TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SUA RELAÇÃO COM A EPIGENÉTICA: UMA REVISÃO DOS IMPACTOS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

AUTISM SPECTRUM DISORDER AND ITS RELATIONSHIP WITH EPIGENETICS: A REVIEW OF THE IMPACTS ON CHILD DEVELOPMENT

TRASTORNO DEL ESPECTRO AUTISTA Y SU RELACIÓN CON LA EPIGENÉTICA: UNA REVISIÓN DE LOS IMPACTOS EN EL DESARROLLO INFANTIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202502102015


Carolliny Texeira Neves Oliveira¹; José Pedro Lima Marinho de Andrade²; Lídian Sarah Rocha Vieira Sampaio1; Marco Túlio Silva Jardim¹; Kleber Alves Gomes¹.


RESUMO

Objetivo: Analisar como os mecanismos epigenéticos influenciam o desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na infância e analisar as implicações dessas influências para diagnóstico e abordagens terapêuticas. Métodos: Revisão integrativa da literatura realizada em dezembro de 2024, nas bases de dados PubMed, SCIELO e Acervo+ Index Base. Utilizaram-se os descritores “Transtorno do Espectro Autista”, “Epigenética”, “Herança Multifatorial” e “Desvios do Desenvolvimento Infantil”, combinados pelo operador booleano “AND”. Foram incluídos artigos publicados entre 2014 e 2024, com texto completo disponível em português ou inglês, e excluídos estudos duplicados, incompletos ou fora do período estabelecido. Resultados: A amostra final foi composta por 9 artigos, que indicaram uma relação significativa entre fatores de risco pré, peri e pós-natais e o desenvolvimento do TEA. Destacaram-se fatores como exposição a agrotóxicos, prematuridade, idade avançada dos pais e complicações perinatais. Mecanismos epigenéticos, como metilação do DNA e modificações em histonas, foram associados a alterações no desenvolvimento neurológico. Considerações finais: A epigenética apresenta um papel central na compreensão do TEA, conectando fatores genéticos e ambientais ao desenvolvimento neurológico. Estudos futuros são necessários para aprofundar os mecanismos envolvidos e promover intervenções diagnósticas e terapêuticas personalizadas, contribuindo para a qualidade de vida de crianças afetadas e suas famílias.

Palavras-chave :Transtorno do Espectro Autista, Autismo, Epigenética, Herança Multifatorial e Desvios do Desenvolvimento Infantil.

ABSTRACT

Objective: To analyze how epigenetic mechanisms influence the development of Autism Spectrum Disorder (ASD) in childhood and analyze the implications of these influences for diagnosis and therapeutic approaches. Methods: An integrative literature review conducted in December 2024, using databases such as PubMed, SCIELO, and Acervo+ Index Base. The search utilized descriptors such as “Autism Spectrum Disorder”, “Autistic Disorder”, “Epigenomics”, “Multifactorial Inheritance” e “Developmental Disabilities”, combined with the Boolean operator “AND”. Articles published between 2014 and 2024, with full text available in Portuguese, were included, while duplicated, incomplete, or out-of-period studies were excluded.
Results: The final sample consisted of 9 articles, which indicated a significant relationship between prenatal, perinatal, and postnatal risk factors and the development of ASD. Key factors such as exposure to pesticides, prematurity, advanced parental age, and perinatal complications were highlighted. Epigenetic mechanisms such as DNA methylation and histone modifications were associated with changes in neurological development. Conclusion: Epigenetics plays a central role in understanding ASD by linking genetic and environmental factors to neurological development. Future studies are needed to further explore the mechanisms involved and promote personalized diagnostic and therapeutic interventions, contributing to the quality of life for affected children and their families.

Keywords: Autism Spectrum Disorder, Autistic Disorder, Epigenomics, Multifactorial Inheritance e Developmental Disabilities.

RESUMEN

Objetivo: Investigar cómo los mecanismos epigenéticos influyen en el desarrollo del Trastorno del Espectro Autista (TEA) en la infancia y analizar las implicaciones de estas influencias para el diagnóstico y los enfoques terapéuticos. Métodos: Revisión integrativa de la literatura realizada en diciembre de 2024, en las bases de datos PubMed, SCIELO y Acervo+ Index Base. Se utilizaron los descriptores ” Trastorno del Espectro Autista”, “Trastorno Autístico”, “Epigenómica”, “Herencia Multifactorial” e “Discapacidades del Desarrollo”, combinados con el operador booleano “AND”. Se incluyeron artículos publicados entre 2014 y 2024, con texto completo disponible en portugués, y se excluyeron estudios duplicados, incompletos o fuera del período establecido.
Resultados: La muestra final estuvo compuesta por 9 artículos, los cuales indicaron una relación significativa entre los factores de riesgo prenatales, perinatales y posnatales y el desarrollo del TEA. Se destacaron factores como la exposición a pesticidas, la prematuridad, la edad avanzada de los padres y las complicaciones perinatales. Los mecanismos epigenéticos, como la metilación del ADN y las modificaciones en las histonas, fueron asociados con alteraciones en el desarrollo neurológico.
Conclusión: La epigenética juega un papel central en la comprensión del TEA, vinculando factores genéticos y ambientales con el desarrollo neurológico. Se necesitan futuros estudios para profundizar en los mecanismos involucrados y promover intervenciones diagnósticas y terapéuticas personalizadas, contribuyendo a la calidad de vida de los niños afectados y sus familias.

Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista, Trastorno Autístico, Epigenómica, Herencia Multifactorial e Discapacidades del Desarrollo.

INTRODUÇÃO

O termo “autismo” foi inicialmente utilizado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, em 1910, para descrever um comportamento observado em pacientes esquizofrênicos. No entanto, foi em 1943 que o médico Leo Kanner formulou a ideia do autismo como um “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo”, caracterizando-o pela ausência de contato afetivo com outras pessoas, desejo de manter a rotina, fascínio por objetos e uso da linguagem sem intenção de comunicação. Essas contribuições foram marcos históricos, pois ajudaram a formular critérios diagnósticos e a ampliar o entendimento sobre o autismo, promovendo um maior aprofundamento nas discussões sobre suas causas e tratamentos (EVÊNCIO KMM e FERNANDES GP, 2019).

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) acomete o neurodesenvolvimento e é caracterizado por déficits significativos na comunicação, interação social e pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Essa condição apresenta uma ampla variedade de manifestações e graus de intensidade dos sintomas, que podem variar em níveis de gravidade. Em função dessa diversidade, é considerado um transtorno complexo e que envolve tanto desafios quanto potencialidades, demandando uma abordagem abrangente para sua compreensão e manejo. Além disso, é caracterizado por apresentação de padrões de comportamento que manifestam-se geralmente antes dos três anos de idade (BRASIL, 2015; ASSUMPÇÃO JFB e PIMENTEL ACM, 2000).

O aumento na prevalência do TEA tem gerado grande atenção internacional, com uma prevalência global estimada de 1 em cada 100 crianças. Contudo, essa prevalência pode variar entre os estudos, sendo frequentemente observados números consideravelmente mais elevados. Embora as características do transtorno possam ser detectadas ainda na primeira infância, o diagnóstico costuma ser realizado de forma mais tardia. As necessidades das pessoas afetadas variam e podem evoluir ao longo do tempo. Nesse contexto, enquanto algumas conseguem viver de maneira independente, outras necessitam de cuidados e suporte ao longo de toda a vida. Além disso, indivíduos com a condição frequentemente apresentam comorbidades associadas, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), depressão, epilepsia e ansiedade (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2022).

Nos últimos anos, a epigenética tem se destacado como uma linha de pesquisa para compreender o TEA. Essa área investiga como fatores ambientais e externos podem alterar a expressão dos genes sem modificar a sequência do DNA. Isso ocorre por meio de processos que regulam a ativação e desativação dos genes, com modificações químicas nas moléculas de DNA e nas proteínas associadas, como as histonas. Tais modificações podem ser influenciadas por diversos fatores, incluindo condições ambientais, influenciando o desenvolvimento neurológico e, por conseguinte, o surgimento de condições como autismo (BIRD A, 2007; CHAFFEY N, et al., 2003).

Ademais, vários estudos ressaltam o impacto dos fatores epigenéticos no desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista. Entre esses fatores, estão estímulos estressores durante a gestação, como pré-eclâmpsia, a suplementação de ácido fólico no primeiro trimestre, a exposição materna a agrotóxicos, o uso de antitérmicos e analgésicos no início da gestação, além do consumo de substâncias psicoativas ilícitas. Também foi apontada a idade avançada dos pais, tanto materna quanto paterna, e o parto prematuro como possíveis fatores contribuintes para o desenvolvimento do transtorno. Essas influências podem interferir na expressão genética e alterar o desenvolvimento neurológico do feto, aumentando as chances de manifestações do transtorno ao longo da vida (PEREIRA AES et al., 2024).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a relação entre o TEA e os diferentes mecanismos epigenéticos, discutindo como os fatores ambientais influenciam a expressão genética sem modificar a sequência do DNA. Não obstante, esta investigação traz também como essas influências impactam no desenvolvimento infantil e contribuem para o aprimoramento das estratégias terapêuticas. Assim, este estudo fornece novas perspectivas sobre a prevenção e o tratamento do TEA, contribuindo com conhecimento que pode impactar na qualidade de vida das crianças afetadas e de suas famílias, além de possibilitar intervenções mais personalizadas e eficazes.

MÉTODOS

O presente estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, a partir da seguinte questão norteadora: Como os mecanismos epigenéticos influenciam o desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista na infância? A pesquisa foi conduzida em dezembro de 2024, utilizando as seguintes bases de dados: PubMed, Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Acervo+ Index Base. Foram utilizadas a combinação entre palavras-chave que abordem as áreas principais do estudo (Transtorno do Espectro Autista e epigenética). Os descritores usados na busca foram: Transtorno do Espectro Autista, Autismo, Epigenética, Herança Multifatorial  e Desvios do Desenvolvimento Infantil, realizando combinações entre os termos usando o operador booleano “AND”.

Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em bases de dados nacionais e internacionais, textos completos disponíveis, em português e nos anos de 2014 a 2024. Como critérios de exclusão, foram considerados: artigos incompletos, publicados em idiomas diferentes do português e inglês, fora do período estabelecido, estudos duplicados e aqueles que não abordaram o tema proposto.

RESULTADOS

Após busca nas diferentes bases de dados, foram encontrados um total de 2205 artigos. Dos quais 24 artigos foram excluídos em razão da duplicidade, 535 por estarem incompletos e 1593 artigos também foram excluídos do estudo por não atenderem aos critérios estipulados. Foram selecionados 53 artigos para leitura na integra, com amostra final de 9 artigos, conforme pode ser observado no fluxograma da Figura 1.

Figura 1 – Fluxograma do processo de seleção dos artigos para revisão integrativa.

Fonte: Oliveira CTN, et al., 2024.

O Quadro 1 apresenta de forma sucinta os artigos incluídos na amostra final, sumarizando informações sobre o título, autores, ano de publicação, tipo de estudo, objetivos, conclusões e os principais resultados.

Quadro 1 – Artigos selecionados para revisão integrativa. 

NTítuloAutor e anoPrincipais Resultados
1TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E IDADE DOS GENITORES: ESTUDO DE CASO-CONTROLE NO BRASILMaia FA, et al. (2018)    Trata-se de um estudo de caso-controle, que teve como objetivo avaliar a relação idade dos genitores com o TEA. O estudo identificou que a idade materna, quando analisada isoladamente, está significativamente associada ao Transtorno e essa associação é mais forte quando ambos os pais têm idades avançadas.
2EXPOSIÇÃO PRECOCE A AGROTÓXICOS DE USO AGRÍCOLA E OCORRÊNCIA DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA  Bertoletti ACC, et al. (2023)    Essa é uma revisão sistemática, que teve o objetivo de compreender a influência da exposição precoce a agrotóxicos de uso agrícola e sua relação com o transtorno do espectro autista. Foi concluído que existem evidências sobre a exposição a agrotóxicos de uso agrícola precocemente e o desenvolvimento do transtorno do espectro autista, porém mais pesquisas são necessárias para melhor compreensão da associação.
3FATORES PRÉ-NATAIS, PERINATAIS E PÓS-NATAIS ASSOCIADOS AO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO  Hadjkacem I, et al. (2016)Trata-se de um estudo transversal e comparativo. Com o objetivo de Identificar fatores de risco pré-natal, perinatal e pós-natal em crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA) ao compará-las com irmãos sem transtornos de autismo. Esta pesquisa confirma a alta prevalência de fatores pré-natais, perinatais e pós-natais em crianças com TEA e sugere a intervenção de alguns desses fatores (sofrimento fetal agudo, parto difícil) como variáveis determinantes para a gênese da condição.
4CARACTERÍSTICAS PERINATAIS DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA  Fezer GF, et al. (2017)  Trata-se de uma revisão retrospectiva, com o objetivo de analisar características perinatais de crianças com transtorno do espectro autista (TEA).  Foi concluído que houve uma prevalência maior de prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia perinatal entre crianças com TEA. 
5TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E O USO MATERNO E PATERNO DE MEDICAMENTOS, TABACO, ÁLCOOL E DROGAS ILÍCITAS  Costa AA, et al. (2024)Trata-se de um estudo caso-controle. O qual objetivou investigar a associação entre o TEA e o uso materno e paterno de medicamentos, tabaco, álcool e drogas ilícitas. O estudo encontrou associações entre o uso de medicamentos pela mãe, como antitérmicos/analgésicos e antibióticos, e o transtorno do espectro autista (TEA), especialmente no primeiro trimestre. No entanto, o uso de antibióticos perdeu a associação após ajustes de variáveis. Esses resultados indicam a necessidade de investigar os mecanismos envolvidos, como a ativação do sistema imune, e alertam para a influência de fatores ambientais no desenvolvimento do TEA.
6TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E FATORES PÓS-NATAIS: UM ESTUDO DE CASO CONTROLE NO BRASILMaia FA, et al. (2019)Esse é um estudo de caso controle, que teve como objetivo estimar, em uma população brasileira, a magnitude da associação entre o transtorno do espectro do autismo (TEA) e os fatores pós-natais. Os achados do presente estudo sugerem que má-formação, icterícia neonatal, ausência de choro ao nascer e episódios de convulsão na infância são fatores importantes a serem considerados ao estudar a etiologia do TEA.
7DETERMINAÇÃO BIOLÓGICA DOS TRANSTORNOS MENTAIS: UMA DISCUSSÃO COM BASE EM HIPÓTESES RECENTES DA NEUROCIÊNCIA  Silva LRF e Ortega F (2016)O estudo é uma revisão teórica que discute hipóteses recentes da neurociência sobre a determinação biológica dos transtornos mentais. O objetivo é analisar criticamente esses modelos, destacando suas implicações epistemológicas, metodológicas e éticas. Os autores argumentam que, embora contribua para o entendimento dos transtornos mentais, a abordagem biológica é limitada e deve ser complementada por fatores sociais e psicológicos. Concluem que é fundamental adotar uma perspectiva integrativa e reflexiva, considerando os desafios éticos e as restrições dos modelos reducionistas.
8FATORES DE RISCO DURANTE O PERÍODO GESTACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO AUTISMOLeal JAS, et al. (2024)Trata-se de uma revisão bibliográfica, que teve como objetivo revisar e examinar os principais achados de estudos epidemiológicos e mecanísticos para fornecer uma visão abrangente dos fatores gestacionais associados ao Transtorno de Espectro Autista (TEA).Conclui-se quea compreensão desses fatores é crucial para informar políticas de saúde pública, práticas clínicas e intervenções preventivas eficazes para uma gestação mais saudável e segura, evitando riscos de deficiência no neurodesenvolvimento da criança resultando em uma qualidade de vida com menos desafios.
9AUTISMO EM 2016: NECESSIDADE DE RESPOSTAS  Posar A e Visconti P. (2017)Trata-se de uma revisão narrativa. O objetivo desta análise da narrativa biomédica foi resumir e discutir os resultados dos estudos mais recentes e relevantes sobre os fatores ambientais hipoteticamente envolvidos na etiopatogenia dos TEAs. Futuras pesquisas devem investigar se há uma diferença significativa na prevalência de TEA entre nações com níveis altos e baixos de vários tipos de poluição. Um objetivo muito importante da pesquisa a respeito das interações entre fatores genéticos e ambientais na etiopatogenia do TEA é a identificação de populações vulneráveis, também em virtude da prevenção adequada.
Fonte: Oliveira CTN, et al., 2024.

DISCUSSÃO

A partir da análise dos artigos observou-se que a epigenética tem se destacado como importante campo para se entender a interação entre fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento de transtornos mentais. De acordo com Silva LRF e Ortega F (2016), os mecanismos epigenéticos ajudam a explicar como experiências de vida podem influenciar o funcionamento cerebral e aumentar ou reduzir a predisposição a esses transtornos. Essa abordagem reforça a visão de que os transtornos mentais têm uma origem multifatorial, envolvendo aspectos biológicos, sociais e psicológicos. Contudo, os autores ressaltam a importância de analisar essas descobertas com cautela, evitando simplificações excessivas e reconhecendo as limitações dos métodos atuais. Apesar dos desafios, essa área oferece um caminho promissor para avançar no entendimento das relações entre neurociência e saúde mental. Essa perspectiva é complementada pelos estudos de Posar A e Visconti P (2017) os quais apontam que apesar dos avanços nas pesquisas para o entendimento acerca do surgimento de transtornos mentais, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ainda existem lacunas significativas na compreensão de como esses mecanismos operam de forma integrada aos fatores genéticos e ambientais.

No contexto dos fatores de risco, diversos estudos apontaram correlações importantes, destacando as etapas pré-natal, perinatal e pós-natal como períodos críticos para o neurodesenvolvimento. Hadjkacem I, et al. (2016) observaram que fatores como infecção pré-natal do trato urinário, sofrimento fetal agudo, parto difícil e infecção respiratória estão associados ao TEA. Esses achados dialogam com os resultados de Fezer GF, et al. (2017), que apontaram outros fatores determinantes para o desenvolvimento do transtorno, como prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia perinatal, ressaltando que essas condições adversas podem comprometer negativamente o cérebro em desenvolvimento.

Ademais, os estudos destacam que o impacto desses fatores não é isolado, mas, sim, potencializado pela interação com elementos ambientais e genéticos. Indo ao encontro com as pesquisas citadas a respeito dos possíveis fatores de risco, Maia FA, et al. (2018) apontou como fator relevante, a idade materna, uma vez que o estudo evidenciou que mães com idade avançada estão mais associadas ao desenvolvimento de crianças com o transtorno, ressaltando que essa associação é mais forte quando ambos os pais têm idades avançadas. Assim, os autores, ao apontarem essas correlações, também sinalizam a necessidade de políticas públicas robustas que priorizem o acompanhamento materno-infantil e intervenções direcionadas para mitigar os impactos negativos desses fatores na saúde da criança.

Além disso, a influência de mecanismos diretos do ambiente na gestação e na fase de crescimento da criança também foi amplamente investigada em uma pesquisa realizada por Bertoletti ACC, et al. (2023), em que foi analisada a exposição a agrotóxicos como um fator relevante, destacando que essa intervenção, especialmente durante o período gestacional e os primeiros anos de vida, pode comprometer o neurodesenvolvimento devido à vulnerabilidade do cérebro em formação. Esses resultados complementam os achados de Costa AA, et al. (2024), que investigaram o uso de medicamentos durante a gestação, como antitérmicos e antibióticos, e sua associação com o aumento do risco de TEA. Nesse contexto, tais pesquisas apontam a epigenética como uma ferramenta que emerge como uma explicação plausível para as alterações biológicas observadas, uma vez que os agentes químicos podem induzir mudanças na metilação do DNA, alterando a expressão gênica em momentos cruciais do desenvolvimento do feto. A necessidade de estudos longitudinais para compreender os mecanismos biológicos subjacentes a essas associações é amplamente reforçada pelos autores, que enfatizam a importância de regulamentações mais rigorosas no uso de agrotóxicos e de orientações médicas mais cautelosas durante a gestação. Essas descobertas evidenciam a urgência de intervenções preventivas e educativas que minimizem os riscos ambientais e protejam o desenvolvimento saudável do sistema nervoso infantil.

Ainda, no que se refere ao desenvolvimento cognitivo na infância os estudos de Maia FA, et al. (2019) investigaram complicações como icterícia neonatal, ausência de choro ao nascer e convulsões, e sua associação com alterações neurológicas. Esses estudos ressaltam que a interação entre fatores gestacionais e pós-natais pode ter impactos cumulativos, aumentando o risco de manifestações relacionadas ao TEA, afetando, dessa forma, o desenvolvimento cognitivo dessas crianças. Além disso, ao encontro a essa ideia, os estudos de Leal JAS, et al. (2024) destacaram a relevância de condições gestacionais, como diabetes e hipertensão, bem como a ausência de nutrientes essenciais, como ácido fólico e vitamina D, os quais podem interferir no desenvolvimento do sistema nervoso. Como conclusão, os autores reforçam a importância de estratégias de prevenção e acompanhamento, como suplementação nutricional adequada e controle rigoroso de doenças gestacionais, para mitigar os impactos desses fatores e promover melhores desfechos neuropsicológicos nas crianças. Essas estratégias, alinhadas a uma abordagem epigenética, podem contribuir para intervenções personalizadas e mais eficazes.

Por fim, tais estudos destacam que a epigenética tem se mostrado uma ferramenta valiosa para compreender os mecanismos subjacentes ao TEA. Siu MT e Weksberg R (2017), em suas pesquisas, discutem os potenciais alvos epigenéticos para fins terapêuticos, além de apontarem novos caminhos para investigações futuras. Essa perspectiva é corroborada pelos achados de Genovese A e Butler MG (2020), que enfatizam a importância de compreender os fatores epigenéticos para aprimorar as abordagens terapêuticas no TEA e explicar a ampla diversidade de suas manifestações. De forma complementar, Qin L et al. (2024) ressaltam a contribuição desse entendimento ao destacar o uso de biomarcadores epigenéticos como ferramentas para diagnósticos mais precisos e intervenções direcionadas. Esses avanços reforçam a necessidade de pesquisas contínuas e multidisciplinares, visando integrar conhecimentos sobre epigenética, fatores de risco e desenvolvimento infantil, com o objetivo de oferecer uma abordagem mais ampla e eficaz para o diagnóstico e tratamento do transtorno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na revisão integrativa conduzida, conclui-se que a epigenética desempenha um papel central na compreensão do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ao conectar fatores genéticos e ambientais ao desenvolvimento neurológico. A metilação do DNA, alterações nas histonas e a regulação por RNAs não codificantes emergem como mecanismos epigenéticos fundamentais para modular a expressão de genes associados ao autismo. Evidências apontam que fatores como estresse gestacional, exposição a agrotóxicos, complicações perinatais e a idade avançada dos pais podem desencadear modificações epigenéticas que afetam o desenvolvimento infantil. Apesar das contribuições significativas, lacunas permanecem na compreensão dos mecanismos específicos e suas interações, demandando mais estudos para aprimorar o diagnóstico precoce e intervenções terapêuticas personalizadas. Assim, a epigenética apresenta-se como um campo promissor para avanços na prevenção e manejo do TEA, contribuindo para melhorar a qualidade de vida das crianças afetadas e suas famílias.

REFERÊNCIAS

  1. ASSUMPÇÃO JFB e PIMENTEL ACM. Autismo infantil. Braz J Psychiatry [Internet]. 2000Dec;22:37–9. Available from: https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600010.
  2. BERTOLLETTI ACC, et al. Exposição precoce a agrotóxicos de uso agrícola e ocorrência do Transtorno do Espectro Autista: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Saúde Pública, v. 57, n. 2, p. 115-122, 2023.
  3. BIRD A. Perceptions of epigenetics. Nature, 2007; 447(7143): 396-398.
  4. BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtorno do espectro do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.
  5. COSTA AA, et al. Transtorno do Espectro do Autismo e o uso materno e paterno de medicamentos, tabaco, álcool e drogas ilícitas. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 24, n. 1, p. 32-40, 2024.
  6. CHAFFEY N, et al. Molecular biology of the cell. 4th edn. Ann Bot. 2003 Feb;91(3):401. doi: 10.1093/aob/mcg023. PMCID: PMC4244961.
  7. EVÊNCIO KMM e FERNANDES GP. História do autismo: compreensões iniciais. Revista Multidisciplinar de Psicologia, 2019; 13(47): 133-138.
  8. FEZER GF, et al. Características perinatais de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Jornal Brasileiro de Neurologia Pediátrica, v. 24, n. 3, p. 200-205, 2017.
  9. GENOVESE A e BUTLER MG. Clinical Assessment, Genetics, and Treatment Approaches in Autism Spectrum Disorder (ASD). International Journal of Molecular Sciences, 2020; 21(13): 4726. doi: 10.3390/ijms21134726. PMID: 32630718; PMCID: PMC7369758.
  10. HAJKACEM I, et al. Fatores pré-natais, perinatais e pós-natais associados ao Transtorno do Espectro do Autismo. Revista de Pediatria, v. 42, n. 1, p. 58-65, 2016.
  11. LEAL JAS, et al. Fatores externos que aumentam a possibilidade do desenvolvimento do autismo: uma revisão sistemática. Revista FT, 2024.
  12. MAIA FA, et al. Autism spectrum disorder and postnatal factors: a case-control study in Brazil. Rev Paul Pediatr, 2019; 37(4): 398-405.
  13. MAIA FA, et al. Transtorno do Espectro do Autismo e idade dos genitores: estudo de caso-controle no Brasil. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 40, n. 3, p. 220-226, 2018.
  14. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Autism spectrum disorders. Geneva: World Health Organization, 2022.
  15. PEREIRA AES, et al. Fatores externos que aumentam a possibilidade do desenvolvimento do autismo: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 24, n. 1, p. 32-40, 2024.
  16. POSAR A e VISCONTI P. Autismo em 2016: necessidade de respostas. Jornal de Pediatria, 2017; 93: 111-119.
  17. QIN L, et al. New advances in the diagnosis and treatment of autism spectrum disorders. Eur J Med Res. 2024 Jun 10;29(1):322. doi: 10.1186/s40001-024-01916-2. PMID: 38858682; PMCID: PMC11163702.
  18. RUGGIERI V e ARBERAS C. Mecanismos epigenéticos involucrados en la génesis del autismo. Medicina (B. Aires), 2022; 82(suppl.1): 48-53.
  19. SILVA LRF e ORTEGA F. Biological determination of mental disorders: a discussion based on recent hypotheses from neuroscience. Cadernos de Saúde Pública, 2016; 32(8): e00168115. doi: 10.1590/0102-311X00168115. PMID: 27580236.
  20. SIU MT e WEKSBERG R. Epigenetics of Autism Spectrum Disorder. Adv Exp Med Biol. 2017;978:63-90. doi: 10.1007/978-3-319-53889-1_4. PMID: 28523541.

¹Faculdade de Saúde Santo Agostinho, Vitória da Conquista – BA.
²Faculdade de Saúde Santo Agostinho, Vitória da Conquista – BA. *E-mail: jpedro.lma@outlook.com