DISPUTAS DISCURSIVAS E IDENTIDADES SURDAS: TENSÕES ENTRE IGUALDADE E DIFERENÇA NA CONSTRUÇÃO DO SUJEITO SURDO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503261245


Lucival Lemos das Neves1
Lucas Martins Gama Khalil2


RESUMO:
Este estudo analisa a formação discursiva e ideológica de enunciados extraídos de um fórum virtual de discussões composto majoritariamente por pessoas surdas, com base na Análise do Discurso (AD). O debate examinado revela tensões entre dois posicionamentos: um que enfatiza a igualdade entre surdos e ouvintes, e outro que destaca a diferença e a necessidade de acessibilidade. A fundamentação teórica baseia-se em autores como Orlandi (2015), Pêcheux (1995), Correia e Fonseca (2018), e Carvalho e Campello (2022), que discutem a inter-relação entre identidade, formações discursivas e ideológicas. A análise destaca que, apesar das aparentes oposições, ambos os discursos se complementam, em certos aspectos, ao reafirmarem a identidade surda e sua luta por direitos. Conclui-se que a identidade surda é dinâmica e está em constante negociação, refletindo diferentes experiências e perspectivas dentro da comunidade.

Palavras-chave: Análise do Discurso; Identidade Surda; Formação Discursiva; Formação Ideológica; Direitos e Acessibilidade.

ABSTRACT
This study analyzes the discursive and ideological formation of statements extracted from a virtual discussion forum composed mainly of deaf people, based on Discourse Analysis (DA). The debate examined reveals tensions between two positions: one that emphasizes equality between deaf and hearing people, and another that highlights the difference and the need for accessibility. The theoretical foundation is based on authors such as Orlandi (2015), Pêcheux (1995), Correia and Fonseca (2018), and Carvalho and Campello (2022), who discuss the interrelationship between identity, discursive and ideological formations. The analysis highlights that, despite the apparent oppositions, both discourses complement each other, in certain aspects, by reaffirming the deaf identity and their fight for rights. It is concluded that deaf identity is dynamic and is in constant negotiation, reflecting different experiences and perspectives within the community.

Keywords: Discourse Analysis; Deaf Identity; Discursive Training; Ideological Formation; Rights and Accessibility.

INTRODUÇÃO

O estudo da Análise do Discurso (AD) tem ferramentas importantes na tentativa de compreender as nuances e complexidade da linguagem nas interações sociais, em contextos que envolvem identidades e disputas ideológicas. Neste trabalho, analisamos a contraposição entre dois enunciados extraídos de um grupo de whatsapp composto majoritariamente por pessoas surdas3. O episódio analisado revela um debate acerca do sujeito surdo no contexto de direitos e identidade, no qual emergem dois discursos aparentemente antagônicos.

De um lado, um participante posiciona-se favorável, explicitamente, a um dizer quando compartilha no grupo o cartaz: “SOU SURDO, SIM! SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!”. Tal discurso aponta aparentemente para uma reivindicação de igualdade e uma tentativa de romper barreiras que segregam ou diminuem o sujeito surdo na sociedade. Por outro lado, outro participante contrapõe essa visão: “Não, palavra está errado Não somos iguais às pessoas ouvintes (sic) Por exemplo prova concurso sem acessibilidade Vc vai querer igual ele (sic) Nós somos diferença Por que nossa deficiência” (sic). Essa posição destaca que não é possível considerar-se “igual” devido à condição de deficiência auditiva, o que traz à tona a complexidade das identidades e das representações sociais que atravessam o grupo, pois ambos sujeitos do debate são surdos. 

O objetivo desta análise é compreender as bases discursivas e ideológicas que sustentam as falas dos dois interlocutores. Parte-se do pressuposto de que todo discurso dialoga com outros já existentes, situando-se em uma rede de significados e contextos históricos que o antecedem e o influenciam. Assim, questiona-se: de que maneira as formações discursivas constituem os sujeitos? Quais formações ideológicas os atravessam? A partir dessa abordagem, buscamos não apenas elucidar os sentidos em disputa, mas também lançar luz sobre as tensões e negociações identitárias presentes no universo surdo.

Por meio dessa análise, pretende-se contribuir para o entendimento das dinâmicas discursivas e ideológicas que moldam as relações sociais e identitárias em contextos de diversidade, diferença e semelhança nos discursos estudados.

1. Fundamentação Teórica 

Para compreender como sujeitos de uma mesma classe ou grupo podem ter posicionamentos ideológicos distintos recorremos a Karen Correia e Thales Fonseca no artigo intitulado “Pêcheux entre o sujeito da interpelação e o do inconsciente ou duas saídas para uma mesma questão” e a Vilmar Fernandes Carvalho e Ana Regina e Souza Campello no artigo intitulado “A existência de quatorze (14) identidades Surdas.” Correia e Fonseca (2018) apresentam o exemplo da classe de professores em que afirmam que mesmo se identificando com a formação discursiva, não os homogeneíza, porque, antes das interpelações profissionais — no caso, as do professor —, elas ocorrem em todas as esferas da vida cotidiana, e a experiência de cada indivíduo nessas relações é única, tornando cada sujeito singular.

É importante ressaltar sobre a questão da interpelação, da identificação dos sujeitos com a formação discursiva que, embora aproxime as pessoas que se identificam com a mesma formação discursiva, não as homogeneíza, já que a interpelação dos professores, por exemplo, não se dá apenas no âmbito profissional, mas em todas as esferas da vida cotidiana, desde antes de seu nascimento. (CORREIA e FONSECA, 2018, p.265).

A classe de professores é apenas um exemplo que poderia ser a classe de advogados, juízes, intérpretes de Libras, surdos etc. O que vale destacar é: nenhuma classe é homogênea. Ora, para isso há explicação, as interpelações das classes não se dão somente no âmbito profissional ou em uma mesma interação classista, mas cada pessoa, pertencentes a essas classes ou grupos, tem experiência diferente e isso produz efeito sobre a formação discursiva. Carvalho e Campello (2022) ao discorrer sobre as identidades surdas recorrem a Perlin (1998), que classifica sete identidades surdas. 

Vejamos dois desses tipos de identidades para entender como cada sujeito surdo pode tomar diferentes posicionamentos a respeito de uma mesma temática.  A primeira que veremos é a Identidade Política que para os autores:

Trata-se de uma identidade fortemente marcada pela política surda. São mais presentes em surdos que pertencem a comunidade surda e apresentam características culturais, tais como; • Apresentam experiência visual que produz formas de comportamento, cultura, língua, etc. • Trazem consigo a língua de sinais. Usam sinais sempre, pois é sua forma de expressão; • Aceitam-se como surdos, assumindo um compromisso de pessoas surdas etc.  (Carvalho e Campello, 2022, p.145).

Essa é a identidade que se caracteriza pelo orgulho de ser surdo, pela valorização da cultura surda e pela luta dos sujeitos surdos. Aos surdos pertencentes a essa identidade, há uma forte consciência e atuação política pela luta de seus direitos. 

A segunda identidade surda que traremos é a Identidade surda de transição que se caracteriza da seguinte maneira: “A convivência dos surdos com a comunidade surda é tardia, o que faz passar da comunicação visual-oral (na maioria das vezes truncada) para a comunicação visual sinalizada – o surdo passa por um conflito cultural […]” (Carvalho e Campello, 2022, p.146). Essa identidade apresenta sujeitos surdos em conflitos de cultura ouvinte versus cultura surda, isso acontece porque a maioria dos pais são ouvintes e os filhos surdos não têm aquisição da cultura (língua de sinais, costumes, expressões, etc.) na infância. Os autores relatam:

Vivem no momento de trânsito entre uma entidade a outra; • Se a aquisição da cultura surda não se dá na infância, geralmente a maioria dos surdos carece passar por este momento de transição, porquanto grande parte deles são filhos de pais ouvintes[…] (Carvalho e Campello, 2022, p.146).

Então, entende-se que surdos pertencentes a essa identidade, ora podem se posicionar interpelados por ideologias ouvintes de um determinado grupo (geralmente dos pais), ora se posicionam ideologicamente a determinado grupo de surdos (geralmente dos amigos surdos). 

A AD debruça-se em textos de diferentes naturezas, sejam eles orais ou escritos, imagens ou sons, isso é o que depreendemos da lição da obra “Análise do Discurso: Princípios e Fundamentos” de Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi (2015). Assim explica a autora: “Quanto à natureza da linguagem, devemos dizer que a análise de discurso interessa-se por práticas discursivas de diferentes naturezas: imagem, som, letra, etc.”  (Orlandi, 2015, p.60). Dessa forma o texto do cartaz: “SOU SURDO, SIM! SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!”, assim como o contraponto: “Não, palavra está errado Não somos iguais às pessoas ouvintes (sic) Por exemplo prova concurso sem acessibilidade Vc vai querer igual ele (sic) Nós somos diferença Por que nossa deficiência” (sic), são  objeto de nossa análise e de interesse da AD. Outro ponto a se destacar na obra é que ela  esclarece que o texto não é  definido pela sua extensão porque ele pode ser só  letra ou até muitas frases, enunciados,  páginas etc. (Orlandi, 2015). 

As formações discursivas dentro de um mesmo texto podem ser distintas e se organizam, conforme Orlandi (2015) em função de uma dominante. Pensar em formação discursiva é pensar em uma articulação com a formação ideológica. 

Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) (Pêcheux, 1995, p.160). 

Para Siqueira (2024) retomando as ideias de Pêcheux (1995) são “[…] as formações discursivas, que determinam o que pode e deve ser dito […]”, ou seja, o sujeito fica limitado a dizer somente o que a formação discursiva permite. Assim, por exemplo, o professor, o médico, o intérprete e o surdo dizem somente o que a formação discursiva delimita.   

Entretanto, como já ressaltado anteriormente, sujeitos que se identificam com a mesma formação discursiva, isto é, sujeitos da mesma comunidade (surda), não torna o discurso homogêneo. Essa observação se faz necessária para o objeto que vamos analisar, pois permite compreender as tensões internas e os deslocamentos que podem ocorrer dentro de uma mesma formação ideológica. Mesmo que um sujeito esteja interpelado por uma formação discursiva dominante, sua experiência singular e os contextos em que atua podem levar à produção de sentidos distintos ou até contraditórios. Essa multiplicidade enriquece a análise, ao evidenciar como o discurso é sempre espaço de luta e negociação de sentidos. No objeto analisado, tal perspectiva será fundamental para identificar as formações ideológicas e as formações discursivas que o constituem. 

2. Análise e Conclusão 

O primeiro enunciado: “SOU SURDO, SIM! SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!” tem duas frases que chamaremos de A e B, respectivamente. Na frase A: “SOU SURDO, SIM!” Há uma forte manifestação de um discurso identitário em que o sujeito assume sua condição de pertencimento a uma formação ideológica. Na frase B: “SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!” O discurso apresenta um deslocamento de sentido.

Primeiramente podemos imaginar que o primeiro discurso traz uma contradição. “SOU SURDO, SIM! SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!” Como um sujeito surdo é igual a todos os seres humanos? Nessa perspectiva de encontrar formações discursivas distintas num mesmo texto, coadunamos com os ensinamentos de Orlandi (2015) quando afirma que um texto pode pode derivar de diferentes formações discursivas:

Além disso, podemos considerar essas diferenças em função das formações discursivas: em um texto não encontramos apenas uma formação discursiva, pois ele pode ser atravessado por várias formações discursivas que nele se organizam em função de uma dominante. (Orlandi, 2015, p. 68). 

Nesse norte, pensamos nos tipos de identidades surdas (Carvalho e Campello, 2022), porque o segundo enunciado traz outro sujeito surdo com característica diferente manifestada no contraponto. Pensamos também nas lições de Correia e Fonseca (2018) que explica o fato da classe ou grupo pertencer a mesma formação discursiva não os torna homogêneos.  

No primeiro enunciado, as frases A e B, quando analisadas em uma determinada perspectiva, podem parecer contraditórias e estranhas. Se fosse assim, ao analisar apenas em uma perspectiva, a que tipo de identidade surda esse indivíduo surdo estaria relacionado? Para Carvalho e Campello (2022), tomando uma perspectiva de análise, esse sujeito pertenceria a identidade surda de transição porque apresentou na frase A uma característica própria do sujeito surdo e na frase B apresentou uma característica própria dos ouvintes, um sujeito que está em trânsito e ainda não se assumiu inteiramente como surdo, isso acontece porque a maioria dos pais são ouvintes. Na obra “A existência de quatorze (14) Identidades Surdas”, Carvalho e Campello (2022) exploram como a identidade surda é constituída por processos de construção social, histórica e cultural. Para esses autores, o sujeito surdo transita entre discursos que ora reforçam uma identidade coletiva surda e ora dialogam com a sociedade majoritariamente ouvinte, revelando tensões entre reconhecimento e inclusão. 

Vale ressaltar que analisar um texto somente na perspectiva literal é um equívoco. Vejamos a lição da nossa referência:

Temos afirmado que não há sentidos “literais” guardados em algum lugar – seja o cérebro ou a língua – e que “aprendemos” a usar. Os sentidos e os sujeitos se constituem em processos em que há transferências, jogos simbólicos dos quais não temos controle  e nos quais o equívoco – o trabalho da ideologia e do inconsciente –  estão largamente presentes. (Orlandi, 2015, p.58).

Assertivas as declarações da autora, pois os textos são constituídos em contextos históricos, sociais específicos e enunciados por sujeitos diferentes e o controle dos sentidos é impossível, pois os sujeitos discursivos são interpelados por ideologias próprias. 

Analisando a frase B, não se pode dizer que os sujeitos surdos são iguais aos ouvintes, e é exatamente nesse sentido que emerge todo o argumento do contraponto do segundo enunciado: “Não, palavra está errado Não somos iguais às pessoas ouvintes (sic) Por exemplo prova concurso sem acessibilidade Vc vai querer igual ele (sic) Nós somos diferença Por que nossa deficiência” (sic). Quando afirmamos que, na frase B, houve um deslocamento de sentido, estamos nos referindo ao efeito produzido pelo enunciado. Em vez de simplesmente equiparar surdos e ouvintes, o enunciador do cartaz enfatiza que os surdos são seres humanos racionais, assim como qualquer outra pessoa, e, portanto, merecem respeito, o que inclui o direito à acessibilidade como prioridade.

Tanto o primeiro como o segundo enunciado demonstram que os sujeitos se identificam a uma mesma posição, a de sujeito surdo, isso fica claro porque não houve contraponto na frase A do primeiro discurso, porque ambos sujeitos se identificam como surdos. Em trechos do segundo discurso isso se evidencia: “Nós somos diferença Por que nossa deficiência” (sic). A frase A do primeiro enunciado e esse trecho do segundo enunciado nos apontam para as formações discursivas e ideológicas dos dois sujeitos. Se a formação discursiva define os limites do que pode ou não ser dito (Pêcheux, 1995), a análise deste parágrafo revela como esses limites se manifestam ao reafirmar o lugar do sujeito surdo como integrante de um coletivo com direitos gerais e específicos. Apesar das diferenças de formulação, os discursos dos dois sujeitos surdos convergem na mesma direção, reforçando essa identidade e reivindicação comum. Embora ambos os discursos compartilhem a identidade comum de ser sujeito surdo, é possível perceber algumas tensões ou peculiaridades que podem gerar contraposições. Por exemplo, o uso da expressão “nós somos diferença” no segundo discurso nos seus efeitos de sentido, destaca uma noção de identidade não apenas como uma condição de deficiência, mas também como uma forma de resistência ou afirmação de uma diferença que não deve ser vista como uma falta, mas como uma característica própria e valorosa. Em contrapartida, o primeiro discurso, ao não apresentar um contraponto explícito, sugere uma identificação mais homogênea, onde a figura do sujeito surdo é abordada de forma mais unificada, sem abrir espaço para a afirmação de uma diferença que poderia ser vista como uma dissidência em relação ao discurso dominante da sociedade ou da cultura surda. Essa diferença sutil de abordagem entre os discursos revela, portanto, um contraponto em relação à maneira como a identidade surda é posicionada — um mais voltado para a uniformidade e o outro para a pluralidade e resistência da diferença.

Para responder aos dois questionamentos iniciais: o primeiro, de que maneira as formações discursivas constituem os sujeitos? E o segundo, quais formações ideológicas os atravessam? Vamos analisar as formações discursivas e ideológicas de cada discurso separadamente. O primeiro enunciado: “SOU SURDO, SIM! SOU SER HUMANO IGUAL VOCÊS PORR*!” Quanto à formação discursiva, esse discurso se ancora em uma formação discursiva que busca romper com barreiras impostas por práticas excludentes, afirmando a humanidade universal do sujeito surdo. Está alinhado a movimentos de luta por direitos civis e à busca por inclusão. Em relação a formação ideológica, apoia-se em uma formação ideológica que privilegia o conceito de igualdade como um valor central, reconhecendo os surdos como parte integrante da sociedade. Essa formação ideológica dialoga com políticas inclusivas e normativas que reconhecem a diversidade sem anulá-la.

Passamos agora a analisar o segundo discurso: “Não, palavra está errado Não somos iguais às pessoas ouvintes (sic) Por exemplo prova concurso sem acessibilidade Vc vai querer igual ele (sic) Nós somos diferença Por que nossa deficiência” (sic). No que concerne a formação discursiva, este enunciado pertence a uma formação discursiva que reforça a especificidade da identidade surda, valorizando a diferença e recusando a ideia de igualdade como equivalência. Aqui, a identidade surda é reafirmada como singular, com experiências e necessidades que não podem ser subsumidas em uma noção genérica de igualdade. Sobre a formação ideológica o discurso se fundamenta em uma lógica que dá centralidade ao reconhecimento das diferenças, pautadas por movimentos identitários que enfatizam a luta por acessibilidade e representatividade. 

Orlandi (2015), Pêcheux (1995) e os demais autores ajudam a aprofundar a compreensão das condições de produção dos sentidos que sustentam essas formações discursivas. A produção do discurso é sempre atravessada pela memória discursiva, ou seja, pelos sentidos já sedimentados historicamente e pela interpelação ideológica que posiciona o sujeito no discurso. A análise evidencia que os discursos apresentados não são totalmente opostos, mas complementares em sua complexidade. A complementaridade está justamente na forma como esses discursos se relacionam com os sentidos já sedimentados historicamente na comunidade surda e como eles, juntos, contribuem para a construção de uma identidade coletiva que, embora marcada por diferenças internas, mantém uma base comum de reivindicação de direitos. Assim, em vez de se apresentarem somente como opostos, os dois discursos se complementam ao destacar diferentes aspectos de uma mesma luta pela afirmação do sujeito surdo como um sujeito social com direitos e reconhecimento. Ambos contribuem para pensar a identidade surda como um objeto discursivo em constante negociação, na qual sentidos de igualdade e diferença se entrelaçam. Essa articulação reforça a necessidade de políticas públicas e práticas sociais que reconheçam simultaneamente o direito à igualdade e à diferença, promovendo a verdadeira inclusão e representatividade.


3Apesar de o Whatsapp ser originalmente uma plataforma de comunicação instantânea e particular entre indivíduos, atualmente muitos grupos são abertos e funcionam como fóruns de discussões, como é o caso do grupo aqui recortado, que reúne membros da comunidade surda de uma capital brasileira. Deve-se ressaltar que o foco da análise não são as dinâmicas interindividuais ali existentes, mas a contraposição dos enunciados recortados para o estudo, um deles, inclusive, é um cartaz cuja circulação vai além do grupo em questão.

Referências

BRASIL, Luciana Leão. Michel Pêcheux e a teoria da análise de discurso: desdobramentos importantes para a compreensão de uma tipologia discursiva. Linguagem: estudos e pesquisas, v. 15, n. 1, 2011.

CARVALHO, Vilmar Fernando; REGINA, Ana; CAMPELLO, Souza. A existência de quatorze (14) identidades surdas. Humanidades & Inovação, v. 9, n. 14, p. 139-152, 2022.

CORREIA, Karen; FONSECA, Thales. Pêcheux entre o sujeito da interpelação e o do inconsciente ou duas saídas para uma mesma questão . Analytica: Revista de Psicanálise, v. 7, n. 13, p. 259-276, 2018.

MAGALHÃES, Belmira; MARIANI, Bethania. Processos de subjetivação e identificação: ideologia e inconsciente. Linguagem em (Dis) curso, v. 10, p. 391-408, 2010.

ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: Princípios e Fundamentos. 12ª Edição, Pontes Editores, Campinas, SP, 2015. 

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni Pulcinelli Orlandi et al – 2.ed. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995.

SIQUEIRA, Vinicius.    Formação discursiva e interdiscurso – Michel Pêcheux. Publicado site Colunas tortas, 2024. https://colunastortas.com.br/formacao-discursiva-e-interdiscurso-michel-pecheux/  Acesso em 28 de dezembro de 2024.


1Graduado em Letras Português (UNOPAR – 2020) e em Letras Libras (UNIR -2025) e mestrando (UNIR). Tenho pós-graduação em Tradutor e Intérprete de Libras e pós-graduação em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica.
2Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Ministra a disciplina “Introdução à Análise do Discurso.