóstico e  tratamento de gengivite e periodontite. Dent Clin North Am. 2019 Jan;63(1):69- 81. doi : 10.1016/j.cden.2018.08.005. Epub 2018 Out 29. PMID: 30447793. 

14. Lin S, Pilosof N, Karawani M, Wigler R, Kaufman AY, Teich ST. Ocorrência  e momento de complicações após lesões dentárias traumáticas: Um estudo  retrospectivo em um departamento de traumatismo dentário. J Clin Exp Dent.  2016 Out 1;8(4 ):e 429-e436. doi : 10.4317/jced.53022. PMID: 27703612;  PMCID: PMC5045691. 

15. Jan AM, Albenayan R, Alsharkawi D, Jadu FM. A prevalência e as causas  da extração dentária errada. Niger J Clin Pract . 2019 Dez;22(12):1706-1714. doi  : 10.4103/njcp.njcp_206_19. PMID: 31793478.


1Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, Bauru,  São Paulo, Brasil.
2Faculdade de Odontologia, Universidade de Cuiabá, Cuiabá, Mato  Grosso, Brasil.
3Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Diagnóstico de DNA,  Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.