REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102503011425
Andréa Lúcia Batista Lopes Wanderley
RESUMO
A questão da violência conjugal no Brasil ganhou reconhecimento público e entrou na agenda das políticas públicas do país. No entanto, a multiplicidade de medidas adotadas nesse curto espaço de tempo revela dificuldades e limites impostos por esse tipo específico de violência. Sendo assim, o objetivo desse trabalho é analisar de forma breve os principais desafios enfrentados durante o processo de legalização e institucionalização da Lei Maria da Penha no país, analisando os aspectos relacionados à sua constitucionalidade e à sua efetividade social no tocante aos princípios e limites impostos à lei penal. Foram analisados alguns aspectos da referida lei que causam controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto a sua constitucionalidade. Um primeiro ponto diz respeito à restrição feita pela lei de sua aplicabilidade apenas aos casos de violência contra a mulher, ensejando tratamento desigual aos demais membros do grupo doméstico ou familiar. Em um segundo aspecto pode-se verificar legitimidade do legislador federal para criar a previsão de acumulação pelas varas criminais de competência cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher até que sejam implantados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. E, por fim, faz-se uma análise da previsão estabelecida pela lei, de que não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Diante destas controvérsias pretendeu-se fazer uma reflexão sobre a real função do direito penal e sua atuação diante de conflitos domésticos e familiares no que se relaciona a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.
Palavras Chaves: Violência conjugal, Lei Maria da Penha, Constitucionalidade.
ABSTRACT
The issue of marital violence in Brazil gained public recognition and entered the country’s public policy agenda. However, the multiplicity of measures adopted in this short space of time reveals difficulties and limits imposed by this specific type of violence. Thus, the objective of this work is to briefly analyze the main challenges faced during the process of legalization and institutionalization of the Maria da Penha Law in the country, analyzing the aspects related to its constitutionality and its social effectiveness in relation to the principles and limits imposed to criminal law. We analyzed some aspects of the aforementioned law that cause doctrinal and jurisprudential controversies regarding its constitutionality. A first point concerns the restriction by the law of its applicability only to cases of violence against women, giving unequal treatment to the other members of the domestic or family group. In a second aspect, the legitimacy of the federal legislature can be verified to create the prediction of accumulation by criminal courts of civil and criminal jurisdiction to hear and judge the causes arising from the practice of domestic and family violence against the woman until the Judges of Domestic and Family Violence against Women. Finally, an analysis is made of the provision established by law, that Law No. 9,099 of September 26, 1995, does not apply to crimes committed with domestic and family violence against women, regardless of the predicted penalty. In the face of these controversies, it was intended to reflect on the real function of criminal law and its action in the face of domestic and family conflicts in relation to the constitutionality of the Maria da Penha Law.
Keywords: Marital violence, Maria da Penha Law, Constitutionality.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho visa analisar a Lei 11.340/06 e suas alterações, bem como, diálogos, fatos históricos, análise da jurisprudência, buscando inibir todas as formas de discriminação e violência contra a mulher, analisando este ramo do direito que visa extirpar da sociedade esse tipo de conduta delituosa contra a mulher.
Nesse mesmo sentido, entrou em vigor a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, que tem por escopo proteger a dignidade da mulher ao coibir as diversas formas de violência doméstica e familiar ou social contra a mesma. Junto à referida lei surgiram diversas controvérsias em sua aplicabilidade pelos tribunais, além de questionamentos doutrinários acerca da sua constitucionalidade e a legitimidade do Direito Penal para invadir uma seara tão íntima como o convívio doméstico e familiar.
Por isso com o intuito de consagrar grandes esforços para proteção efetiva a todas essas vítimas domesticas, dando mais agilidade a todos os processos de investigação, para que seus efeitos possam surgir com mais clareza e eficácia no combate a essa violência de modo geral, para coibir todas as formas de violência contra a mulher. Para resguardar seus direitos e aumentar sua alta estima perante a sociedade e principalmente para si própria (CHAUÍ, 2002).
Nesta pesquisa o método racional dedutivo foi utilizado, por parte das teorias e leis, seguindo um padrão teórico, com racionalidade. Mantendo a linha de raciocínio clara, concisa e coerente. Ademais, utilizou-se de pesquisa bibliográfico-documental para complementação das fundamentações teóricas, tendo sido revisados artigos científicos atrelados à rede mundial de computadores, obras literárias de autores nacionais que versam sobre o assunto em tela, além de consultas a trabalhos acadêmicos, visando trazer à discussão o maior número possível de informações que trouxessem mais conhecimento em relação ao assunto em epígrafe.
Este trabalho tem como objetivo geral analisar de forma breve os principais desafios enfrentados durante o processo de legalização e institucionalização da Lei Maria da Penha no país. E os específicos: demonstrar o histórico conceitual e as formas de combate à violência contra a mulher; relatar os princípios e objetivos da Lei nº 11.340/06 e por fim destacar as principais mudanças ocorridas no combate à violência doméstica contra a mulher após o advento da lei Maria da Penha.
E assim, esperou-se que o meio acadêmico também fosse beneficiado com
esta pesquisa na medida em que foi apresentado um referencial teórico que prova o conjunto de estudos que já está sendo feito sobre o tema. A exposição de teses doutrinárias serve de motivação para futuras pesquisas acadêmicas, O trabalho, de natureza interdisciplinar, buscou unir ramos do Direito, como: Direito Constitucional e Direito Penal, bem como Ciências Políticas.
2. DESENVOLVIMENTO
- REGISTROS HISTORICOS SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Os registros históricos de agressões contra mulheres surgiram há 2.500 anos, onde a superioridade dos homens era grande e com isso as mulheres sempre estavam atreladas a um estado de obediência e submissão, na verdade eram quase todas tratadas como escravas sexuais de uma maneira geral (BOGADO, 2005).
O seu jeito de agir e comportar perante um homem, principalmente aquele com quem convivia desde seu casamento eram de uma maneira mais submissa. E com o passar dos anos as coisas foram ficando mais agressivas no convívio entre homens e mulheres, onde elas sofriam várias agressões de uma maneira simples até algo mais grave (CHAVES, 2018).
Conforme os estudos de Dias (2010) no mundo ocidental, o filosofo grego Filon discípulo de Platão, lançou as raízes do pensamento ideológico da submissão da mulher em relação ao homem, baseando sua ideia em uma suposta inferioridade da alma feminina, e que seria ela a causadora de muitos males para a sociedade (RESENDE JR, 2021).
Complementando essa linha de raciocínio tem-se em Socorro et al. (2015) a suposição de que somente as classes dominantes tinham o direito e o privilégio de se dirigirem ao bom, belo e racional. Já para Cavalcanti (2008) o que dava o entendimento de que os homens dessa época sempre consideraram que essas mulheres tinham sua alma muito carnal, cheias de problemas e com isso eles eram superiores a elas.
Pode-se, então afirmar que com esses costumes os homens sempre mantiveram um ar superior com todas as mulheres, sejam elas mãe, irmã, esposas e filhas, a submissão delas não tinha nada a ver com seu grau de parentesco, elas só
sabiam de uma coisa, devia respeitá-los, pois sua condição se igualava a de escravos, onde a igualdade de subordinação sempre eram as mesmas (CRUZ, 2012).
O homem era polígamo e o soberano inquestionável na sociedade patriarcal, a qual pode ser descrita como o clube masculino mais exclusivista de todos os tempos. Não apenas gozava de todos os direitos civis e politicos, como também tinha poder absoluto sobre a mulher (VRISSIMTZIS, 2002 apud BRASÃO; DIAS, 2016, p. 123).
Ante ao exposto fica claro que o homem era polígono e com uma soberania muito maior do que se poderia esperar, com isso, nota-se a necessidade de adaptação social e jurídica em relação ao seu convívio com essas mulheres adotando um modelo de tratamento igual para homens e mulheres para que houvesse uma sociedade justa e que se coadune com a atual realidade atual.
Nos estudos de Socorro et al. (2015) é possível compreender que na visão daquela sociedade tanto na antiguidade quanto na idade média a irracionalidade era sempre das mulheres, enquanto que o homem sempre foi racional e com isso eles conquistaram muitas coisas, seja na submissão e principalmente na escravidão dentro de suas próprias casas. O advento da violência contra a mulher já vem de longos anos em relação hierárquica descrita em suas relações com os homens de modo geral, isso é a causa de muitas agressões domesticas, pois naqueles tempos os homens não tinham punição correta quanto a esses fatos.
Às mulheres foi dada a “insígnia de sexo frágil” explicando que tal adjetivo foi imputado por força do sentimento de afetividade tão latente dentre o sexo feminino, suas ações se pautam por um tom suave de beleza e carisma e não de escravidão e aproveitamento de suas fragilidades. Essa situação já vem de muitas gerações, as mulheres sempre estão vendo brigas dentro de casa, pai maltratando sua mãe, irmãos e com isso a violência vai ficando cada vez maior em suas vidas, pois se tornam coisas do cotidiano, ou seja, algo muito natural para quem agride essas mulheres (MUSZKAT; MUSZKAT, 2016).
Mahl, Oliveira e Piccinini (2016) asseguram que o medo em delatar essas agressões é muito grande e partem do pressuposto de ocorrer muitas ameaças por parte dos agressores. Assim, as vítimas permanecem com medo até mesmo de perderem suas vidas. Assim, sendo, o silêncio e a impunidade caminham lado a lado, embora o silêncio pactue como elemento principal dando consentimento a impunidade. Muitas delas hesitam em fazer apelos para a sociedade, ou seja, procurar
o Poder Judiciário na forma da polícia, pelos fatos de ter medo como disse anteriormente, de vergonha, dependência econômica e muito mais.
Mas muitas delas são questionadas de que sofreram violências pelo fato de que foram merecedoras de tal situação contra elas, onde elas se sentem culpadas de tudo isso, ao passar dos tempos muitas coisas ainda existem, em relação às agressões contra todas essas mulheres, isso é muito impressionante que desde os tempos antigos existam essas violências contra todas essas mulheres que sempre estão protagonizando tudo isso para vida delas, são marcas que jamais vão sumir com o tempo, sempre haverá uma lembrança que existirá em suas mentes, muitos pensamentos distantes que ocorrem em suas cabeças, pelo ‘simples’ fato de ter sido agredida por esses homens covardes e sem piedade por nada, não sabendo eles que nasceram de uma mulher, uma pessoa tão frágil como aquelas que eles estão agredindo em seu dia a dia (SOCORRO et al., 2015).
Ao longo da história das sociedades, a desigualdade e a descriminação refletidas em leis e várias jurisprudências, configura uma percepção social e uma expressão legal, limitando parcialmente a violência doméstica contra as mulheres de modo geral.
- VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Juridicamente, a violência é uma espécie de coação, ou forma de constrangimento, posto em prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo contra a sua vontade, podendo ser material ou moral. Entretanto, em se tratando de violência contra a mulher, há que se reconhecer que a estrutura psicológica do ser é extremamente afetada, acarretando consequências perigosas a pessoa vitimada, que invariavelmente esse trauma seguirá pelo resto de sua vida (ELIAS, 2019).
A sociedade vem evoluindo com o tempo, o Estado de Direito se fortaleceu, a educação, os costumes, o direito à uma vida digna, o respeito à individualidade passou a ser mais observado. Entretanto, nos países do bloco ocidental os casos de abusos contra a figura feminina ainda são vistos pela sociedade como sendo de total responsabilidade da família, de maneira popular “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” É muito comum as pessoas evitarem tocar neste assunto, por medo, conivência, entre outros (MARTINS, 2015).
Os dados mais graves aparecem quando se analisa o perfil do abusador. Infelizmente, ele está dentro de casa, na maioria esmagadora dos casos. Se a mulher não consegue encontrar segurança e estabilidade em suas próprias casas, que visão levará para o mundo lá fora? E como fica a cabeça de uma pessoa vitimada por violência dentro de casa, cometida por pessoas que ela conhece muito bem? (ELIAS, 2019).
Os espancamentos são muitas vezes acompanhados de outros atos de sadismo, como queimaduras com pontas de cigarro, água fervendo e outros objetos da casa. Verdadeiros atos de barbárie são relatados tanto por vítimas, como também, pelos agressores (MARTINS, 2015).
São comuns ainda casos de homens que ferem com facas e canivetes, batem com a cabeça ou atiram a mulher contra a parede, o que em muitos casos pode levar a vítima ao óbito (ELIAS, 2019).
Além das marcas físicas, a violência contra a mulher causa danos psicológicos que geralmente podem ser detectados pela mudança de atitudes e comportamentos apresentados pela vítima (NAVES, 2020).
- FINALIDADE JURÍDICA DA LEI Nº 11.340/06
Embora seus efeitos com certeza já tenham resultados positivos, pois seus benefícios têm como intuito os efeitos colaterais em casos de agressões domesticas, em que as vítimas procuram o Estado para se proteger de algo mais grave, então, nesse momento a Lei Maria da Penha é o instrumento legal para solucionar tal situação em que até mesmo à própria vítima não sabe como fazer diante de tantos abusos de seus parceiros, por causas simples, como subordinação e muitos outros aspectos emocionais envolvendo essas mulheres que cada dia que se passa tem várias vítimas em hospitais ou algo bem pior, tudo ocasionado por agressões domesticas e muito mais que está além dos olhos da justiça (PRESTES, 2022).
Tem-se notado que na referida Lei foram mencionados mecanismos para prevenção a todos os tipos de violência contra a mulher, onde foram elencados instrumentos para a proteção dessas vítimas, assim sendo, todas elas têm direito a assistência em caso de situação de violência doméstica, como cita o art. 9º:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde,
no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
- – Acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
- – Manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual (BRASIL, 2006).
Nas relações entre homens e mulheres, demarcadas pela dominação masculina há milhares de anos, a resistência feminina se mostrou de várias formas e por muitas estratégias. Ora demonstrada pela negação da alteridade, ora pela valoração da diferença, a questão do gênero transformou-se em outras tantas discriminações, dominações e preconceitos (CUNHA, 2014).
O machismo e a incapacidade de certos homens em entenderem a realidade atual, onde a mulher não é mais considerada uma propriedade do homem e, por isso se reconhece a busca por seu espaço na vida social e comunitária, a principal causa de violação dos direitos das mulheres (RODRIGUES; COELHO; LIMA, 2015).
Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 e 44 anos no mundo inteiro, são oriundas da violência e que deste percentual, quase metade são vítimas de assassinato por seus maridos, companheiros ou namorados, fato que torna a violência doméstica a mais cruel e perversa forma de violência contra a mulher (RODRIGUES; COELHO; LIMA, 2015, p. 5471).
A violência sofrida por essas mulheres causa-lhes transtornos em suas vidas que podem ser irreparáveis, e os agressores continuam soltos, muitos deles não são apenas os companheiros, podem ser até mesmo os próprios filhos, irmãos ou entre outros agressores que nem fazem parta da família, com isso o medo toma conta de cada uma delas, transformando-as em mulheres amedrontadas pela angústia e, muitas vezes, com danos físicos, sexuais e psicológicos, levando esses prejuízos para uma vida inteira, podendo levar a um estado de choque, com isso dependendo de remédios controlados para tirar esse medo que amedrontam suas vidas e outras com tratamentos psicológicos direcionados para situação em si (PRESTES, 2022).
Hoje cotidianamente existem várias formas de se procurar por socorro com foco principal no Estado, mas mesmo assim, com todas essas possibilidades existentes, as vítimas se calam diante dos horrores que sofrem nas mãos de seus agressores, sofrendo tudo isso pelo fato de amar e até mesmo pela dependência financeira. Porém, a violência tende a crescer se não for dizimada (RODRIGUES; COELHO; LIMA, 2015).
Para Gomes (2014) o Poder Judiciário, entre suas funções, existe para combater essas agressões sofridas por mulheres, desde que elas tomem iniciativa de delatar esses elementos com os quais convivem, só assim eles mudarão seu jeito de ser e a maneira de tratá-las, melhorando suas relações com suas mulheres, que sejam de amor, cuidado e carinho e não agressões.
Com a ausência da justiça mais severa, onde os agressores poderiam ser punidos de forma mais concreta, fez com que as vítimas desanimassem quanto à confiança que tinham na justiça, quando por acaso elas resolvessem fazer a denúncia, os agressores eram submetidos em quase todas às vezes ao pagamento de penas simples, como multas e cestas básicas, com sua liberdade inalterada, ou seja, sem perder a sua liberdade. E com essas situações muitas mulheres são ameaçadas por esses agressores pelo fato de elas ter denunciado eles, aí com essa pena que recebiam se tornariam muito fácil eles cumprir com suas ameaças, chegando até as vítimas com agressões piores do que as primeiras, podendo causa-lhe até a morte (GOMES, 2014).
Cunha (2014) acrescenta que as medidas protetivas que estão elencadas na Lei 11.340/06 são para coibir muitas violências domesticas, além de criar alguns mecanismos para prevenir várias agressões contra a mulher, como por exemplo, dispor da criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e muito mais ale que esteja prevista na referida Lei.
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federa, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).
Dentro deste encadeamento penal/social, tem-se a Criminologia e a Política Criminal que são medidas tomadas pelo estado a fim de solucionar todas as problemáticas oriundas de um universo criminal (CARVALHO, 2008).
Neste sentido torna-se profícuo elencar a jurisprudência pátria em relação ao julgamento de constitucionalidade ferida conforme apresentou o advogado do acusado de agressão à mulher contra o direito de ir e vir de seu representado, quando da decretação da medida protetiva. No que segue literalmente o entendimento prolatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CRIMINAL – LEI Nº. 11.340/06 (MARIA DA PENHA) – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA – NÃO APRECIAÇÃO POR SEREM CONSIDERADOS INCONSTITUCIONAIS ALGUNS DOS DISPOSITIVOS NELA ALBERGADOS – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – NÃO FERIMENTO.
- Por isonomia não significa conferir o mesmo tratamento a todos, mas tratar desigualmente os desiguais.
- “A razão é simples. Aquilo que se há de procurar para saber se o cânone da igualdade sofrerá ofensa em dada hipótese, não é o fator de desigualação assumido pela regra ou conduta examinada, porquanto, como se disse, sempre haverá nas coisas, pessoas, situações ou circunstâncias, múltiplos aspectos específicos que poderiam ser colacionados em dado grupo para apartá-lo dos demais. E estes mesmos aspectos de desigualação, colhidos pela regra, ora aparecerão como transgressores da isonomia ora como conformados a ela. Em verdade o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem com ela é a seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for ‘justificável’, por existir uma ‘correlação lógica’ entre o ‘fator de discrímen tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma e a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade: se, pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou – o que ainda seria mais flagrante se nem ao menos houvesse um fator de descrímen, a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade” (Celso Antônio Bandeira de Melo).
- “Na sociedade patriarcal, culturalmente elaborada pelo masculino, a mulher não tem o mesmo’ status’ que o homem. Historicamente, as relações entre mulheres e homens são desiguais, pois marcadas pela subordinação da população feminina aos ditames masculinos que impõem normas de conduta às mulheres e as devidas correções ao descumprimento dessas regras, muitas vezes sutis e perversas, embutidas nesse relacionamento (Teles). No aspecto constitucional, essa discriminação (negativa) é suficiente para justificar a ampliação do conceito penal de proteção à mulher vítima da violência de gênero. Trata-se de uma discriminação positiva que busca equilibrar a relação de gênero, isto é, as relações entre mulheres e homens. Logo, as normas penais de erradicação da violência de gênero previstas na Lei nº. 11.340/06 – que têm como sujeito passivo a mulher e como sujeito ativo o homem – não ofendem o princípio da igualdade, constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos. Ao contrário, busca efetivá-lo nas relações de gênero, objetivando a construção de uma convivência equilibrada, pacífica e democrática entre os sexos” (Edison Miguel da Silva Júnior).
- Recurso provido, para o fim de declarar plenamente vigentes os dispositivos legais desconsiderados na instância de origem e, como corolário, determinar que sejam examinados à luz da Lei nº. 11.340/06 os pleitos para lá direcionados.
Hoje os benefícios da Lei 11.340/06 cresceram em relação ao ano de instauração da referida lei, surgiram punições mais severas e concretas aos agressores, a evolução desse instrumento legal se mostra clara, pois a questão da impunidade vem sendo a cada dia minimizado (CUNHA, 2014).
A única coisa que deixa essa Lei e até mesmo a justiça de mãos atadas é o silencio de muitas delas, como disse anteriormente, muitas são dependentes financeiramente, amam seus agressores e também tem a questão de eles ameaçarem-nas e por isso ficam com medo de denunciá-los, e recaí-se na cifra negra, onde o número oficial de vítimas não coaduna com os números reais da violência e a criminalidade registrada em seus números fica encoberta pelo medo (DAVIS, 2016).
Mas com o passar do tempo essa tão sonhada justiça para essas mulheres estão se materializando e se cumprindo perante a justiça do Brasil.

Gráfico 1 – Aumento das denúncias de violência contra a mulher comparativo entre o 1º quadrimestre 2019 e 2020
Fonte: Agência Brasil (2020)
Hoje, a aplicação da Lei 11.340/2006, em todo o País, é uma realidade incontestável restando aos operadores do direito o seu aprimoramento e a sua efetiva compreensão e implementação, conforme preconizado no § 8º do art. 226 da
Constituição Federal.
Segundo o texto contido no art. 5º, violência contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. A violência é ainda reconhecida como sendo doméstica se houver ato violento ou omissão se for em “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas” (STEVENS et al., 2017, p. 569).
A violência contra a mulher poderá ser também familiar, desde que praticada por membros de uma mesma família, aqui entendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa (STEVENS et al., 2017). Acrescentam ainda os autores que essa definição de família vem de encontro ao entendimento atualizado do que venha a ser a instituição familiar para o direito moderno.
E nesse sentido Valença e Mello (2020, p. 1243) asseveram:
Nesse sentido, parece que a Lei Maria da Penha poderá ser um passo normativo à frente do Direito Civil em discussão; afinal, o parágrafo único do artigo 5º contém uma carga ideológica inovadora: pela primeira vez no Direito brasileiro, uma norma federal permite uma interpretação de reconhecimento da entidade familiar entre mulheres do mesmo sexo.
A Lei 11.340/2006 ao tratar da violência familiar, em seu inciso II Art. 5ª que família é “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”, entendimento esse que admite incontestavelmente a sua formação por entes de mesmo gênero (BRITO et al., 2021, p. 64).
Para Stevens et al. (2017) os atos de violência cometidos contra as ex- mulheres são frequentes, fruto do sentimento de posse que mesmo depois de rompidos os laços de convivência ainda perduram. Muitos são os casos que diariamente acontecem em todos os rincões brasileiros e que são denunciados pelas vítimas em relação a seus ex-parceiros.
CONCLUSÕES
A visibilidade da violência de gênero, no âmbito doméstico, demanda o reconhecimento da violência contra a mulher enquanto uma violação de direitos humanos, uma violação que acarreta sérios danos à saúde física e psíquica das vítimas e, como tal, exige intervenção coordenada e interdisciplinar, tanto quanto qualquer outro problema social enfrentado em nível institucional. Em outras palavras, é preciso desprivatizar o conflito de gênero, tornar evidente e palpável a relação de poder imposta mediante violência no âmbito doméstico.
E é exatamente isto o que pretende proporcionar a recente Lei n. 11.340/06, instrumento normativo que teve por escopo oferecer tutela integral à mulher vítima de violência doméstica, contemplando não apenas medidas diferenciadas de natureza penal e processual penal como também medidas protetivas à vítima, seus familiares e eventuais testemunhas. Complementando a rede de políticas públicas necessárias ao enfrentamento do problema, enumera ainda medidas de prevenção e conscientização de caráter genérico, campanhas educativas e específico a sensibilização dos operadores do direito, acadêmicos e policiais, bem como, de assistência às vítimas de violência.
Por todo exposto, há de se unir todos os segmentos da sociedade e somatizar as forças existentes, tendo em vista que a violência contra a mulher não é mais somente um “problema” da polícia e do judiciário, ou seja, prender e punir o agressor como a solução e o fim dessa violência se torna uma ideia simplista demais para a complexidade que envolve esse tipo de crime.
No âmbito processual penal, uma das grandes novidades reside na mudança quanto à exigência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. Com efeito, em caso de ocorrência de lesões corporais – sejam leves, graves ou gravíssimas – a titularidade da ação penal é do Ministério Público, agora independentemente de representação da vítima. Para a promoção da ação penal, passa a ser suficiente a lavratura da ocorrência policial ou do auto de prisão em flagrante (ação penal pública incondicionada).
A ação penal nos crimes de lesão corporal praticados em contexto de violência doméstica passa a ser pública e incondicionada, retornando para a iniciativa do Ministério Público, sem depender de representação.
Porém, a agilidade do procedimento, caracterizada pela possibilidade de oferecimento de composição civil e transação penal, em muitos casos posteriormente é considerada inócua por muitas vítimas, que se consideram “não ouvidas” ou “forçadas a um acordo”. Ou seja, o aspecto positivo do procedimento dos juizados – agilidade, informalidade e espírito conciliador – foi ofuscado pelo negativo – sensação de ineficácia do provimento judicial, de “injustiça” relatada pelas vítimas.
No que concerne especificamente ao tratamento conferido aos crimes cometidos em contexto de violência doméstica pela nova lei, é certo que o direito penal não se presta a motivar comportamentos – se assim o fosse, não se justificaria sequer sua existência, tamanha a profusão de tipos penais observada. Reconhece-se, neste ponto, uma das falácias do sistema de justiça criminal.
Nesse cenário, pode-se concluir que os objetivos da Lei Maria da Penha transcendem a órbita da simples coerção penal e invadem o restrito espaço da privacidade conjugal para proteger o lado mais fraco da relação, quando esta relação não mais se mantiver dentro de um padrão de civilidade aceitável.
Por essa razão, acreditando que toda forma de violência deva ser veementemente combatida e que se a sociedade não é capaz de, por si só, resolver suas mazelas, deve o Estado promover formas de solução de tais males.
Desta forma, tendo em conta que os outros meios de controle social não deram conta de reprimir a animalidade inerente ao ser humano, deve o Estado valer-se do Direito Penal (ultima ratio) para proteger os bens jurídicos mais importantes da sociedade, no caso, a vida e a integridade física e moral da mulher.
Portanto, buscando contextualizar os objetivos da Lei em comento com os objetivos do próprio Estado brasileiro previsto Constituição da República, de promover o bem de todos e assegurar a integridade da pessoa humana deve-se fazer uma interpretação da Lei em conformidade com a Constituição.
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