OS FATORES DE INFLUÊNCIA NA ESCOLHA DA CESARIANA COMO VIA DE PARTO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

THE FACTORS INFLUENCING THE CHOICE OF CESAREAN SECTION AS THE MODE OF DELIVERY: AN INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504111437


Carolina Aparecida Ribeiro Carvalho¹
Maria Eduarda Lopes Pinella¹
Arthur de Oliveira Rocha Villela¹


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar criticamente a transformação do parto no Brasil, destacando a crescente medicalização e a predominância da cesariana como via de parto. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo revisão narrativa da literatura, realizada por meio de levantamento bibliográfico nas bases SciELO, BVS e PubMed, utilizando os termos “Cesárea” e “Parto normal” e a palavra-chave “Preferência”, com publicações entre 2018 e 2023, em português e inglês. Foram selecionados 10 artigos que abordavam os fatores relacionados ao aumento das cesáreas no Brasil.

Os resultados evidenciam que a cesariana, inicialmente indicada para situações de risco, passou a ser amplamente utilizada, muitas vezes sem necessidade clínica. A alta taxa de cesáreas no país, superior à recomendada pela Organização Mundial da Saúde (10% a 15%), está associada a fatores médicos e não médicos, como a conveniência profissional, a cultura hospitalar intervencionista, o medo da dor, e a falta de informação das gestantes. Observa-se também um descompasso entre o desejo inicial das mulheres por parto vaginal e a via efetivamente realizada, frequentemente influenciada pela conduta dos profissionais.

A discussão aponta que o modelo obstétrico vigente no Brasil favorece a cesariana, desvalorizando o protagonismo da mulher no parto e contribuindo para a manutenção de práticas não baseadas em evidências. Conclui-se que é necessário promover uma mudança no paradigma do nascimento, incentivando práticas obstétricas humanizadas, baseadas em evidências científicas e no respeito à autonomia da gestante.

Palavras-chave: Cesárea; Parto Normal; Preferência.

ABSTRACT

This article aims to critically analyze the transformation of childbirth in Brazil, highlighting the increasing medicalization and the predominance of cesarean section as the main delivery method. It is a qualitative research study in the form of a narrative literature review, conducted through a bibliographic search in the SciELO, BVS, and PubMed databases, using the terms “Cesarean Section,” “Natural Childbirth” and the keyword “Preference”, with publications from 2018 to 2023 in Portuguese and English. A total of 10 articles were selected, addressing the factors related to the rise in cesarean deliveries in Brazil.

The results show that cesarean section, initially indicated for high-risk situations, has become widely used, often without clinical necessity. The high rate of cesarean deliveries in the country, which exceeds the recommendation of the World Health Organization (10% to 15%), is associated with both medical and non-medical factors, such as professional convenience, an interventionist hospital culture, fear of labor pain, and the lack of information provided to pregnant women. There is also a mismatch between women’s initial desire for vaginal birth and the actual delivery route, often influenced by the conduct of healthcare professionals.

The discussion indicates that the current obstetric model in Brazil favors cesarean delivery, undermining women’s protagonism in childbirth and contributing to the persistence of non-evidence-based practices. It concludes that a paradigm shift in childbirth is needed, promoting humanized obstetric practices based on scientific evidence and respect for the pregnant woman’s autonomy.

Keywords: Cesarean section; Natural Childbirth; Preference.

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar críticamente la transformación del parto en Brasil, destacando la creciente medicalización y la predominancia de la cesárea como vía de nacimiento. Se trata de una investigación cualitativa del tipo revisión narrativa de la literatura, realizada mediante búsqueda bibliográfica en las bases de datos SciELO, BVS y PubMed, utilizando los términos “Cesárea”, “Parto Normal” y la palabra clave “Preferencia”, con publicaciones entre 2018 y 2023, en portugués e inglés. Se seleccionaron 10 artículos que abordaban los factores relacionados con el aumento de cesáreas en Brasil.

Los resultados evidencian que la cesárea, inicialmente indicada para situaciones de riesgo, pasó a ser ampliamente utilizada, muchas veces sin necesidad clínica. La alta tasa de cesáreas en el país, superior a la recomendada por la Organización Mundial de la Salud (10% a 15%), está asociada a factores médicos y no médicos, como la conveniencia profesional, la cultura hospitalaria intervencionista, el miedo al dolor y la falta de información a las gestantes. También se observa un desajuste entre el deseo inicial de las mujeres por un parto vaginal y la vía finalmente realizada, frecuentemente influenciada por la conducta de los profesionales.

La discusión señala que el modelo obstétrico vigente en Brasil favorece la cesárea, desvalorizando el protagonismo de la mujer en el parto y contribuyendo al mantenimiento de prácticas no basadas en evidencia. Se concluye que es necesario promover un cambio en el paradigma del nacimiento, fomentando prácticas obstétricas humanizadas, basadas en evidencias científicas y en el respeto a la autonomía de la gestante.

Palabras clave: Cesárea; Parto Normal; Preferencia.

1. INTRODUÇÃO

Parir e nascer são eventos que acompanham a história da humanidade desde os primórdios, sendo conduzidos, ao longo dos séculos, de acordo com as transformações históricas da sociedade (Silva et al., 2019). Até meados do século XX, o nascimento de uma criança era visto como um evento fisiológico, realizado em domicílio, com a atuação de parteiras e com protagonismo da mãe e do bebê, que ditavam o ritmo natural e as circunstâncias ideais do parto (Lemos et al., 2019).

Com a inserção tecnológica e o avanço da medicina no Brasil, esse cenário mudou, de modo que a parturição deixou de ser compreendida socialmente como um ato natural, para ser considerada um ato médico, sendo assim a parturiente passe de sujeito a objeto, ou seja, uma pessoa que mal interfere na condução do seu próprio parto (Silva et al., 2019; Lemos et al., 2019).

Cesariana é o termo utilizado para designar o procedimento cirúrgico que inclui uma incisão abdominal para extração do concepto do útero materno durante o trabalho de parto (Alves et al., 2020). É notório que a concepção e inserção dessa técnica no âmbito obstétrico revolucionou a medicina, visto que reduziu significativamente a morbimortalidade materna e perinatal em partos complicados no Brasil e no mundo (Brasil, 2001; Dias et al., 2022). Porém, se realizada sem respaldo científico, os riscos de complicações causadas por esse tipo de cirurgia podem aumentar tanto para a mãe quanto para o filho (Santos et al., 2018).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda, desde 1985, que a taxa de cesarianas, em relação ao número total de partos realizados em um serviço de saúde, seja de 10% a 15%, partindo do preceito que apenas essa porcentagem detém indicações precisas (Santos et al., 2018).

Ao comparar tal dado com a atual realidade do Brasil, é possível evidenciar que o número de partos cirúrgicos permanece superior à preconização da OMS, se tornando mais alarmante a cada ano. Essa taxa passou de 15%, em 1970, para 38%, em 2001, deslocando-se para 48,8% em 2008. Já em 2009, alcançou 50,1%, superando o percentual de parição por via vaginal (Jordão et al., 2018).

Em 2011, de todos os nascimentos registrados no país, 46% foram por via vaginal, 53% por via abdominal e 1% por via ignorada. Em se tratando da proporção de partos em hospitais neste mesmo ano, o resultado foi: Rede pública: 61,7% vaginais e 38,3% cesáreos; Rede privada: 34% vaginais e 65,9% cesáreos (Santos et al., 2018).

A elevada e ascendente taxa de cesarianas no Brasil demonstra um grande desafio para a saúde pública, visto que este procedimento, quando desnecessário, minimiza a parturição a um processo mecanizado e impessoal, além de aumentar o risco de morbimortalidade materna e neonatal (Dias et al., 2022).

Os riscos dessa cirurgia para a parturiente variam desde complicações cirúrgicas e anestésicas, como hemorragias, embolia pulmonar e infecções pós-parto, até a morte. Já as possíveis consequências negativas aos recém-nascidos estão ligadas a prematuridade, cursando com baixo peso, índice de Apgar de quinto minuto inferior a sete, contato pele a pele mais tardio, icterícia, distúrbios respiratórios, necessidade de reanimação e morte neonatal, além de estar intimamente relacionado com o aumento das taxas de internação em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (Valois et al., 2019; Ferrari et al., 2020).

À vista disso, é importante salientar que a escolha pela cesariana envolve uma série de fatores, podendo-se destacar dentre eles o medo da dor do parto, a influência familiar e midiática, o desconhecimento dos benefícios e malefícios de cada via de parto aliados à falta de orientação profissional e à falsa sensação de que segurança é sinônimo de intervenção e tecnologia (Lemos et al., 2019; Escobal et al., 2021).

Além disso, o artigo de Oliveira e Penna (2018) relata a passividade e conformidade das parturientes para com os médicos. Isso porque a maioria das entrevistadas relata que a definição do seu tipo de parto foi decisão do profissional de saúde, reforçando a influência do poder médico nessa escolha final.

Diante disso, faz-se necessário compreender os motivos por trás do grande desencontro entre o desejo e a realidade das parturientes no que diz respeito à decisão pela via de parto no Brasil. Isso porque, muitas vezes, as mulheres iniciam o pré-natal com uma clara preferência pelo parto vaginal, porém, ao longo das consultas, acabam cedendo a indicações cirúrgicas irreais utilizadas pelos obstetras, sendo submetidas a cesarianas como via de parto final (Escobal et al., 2021).

Frente, a essa problemática, este artigo tem como objetivo analisar os fatores médicos e não médicos que influenciam o processo de decisão da via de parto, refletindo sobre a crescente eleição da cesárea sem indicação como principal opção para o nascimento no Brasil, além de revisar a bibliografia existente acerca da história da parturição reais da cesariana.

2. METODOLOGIA

O estudo vigente propõe uma revisão integrativa de literatura a fim de evidenciar o aumento do número de cesáreas no Brasil e os fatores que corroboram para as gestantes elegerem tal via em detrimento do parto normal.

A escolha pela pesquisa nesse formato surge da necessidade de sintetizar o conhecimento acerca do tema, proporcionando a inserção da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática. Portanto, essa abordagem metodológica se tornou imprescindível para o desenvolvimento de estudos da área da saúde, pois viabiliza a condensação de diferentes obras, combinando dados da literatura empírica e teórica e permitindo a análise crítica dos resultados por parte do leitor (Souza et al., 2010).

Esta pesquisa responde à seguinte questão norteadora: “Quais os fatores de influência na escolha da cesariana como via de parto?”. Para tanto, realizou-se a busca de publicações científicas em três bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed, Biblioteca virtual em saúde (BVS). Para a pesquisa dos descritores utilizados, foi consultado inicialmente o site dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da biblioteca virtual em saúde, com pesquisa dos termos em português ou inglês. Foram utilizados como descritores em todas as bases de dados os termos “Cesarean section” e “Natural childbirth” e a palavra-chave “Preference“, combinando entre si pelo operador booleano AND.

A seleção inicial foi feita a partir da eliminação dos trabalhos que não preencheram os critérios de inclusão. Os artigos selecionados passaram por uma triagem inicial para verificar a sua elegibilidade por meio da leitura dos títulos e resumos e foram excluídos trabalhos duplicados. Após isso, foram selecionados apenas aqueles que abordam o tema da pesquisa.

Os critérios utilizados para a inclusão dos artigos foram: estudos publicados entre os anos de 2018 e 2023 em português e inglês, que estejam disponíveis na íntegra e gratuitamente. Para os critérios de exclusão, serão descartados trabalhos duplicados nas bases de dados selecionadas e que não abordem o tema dessa pesquisa.

Por se tratar de uma revisão de literatura de artigos científicos já publicados, não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados desta revisão integrativa indicaram uma seleção rigorosa dos artigos relevantes para o estudo da preferência entre cesariana e parto normal. Na base de dados SciELO, foram identificados inicialmente 4 artigos, dos quais 2 foram selecionados após a aplicação dos filtros de inclusão. No entanto, 1 artigo foi excluído por não estar diretamente relacionado ao tema, resultando em 1 artigo elegível. No PubMed, 52 artigos foram encontrados inicialmente; após a aplicação dos critérios de inclusão, restaram 12, sendo que 5 foram excluídos por tratarem de temas divergentes, resultando em 7 artigos selecionados. Na BVS, a busca gerou 69 resultados, dos quais 17 atenderam aos critérios de inclusão, mas 9 foram excluídos por divergência de tema, 2 por não serem de acesso gratuito, e 4 por estarem duplicados. Ao final, 2 artigos da BVS foram incluídos. Assim, o total de artigos selecionados para compor a revisão foi de 10.

Figura 1. Fluxograma do processo de seleção dos artigos para revisão.

Fonte: autores

Quadro 1. Artigos levantados nas bases de dados SciELO, PubMed e BVS.

ProcedênciaTítulo do artigoAutoresObjetivoResultados
ScieloRoute of birth delivery preferred by mothers and their motivationsKottwitz, F.; Gouveia, H.G.; Gonçalves, A. de C.Explorar a questão da preferência das mulheres entre parto normal e cesariana, examinando os fatores que influenciam essa escolha.77,6% das mulheres preferiram o parto vaginal, e 81,8% destas foram motivadas pela melhor recuperação pós-parto. Em contrapartida 21,3% tiveram preferência pela cesariana, tendo o medo da dor como principal motivação para 74% delas. Em relação a participação na decisão pela via de parto, apenas 20,5% relataram ter sido questionadas sobre qual era seu tipo de parto desejado.
PubMedFactors associated with Chinese pregnant women’s preference for a cesarean section based on the theory of planned behaviourSun, N.; Yin, X.; Qiu, L.; Yang, Q.; Shi, X.; Chang, J.; Feng, L.; Gong, Y.Explora a preferência das gestantes chinesas por cesarianas e os fatores que influenciam essa escolha, usando a teoria do comportamento planejado.O estudo envolveu 1677 gestantes e expôs que 20,39% tinham preferência pela cesariana, sendo essa escolha intimamente  associada a variáveis psicológicas, como medo e falta de confiança no próprio corpo, e sociais, como pressão familiar e médica.
PubMedCesarean delivery on maternal request and its influencing factors in Chongqing, ChinaDeng, R.; Tang, X.; Liu, J.; Gao, Y.; Zhong, X.Examina as razões e fatores que influenciam a solicitação de cesarianas por escolha materna sem indicação médica e a preferência das mulheres por esse tipo de parto na região de Chongqing, China.Revelou que os fatores que mais influenciam a decisão das mulheres em Chongqing pela cesariana são primiparidade, idade materna, medo da dor do parto, recomendações médicas, influência da mídia e de outras mulheres e fatores socioeconômicos e culturais
PubMedPreferred mode of childbirth among women attending antenatal clinic at a tertiary hospital in Ghana: a cross-sectional studyAdu-Bonsaffoh, K.; Tamma, E.; Seffah, J.Analisa as preferências de mulheres grávidas sobre o tipo de parto em um hospital terciário em Gana, abordando também os fatores que influenciam essa escolha.Foi relatado que 86% das mulheres preferem o parto normal, enquanto apenas 14% optam pela cesariana. A preferência pelo parto normal é justificada principalmente por ser considerado “o caminho natural” para o nascimento, enquanto a escolha pela cesariana é influenciada principalmente por indicações médicas devido a possíveis complicações, idade materna avançada ou hipertensão.
PubMedEvery birth is a story: process of choosing the route of deliveryOliveira, V. J.; Penna, C. M. de M.Analisar os discursos sobre escolha da via de parto na perspectiva de mulheres e profissionais de saúde de uma rede pública.O processo de escolha da via de parto é muito influenciado por fatores socioculturais, profissionais de saúde e pela estrutura hospitalar. A falta de autonomia das mulheres faz com que essa decisão seja constantemente determinada pelos médicos, sendo o medo da dor, a pressa para finalizar o parto e a preferência dos profissionais por procedimentos mais controlados, como a cesárea, fatores de influência nessa escolha.
PubMedFactors involved in selecting the birth type among primiparous womenSafari-Moradabadi, A.;  Alavi, A.; Pormehr-Yabandeh, A.; Eftekhaari, T. E.; Dadipoor, S.Explorar os fatores que influenciam a escolha do tipo de parto entre mulheres primíparasAs principais razões para a preferência pela cesariana são o medo da dor associada ao parto normal, o receio de lacerações vaginais, preocupação com a saúde do feto e a recomendação médica. Esses fatores são influenciados por aspectos como idade, escolaridade, emprego, renda e nível de conhecimento.
PubMed‘A caesarean section is like you’ve never delivered a baby’: A mixed methods study of the experience of childbirth among French womenSchantz, C.; Pantelias, A.-C.; Ravit, M. de L. M.; Rozenberg, P.; Goyet, C. L.-S. S.Explorar as experiências e preferências de mulheres francesas em relação ao parto normal e à cesariana, abordando seus fatores de influência97,5% das entrevistadas expressaram preferência pelo parto vaginal, devido a fatores com recuperação mais rápida, menor risco, preservação do corpo, fortalecimento do vínculo mãe-filho e maior sensação de empoderamento. A preferência de apenas 2,5% pela cesárea foi associada ao medo da dor do parto vaginal e preocupações com a  sexualidade.
PubMedAttitude of pregnant women towards Normal delivery and factors driving use of caesarian section in IranSiabani, S.; Jamshidi, K.; Mohammadi, M. M.Compreender melhor as preferências das gestantes e os fatores que motivam a opção pela cesariana, apesar das vantagens do parto vaginal78,5% das mulheres possuem uma visão positiva acerca do parto normal, enquanto 21,5% preferiam a cesariana. Os fatores que influenciam a preferência pelo parto vaginal incluem recuperação mais rápida, menor custo, menor taxa de mortalidade materna e fortalecimento entre mãe e bebê. Já os que influenciam a decisão pela cesárea são o medo da dor, influências culturais, recomendações médicas e a crença de que ela oferece menos riscos ao bebê.
BVSPercepções das gestantes quanto à escolha da via de partoSpigolon, D. N.; Teston, E. F.; Maran, E.; Varela, P. L. R.; Biazyan, S. F.; Ribeiro, B. M. dos S. S.investigar as percepções das gestantes em relação à escolha da via de parto e os fatores que influenciam essa decisão.50% das gestantes inicialmente preferiam o parto normal, principalmente pela recuperação mais rápida e comodidade. No entanto, a maioria acabou realizando cesárea, sendo essa decisão influenciada por indicação médica, medo da dor, insegurança e desejo de realizar laqueadura. As gestantes que realizaram parto normal expressaram satisfação, enquanto as que passaram pela cesárea relataram sentimentos mistos, com satisfação e sofrimento devido às dificuldades pós-operatórias
BVSIs free choice for cesarean section really free?Russo, J. A.Questionar se a escolha pela cesárea no Brasil realmente é uma escolha livre e seus fatores de influência.Apesar da ideia de livre escolha, muitos fatores externos, como  preferência médica, fatores econômicos e  falta de estrutura para partos vaginais, levam as mulheres a optarem pela cesárea, mesmo quando inicialmente desejavam um parto normal.
Fonte: autores.


Diante dos resultados obtidos, é possível observar que a maioria das gestantes possuem uma preferência inicial pelo parto normal, como é observado no estudo de Kottwitz, Gouveia e Gonçalves (2020), onde constataram que 77,6% das mulheres inicialmente preferem o parto vaginal, fato que se dá principalmente devido a fatores como recuperação mais rápida e menor intervenção médica. Todavia, para 21,3% a cesárea foi a via de eleição, tendo como motivação principal o medo da dor (74%). Esses dados estão em concordância com os obtidos por Spigolon et al. (2021), onde foi verificado que 50% das gestantes optaram pelo parto vaginal no começo do pré-natal, porém, devido ao medo da dor e da pressão médica, acabaram sendo submetidas a cesariana, independentemente do diagnóstico de complicações. Esses dados demonstram que o número de partos cirúrgicos foi muito superior ao desejado pelas mulheres, sendo frequentemente motivado por fatores médicos, psicológicos e culturais.

Paralelo a isso, estudos internacionais como os de Sun et al. (2020) registraram que 20,39% das gestantes chinesas tiveram predileção pela cesariana, sendo associada a razões variadas, que vão desde aspectos psicológicos, como medo e insegurança com o próprio corpo, até sociais, como influência médica, familiar e midiática. Isso converge com os achados de Deng et al. (2021), que também indicam que o receio da dor e os discursos de familiares são uma motivação importante para as gestantes considerarem a cesariana, especialmente em primíparas e mulheres mais velhas. Também foi demonstrado neste estudo que o aconselhamento dos médicos possui um papel primordial nessa decisão, visto que algumas mulheres grávidas acreditam que é papel do obstetra definir o modo de parto ao qual serão submetidas, dado este comprovado por Kottwitz, Gouveia e Gonçalves (2020), onde apenas 20,5% das entrevistadas relataram ter sido questionadas sobre qual era seu tipo de parto desejado e terem participado desta decisão.

No que se diz respeito a autonomia das mulheres na escolha da via de parto, Oliveira e Penna (2018) concluíram que ela não é exercida de maneira efetiva. Isso porque, ao analisar os discursos de mulheres brasileiras e profissionais de saúde, constataram que as gestantes não possuem uma participação ativa durante a seleção do método de parturição, sendo frequentemente induzidas pelos médicos, que possuem uma clara preferência pela cesariana devido a questões financeiras, comodidade e previsibilidade do procedimento. Esses dados são semelhantes aos relatados por Russo (2020), que questiona se a escolha pela cesariana no Brasil é realmente livre, uma vez que muitos fatores externos, como a preferência médica e a infraestrutura hospitalar, limitam a autonomia das gestantes.

Diante disso, é possível definir a atual assistência ao parto como verticalizada, na qual as gestantes têm seu plano de parto desprezado e seu desejo de parir fisiologicamente silenciado. Os achados resultantes da integração dos estudos revisados demonstram grande passividade e conformidade das mulheres durante o processo de escolha da via em que darão à luz, fato este que aponta para a necessidade de uma maior orientação e educação das gestantes quanto aos riscos e benefícios de suas opções, a fim de incentivar uma escolha mais consciente e garantir o acesso a um pré-natal de qualidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o processo de tomada de decisão da mulher em relação ao tipo de parto é influenciado por diversos aspectos. Embora a maioria das gestantes inicie o pré-natal com uma clara preferência pelo parto vaginal, fatores como os aspectos sociais e culturais, a influência médica e familiar e, principalmente, o  medo da dor acabam as desencorajando e fortificando a eleição da cesárea como via de parto final. Além disso, faz-se necessário destacar a falta de autonomia das mulheres nessa decisão, visto que dados demonstram um conhecimento escasso das gestantes acerca dos riscos e benefícios de suas opções, impossibilitando-as de realizarem uma escolha consciente.

Os achados desse estudo reforçam a necessidade da elaboração de políticas públicas que priorizem uma abordagem pré-natal qualificada, humanizada e centrada na mãe e no bebê. A partir da transmissão de orientações baseadas em evidências científicas e a participação ativa da mulher no processo de decisão, torna-se possível modificar as taxas alarmantes de cesarianas no Brasil e promover o parto normal como via preferencial de parturição.  Há a necessidade de novas pesquisas a fim de aperfeiçoar a compreensão acerca dos aspectos que levam à escolha pela cesariana, visando alinhar a prática obstétrica brasileira às recomendações da OMS.

5. REFERÊNCIAS

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¹Centro Universitário de Volta Redonda – UNIFOA, Volta Redonda, RJ;