ALTERAÇÕES BUCAIS PROVENIENTES AO USO INDISCRIMINADO DE ANABOLIZANTES: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502211543


Maria Alice Lima Neves
Joana Livia Aguiar Rodrigues
Gabriele Marques de Sousa

ORIENTADORES: Vanessa Reinaldo Carvalho
João Lucas Carvalho Paz


RESUMO

Os esteroides anabólicos androgênicos (EAA) são medicamentos derivados da testosterona, frequentemente usados para aumento de massa muscular e desempenho físico. Embora regulamentado no Brasil, seu uso ilegal e sem prescrição é frequente, acarretando riscos à saúde pública. E está relacionado a graves efeitos adversos em diversos sistemas do corpo, incluindo a saúde bucal. Este estudo visa descrever os impactos negativos do uso indiscriminado de esteroides anabólicos na saúde bucal. Posto isso, realizou-se uma revisão de literatura nas bases de dados PubMed, SciELO, BVS, Planalto.gov e ResearchGate, utilizando descritores como “Dentistry AND anabolic agents” e “Periodontics AND anabolic agents”. As descobertas indicam que o uso de EAA compromete a saúde bucal a longo prazo, favorecendo doenças periodontais e aumentando a predisposição a infecções e inflamações em tecidos gengivais e ósseos. Dessa forma, destaca-se a necessidade de conscientização, de um acompanhamento odontológico preventivo e de uma abordagem multidisciplinar que integra cuidados bucais e sistêmicos para os usuários dessas substâncias.

Palavraschave: Esteroides Androgênicos Anabolizantes. Doenças Periodontais. Saúde Bucal.

ABSTRACT

Androgenic anabolic steroids (AAS) are medications derived from testosterone, frequently used to increase muscle mass and physical performance. Although regulated in Brazil, illegal and non-prescribed use is common, posing risks to public health. AAS use is associated with serious adverse effects across various body systems, including oral health. This study aims to describe the negative impacts of indiscriminate anabolic steroid use on oral health. To that end, a literature review was conducted using databases such as PubMed, SciELO, BVS, Planalto.gov, and ResearchGate, with keywords like “Dentistry AND anabolic agents” and “Periodontics AND anabolic agents.” Findings indicate that AAS use compromises oral health in the long term, promoting periodontal diseases and increasing susceptibility to infections and inflammation in gingival and bone tissues. Thus, the need for awareness, preventive dental monitoring, and a multidisciplinary approach that integrates oral and systemic care for AAS users is emphasized.

Keywords: Anabolic Androgenic Steroids. Periodontal Diseases. Oral Health.

1  INTRODUÇÃO

Comumente conhecido como anabolizantes, os esteroides anabólicos androgênicos (EAA) são medicamentos com substâncias sintéticas derivadas da testosterona. Apresentam impactos anabólico e também androgênico, podendo ser indicados para terapias de deficiências hormonais, alguns casos de anemia, osteoporose, neoplasia benigna da glândula hipófise e outras doenças. Sua principal aplicação é no aumento da massa muscular corporal, ganho de força e melhora no desempenho físico1,2,3,4,5,6,7,8,10.

O mecanismo de ação dos esteroides anabolizantes inclui uma variedade de efeitos, tais como: placebo, que atua no âmbito psicológico; euforizante, reduzindo a sensação de fadiga; e anticatabólico, minimizando a degradação da massa muscular e promovendo um aumento na utilização e na síntese proteica6. Com isso, os EAA são popularmente utilizados por atletas amadores e por profissionais que participam de esportes recreativos, e também por quem busca apenas melhoria da imagem corporal4.

Contudo, a utilização inadequada e indiscriminada dessas substâncias, está vinculada a uma variedade de efeitos adversos e complicações, alguns dos quais podem ser potencialmente fatais. Diversos sistemas orgânicos sofrem impactos negativos, incluindo os sistemas reprodutivo, hepático, musculoesquelético, endócrino, renal, cardiovascular e dermatológico, contribuindo para um grave problema de saúde pública. Destaca-se entre esses sistemas o cardiovascular e o hepático, devido ao risco significativo de mortalidade associado a eles1,2,5,6,7,10.

Ademais, os vícios e o abuso de EAA também são conhecidos e descritos na literatura. Todavia, o uso não médico dessa substância ainda é prevalente e em grandes proporções, visto que os objetivos estéticos e esportivos são comumente colocados à frente do quesito saúde. Diante disso, a prescrição dessas substâncias deve ser criteriosamente ponderada por médicos e cirurgiões dentistas, limitando-se apenas a situações em que haja uma justificação clara e em conformidade com as regulamentações estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a fim de mitigar os riscos de abuso e de efeitos colaterais indesejáveis5.

No Brasil, a Lei nº 9.965, de 27 de abril de 2000, estabelece restrições à venda de esteroides ou peptídeos análogos anabolizantes, visando controlar e combater seu uso imprudente e irresponsável. Conforme essa legislação, os EAA só podem ser adquiridos mediante apresentação de receita médica retida, a qual deve ser emitida por profissionais devidamente habilitados e conter a identificação do prescritor, incluindo o número de seu Cadastro de Pessoa Física (CPF), a Classificação Internacional da Doença (CID) e outros detalhes obrigatórios para uma prescrição adequada. Além disso, a validade dessa receita é de 30 dias após sua emissão, e a farmácia é obrigada a arquivá-la por um período de cinco anos2,3,4.

As prescrições de EAA realizadas pelos cirurgiões-dentistas só devem ser destinadas ao uso odontológico. Estudos relatam o excesso de prescrições inadequadas por parte de todos os profissionais, tornando-se de difícil compreensão quanto aos danos e potenciais envolvidos2. A prescrição medicamentosa é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos aspectos fundamentais da assistência farmacêutica. Essa assistência abrange não apenas a distribuição do medicamento, mas também representa uma oportunidade crucial para que o profissional farmacêutico oriente o paciente sobre o uso adequado do medicamento, suas dosagens e potenciais interações farmacológicas2.

Embora seu comércio popular e sem receita e por vezes até a utilização seja ilegal, os EAA são facilmente obtidos de revendedores clandestinos locais ou pela Internet7. E, apesar dos inúmeros relatos de efeitos adversos, muitos usuários de EAA ainda não têm consciência dessas consequências e continuam a utilizar esses medicamentos, além do seu uso continuar crescendo entre atletas e especialmente homens4.

Além de alterações sistêmicas, o uso indiscriminado de EAA também repercute negativamente na saúde bucal e periodontal. Estudos apontam que o abuso dessas substâncias pode provocar alterações no sistema imunológico, favorecendo o desenvolvimento de doenças periodontais, como gengivite e periodontite, devido à redução da resposta imunológica oral. Adicionalmente, a predisposição a infecções e processos inflamatórios está aumentada, o que compromete a integridade dos tecidos gengivais e ósseos ao redor dos dentes11,12,13,14,15.

2  OBJETIVO GERAL

Perante o exposto, o presente trabalho tem a finalidade de descrever os efeitos colaterais resultante do uso indiscriminado e incorreto de esteroides anabólicos androgênicos, os anabolizantes, evidenciando as possíveis alterações adversas relacionadas especialmente a saúde bucal.

3  OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo específico deste trabalho é investigar e analisar, por meio de uma revisão de literatura, os efeitos colaterais dos esteroides anabólicos androgênicos, identificando as principais alterações orais associadas ao uso abusivo e incorreto dessas substâncias, a fim de fornecer uma compreensão quanto aos riscos à saúde bucal, prevalência e gravidade delas.

4  JUSTIFICATIVA

O uso exagerado e irresponsável de EAA, tem se tornado uma preocupação crescente devido aos seus efeitos colaterais prejudiciais à saúde. Embora muitos estudos tenham investigado os impactos dessas substâncias no corpo humano, há uma lacuna significativa no entendimento dos efeitos específicos dos anabolizantes na saúde bucal. Esta pesquisa se justifica pelo interesse no assunto, com o intuito de fornecer uma análise das possíveis alterações adversas na saúde bucal desses pacientes. Compreender esses efeitos é crucial não apenas para profissionais de saúde, mas também para educadores, treinadores esportivos e indivíduos que buscam aprimoramento físico, a fim de aumentar a conscientização sobre os riscos associados ao uso de anabolizantes e promover práticas de uso mais seguras.

5  MATERIAL E MÉTODO

O estudo trata-se de uma revisão de literatura, onde foi realizado uma busca científica nas bases de dados Pubmed, Scielo, BVS, Planalto.gov e Research gate, utilizando os descritores booleanos “Dentistry AND anabolic agents”, “Periodontcs AND anabolic agents” e “Testosterona AND Periodontium” para direcionar e selecionar a pesquisa. A escolha dos estudos foi restrita aos publicados nos últimos 11, de 2013 a 2024, anos em língua portuguesa e/ou inglesa. Ao identificar 200 artigos, procedeu-se a uma análise criteriosa onde 16 foram selecionados após exclusão dos que abordavam temas divergentes ou não estavam integralmente disponíveis. Posto isso, a leitura dos resumos dos artigos foi realizada para determinar sua relevância, considerando também como critério de exclusão. Foram incluídos intencionalmente artigos que descrevesse as possíveis alterações adversas do uso de anabolizantes.

6  REVISÃO DE LITERATURA

Os esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) mais comumente utilizados incluem substâncias como a testosterona e seus derivados como, nandrolona, oxandrolona, estanozolol, boldenona e trembolona, cada um com propriedades específicas que atraem usuários em busca de aumento de massa muscular, melhora na performance atlética e desempenho físico1,2,5,6,7,8,10,11,12. Os três últimos são indicados apenas para uso veterinário10.

Os EAA podem ser administrados por duas vias: oral ou parenteral. A maioria dos usuários atletas utilizam a via intramuscular em doses supra fisiológicas, chegando a 1000mg de testosterona por semana, o que é 10 vezes maior que dose usual para casos de reposição hormonal³. O uso para fins não terapêuticos vem sendo associado por vários estudos a riscos cardiovasculares, reprodutivos, dermatológicos, neuroendócrinos e psiquiátricos, bem como alterações hepáticas e renais1,2,5,6,7,8,9,10.

O uso prolongado e em altas dosagens pode levar à alteração das respostas hemodinâmicas e metabólicas. O uso crônico de esteroides anabolizantes também pode afetar negativamente os níveis de colesterol, favorecer a pressão alta e induzir danos hepáticos. Além disso, os usuários têm uma maior probabilidade de atender aos critérios para dependência de substâncias; apresentar ansiedade, depressão e comportamento agressivo; e estarem associados ao uso de cocaína11.

Os efeitos colaterais dos EAA estão relacionados principalmente, às suas propriedades androgênicas e tóxicas. O uso combinado com outras substâncias como drogas, álcool, insulina, efedrina, GH, entre outras, pode e tende a aumentar os riscos prováveis, devido as inúmeras interações entre elas8,9. Com isso, os EAA se enquadram na lista C5 da Portaria da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde n.344, de 12 de maio de 1998 que regulamenta os medicamentos sujeitos a controle especial, tratando da prescrição, do comércio e fiscalização dos mesmos2,3,4.

No Brasil, a comercialização de anabolizantes é regulamentada pela ANVISA. A venda e a compra de esteroides anabolizantes são permitidas somente mediante prescrição médica e a retenção da receita, de acordo com a Portaria SVS/MS nº 344/1998 e com a Lei nº 11.343/2006. Os anabolizantes são classificados como substâncias sujeitas a controle especial e, portanto, sua fabricação, comercialização e uso são restritos. A venda sem prescrição ou o uso sem orientação médica é considerada ilegal e pode acarretar penalidades, inclusive criminais2,3,4.

A Lei nº 9.965/2000 também criminaliza a venda e o fornecimento de substâncias anabolizantes para finalidades estéticas e de aumento de desempenho, sem indicação médica. A prática é punível com penas que podem variar de reclusão a multas. Além disso, o Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal Brasileiro) tipifica o tráfico de substâncias controladas, incluindo os esteroides anabolizantes, podendo resultar em penas severas para quem vende ou distribui esses produtos de forma ilícita2,3,4.

O uso indiscriminado de EAA pode provocar alterações bucais significativas, refletindo uma preocupação crescente na odontologia. Estudos indicam que certos patógenos periodontais, como Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Prevotella intermedia e Porphyromonas gingivalis, têm a capacidade de metabolizar hormônios androgênicos, como a testosterona. A pesquisa revelou que amostras de placa subgengival e culturas bacterianas isoladas podem converter testosterona em diidrotestosterona (DHT) e 4-androstenediona, substâncias que desempenham papéis cruciais na saúde hormonal12.

O fenômeno de metabolização hormonal por patógenos periodontais não apenas enfatiza a profunda associação entre saúde bucal e saúde sistêmica, mas também levanta preocupações quanto aos impactos adversos do uso excessivo de anabolizantes. Estes esteroides, ao elevar artificialmente os níveis hormonais podem criar um ambiente propício a proliferação e colonização de bactérias patogênicas na cavidade oral. Esse desequilíbrio hormonal pode, por sua vez, exacerbar as condições periodontais preexistentes intensificando inflamações12.

A testosterona e o DHT podem influenciar diretamente na cavidade oral, atuando como moduladores no ambiente oral, afetando processos celulares e teciduais, já que receptores para esses hormônios foram identificados em vários tecidos bucais, incluindo a gengiva, mucosa oral e glândulas salivares. O DHT pode ser metabolizado por fibroblastos orais, células responsáveis pela produção de colágeno, e esse metabolismo resulta em um estímulo para a matriz de colágeno, o que pode alterar a estrutura e função dos tecidos gengivais11,12.

Isso é corroborado por pesquisas que mostram que indivíduos que utilizam esteroides anabolizantes e aumentam os níveis de andrógenos no corpo tendem a apresentar inflamação gengival em maior grau do que aqueles que não usam esses compostos. O uso de anabolizantes pode agravar problemas periodontais devido à interação direta dos andrógenos com os tecidos bucais; no entanto, o impacto do uso de EAA na progressão da doença periodontal e na distribuição de patógenos ainda não foi totalmente elucidado11,12.

Um estudo realizado na Universidade Aberta Interamericana (UAI), localizada na Argentina comparou achados clínicos de 92 homens (média de 30 anos) divididos entre usuários de EAA e não usuários (controle) investigou a prevalência de doenças periodontais e patógenos. Os grupos de teste e controle apresentaram maior prevalência de periodontite severa, maior perda de inserção clínica (>3mm) e índices de placa elevados, indicando pior saúde oral. Fungos como C. parapsilosis e Cândida spp. também foram mais frequentes nos usuários de anabolizantes11.

Outro estudo, realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade de Cukurova, localizada na Turquia, envolveu 24 (vinte e quatro) atletas do sexo masculino, com idades entre 17 e 29 anos, que usavam EAA há mais de 1 ano, sendo eles indivíduos que eram fisiculturistas e/ou levantadores de peso. Os grupos de teste e controle foram analisados, e os usuários de EAA apresentaram pontuações estatisticamente mais elevadas em espessura gengival, extensão da invasão gengival e alargamento gengival total em comparação aos não usuários. Descrevendo que o uso prolongado de EAA está intimamente associado a níveis significativos de aumento gengival inflamatório13.

Em uma pesquisa comparativa entre 15 homens usuários de esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) e 15 controles, observou que os usuários de EAA, que faziam uso dessas substâncias sem prescrição médica, apresentaram pior saúde periodontal. Eles exibiram maiores índices de sangramento marginal e profundidade de sondagem, além de um aumento significativo nos sítios com perda de inserção clínica e profundidade ≥ 4 mm, sugerindo que o uso de EAA pode estar associado a um aumento dos riscos de problemas periodontais14.

Uma tese do programa de Pós-Graduação em Odontologia da UNESP avaliou a relação entre testosterona e doença periodontal em homens. O estudo, com desenho observacional transversal, utilizou dados de uma amostra representativa da população norte-americana. Homens com níveis normais de testosterona apresentaram melhor saúde periodontal, com 61,1% mostrando profundidade de sondagem de até 3mm e 46,8% com perda de inserção de até 2mm. O uso indiscriminado de testosterona em níveis altos ou baixos foram associados a uma menor prevalência de saúde periodontal15.

Após ajustes estatísticos, altos níveis de testosterona total (CBT) e baixa relação entre estradiol e testosterona (ETR) correlacionaram-se com a presença e gravidade da periodontite. Em homens jovens (30-45 anos), baixos níveis de ETR estão relacionados à maior prevalência e gravidade da doença. Em homens de meia-idade (46-60 anos), a correlação foi observada apenas na gravidade da doença. Para homens mais velhos (>60 anos), baixos níveis de globulina ligadora de hormônios sexuais (AAG) foram associados à presença e gravidade da periodontite15.

O estudo também investigou o impacto da testosterona na perda óssea periodontal em ratos com periodontite. A orquiectomia (remoção dos testículos) reduziu significativamente os níveis de testosterona, aumentando as citocinas inflamatórias e a perda óssea em comparação aos controles. A administração de testosterona em níveis suprafisiológicos diminuiu a contagem de osteoclastos, responsáveis pela reabsorção óssea, e reduziu marcadores inflamatórios, sugerindo um efeito imunomodulador da testosterona15.

Por sua vez, um estudo comparativo entre usuários de EAA e um grupo controle mostrou que, embora os hábitos de higiene bucal fossem semelhantes, os usuários de EAA visitavam o dentista com menos frequência. Isso resultou em um maior risco de cáries e acúmulo de biofilme nos usuários de EAA. Sendo assim, o uso de anabolizantes parece estar relacionado a práticas de saúde bucal inadequadas e um maior risco de problemas dentários16.

7  DISCUSSÃO

Os esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) têm sido amplamente utilizados por fisiculturistas e atletas com o intuito de melhorar a performance e o ganho de massa muscular. Entretanto, os efeitos adversos desses compostos vão além dos sistemas cardiovascular e hepático, afetando diretamente a saúde bucal6,11. Os estudos revisados apontam que os EAA podem alterar a microbiota oral, favorecendo o crescimento de patógenos periodontais que metabolizam hormônios como a testosterona12.

O desequilíbrio hormonal provocado pelos EAA pode interferir na homeostase do microbioma oral, favorecendo o desenvolvimento de bactérias periodontopatogênicas, como Porphyromonas gingivalis e Aggregatibacter actinomycetemcomitans, contribuindo para a progressão da doença periodontal11,12. A capacidade desses patógenos de transformar testosterona em diidrotestosterona (DHT) sugere uma interação direta entre os níveis hormonais elevados induzidos pelos EAA e o ambiente oral, criando condições propícias para o desenvolvimento de inflamações e piora das condições periodontais preexistentes11,12,13,14,15,16.

Além disso, a modificação dos níveis de testosterona e outros hormônios pode aumentar a espessura gengival, exacerbar a inflamação e, consequentemente, acelerar a perda óssea associada à periodontite13. É importante ressaltar que a gravidade dessas condições pode variar de acordo com a dose e o tempo de uso dos EAA, e por vezes, muitos usuários na busca por resultados estéticos rápidos, acabam utilizando doses significativamente superior às terapêuticas5.

Um aspecto negligenciado é a relação entre os esteroides e a diminuição da resposta imunológica na cavidade oral. Os hormônios esteroides são capazes de suprimir as respostas imunológicas naturais do corpo, diminuindo a capacidade de defesa contra patógenos bucais14. Esse fator, aliado à inflamação crônica causada pelo acúmulo bacteriano, cria um ambiente favorável ao desenvolvimento de doenças como a gengivite e periodontite15.

Estudos experimentais em animais também sugerem que altos níveis de testosterona podem influenciar na perda óssea periodontal, com efeitos potencialmente moduladores sobre a inflamação oral preexistente. Isso aponta uma grande importância de monitorar os níveis hormonais em pacientes com histórico de uso de esteroides anabolizantes para cunho preventivo de complicações periodontais graves15.

Vale ressaltar que a conscientização sobre as consequências bucais do uso de EAA é insuficiente, tanto por parte dos usuários quanto dos profissionais de saúde. Isso destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar no tratamento de indivíduos que fazem uso de anabolizantes, incluindo a educação sobre os riscos à saúde bucal e a necessidade de um acompanhamento odontológico preventivo e constante6.

Por fim, é crucial destacar que o uso prolongado de EAA está fortemente associado a uma pior saúde bucal geral, ressaltando a necessidade de maior conscientização sobre os riscos bucais e de uma abordagem preventiva para atletas e usuários dessas substâncias, visto que um dos estudos citou as poucas idas ao dentista por parte dos usuários de anabolizantes6,16. Além disso, os EAA podem interferir na cicatrização de tecidos gengivais, tornando o tratamento de doenças periodontais mais desafiador e comprometendo o prognóstico a longo prazo13,16.

Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de maior conscientização sobre os riscos bucais associados ao uso de anabolizantes, especialmente entre atletas e fisiculturistas, que muitas vezes priorizam resultados estéticos em detrimento da saúde geral, subestimando a importância de um acompanhamento odontológico contínuo. Isso reflete a urgência de campanhas educativas que promovam a saúde integral desses indivíduos, destacando que os benefícios estéticos alcançados a curto prazo podem ser suprimidos por danos significativos à saúde geral e bucal a longo prazo6,16.

8  CONCLUSÃO

Diante ao exposto neste estudo, conclui-se que o uso indiscriminado de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) pode causar sérios danos à saúde bucal, incluindo um aumento na predisposição a doenças periodontais, alterações na microbiota oral e intensificação das respostas inflamatórias nos tecidos gengivais. Esses fatores não apenas agravam as condições já existentes, como também podem levar ao comprometimento da saúde oral a longo prazo. Portanto, a conscientização sobre os efeitos adversos e o acompanhamento odontológico contínuo preventivo são essenciais para prevenir tais danos. Por fim, destaca-se a importância de uma abordagem multidisciplinar, integrando a saúde bucal e sistêmica no cuidado dos pacientes que fazem uso dessas substâncias.

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