O CUIDADO EM SAÚDE DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

HEATH CARE FOR THE HOMELESS POPULATION: EXPERIENCE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202502111647


Rosalia Souza Gomes1
Thaís Costa Nunes2
Josenalva Pereira da Silva Sales3
Ricardo Saraiva Aguiar3


Resumo

O presente artigo tem o objetivo de relatar o contexto de atuação de uma equipe de Consultório na Rua quanto às práticas de cuidados relacionados à vulnerabilidade social e aos desafios para o cuidado integral. Para isso, realizou-se um estudo exploratório e de natureza qualitativa fundamentado no relato de experiência de duas residentes de Enfermagem do Programa Multiprofissional em Atenção Básica. O mapeamento do território realizado pela equipe de saúde é uma etapa fundamental para a identificação da população em situação. A construção do vínculo com o usuário para a oferta de um cuidado integral e continuado é um dos maiores desafios, pois dificilmente acontece em um primeiro encontro, sendo necessários diversos momentos para sua efetivação. Após a construção do vínculo, o cadastramento e o registro dos atendimentos são estratégias importantes para garantir o cuidado individualizado e direcionado para as singularidades de cada indivíduo. Evidencia-se, portanto, a importância de discussões contínuas sobre as potencialidades e desafios do trabalho desenvolvido por equipes de Consultório na Rua com a finalidade de compartilhamento das práticas e garantia de direito de acesso à saúde para as pessoas em situação de rua.

Palavras-chave: Pessoas em Situação de Rua; Atenção Primária à Saúde; Vulnerabilidade em Saúde. 

Abstract

This article aims to report on the operational context of the Street Clinic team regarding care practices related to social vulnerability and the challenges for comprehensive care. To achieve this, an exploratory and qualitative study was conducted based on the experience reports of two nursing residents from the multiprofessional program in primary care. Territory mapping carried out by the health team is a fundamental step for identifying the population in need. Building a blond with the user to provide comprehensive and continuous care is one of the greatest challenges, as it rarely happens in a first encounter, requiring several moments for its realization. After building the bond, enrollment and recording of consultations are important strategies to ensure individualized care tailored to everyone’s unique needs. Therefore, the importance of ongoing discussions about the strengths and challenges of the work carried out by Street Clinic teams is highlighted, aiming to share practices and ensure the right of access to health care for people experiencing homelessness.  

Keywords: Ill-Housed Persons; Primary Health Care; Health Vulnerability.

1. INTRODUÇÃO

A população em situação de rua (PSR) é heterogênea e é caracterizada por àqueles que têm nas áreas públicas ou degradadas sua moradia temporária ou permanente, podendo ainda fazer uso de unidades de acolhimento para passar a noite ou como moradia provisória (KOOPMANS et al., 2019).

Dados nacionais obtidos a partir do primeiro censo populacional realizado de forma específica para a PSR em 2008 identificou a existência de 31.922 pessoas maiores de 18 anos vivendo nas ruas. Dessas, em sua maioria são homens, negros e com idade entre 25 e 44 anos. Em 2015, a partir de outro estudo nacional realizado de forma mais ampla, foi estimada a existência de 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil (COUTO et al., 2021; ALECRIM et al., 2022).

No Distrito Federal (DF), a Companhia de Planejamento (CODEPLAN) através de pesquisa censitária realizada em 2022, identificou a presença 2.938 pessoas em situação de rua com uma predominância masculina, heterossexual e negra, corroborando com os dados nacionais. Em sua maioria, são migrantes internos do próprio DF e apresentam idade majoritariamente entre 18 e 39 anos. Entre as principais formas para obtenção de renda, a coleta de materiais recicláveis é a predominante, tendo ainda o cuidado ou lavagem de carros, a venda de produtos e a mendicância como outras formas de obtenção de renda (DISTRITO FEDERAL, 2022).
Na rua, os determinantes sociais de saúde, que abrangem fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, de gênero, psicológicos e comportamentais, estão diretamente associados às causas de enfermidades e, por consequência, apresentam-se como fatores de risco para esta população. Desse modo, a PSR é singular e precisa ser contextualizada conforme o território em que está inserida, tendo em vista a complexidade do contexto de vida e de saúde para a viabilidade da garantia de equidade e do direito à cidadania a essa população (GOMES et al., 2022; PAULA et al., 2018; KOOPMANS et al., 2019).

Contudo, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde por essa população é frequente, tendo os quadros agudizados como a sua principal forma de entrada nos serviços públicos de saúde. Quando comparada a população geral, a PSR está mais suscetível a doenças infectocontagiosas, como a tuberculose que é descrita como até 56 vezes mais frequente nesse grupo, bem como a infecção por HIV/AIDS. As doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT), os transtornos mentais e o uso abusivo de álcool, tabaco ou outras drogas são também frequentes na PSR (BRASIL, 2019; MACEDO et al., 2021; GOMES et al., 2022). 

Baseado nesse contexto, diversas políticas públicas têm sido implementadas com a finalidade de garantir equidade e cidadania às pessoas em situação de rua. Em 2009, foi instituída a Política Nacional para a PSR a partir do Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro, tendo como princípios o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitário, o atendimento humanizado e universal e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, com especial atenção às pessoas com deficiência (BRASIL, 2009). Em 2011, Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) adicionou um conjunto de novas configurações de equipes e entre elas estabeleceu às equipes de Consultório na Rua (eCR) para a garantia de acesso à saúde à PSR (BRASIL, 2011; SANTOS e ALMEIDA, 2021).

A incorporação da PSR na PNAB de 2011 como público específico e com equipe de saúde direcionada para suas necessidades representa uma tentativa de enfrentar as contradições e complicações de estar na rua em suas dimensões sociais, econômicas, culturais, étnicas, de gênero, psicológicas e comportamentais, tendo ainda uma estreita conexão com instituições que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (BRASIL, 2011; SANTOS e ALMEIDA, 2021). As eCR são de composição multiprofissional e objetivam atender as demandas e necessidades de saúde da PSR, desempenhando suas atividades de forma itinerante e utilizando, sempre que necessário, as instalações das Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos territórios em que atua, bem como nas demais unidades Rede de Atenção à Saúde (RAS)  a partir de articulações e pactuantes locais (BRASIL, 2011; TIMÓTEO et al., 2020).

Diante disso, o setor saúde acaba sendo um componente importante para a garantia de igualdade e equidade; respeito e dignidade ao ser humano; reconhecimento e respeito à vida e à cidadania; atendimento humanizado e universalizado; e respeito às diferenças sociais e de origem,  bem como raça, idade, nacionalidade e gênero (CHAVES JÚNIOR e AGUIAR, 2020).

Portanto, o presente estudo tem por objetivo relatar o contexto de atuação de uma eCR quanto às práticas de cuidados relacionados à vulnerabilidade social e aos desafios para o cuidado integral.

2. METODOLOGIA 

Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa fundamentado no relato de experiência de duas residentes de Enfermagem do Programa Multiprofissional em Atenção Básica, durante estágio estratégico no Consultório na Rua, delimitada em contexto e tempo, associada às reflexões acerca dessa experiência. 

O Relato de experiência é um modo de produzir conhecimento, a partir da vivência acadêmica e/ou profissional cuja principal particularidade é a descrição da vivência, atrelado a isso, são imprescindíveis o embasamento científico e a reflexão crítica na elaboração do estudo. O conhecimento humano está relacionado tanto ao saber institucionalizado quanto ao saber advindo das experiências socioculturais. O registro de experiências por meio da escrita possibilita que a sociedade acesse e tenha a compreensão de diferentes temáticas (MUSSI et al., 2021; CÓRDULA e NASCIMENTO, 2018).

A experiência vivenciada no período de agosto a setembro de 2022 foi realizada no Consultório na Rua da Região de Saúde Leste do DF, que compreende as regiões administrativa do Paranoá, Itapoã, São Sebastião e Jardim Botânico (DISTRITO FEDERAL, 2021).

A população vinculada a eCR da Região de Saúde Leste do DF abrange pessoas nos espaços das ruas, em serviços de acolhimento institucional e comunidades terapêuticas. Atualmente essa população é composta por 511 pessoas. Destas pessoas, 81 se encontram nas ruas, 422 em serviços de acolhimento e 8 em comunidades terapêuticas (DISTRITO FEDERAL, 2021). Contudo, tais dados parecem subestimados, isso porque desde janeiro de 2022, a eCR realizou 101 cadastros apenas no Paranoá.

A eCR acompanhada no estudo é composta por 2 enfermeiros, 1 terapeuta ocupacional e 2 Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Conta ainda com o apoio de residentes das residências multiprofissionais da Fundação Oswaldo Cruz Brasília (FIOCRUZ Brasília) e da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS). 

O estudo foi fundamentado apenas no relato de experiência das residentes e na literatura, não foram realizadas entrevistas, nem relatos de casos específicos que possibilitem a identificação de algum usuário. E os principais benefícios esperados são dar maior visibilidade para o trabalho das eCRs e promover a reflexão acerca dos problemas enfrentados e dificuldades de acesso à saúde vivenciadas pela PSR. 

3. RESULTADOS

Partindo do princípio de que o processo de territorialização é fundamental para a organização SUS e para o reconhecimento dos condicionantes de saúde da população adscrita, torna-se imprescindível que o reconhecimento do território seja o ponto de partida para a reflexão da experiência vivenciada por residentes de Enfermagem junto a eCR. Na rua, o território é fluido, extrapolando os limites da regionalização, sendo fundamental observar as dinâmicas locais, as redes de apoio, os recursos e os riscos oferecidos por cada região, visto que esses são importantes fatores para a sazonalidade dessa população. 

Sendo assim, o mapeamento realizado pela eCR é uma importante ferramenta para identificação da disposição da PSR no território.  A equipe acompanhada foi formada no ano de 2022, e ainda não possui veículo adaptado para translado da equipe e atendimento in loco. Motivo pelo qual a equipe iniciou uma parceria com o Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) para realização de visitas conjuntas, estreitando os laços entre o SUS e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Essa parceria facilitou o reconhecimento do território, e contribuiu para construção de vínculo com os usuários, principalmente em regiões de maior periculosidade e de difícil acesso devido a presença do tráfico e consumo de drogas.

A construção do vínculo com a PSR é o primeiro passo para o cuidado integral e continuado, constituindo um dos maiores desafios. É preciso observar que estamos estabelecendo conexões com indivíduos que em sua maioria possuem um extenso histórico de sofrimento, violação de direitos e exclusão. Portanto, o vínculo depende de persistência e dificilmente acontece no primeiro encontro. 

A grande área de abrangência, a falta de veículo exclusivo e a limitação de dias/turnos para a visitas nas regiões mais distantes torna ainda mais difícil a aproximação com pessoas que ocupam áreas afastadas. No entanto, o vínculo com pessoas que habitam a região em que está localizada a UBS base da eCR é mais eficiente, pela presença constante da equipe nos locais de maior concentração de PSRs e pela facilidade de acesso dessas pessoas a eCR. 

Após a construção do vínculo, o cadastramento e registro dos atendimentos no e-SUS são estratégias importantes para garantir um cuidado continuidade e individualizado, e identificar as principais necessidades de saúde e o perfil populacional, possibilitando o planejamento de estratégias e da oferta de serviços.

Durante os atendimentos da eCR fica evidente a urgência em ser resolutivo para múltiplas demandas possíveis em uma única abordagem, visto que corremos risco da perda da continuidade do cuidado devido à distância, a sazonalidade e a não adesão ao plano de cuidado. Sendo assim, durante os atendimentos de Enfermagem são realizadas: consultas, vacinação, testes rápidos para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), curativos, prescrição e administração de medicações e, quando necessário, são realizados encaminhamentos para especialidades, solicitação de vagas em casas de acolhimento, coleta de exames laboratoriais, consultas compartilhadas com profissionais das Equipes de Saúde da Família (eSF) da UBS e com o Núcleo Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica.  

A crença que irá enfrentar longas esperas afasta a PSR da busca por atendimento. Precisamos considerar que o tempo de espera pode incorrer na perda de atividades necessárias para subsistência, como a distribuição de alimentos por restaurantes comunitários e serviços esporádicos e como vigia e lavagem de carros e auxílio em obras. O desconforto causado pelos olhares julgadores devido à aparência e odores desagradáveis também é um fator a ser considerado. Devido a esses fatores pela criação da eCR ser recente, não é frequente que as demandas espontâneas sejam abundantes em um mesmo período. Entretanto, quando múltiplos usuários buscam atendimento em um mesmo horário, a equipe se divide a fim de minimizar o tempo de espera.  

As demandas da população dentro do território são diversas, exigindo que o enfermeiro desenvolva a busca constante por conhecimento a fim de desenvolver novas habilidades e uma escuta ampla e qualificada. Além das consultas de enfermagem, são atribuições do enfermeiro a supervisão dos ACSs, a previsão e provisão de materiais e insumos para os procedimentos, a realização de reuniões de equipe para planejamento das visitas ao território, discussões de casos e planejamento de ações, a solicitação de exames e encaminhamento para outros sistemas da RAS.

Observa-se na população acompanhada a prevalência de homens jovens e adultos sendo suas principais necessidades de saúde o acompanhamento de DCNT; tratamento de TB e Hanseníase; aconselhamento, testagem e tratamento para ISTs, assim como outras doenças infecciosas; acompanhamento de sofrimentos psíquicos; e de pessoas que realizam o uso abusivo de álcool e outras drogas. À vista disso, faz-se necessário que a equipe planeje ações a fim de estabelecer fluxos de integração com outros serviços da RAS e do SUAS. Para isso, a eCR realiza reuniões inter e intrasetoriais para o estabelecimento de acordos e parcerias. 

Fruto dessas reuniões, conseguiu-se a disponibilização de períodos de atendimento odontológico nas UBSs do território para as PSR; coleta de exames laboratoriais sem agendamentos; articulação com as eSF do território para atendimento compartilhado; inserção pelo Centro de Referência de Assistência Social do nome de usuários na lista para alimentação no Restaurante Comunitário, dando direito a duas marmitas no almoço; discussão de casos com o Centro de Assistência Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) e com Centro de Assistência Psicossocial Adulto do território, esforçando-se para garantir que cuidado integral a  pessoas em sofrimento psíquico ou afetados por questões decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas; conhecimento do fluxo de atendimento da PSR no Centro de Referência Especializado de Assistência Social, para facilitar o fluxo de referência e contrarreferência; visitas conjuntas e discussão de casos com o SEAS. 

Quanto ao uso abusivo de álcool e outras drogas, vista que, a abstinência constitui uma alta exigência, e considerando o contexto social do usuário, é adotada a abordagem de redução de danos, capacitando o usuário a ser o protagonista de sua própria jornada. Para tanto, durante as visitas ao território trabalham-se estratégias como a importância da ingestão de água e alimento durante e nos intervalos do consumo de álcool e outras drogas, assim como, a redução gradativa do consumo, e a substituição por opções que tragam menos malefícios ao usuário. Em situações mais graves e com consentimento do usuário, os casos são encaminhados ao CAPS AD para um cuidado personalizado baseado em suas necessidades.

Logo, torna-se um elemento essencial no processo de cuidado da PSR, a promoção de um cuidado emancipador. Faz-se necessária a desconstrução de preconceitos e do olhar exclusivamente biomédico para essa população, contribuindo para um cuidado participativo.

4. DISCUSSÕES

Durante a experiência no Consultório na rua, observou-se que na realidade das PSR são inúmeras as vulnerabilidades sociais relacionadas ao frequente processo de exclusão social. À vista disso, buscou-se novas configurações de serviços que correspondem ao compromisso do cuidado integral da PSR. Portanto, foi necessária a constituição de políticas públicas, leis, diretrizes e estruturação de serviços que possuíssem práticas de saúde para o atendimento das demandas das PSR. Nesse contexto, a eCR surge como estratégia do SUS para trabalhar de forma dinâmica, por meio da busca ativa das PSR com a finalidade de ofertar assistência baseada em suas necessidades de saúde, livre de preconceitos ou julgamentos (FARIA e SIQUEIRA-BATISTA, 2022; SILVA et al., 2021).

A eCR é constituída por uma equipe itinerante ligada a pelo menos uma UBS e que preconiza a construção de vínculos e a ampliação do acesso das PSR aos serviços de saúde, empregando uma abordagem proativa dialogada com os movimentos e os territórios dos usuários. A eCR como componente da APS, desempenha o mesmo trabalho que os profissionais das UBS, contudo, no local onde a PSR se encontra. Atividades comumente realizadas em ambientes com salas de espera e consultório, são improvisadas em ruas, calçadas e bancos de praça, em conjunto com o movimento constante da cidade e com a falta de privacidade (FARIA e SIQUEIRA-BATISTA, 2022; VARGAS e MACERATA, 2018).

As ações são produzidas na rua ou em instalações específicas e são articuladas a outras equipes da RAS, e às instituições do SUAS dentro do território, entre outras instituições públicas e da sociedade civil. A dinamicidade na rotina da eCR extrapola a lógica de atividades regulares e consultas programadas, sendo flexível e sujeita a eventos imprevisíveis. Os enfermeiros da eCR trabalham de forma inventiva, conhecendo e reconhecendo o território e suas necessidades. A territorialização é essencial para o conhecimento das ruas, praças, pontos de concentração, locais de permanência, abrigo e trabalho. É comum que os grupos se aproximem e se organizem por afinidades; por exemplo, usuários de álcool em geral não se agrupam com usuários de crack, e famílias se unem a outros grupos familiares (FARIA e SIQUEIRA-BATISTA, 2022; SANTOS e ALMEIDA, 2021; ALECRIM et al., 2022).

Ainda, a construção do vínculo se apresenta como uma importante ferramenta do cuidado em saúde. Resultado da escuta qualificada no acolhimento, rompendo com cuidado prescritivo e pontual, tornando-se instrumento de resgate do valor da vida e da saúde, da cidadania, da dignidade, e observando as necessidades de cada indivíduo, favorecendo, assim, o cuidado emancipador (KOOPMANS et al., 2019).

É possível observar na PSR com maior prevalência doenças historicamente estigmatizadas, como a TB, reforçando mecanismos que fomentam a exclusão social. O que resulta em “não aceitação” e preconceito com diagnósticos estigmatizantes, prejudicando a continuidade do tratamento e ocasionando graves consequências para os usuários e para o seu grupo social (BRITO e SILVA, 2022).

Considerando o risco elevado de adoecimento por TB, são realizadas buscas ativa de sintomáticos respiratórios, diagnóstico e tratamento de TB. A coleta de baciloscopia e administração de medicação diretamente observada podem ocorrer nos espaços das ruas. Destaca-se que, quando necessário, também ocorre administração assistida de medicamentos para tratamentos como Hanseníase e antibioticoterapia (ALECRIM et al., 2022).

Ademais, o consumo de álcool e outras drogas por parte das PSR é algo bastante evidente, logo essa temática precisa estar inserida nas estratégias das eCRs. Nesse aspecto, a redução de danos desempenha papel importante na luta por garantia de direitos, visto que possibilita o acesso do indivíduo à saúde e a ferramentas que reduzem os danos provocados pelo uso abusivo de álcool e de outras drogas. A vista disso, salienta-se a importância de profissionais qualificados e com pensamento crítico-reflexivo para reconhecer o contexto em que a PSR está inserida e as singularidades de cada indivíduo. E assim, elaborar planos de cuidado fundamentados na necessidade do usuário (SOARES et al., 2022; TIMÓTEO et al., 2020).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, evidencia-se a importância de discussões contínuas sobre as potencialidades e desafios do trabalho desenvolvido pela eCR, considerando a complexidade de atuar nos territórios e na rua. Destaca-se o papel dos profissionais de saúde como promotores de saúde, facilitadores de acesso ao SUS e defensores dos direitos das PSR por meio de articulações intersetoriais. Assim como, para a promoção de um cuidado humanizado, integral e longitudinal. 

O relato de experiência, e as reflexões relacionadas às experiências vivenciadas configuram uma importante alternativa para compreensão das atividades realizadas por esses profissionais. Entretanto, é importante reconhecer as limitações deste estudo. O estudo foi baseado na vivência exclusiva de duas residentes de Enfermagem em um curto período. Os dados não são estáticos e podem gerar novas percepções quando descritos por outros profissionais e considerando diferentes períodos. Portanto, os resultados deste relato não devem ser generalizados.

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