ANÁLISE DA COBERTURA DE MAMOGRAFIAS EM UMA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO E A REALIZAÇÃO DE BUSCA ATIVA DE MULHERES EM IDADE PARA RASTREIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202504042044


Samara Luiza Alves de Queiroz Silva1; Carolina Lacerda Gontijo1; Natália Guimarães de Melo1; João Victor Duarte Silva1; Tiago de Abreu Amaral Salgado1; Gabriela da Silva Nascimento1; Gabriela de Oliveira Santos1; Mariana Magalhães Cardoso1; Erica Elana dos Santos Correa1


RESUMO

O câncer de mama é uma das principais causas de morte entre mulheres no Brasil. A detecção precoce, especialmente por meio da mamografia, é crucial para aumentar as perspectivas de cura. Estratégias de rastreamento organizadas têm impacto positivo na redução da mortalidade. A Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha papel fundamental no sucesso do rastreamento. O sucesso do rastreamento está vinculado à informação, mobilização, garantia de acesso ao diagnóstico e tratamento oportunos. Estratégias de planejamento e análise são essenciais para melhorar a qualidade da assistência, com destaque para a importância da APS. Neste contexto, analisou-se a cobertura da mamografia em mulheres de 50 a 69 anos acompanhadas por uma equipe de saúde da família. O estudo, de coorte retrospectivo, utilizou dados extraídos de prontuários eletrônicos, analisados em planilhas Excel. Dos 660 casos avaliados, apenas 9,5% das mulheres apresentavam mamografias regulares. Entre as 63 mulheres com rastreamento em dia, a maioria foi classificada como BI-RADS® 2, e todas receberam conduta adequada após a mamografia. Com a identificação da baixa cobertura, iniciou-se a busca ativa para aumentar a adesão ao rastreamento. A análise evidenciou a necessidade de aprimorar a assistência à saúde da mulher, destacando que medidas como busca ativa e acompanhamento sistemático podem contribuir para a ampliação da cobertura. A integração entre agentes comunitários de saúde (ACS), médicos e enfermeiros, aliada à educação em saúde, fortalece o vínculo com as pacientes e estimula a conscientização sobre a importância da mamografia periódica. Diante disso, a estruturação de um programa organizado de rastreamento surge como uma estratégia relevante para otimizar a detecção precoce e reduzir a mortalidade por câncer de mama na população atendida pela APS.

Palavras-chave: Mamografia, Neoplasias da mama, Atenção Primária à Saúde, Estratégia de Saúde da Família.

1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Ocorrência do câncer de mama no Brasil e estratégias para a detecção precoce do câncer de mama

No contexto brasileiro, o câncer de mama figura como o segundo tipo mais comum entre as mulheres, sendo a principal causa de morte por câncer em todas as regiões do país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. A exceção ocorre na região Norte, onde o câncer de colo de útero ocupa a posição de maior causa de óbitos. (CAMPOS, 2023). Segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para o ano de 2023, prevê-se a ocorrência de 73.610 novos casos desta doença.

No estado do Rio de Janeiro a taxa bruta estimada do câncer de mama por 100.000 foi de 111,83 casos, o maior do país, com 10.290 novos casos de câncer de mama no sexo feminino em 2023 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022).

Portanto, o câncer de mama é reconhecido como um desafio significativo para a saúde pública e representa uma das principais causas de óbito entre as mulheres no Brasil. A busca pela detecção precoce do câncer de mama emerge como uma estratégia essencial para diagnosticar alterações mamárias de maneira oportuna, proporcionando às mulheres afetadas por essa condição maiores perspectivas de cura e condições de tratamento (SILVA, 2015).

A ocorrência do câncer de mama apresenta uma tendência crescente a partir dos 40 anos. Observa-se também um aumento progressivo da mortalidade com o avanço da idade, conforme dados relativos ao Brasil. Na população feminina com idade inferior a 40 anos, são registrados menos de 10 óbitos a cada 100 mil mulheres, enquanto na faixa etária a partir dos 60 anos, o risco aumenta em até 20 vezes (ANDRADE, et al, 2016).

O rastreamento do câncer de mama configura-se como uma estratégia voltada para mulheres na faixa etária em que a relação entre benefícios e riscos dessa prática se mostra mais vantajosa, resultando em maior impacto na redução da mortalidade. Entre os benefícios destaca-se o prognóstico mais favorável da doença, com tratamento mais eficaz e menor morbidade associada (ANDRADE, et al, 2016).

O processo de rastreamento pode assumir duas formas: oportunística ou organizada. Na abordagem oportunística, o exame de rastreamento é realizado para as mulheres que chegam oportunamente às unidades de saúde. Já no modelo organizado, o foco é direcionado às mulheres dentro da faixa etária alvo, sendo formalmente convidadas para exames periódicos. As evidências sobre o impacto positivo do rastreamento na mortalidade causada por essa neoplasia fundamentam a sua adoção como política de saúde pública, alinhando-se às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) (ANDRADE, et al, 2016).

A mamografia é o principal método de rastreamento para detecção precoce do câncer de mama no Brasil, sendo que uma cobertura de 70% em todo o país pode resultar em uma redução significativa, estimada entre 20% a 30%, na taxa de mortalidade em mulheres com 50 anos ou mais (RAMOS, et al., 2018). Conforme as diretrizes do Ministério da Saúde, a recomendação é oferecer a mamografia a mulheres entre 50 e 69 anos a cada dois anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022).

A faixa etária entre 50 e 69 anos, juntamente com a periodicidade bienal, é uma prática adotada na maioria dos países que implementam programas organizados de rastreamento do câncer de mama. Essa abordagem é fundamentada em evidências científicas que destacam os benefícios dessa estratégia na significativa redução da taxa de mortalidade dentro desse grupo específico (ANDRADE, et al, 2016).

As iniciativas apresentadas para a detecção precoce podem ser categorizadas em ações de rastreamento e diagnóstico precoce. No caso das ações de diagnóstico precoce, elas são direcionadas a mulheres que apresentam sinais e sintomas suspeitos, incorporando estratégias de conscientização sobre a doença, identificação dos sinais e sintomas, bem como a necessidade de avaliação diagnóstica do câncer de mama em uma unidade de referência específica. Quanto às ações de rastreamento, destinadas a mulheres assintomáticas, o método principal adotado é o rastreamento mamográfico (BRASIL, 2015, apud SANTOS, 2018).

1.2 – Rastreio na APS como parte da política de atenção ao câncer e da saúde integral das mulheres

É fundamental ressaltar que o sucesso do rastreamento está vinculado ao atendimento na Atenção Primária à Saúde (APS), onde atividades como o exame clínico das mamas e a solicitação de mamografia para a população-alvo são realizadas. Em casos necessários, o retorno do paciente com os resultados do exame permite a avaliação pelo médico responsável pelo encaminhamento (ANDRADE, et al, 2016).

No contexto brasileiro, apesar dos avanços nas políticas públicas destinadas à assistência a pacientes com câncer, persistem desafios importantes que impactam a eficácia dessas iniciativas. Um trabalho examinou as disparidades nas ações de detecção precoce do câncer de mama, que têm início com a solicitação médica para a realização da mamografia, comparando as usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e aquelas que possuem planos de saúde privados, com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). De acordo com esse estudo, ter acesso a um plano de saúde privado, possuir um nível mais elevado de escolaridade e ser de cor branca foram fatores que se associaram positivamente à obtenção do pedido médico. Além disso, constatou-se que parte importante de mulheres dependentes do SUS e que obtiveram o pedido médico para o exame, ainda não realizaram o exame. Entre os obstáculos mais frequentemente apontados para a não realização do exame, destacam-se razões como não considerar a necessidade do procedimento, ter o exame agendado, mas ainda não realizado, e dificuldades em conseguir agendar o procedimento (AZEVEDO E SILVA et al., 2017).

Alguns trabalhos elencaram elementos que são identificados como obstáculos à adesão às iniciativas de detecção precoce do câncer de mama. Entre esses fatores, incluem-se a experiência de dor e constrangimento durante a realização da mamografia, condições socioeconômicas desfavoráveis, a ausência de cobertura por um plano de saúde, o desconhecimento das mulheres sobre os procedimentos de rastreamento, o medo de obter um resultado positivo , a falta de prescrição médica, a desconfiança em relação aos profissionais de saúde e às instituições hospitalares, a percepção de bem-estar, e obstáculos relacionados à locomoção (GODINHO e KOCK, 2002; GODINHO e KOCK, 2004; GONÇALVES et al., 2014; AZEVEDO E SILVA et al., 2014 apud SANTOS, 2018).

1.3 – Acesso ao rastreamento e necessidade de seguimento

O sucesso das iniciativas de rastreamento está intrinsecamente relacionado a diversos elementos fundamentais, tais como informar e mobilizar a população, atingir a meta de cobertura da população-alvo, garantir o acesso ao diagnóstico e tratamento oportunos, manter a qualidade das ações e, por fim, monitorar e gerenciar de forma contínua todas essas atividades (ANDRADE, et al, 2016).

Dessa forma, torna-se imperativo o desenvolvimento de estratégias de planejamento e análise destinadas a aprimorar a qualidade da assistência. Tais como fortalecer a ideia nos profissionais de saúde de solicitar a mamografia nas pacientes em idade para rastreio, atuar trazendo informação para que as mulheres saibam da importância do rastreio periódico, atingir cobertura satisfatória da população alvo (acima de 70%). E além disso, nas mulheres que já realizaram a mamografia com resultado alterado ou inconclusivo, realizar o seguimento, com base na classificação BI -RADS®. Essa abordagem é fundamental para alcançar o sucesso nas iniciativas voltadas à prevenção e controle do câncer de mama. Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha um papel crucial, sendo essencial que atue de forma vigorosa na promoção da melhoria contínua da saúde integral da mulher (SANTOS, 2018).

1.4 – Condutas de investigação diagnóstica específicas para cada categoria BI-RADS®

As políticas vigentes relacionadas ao rastreamento mamográfico no país estabelecem as condutas a serem tomadas após a obtenção do resultado do exame, variando de acordo com a categoria BI-RADS®. Tanto para mamografias de rastreamento quanto para as diagnósticas, é aplicada a classificação BI -RADS® (Breast Imaging Reporting and Data System) nos laudos. Esta classificação, elaborada pelo Colégio Americano de Radiologia (ACR) e traduzida pelo Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), desempenha um papel crucial na orientação das condutas clínicas subsequentes (SANTOS, 2018).

As categorias BI-RADS® 1 e 2 indicam a ausência de lesões suspeitas de malignidade, aconselhando-se a realização de rastreamento bienal. Já as categorias BI-RADS® 0, 3, 4 e 5 são consideradas resultados anormais, exigindo investigação adicional, como exames de imagem, controle radiológico e procedimentos diagnósticos. Para resultados BI-RADS® 3, recomenda-se controle radiológico em seis meses a um ano, enquanto para BI-RADS® 4 ou 5, a orientação é a investigação diagnóstica por meio de biópsia e exame histopatológico (TOMAZELLI, 2023). A categoria BI-RADS® 0 é atribuída a mamografias com resultado inconclusivo, exigindo comparação com exames anteriores, realização de novas mamografias, manobras adicionais ou ultrassonografia mamária. A recomendação para esse resultado é a realização da ultrassonografia (TOMAZELLI, 2023). Quando os exames apresentam achados indicativos de diagnóstico de câncer, categorizados como BI-RADS® 6, o procedimento subsequente envolve o tratamento em uma unidade especializada no tratamento do câncer (SANTOS, 2018).

2 – MÉTODOS

2.1 – Desenho do estudo

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo, que visa analisar a cobertura de exame de mamografia em mulheres em idade de rastreio em uma equipe de APS. Além disso, foi feita uma análise sobre o seguimento das mulheres que realizaram rastreamento para câncer de mama com resultado BI-RADS® 0, 3, 4.

2.2 – População do estudo

Foram elegíveis para o estudo mulheres pertencentes a uma equipe de APS em idade para rastreio de câncer de mama, ou seja, entre 50 e 69 anos, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. 

2.3 – Fonte dos dados

A partir dos prontuários das pacientes armazenadas no sistema de prontuário eletrônico utilizado no Rio de Janeiro, foram retirados dados sobre a cobertura de exame de mamografia em mulheres em idade de rastreio.

2.4 – Análise de dados

Por meio do sistema de prontuário eletrônico, foi gerado uma lista das pacientes inseridas no Programa de Saúde: Rastreio do Câncer da Mama. Em posse de lista das pacientes de 50 a 69 anos pertencentes à equipe, foi gerado uma planilha com as pacientes que estavam com a vigilância em rastreio do câncer de mama em dia, isto é, aquelas pacientes que tinham registro em prontuário da realização de mamografia nos últimos 2 anos. Como consequência, foi gerado ainda uma planilha das pacientes de 50 a 69 anos que não tinham nenhum registro de realização de mamografia nos últimos 2 anos.

Das mulheres que tinham resultados de mamografia BI-RADS® 0, 3, 4 foi realizado um levantamento consultando o prontuário de cada uma delas, a fim de verificar qual foi a conduta de seguimento e se essa conduta estava adequada ao que é determinado pelo Ministério da Saúde. 

3 – RESULTADOS

A busca pelas mulheres em idade para rastreio do câncer de mama, no sistema de prontuários eletrônicos obteve os seguintes resultados: 660 mulheres em idade de rastreio para o câncer de mama, ou seja, de 50 a 69 anos de idade. Destas, 63 (9,5%) realizaram mamografia nos últimos 2 anos, e, portanto, estão com a vigilância no Programa de Rastreio do Câncer da Mama em dia. Por outro lado, 597 (90,5%) mulheres não têm registro em seu prontuário de realização de mamografia nos últimos 2 anos (Gráfico 01).

Gráfico 01 – Distribuição de mulheres da equipe de saúde da família entre as mulheres que realizaram mamografia nos últimos 2 anos e as que não realizaram mamografia nos últimos 2 anos.

Uma outra análise realizada foi sobre quais eram as classificações encontradas nos resultados de mamografia das 63 mulheres com situação regular de periodicidade do rastreio (Gráfico 02).

Gráfico 02 – Frequência das classificações BI-RADS® das mulheres das mulheres de 50 e 69 anos que realizaram mamografia nos últimos 2 anos.

As classificações BI-RADS® das mamografias foram as seguintes: BI-RADS® 0, BI-RADS® 1, BI-RADS® 2, BI-RADS® 3, BI-RADS® 4. Dentre as mulheres (n=63) com realização de mamografia regular, não foram registrados resultados de BI-RADS® 5 e BI-RADS® 6. A frequência para BI-RADS® 2 (41) foi a mais verificada correspondente a 65%. Seguida da classificação BI-RADS® 1 (12) que corresponde a 19% dos acompanhamentos. Já as classificações BI-RADS® que exigem complementação com outros exames ou o seguimento tiveram as frequências: BI-RADS® 0 (7) correspondendo a 11,1% e, BI-RADS® 3 com apenas um resultado que equivale a 1,6% e BI-RADS® 4 com dois resultados que corresponde a 3,2%.

Outra análise feita foi sobre as condutas de seguimento após a realização do exame de mamografia (Gráfico 03). Essas condutas são adotadas tendo como base a classificação BI-RADS® da mamografia. Das 63 mulheres, 53 seguiram com a rotina do rastreamento, 8 foram encaminhadas para realização de ultrassonografia, 2 mulheres foram encaminhadas para realização de biópsia e estudo histológico. 

Gráfico 03 – Condutas de seguimento adotadas nas 63 pacientes com rastreio de câncer de mama regular.

Outra análise feita foi sobre a avaliação das condutas ofertadas às mulheres após o resultado das mamografias. Conforme o fluxograma, as mulheres que tinham resultados de mamografia BI-RADS® 0, 3, 4 tiveram condutas de seguimento adequada ao que é determinado pelo Ministério da Saúde. As mulheres nas categorias BI-RADS® 0, 3, 4 receberam a conduta, respectivamente, de realização de ultrassonografia mamária; realizar o controle radiológico envolvendo a realização de uma nova mamografia em um intervalo de seis meses a um ano; realizar a investigação diagnóstica por meio de biópsia e exame histopatológico. 

Fluxograma 01 – Avaliação das condutas registradas nos prontuários das pacientes e as condutas esperadas segundo recomendações do Ministério da Saúde.

Por fim, diante do número de 597 usuárias, 90,5% das mulheres na idade de 50 a 69 anos, sem registro de acompanhamento quanto ao rastreio de câncer de mama nos últimos 2 anos, como proposta de intervenção foi realizada a busca ativa dessas mulheres. Como resultado preliminar, com a ação sendo executada no período de um mês, foram realizadas a busca ativa de 38 mulheres. Destas, 7 (1,2%) informaram que realizaram o exame de mamografia pelo plano de saúde ou realizaram em alguma clínica particular. Em outras 31 pacientes (5,2%), após contato telefônico e/ou via aplicativo de mensagem realizado pelos ACS, ou pessoalmente no caso das mulheres que passaram por consulta médica, foi realizado o encaminhamento para realização de mamografia (Gráfico 04).

Gráfico 04 – Resultado preliminar de uma proposta de intervenção sendo executada a fim de fomentar o aumento da cobertura de realização de mamografia em mulheres de 50 a 69 anos da equipe.

4 – DISCUSSÃO

Os dados indicam que o rastreio de câncer de mama é uma questão que precisa ser melhorada na equipe do estudo, pois segundo dados, registrados em prontuário das paciente, apenas 9,5% das usuárias estão com o rastreio em situação regular, portanto, com a realização de mamografia com intervalo de 2 anos entre os exames. Esse dado é preocupante ao revelar a baixa cobertura da população alvo. Segundo Campos (2023), a recomendação é que pelo menos 70% das mulheres assintomáticas realizem mamografia para diminuir a taxa de mortalidade.

Vale ressaltar que esse valor de baixa cobertura, não seja necessariamente um reflexo de deficiência na atenção ofertada às mulheres da equipe de APS do estudo. O primeiro ponto para corroborar tal hipótese é o de que a população do estudo é expressiva, já que segundo dados retirados do prontuário eletrônico, 597 usuárias não têm registro de acompanhamento de rastreio de câncer de mama nos últimos 2 anos. Partindo disso, pode-se considerar como hipótese que nem todas essas mulheres realmente frequentam a Clínica da Família com certa frequência, e isso abre margem para que o rastreio possa ocorrer em regime particular. Dessa forma, pode ser possível a subnotificação de mamografias realizadas fora da Clínica da Família. 

Além disso, um aspecto importante a se considerar é que o perfil predominante da equipe do estudo é uma população de “asfalto” (asfalto: se refere à populações que residem em locais onde não são comunidades/favelas), e não raramente é onde se concentra a maior parte dos usuários que têm acesso à saúde suplementar.

Outro possível entrave para a baixa cobertura evidenciada pelos dados coletados, poderia ser a inserção de informações pelo profissional de saúde em local que não é o adequado no prontuário eletrônico, como consequência, isso compromete a obtenção dos dados. É necessário registrar em parte específica de exames radiológicos.

Outro fator que contribui para a baixa cobertura é a situação em que algumas pacientes, embora tenham a solicitação de mamografia registrada em seus prontuários, não retornam à Clínica para fornecer os resultados, impedindo assim o registro adequado em seus prontuários. Uma alternativa para tentar resolver essa questão, seria buscar os resultados no Sistema de Informação do Câncer, o SISCAN, como forma de atualizar o status do rastreamento das usuárias.

Um ponto muito positivo nas análises é que a conduta tomada após o recebimento do resultado das mamografias foi correta em todos os casos. Isso é fundamental na qualidade da atenção à saúde da mulher. Nos casos de classificação BI-RADS®1 e BI-RADS® 2 a conduta foi o rastreio regular bienal, nos casos de classificações BI-RADS®0 a conduta foi a complementação com avaliação com ultrassonografia, e nos casos de classificações BI-RADS®3 a conduta realizada foi o controle radiológico.

Ainda, o trabalho apresenta resultados preliminares de uma proposta de intervenção em execução. A proposta de realizar a busca ativa das pacientes sem registro de realização de mamografia tem o intuito de aumentar a cobertura. Para a realização da busca ativa foi solicitada a colaboração dos ACS. 

Por fim, é importante destacar que a estratégia de busca ativa representa um grande desafio levando em consideração todas as outras demandas inerentes aos ACS. Por isso é importante traçar ou alinhar outras estratégias à busca ativa. Como levar educação em saúde às pacientes assíduas à Clínica, pois as próprias mulheres podem ser agentes da promoção da saúde, ao questionar os profissionais sobre a realização da mamografia. Dessa forma, o cuidado pode ser compartilhado, mas para isso, as mulheres em idade para rastreio precisam conhecer a importância da realização de mamografia periódica. Isso pode ser reforçado nas consultas médicas e de enfermagem.

Uma estratégia importante para a melhoria da cobertura seria a implementação de um rastreio organizado, e não apenas oportunístico e que muitas vezes não é acompanhado de longitudinalidade. Segundo Andrade, et al. (2016) experiências internacionais indicam que o modelo organizado fornece resultados mais eficazes e, ao mesmo tempo, implica em custos mais reduzidos. Países que implementam programas eficazes de rastreamento, abrangendo a população-alvo, mantendo a qualidade dos exames e garantindo o tratamento adequado, observam-se uma redução na taxa de mortalidade por câncer de mama.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A detecção precoce do câncer de mama representa um desafio significativo para a saúde pública no Brasil. Este estudo buscou analisar a cobertura do exame de mamografia para o rastreamento de câncer de mama em uma equipe de APS. Os resultados revelam uma baixa cobertura, evidenciando que apenas 9,5% das mulheres estão com o rastreio em dia. A análise das condutas após os resultados das mamografias demonstrou que, apesar da baixa cobertura, as condutas adotadas foram adequadas, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde. 

A discussão sobre a implementação de um rastreio organizado, seguindo modelos internacionais eficazes, é pertinente. A adoção de estratégias como convocação formal das mulheres da população-alvo e a realização periódica da mamografia, por exemplo, pode contribuir para aumentar a cobertura e garantir uma abordagem mais eficaz.

Considerando a relevância do tema, é imperativo fortalecer as práticas de Atenção Primária à Saúde (APS) e Estratégia Saúde da Família (ESF) no contexto da detecção precoce do câncer de mama. A APS, com sua ênfase na continuidade do cuidado e integralidade, torna-se o cenário ideal para a implementação de programas organizados de rastreamento, aliando-se a ações educativas e construção de vínculos de confiança. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Medicina, Brasil