REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202502201640
Samuel Cavalcante Xavier( Xavier SC)
Ludmila Inácio de Lima Uchôa (Uchoa LIL)
1. RESUMO
As encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento (DEE) representam um conjunto de síndromes neurológicas graves caracterizadas por crises epilépticas frequentes e refratárias, geralmente associadas a atraso ou regressão no desenvolvimento neuropsicomotor, além de comprometimento cognitivo e comportamental. A maioria é de etiologia genética, justificando abordagem diagnóstica precoce e abordagem terapêutica rápida, assertiva e multidisciplinar.
O pediatra geral desempenha um papel importante na identificação inicial das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento. Podendo atuar na abordagem da descompensação de crises, na identificação e manejo do estado de mal epiléptico, na diferenciação dos eventos paroxísticos, na solicitação de exames complementares, no tratamento inicial, no encaminhamento para o especialista, além de ser responsável pelo suporte psíquico às famílias.
Esta revisão tem como objetivo fornecer uma abordagem sistemática e prática para o pediatra geral, abordando a classificação das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento, os principais tipos na infância, os métodos diagnósticos, as estratégias terapêuticas iniciais e as diretrizes atuais que orientam o manejo dessas síndromes. Além disso, serão abordadas as complicações mais frequentes, incluindo o risco de status epilépticus e o impacto no neurodesenvolvimento, assim como as estratégias de suporte psicossocial e educacional para o paciente e sua família.
Palavras-chave: Encefalopatias Epilépticas e do Desenvolvimento, Epilepsia Farmacorresistente, Diagnóstico Pediátrico, Tratamento Multidisciplinar, Educação Continuada.
2. METODOLOGIA
O presente estudo consiste em uma revisão narrativa da literatura, com o objetivo de reunir e analisar as evidências científicas mais relevantes sobre o manejo das encefalopatias epilépticas na prática pediátrica geral. Foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed, SciELO, LILACS e Google Scholar, utilizando os descritores “encefalopatias epilépticas”, “encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento”, “epilepsia farmacorresistente”, “diagnóstico pediátrico” e “tratamento multidisciplinar”.
Além dos artigos científicos, foram consultadas diretrizes publicadas por sociedades médicas, incluindo a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Os critérios de inclusão envolveram revisões sistemáticas, estudos clínicos e diretrizes publicadas entre 2013 e 2024. Foram excluídos estudos de casos isolados e revisões sem relevância clínica.
3. INTRODUÇÃO
As encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento (DEEs) são entidades neurológicas graves em que a atividade epiléptica é tão intensa que contribui para um quadro de comprometimento cognitivo e comportamental (com deterioração progressiva do neurodesenvolvimento), resistência aos fármacos anticrises (FACs) e na sua grande maioria, de etiologia genética.
O pediatra geralmente é o primeiro profissional a atender crianças com suspeita dessas condições e, por isso, tem um papel relevante na sua identificação precoce. Além do reconhecimento dos sinais clínicos sugestivos, cabe a este profissional conduzir a investigação inicial, encaminhar adequadamente para o neuropediatra e orientar a família sobre a evolução da doença e as possibilidades terapêuticas disponíveis.
4. OBJETIVO
O presente estudo tem como objetivo revisar as principais encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento da infância, abordando sua classificação, manifestações clínicas e diagnóstico, além das estratégias de tratamento multidisciplinar, manejo medicamentoso e suporte educacional e psicossocial.
5. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS ENCEFALOPATIAS EPILÉPTICAS E DO DESENVOLVIMENTO (DEE)
A definição, segundo a proposta de classificação da ILAE 2017, é um termo destinado a epilepsia associada a um prejuízo no neurodesenvolvimento, tanto pela sua causa básica, quanto pela atividade epiléptica. Na maioria dos casos inicia-se precocemente, nos primeiros anos de vida. Estima-se que a incidência de DEE seja de 0,1 a 4,3 por 10000 nascidos vivos na faixa etária infantil até faixa escolar, variando de acordo com cada síndrome epiléptica.
A classificação das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento tem sido continuamente aprimorada pela Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE), a fim de refletir melhor a heterogeneidade dessas síndromes. Atualmente, essas encefalopatias podem ser classificadas com base em três critérios principais: o tipo de crise epiléptica predominante, a etiologia subjacente e os padrões eletroencefalográficos característicos. São elas:
Síndrome | Genes Associados |
Síndrome de Ohtahara | STXBP1, KCNQ2, SCN2A, AARS, ARX, BRAT1, CACA2D, GNAO1, KCNT1, PIGA, PIGQ, SCN8A, SLC25A22 |
Encefalopatia mioclônica neonatal | ERBB4, PIGA, SETBP1, SLC25A22 |
Epilepsia focal migratória maligna | SLC25A22, TBC1D24, STXBP1, CDKL5, PLCB1, PCHD19, POLG1, SCN1A, SCN2A, SLC2A1, KCNT1 |
Encefalopatia mioclônica precoce e neonatal | ARX, CDKL5, SLC25A22, SLC2A1, POLG1, CHD2, STXBP1 |
EEI precoce | STXBP1, ARX, SPTAN1, SLC25A22, PLCB1, MAGI2, PNKP, KCNQ2, SLC2A1, POLG1, SCN2, SCN3A, SCN8A, PNPO, CHD2, GRIN2A, SLC25A12, ARHGEF9, KCNT1 |
Síndrome de West | STXBP1, ARX, CDKL5, FOXG1, SPTAN1, SLC25A22, PLCB1, MAGI2, PNKP, KCNQ2, SLC2A1, POLG1, AGC1, PNPO, SCN1A, SCN2A, SCN8A, KCND2, CHD2, HCN1, GRIN2A, GRIN2B |
Síndrome de Dravet | SCN1A, PCHD19, SCN1B, SCN2A, STXBP1, GABRG2, GABRB3, GABRA1, SCN9A |
Espectro da síndrome de Rett | CDKL5, MECP2, FOCG1, UBE3A, STXBP1 |
Síndrome de Lennox-Gastaut | CACNA1A, CDKL5, CHD2, GABRB3, GRIN2B, KCNQ3, SCN1A, SCN2A, SCN8A, STXBP1 |
Complexo autismo-epilepsia | ARX, CDKL5, MECP2, FOXG1, SCN1A, PCHD19, UBE3A, KCND2, AGC1, ARHGEF9, STXBP1 |
Espectro da síndrome de Angelman | UBE3A, CDKL5, TC4 |
Encefalopatia epiléptica discinética | ARX, MECP2, FOXG1, STXBP1, PNPO, SCN1A, TBC1D24, KCNQ2, SLC2A1, POLG1, PRRT2 |
As encefalopatias epilépticas podem se manifestar com crises focais, generalizadas ou de origem desconhecida. O diagnóstico diferencial entre os diferentes tipos de encefalopatia epiléptica é baseado na idade de início das crises, na evolução do quadro clínico e nos achados de exames complementares, especialmente o eletroencefalograma (EEG), ressonância magnética de crânio e diagnóstico genético.
Entre as principais síndromes epilépticas da infância, destacam-se a DEE precoce do lactente (epilepsia mioclônica precoce e síndrome de Ohtahara), a epilepsia do lactente com crises migratórias, a Síndrome dos Espasmos Epilépticos Infantis, a síndrome de Dravet, a Síndrome de Lennox-Gastaut, a Epilepsia Mioclônica Atônica (Síndrome de Doose), POCS( ponta-onda contínua do sono) e Landau-Klefner.
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6. ETIOLOGIA
A etiologia das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento é na sua maioria de origem genética. A sua identificação é fundamental para guiar o tratamento e prever a evolução da doença.
As causas genéticas representam uma parcela significativa das encefalopatias epilépticas, especialmente aquelas associadas a mutações em genes relacionados à regulação da excitabilidade neuronal. Entre os principais genes envolvidos, destaca-se o SCN1A, associado à Síndrome de Dravet, que codifica subunidades dos canais de sódio dependentes de voltagem. Outras mutações frequentes incluem o CDKL5, STBX, relacionado a encefalopatias epilépticas precoces com atraso neuropsicomotor grave, e o PCDH19, que está associado a crises epilépticas de difícil controle em meninas, devido à sua herança ligada ao cromossomo X. A realização de testes genéticos é particularmente indicada quando não há lesão estrutural evidente.
Seguem os genes mais relatados associados às DEEs
Gene | Fenótipos Associados |
ARX | Sd de Ohtahara, sd de West, encefalopatia mioclônica, encefalopatia epiléptica discinética |
CDKL5 | Espectro da sd de Rett, EEI precoce, sd de West, epilepsia focal migratória maligna, espectro da sd de Angelman, sd de Lennox-Gastaut |
SLC25A22 | EEI precoce, sd de Ohtahara, epilepsia focal migratória maligna |
STXBP1 | Sd de Ohtahara, encefalopatia mioclônica, EEI precoce, sd de West, epilepsia focal migratória maligna, sd de Dravet, espectro da sd de Rett, sd de Doose, sd de Lennox-Gastaut |
SPTAN1 | Sd de West, EEI precoce |
PLCB1 | EEI precoce, sd de West, epilepsia focal migratória maligna |
MAGI2 | EEI precoce, sd de West |
PNKP | Sd de Ohtahara, sd de West |
PIGA | Sd de Ohtahara, EEI precoce |
DEPDC5 | Displasia cortical, sd de West |
KCNQ2 | EEI precoce e neonatal, epilepsia neonatal benigna |
TBC1D24 | EEI precoce, epilepsia focal migratória maligna, encefalopatia mioclônica |
MECP2 | Sd de Rett |
SLC25A12 | Sd de West, EEI precoce |
PRRT2 | Epilepsia focal migratória maligna |
CHD2 | EEI precoce, epilepsia mioclônica, sd de Lennox-Gastaut |
QARS | EEI precoce |
KCND2 | EEI precoce |
PNPO | EEI neonatal |
SCN1A | Sd de Dravet, epilepsia generalizada com convulsões febris-plus, epilepsia focal migratória maligna |
SCN1B | Sd de Dravet, epilepsia focal criptogênica, epilepsia generalizada com convulsões febris-plus |
SCN2A | Sd de Dravet, epilepsia focal criptogênica, epilepsia generalizada com convulsões febris-plus, epilepsia focal migratória maligna, sd de Lennox-Gastaut |
SCN3A | EEI precoce, epilepsia focal criptogênica |
SCN8A | EEI precoce |
SCN9A | Espectro da sd de Dravet, epilepsia generalizada com convulsões febris-plus |
PCHD19 | Espectro da sd de Dravet, epilepsia com atraso cognitivo na mulher, epilepsia focal migratória maligna |
GABRA1 | Espectro da sd de Dravet |
GABRG2 | Espectro da sd de Dravet, complexo autismo-epilepsia |
POLG1 | Doença de Alpers, EEI precoce, epilepsia focal migratória maligna |
UBE3A | Sd de Angelman |
FOXG1 | Espectro da sd de Rett |
SLC2A1 | Deficiência de GLUT-1, epilepsia de ausências precoce e refratária, Sd de West, sd de Doose, encefalopatia mioclônica |
ARHGEF9 | EEI precoce, complexo autismo-epilepsia |
GRIN2A | Sd de West, sd de Landau-Kleffner |
GRIN2B | Sd de West, epilepsia focal migratória maligna, sd Lennox-Gastaut |
KCNT1 | Epilepsia focal migratória maligna, EEI precoce, epilepsia familiar noturna do lobo frontal |
As anormalidades estruturais são outra causa importante e podem estar presentes desde o nascimento ou serem adquiridas posteriormente. Malformações do desenvolvimento cortical, como lisencefalia, polimicrogiria e displasia cortical focal, frequentemente resultam em epilepsias refratárias. Outras condições incluem esclerose tuberosa, que está fortemente associada à Síndrome dos Espasmos Infantis e sequelas de hipóxia perinatal, que podem levar a epilepsias graves na infância. A ressonância magnética de crânio tem papel fundamental na detecção dessas alterações estruturais.
Distúrbios metabólicos também podem desencadear encefalopatias epilépticas, especialmente os erros inatos do metabolismo, como a deficiência de GLUT1, em que há um defeito no transporte de glicose para o sistema nervoso central, tornando a dieta cetogênica uma estratégia terapêutica eficaz. Outras condições incluem doenças mitocondriais, como a Síndrome de Leigh, e desordens do metabolismo de neurotransmissores. Nestes casos, a avaliação laboratorial deve incluir exames como lactato, amônia, aminoácidos plasmáticos e ácidos orgânicos urinários, além de ressonância com espectroscopia (pico de lactato é observado nas mitocondriopatias).
Por fim, os fatores ambientais e adquiridos desempenham um papel relevante, principalmente em países de baixa e média renda. Infecções congênitas, como as causadas pelo complexo TORCHSZ (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes, Sífilis e Zika virus), podem resultar em lesões cerebrais estruturais e predispor a epilepsia grave. Além disso, encefalites pós-natais, principalmente de origem autoimune, podem desencadear crises epilépticas persistentes. A hipóxia perinatal e o trauma cranioencefálico também são causas frequentes e podem resultar em lesões neurológicas irreversíveis.
7. QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento são variadas e dependem da idade de início, do tipo de crise epiléptica predominante e do envolvimento de outras áreas do desenvolvimento neurológico. O comprometimento cognitivo e motor é uma característica marcante dessas síndromes, muitas vezes precedendo ou acompanhando o surgimento das crises epilépticas.
O atraso no neurodesenvolvimento é outro achado clínico central. Em muitas síndromes, como na Síndrome de Lennox-Gastaut e na Epilepsia Mioclônica Atônica, a evolução natural da doença leva a comprometimento intelectual severo, com perda progressiva de habilidades motoras e de linguagem. Pacientes com Síndrome de Dravet, por exemplo, podem inicialmente apresentar um desenvolvimento normal, mas sofrem declínio cognitivo após o início das crises epilépticas prolongadas e farmacorresistentes.
Os distúrbios de comportamento e a regressão cognitiva são particularmente evidentes em síndromes associadas à epilepsia contínua durante o sono, como a Síndrome de Landau-Kleffner e a Epilepsia com Ponta-Onda Contínua Durante o Sono (ESES/CSWS). Nessas condições, há uma interrupção do processo de aquisição da linguagem e da interação social, podendo levar a um quadro que mimetiza o transtorno do espectro autista. A agressividade e a impulsividade também são comuns, exigindo um manejo comportamental especializado.
O diagnóstico diferencial entre essas síndromes é essencial para direcionar o tratamento de forma adequada. A correta caracterização do quadro clínico e dos achados eletroencefalográficos permite uma abordagem terapêutica mais específica, com impacto direto no prognóstico do paciente.
A etiologia é importante para guiar a terapêutica. Por exemplo, evitar fármacos bloqueadores de canais de sódio (fenitoina, carbamazepina, oxcarbazepina, lamotrigina e lacosamida) na Síndrome de Dravet. O uso de quinidina é indicado nas crises focais migratórias por KCNT1 e o uso de cannabidiol na síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet, entre outras DEEs.
Encefalopatia Mioclônico Precoce
É caracterizada por início neonatal de crises mioclônicas, de padrão errático, crises focais e crises tônicas. Ocorre atraso no desenvolvimento e crises farmacorresistentes. O eletroencefalograma tem padrão de surto-supressão O prognóstico é ruim. Deve-se investigar erros inatos do metabolismo (hiperglicinemia não-cetótica, acidemias orgânicas e deficiência de co-factor de molibdénio. Foram reportados raros casos por variantes patogénicas envolvendo o gene SLC25A22. A dieta cetogênica pode ser uma alternativa.
Síndrome de Ohtahara
É caracterizada por crises neonatais, tipo tônicas, com padrão de surto-supressão no eletroencefalograma. Normalmente associada a malformação do Sistema Nervoso Central, erros inatos do metabolismo e anomalias genéticas. A maioria evolui para síndrome dos espasmos epilépticos infantis. Vários genes têm sido associados, nomeadamente STXBP1, ARX, SLC24A22 e KCNQ2.
Epilepsia focal migratória
Inicia nos primeiros 6 meses de vida, tanto em meninas quanto em meninos. São crises focais motoras ora de um lado, ora do outro. Evolução para estado de mal epiléptico é comum. O Eletroencefalograma é multifocal. As crises são farmacorresistentes. Canabidiol e dieta cetogênica são opções terapêuticas. Ocorre atraso do neurodesenvolvimento, hipotonia, perda visual e microcefalia. Maioria por mutação genética (70%), sendo metade por mutação no gene KCNT1. A fenitoína pode ser uma opção.
A Síndrome dos espasmos infantis
Anteriormente chamada de WEST é uma das encefalopatias epilépticas mais conhecidas, ocorrendo entre 4 meses a 10 meses e se caracteriza por espasmos epilépticos em série, ao acordar ou adormecer com padrão eletroencefalográfico de hipsarritmia e regressão neuropsicomotora. Muitas vezes é confundida pelo pediatra por cólicas ou refluxo gastroesofágico. Seu tratamento consiste de corticosteroides (pelo protocolo de UKISS) ou ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) e/ou associação com vigabatrina. A vigabatrina é a primeira opção no quadro de esclerose tuberosa. Topiramato, levetiracetam e nitrazepam também podem ser usados. A dieta cetogênica pode ajudar no controle dos espasmos. Seu tratamento é uma emergência neurológica.
A Síndrome de Lennox-Gastaut
Manifesta geralmente entre 3 e 5 anos de idade e é caracterizada por múltiplos tipos de crises epilépticas (tônicas, atônicas, tonico-clônicas bilaterais, focais, ausência e mioclônicas) e um comprometimento cognitivo progressivo, além de um padrão eletroencefalográfico típico de ponta-onda lenta generalizado, menor que 2,5 Hz . O tratamento dessa síndrome costuma ser desafiador, sendo valproato, clobazam e topiramato os fármacos mais utilizados, além da possibilidade de terapias adjuvantes, como canabidiol, dieta cetogênica e estimulação do nervo vago (VNS).
Síndrome de Dravet
É uma epilepsia mioclônico severa, de início precoce, frequentemente associada a mutações no gene SCN1A. Outros genes podem estar associados: SCN1B, GABRG2 e HCN1.A doença se inicia com crises febris prolongadas nos primeiros meses de vida, evoluindo para um quadro de epilepsia farmacorresistente, ataxia progressiva e deficiência intelectual. As crises podem ser tonico-clônicas, hemiclônicas, mioclônicas, ausência e focais. Pode haver fotossensibilidade. O manejo inclui o uso de valproato, clobazam, estiripentol, fenfluramina e canabidiol, enquanto fármacos como carbamazepina e lamotrigina devem ser evitados, pois podem agravar as crises mioclonicas. Outros genes descritos em pacientes com síndrome Dravet-like incluem o PCHD19, GABRA1 e GABRG2.
Epilepsia Mioclônica Atônica
Anteriormente denominada de Síndrome de Doose é caracterizada por crises ou mioclônico-atônicas recorrentes, entre 7 meses a 8 anos, que frequentemente levam a quedas abruptas e traumas. Evolução frequente para estado de mal epiléptico. A presença de ritmos teta biparietais monomórficos são característicos no EEG. São observadas anormalidades interictais compostas por complexos generalizados de ponta e onda de 2 a 6 Hz ou complexos poliespícula-onda que ocorrem frequentemente em surtos com duração de 2 a 6s Seu tratamento pode incluir o uso de valproato de sódio e clobazam/clonazepam e etosuximida, mas muitos pacientes apresentam melhor resposta com a dieta cetogênica precoce.
POCS
A ponta-onda contínua do sono caracteriza-se por apresentar atividade epiléptica no sono em mais de 85% do traçado, em pacientes previamente com epilepsia. Ocorre entre 2 e 12 anos. Apresenta-se com deterioração cognitiva e distúrbio do comportamento. O tratamento consiste no uso de valproato de sódio, levetiracetam, benzodiazepínicos, corticoterapia. Alguns casos de epilepsia autolimitada na infância podem evoluir com este padrão após uso de carbamazepina.
Síndrome de Landau-Kleffner
É uma síndrome epiléptica rara que cursa com crises epilépticas associadas a perda da fala: “afasia adquirida” e distúrbio de comportamento. Inicia entre 2 e 8 anos, em crianças previamente hígidas, primeiramente com agnosia auditiva e evolução para afasia. No sono ocorre POCS. O EEG mostra descargas de ondas agudas em regiões temporais média e posterior esquerda. O tratamento de escolha é corticoterapia. Nem sempre há melhora da disfasia.
8. DIAGNÓSTICO: O PAPEL DO PEDIATRA GERAL
O diagnóstico das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento exige uma abordagem sistemática que envolve a correlação entre dados clínicos, exames eletrofisiológicos e neuroimagem. O pediatra geral tem um papel fundamental no reconhecimento precoce dessas condições, na solicitação de exames iniciais e no encaminhamento adequado para o neuropediatra. Além de ser o primeiro médico a ter contato com a criança, o mesmo é quem cuidará destas crianças que frequentemente ficarão internadas, seja por descompensação de crises, seja por infecções.
A anamnese detalhada (gravidez, parto e periparto) é o primeiro passo para a suspeita diagnóstica, devendo incluir a idade de início das crises, a sua evolução ao longo do tempo, os fatores desencadeantes e o impacto no desenvolvimento da criança. A presença de regressão neuropsicomotora é um fator de alerta importante, pois indica que as crises epilépticas podem estar interferindo no funcionamento cerebral normal.
O exame físico e neurológico deve avaliar o alerta, o tônus muscular, os reflexos, a marcha ( quando existente) e a presença de anormalidades congênitas ou dismorfismos, que podem sugerir síndromes genéticas associadas à epilepsia. Sinais como hipotonia persistente, espasticidade e dificuldades na coordenação motora podem indicar um comprometimento neurológico mais grave.
O liquor na deficiência de GLUT-1 é bem específico: a relação glicose no líquor/glicose no sangue é anormalmente baixa, menor que 0,4.
O eletroencefalograma (EEG) ou videoeletroencefalograma é o exame complementar mais importante para a identificação das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento. Cada síndrome apresenta um padrão característico, sendo essencial para o diagnóstico diferencial. Na Síndrome dos espasmos epilépticos, por exemplo, o EEG mostra hipsarritmia, um padrão caótico de ondas lentas e pontas de alta voltagem, com descargas multifocais. Já na Síndrome de Lennox-Gastaut, observa-se um padrão de ponta-onda lenta (<2,5 Hz), enquanto na Síndrome de Dravet há descargas generalizadas e anormalidades multifocais.
A ressonância magnética de crânio é outro exame essencial para a investigação de encefalopatias epilépticas, especialmente naquelas com suspeita de causa estrutural. Esse exame permite identificar displasias corticais, esclerose tuberosa, lesões hipóxico-isquêmicas e outras malformações que possam estar associadas à epilepsia refratária. A ressonância deve ser realizada com protocolos específicos para epilepsia, garantindo maior sensibilidade na detecção de alterações sutis.
Os testes genéticos e metabólicos têm um papel crescente na investigação etiológica das encefalopatias epilépticas. O sequenciamento genético pode identificar mutações patogênicas em genes como SCN1A (Síndrome de Dravet), CDKL5 (encefalopatia epiléptica precoce) e PCDH19 (epilepsia ligada ao X). Já os testes metabólicos são indicados quando há suspeita de erros inatos do metabolismo, como deficiência de GLUT1 ou doenças mitocondriais, e incluem a dosagem de lactato, amônia e ácidos orgânicos urinários.
O encaminhamento ao neuropediatra deve ser feito de forma precoce quando há crises epilépticas de difícil controle, regressão neuropsicomotora ou achados eletroencefalográficos típicos de encefalopatia epiléptica. A rápida intervenção pode evitar complicações, melhorar a resposta terapêutica e proporcionar um melhor prognóstico para a criança.
9. MANEJO INICIAL E SEGUIMENTO PELO PEDIATRA
O tratamento das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento é multidisciplinar e envolve terapia medicamentosa, intervenções dietéticas, suporte educacional e reabilitação neuropsicomotora. O pediatra tem um papel fundamental na orientação dos pais sobre a doença, na monitorização da resposta ao tratamento e na coordenação da equipe multiprofissional envolvida no cuidado da criança, no prognóstico, na reabilitação precoce e até nos cuidados paliativos.
O uso de fármacos anticrises (FACs) deve ser individualizado de acordo com a síndrome epiléptica e a resposta ao tratamento.
A dieta cetogênica tem sido uma abordagem terapêutica eficaz para casos de epilepsia farmacorresistente, especialmente na Epilepsia Mioclônica Atônica (Síndrome de Doose), na síndrome de Dravet e na Deficiência de GLUT1. Essa dieta, rica em gorduras e pobre em carboidratos, induz a produção de corpos cetônicos, que possuem propriedades anticonvulsivantes. O sucesso dessa intervenção depende de um acompanhamento nutricional rigoroso, devido ao risco de efeitos adversos.
O canabidiol vem sendo bastante utilizado no tratamento alternativo das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento com respostas variadas. Cientificamente comprovado na síndrome de Dravet e na síndrome de Lennox-Gastaut.
O estimulador de nervo vago, um tipo de neuromodulação também pode ser utilizado em casos refratários e não-cirúrgicos.
Toda criança com epilepsia farmacorresistente deve ser encaminhada a um centro de referência em epilepsia.
Além do controle das crises epilépticas, a abordagem terapêutica deve incluir suporte educacional e psicológico para minimizar os impactos da doença no desenvolvimento da criança. A fonoaudiologia pode ser essencial para melhorar a comunicação em pacientes com transtornos da linguagem, enquanto a terapia ocupacional e a fisioterapia ajudam na reabilitação motora e no desenvolvimento da autonomia. A inclusão escolar e o suporte pedagógico especializado são fundamentais para garantir que essas crianças tenham acesso a uma educação adaptada às suas necessidades.
O aconselhamento genético é indicado, principalmente quando a família deseja outros filhos ou quando há padrão de herança familiar.
A importância do seguimento multidisciplinar não pode ser subestimada. O acompanhamento deve envolver não apenas o neuropediatra, mas também profissionais de reabilitação e apoio psicossocial, garantindo uma abordagem integral. O pediatra geral deve atuar como um coordenador desse cuidado, garantindo que todas as especialidades estejam alinhadas para oferecer a melhor assistência possível.
10. COMPLICAÇÕES E PROGNÓSTICO
As complicações das encefalopatias epilépticas variam conforme a gravidade da doença e a eficácia do tratamento. O status epiléptico é uma das complicações mais temidas, caracterizando-se por crises prolongadas que podem levar a lesão cerebral permanente. Esse quadro é particularmente comum em pacientes com epilepsias farmacorresistentes, exigindo seu pronto reconhecimento e tratamento emergencial intra-hospitalar.
O prognóstico das encefalopatias epilépticas é extremamente variável. Enquanto algumas condições, como a Epilepsia Mioclônica Atônica, podem apresentar boa resposta ao tratamento dietético, outras, como a Síndrome de Lennox-Gastaut, frequentemente resultam em déficit cognitivo grave e dependência funcional ao longo da vida. A identificação precoce da síndrome, o controle efetivo das crises e a implementação de terapias complementares são fatores que podem influenciar positivamente na qualidade de vida desses pacientes.
O impacto na família é significativo, pois a necessidade de acompanhamento contínuo e o risco de complicações graves geram um alto nível de estresse nos cuidadores. O pediatra tem um papel essencial na orientação e no suporte às famílias, fornecendo informações sobre a evolução da doença, tratando as comorbidades e encaminhando para grupos de apoio e serviços de assistência social quando necessário.
11. RECOMENDAÇÕES ATUAIS E DIRETRIZES
As diretrizes internacionais para o manejo das encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento recomendam uma abordagem baseada em evidências e na individualização do tratamento. A Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) fornece diretrizes detalhadas sobre o diagnóstico e a escolha de fármacos, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza a necessidade de acesso equitativo a tratamentos eficazes e suporte multidisciplinar.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Ministério da Saúde publicaram protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT) para epilepsia, que orientam a conduta na atenção primária e especializada. Além disso, estratégias de educação continuada para pediatras são fundamentais para manter os profissionais atualizados sobre novas terapias e avanços na abordagem dessas condições. Como exemplo, a LBE (Liga Brasileira de Epilepsia) fornece o PET ( Paediatric Epilepsy Training) para todos que atendem pacientes portadores de epilepsia.
12. CONCLUSÃO
As encefalopatias epilépticas e do desenvolvimento representam um grande desafio no contexto pediátrico, exigindo diagnóstico precoce, manejo multidisciplinar e suporte contínuo às famílias. O pediatra geral desempenha um papel essencial nesse processo, sendo responsável pela suspeição diagnóstica, pelo encaminhamento precoce ao neuropediatra e pelo acompanhamento clínico da criança. A atualização constante dos profissionais de saúde e a implementação de protocolos bem estabelecidos são fundamentais para otimizar os desfechos clínicos e melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
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