CÂNCER DE COLO DO ÚTERO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE AS BARREIRAS E ESTRATÉGIAS PARA A AMPLIAÇÃO DO RASTREAMENTO NO BRASIL

CERVICAL CANCER: AN INTEGRATIVE REVIEW OF BARRIERS AND STRATEGIES FOR EXPANDING SCREENING IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202502101506


Adriana Lima Resende Arruda1; Ana Julia Resende Arruda2; Bárbara Barros Pessoa Lima3; Clauder Aguiar de Araujo Júnior4; David de Oliveira Bomfim5; Gabriella Freitas Dini 6; Isabela Dandara Teixeira de Jesus7; Júlio César Freitas Luciano8; Luan Sampaio Couto Lima9; Marcos Fellipe Cordeiro10; Marcus Ronan Ferreira da Silva11; Maria Eduarda Farias Silva12; Ricardo Rangel da Freitas Rodrigues13; Sandy Evers14; Sueli Silva de Carvalho15


RESUMO

O câncer de colo do útero é uma das principais causas de mortalidade entre mulheres no Brasil e no mundo, sendo prevenível por meio do rastreamento regular. No entanto, diversos fatores dificultam a adesão ao exame de Papanicolau e comprometem a efetividade dos programas de rastreamento. Esta revisão integrativa teve como objetivo identificar e analisar as principais barreiras e estratégias para a ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil. Foram revisados estudos publicados entre 2000 e 2023, extraídos de bases científicas como PubMed, SciELO e LILACS. Os resultados evidenciaram que as barreiras incluem fatores individuais, socioeconômicos, institucionais e geográficos, que limitam o acesso das mulheres aos serviços de saúde. Entre as estratégias para superação desses desafios, destacam-se as intervenções educativas, melhorias nos serviços de saúde, o uso de tecnologias inovadoras, como testes autocoletáveis e telemedicina, e o fortalecimento das políticas públicas. Conclui-se que a ampliação do rastreamento exige um conjunto de ações integradas e adaptadas às necessidades regionais, com foco na equidade e no acesso universal aos serviços de prevenção.

Palavras-chave:  Câncer de colo do útero; Rastreamento; Barreiras ao acesso; Saúde da mulher; Políticas públicas; Atenção primária à saúde.

ABSTRACT

Cervical cancer is one of the leading causes of mortality among women in Brazil and worldwide, yet it is largely preventable through regular screening. However, several factors hinder adherence to Pap smear testing and compromise the effectiveness of screening programs. This integrative review aimed to identify and analyze the main barriers and strategies for expanding cervical cancer screening in Brazil. Studies published between 2000 and 2023 were reviewed, sourced from scientific databases such as PubMed, SciELO, and LILACS. The findings revealed that barriers include individual, socioeconomic, institutional, and geographical factors that limit women’s access to healthcare services. Strategies to overcome these challenges include educational interventions, improvements in healthcare services, the use of innovative technologies such as self-sampling tests and telemedicine, and the strengthening of public policies. It is concluded that expanding screening requires a set of integrated actions tailored to regional needs, with a focus on equity and universal access to preventive healthcare services.

Keywords: Cervical cancer; Screening; Access barriers; Women’s health; Public policies; Primary healthcare.

1.    INTRODUÇÃO

O câncer de colo do útero representa um grave problema de saúde pública, configurando-se como uma das principais causas de mortalidade entre mulheres em todo o mundo. Segundo estimativas globais apresentadas por Bray et al. (2018), essa neoplasia ocupa a quarta posição entre os tipos de câncer mais incidentes em mulheres, com cerca de 570.000 novos casos e aproximadamente 311.000 mortes registradas em 2018. A maior carga da doença está concentrada em países de baixa e média renda, onde as desigualdades no acesso aos serviços de saúde e a fragilidade dos programas de rastreamento comprometem significativamente a detecção precoce e o tratamento oportuno. Esses números evidenciam não apenas a magnitude do problema, mas também o impacto direto das condições socioeconômicas e das políticas de saúde na prevenção da doença.

No Brasil, o cenário é igualmente desafiador. O câncer do colo do útero figura entre os tipos de câncer mais prevalentes na população feminina, especialmente em regiões mais vulneráveis, como o Norte e o Nordeste do país, onde as taxas de incidência e mortalidade permanecem elevadas. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2016), a implementação de políticas públicas voltadas para o rastreamento, como o exame citopatológico (Papanicolau), tem desempenhado um papel crucial na redução da mortalidade associada à doença. No entanto, apesar da existência de diretrizes nacionais bem estabelecidas, persistem desafios relacionados à cobertura insuficiente do rastreamento, à falta de adesão por parte da população e à desigualdade no acesso aos serviços de saúde. Esses obstáculos reforçam a necessidade de uma análise crítica sobre as barreiras que dificultam a efetividade dos programas de rastreamento no contexto brasileiro.

A relevância de discutir as barreiras e estratégias para a ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil reside na complexidade do problema, que envolve dimensões sociais, econômicas, culturais e estruturais. O país enfrenta desafios relacionados tanto a fatores individuais, como o desconhecimento sobre a importância do exame preventivo, quanto a barreiras sistêmicas, como a insuficiência de recursos e a fragmentação da rede de atenção à saúde. A superação dessas barreiras demanda não apenas a identificação dos fatores limitantes, mas também a formulação de estratégias eficazes que considerem as especificidades regionais e culturais da população brasileira.

Diante desse contexto, o objetivo desta revisão integrativa é identificar e analisar as principais barreiras que dificultam o acesso e a adesão ao rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil, bem como discutir estratégias que possam contribuir para a ampliação da cobertura e para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde. Ao reunir evidências científicas sobre o tema, espera-se fornecer subsídios para o aprimoramento das políticas públicas e para a implementação de intervenções mais eficazes no controle dessa importante condição de saúde.

2.    MÉTODOS

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, uma metodologia que permite a síntese abrangente de resultados de pesquisas relevantes sobre um tema específico, possibilitando a incorporação de diferentes perspectivas e abordagens metodológicas. Esse tipo de revisão é especialmente útil para analisar o estado atual do conhecimento científico, identificar lacunas na literatura e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas e estratégias de intervenção. A revisão integrativa foi escolhida por sua capacidade de reunir evidências diversificadas, tanto qualitativas quanto quantitativas, favorecendo uma compreensão mais ampla e crítica das barreiras e estratégias relacionadas ao rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil.

A questão norteadora que orientou a condução desta revisão foi: “Quais são as barreiras e estratégias identificadas para ampliar o rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil?” Essa pergunta foi elaborada com o objetivo de direcionar a busca e a análise dos estudos, focando na identificação dos principais desafios enfrentados no contexto brasileiro, bem como nas intervenções propostas para superá-los.

Para a seleção dos estudos incluídos nesta revisão, foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão rigorosos. Os critérios de inclusão contemplaram artigos publicados entre os anos de 2000 e 2023, com o intuito de considerar as evidências mais recentes e relevantes sobre o tema. Foram aceitos estudos publicados em português, inglês e espanhol, de forma a ampliar o escopo da revisão e incluir pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos. Quanto aos critérios de exclusão, foram desconsiderados artigos duplicados, estudos com metodologia inadequada para os objetivos da revisão, revisões de literatura sem análise crítica, bem como publicações que não abordassem diretamente o rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil.

As fontes de dados utilizadas para a busca dos artigos incluíram bases de dados científicas de relevância nacional e internacional, como PubMed, SciELO, LILACS e BVS. Essas bases foram selecionadas por sua abrangência e pela qualidade dos estudos indexados, garantindo uma busca sistemática e abrangente da literatura disponível. A estratégia de busca combinou descritores controlados e termos livres relacionados ao tema, como “câncer de colo do útero”, “rastreamento”, “barreiras”, “estratégias” e “Brasil”, utilizando operadores booleanos (AND, OR) para otimizar a recuperação dos estudos relevantes.

O processo de seleção dos estudos seguiu as diretrizes do PRISMA Statement (Moher et al., 2009), que recomenda uma abordagem transparente e sistemática para a identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos artigos. Inicialmente, foi realizada uma busca automatizada nas bases de dados, seguida da leitura dos títulos e resumos para a triagem preliminar dos estudos. Os artigos que atenderam aos critérios de inclusão foram lidos na íntegra para avaliação detalhada. O processo de seleção foi conduzido por dois revisores de forma independente, com o objetivo de reduzir o viés e aumentar a confiabilidade dos resultados. Em casos de discordância, um terceiro revisor foi consultado para a decisão final.

Para a síntese dos dados, foi utilizada uma abordagem qualitativa, que permitiu a categorização das informações em temas recorrentes relacionados às barreiras e estratégias para o rastreamento do câncer de colo do útero. Os dados extraídos dos estudos incluídos foram organizados em quadros e tabelas, facilitando a visualização das principais evidências. Posteriormente, foi realizada uma análise crítica e interpretativa dos resultados, buscando identificar padrões, divergências e lacunas no conhecimento. 

3. BARREIRAS PARA O RASTREAMENTO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO

O rastreamento do câncer de colo do útero é uma estratégia fundamental para a detecção precoce e a redução da mortalidade associada à doença. No entanto, diversos fatores dificultam o acesso das mulheres aos serviços de prevenção, refletindo-se em taxas de cobertura insuficientes e, consequentemente, em diagnósticos tardios. As barreiras que impactam o rastreamento podem ser categorizadas em individuais e culturais, socioeconômicas, institucionais e geográficas, demonstrando a complexidade do problema e a necessidade de abordagens integradas para sua superação.

3.1. Barreiras Individuais e Culturais

As barreiras individuais e culturais referem-se a fatores relacionados ao conhecimento, atitudes, crenças e comportamentos das mulheres em relação ao exame de Papanicolau e à prevenção do câncer de colo do útero. Silveira et al. (2016) destacam a relação entre o nível de conhecimento das mulheres e a adesão ao exame citopatológico, evidenciando que a falta de informações adequadas sobre a importância do rastreamento, a periodicidade recomendada e os benefícios do diagnóstico precoce contribuem significativamente para a baixa participação nos programas preventivos. O desconhecimento sobre a natureza assintomática das lesões pré-cancerosas e o medo do diagnóstico de uma possível doença grave também são fatores limitantes, gerando resistência e procrastinação na realização do exame.

Além da falta de informação, questões culturais e sociais desempenham um papel importante na adesão ao rastreamento. Rosa et al. (2018) investigaram o impacto de crenças e representações sociais sobre o corpo e a saúde feminina, destacando como o papel social da mulher, especialmente relacionado à maternidade, influencia suas decisões de cuidado pessoal. Muitas mulheres priorizam o cuidado com a família em detrimento da própria saúde, o que, aliado ao estigma associado ao exame ginecológico — frequentemente percebido como desconfortável ou embaraçoso —, contribui para a baixa adesão. Tais barreiras são potencializadas em contextos onde tabus relacionados à sexualidade e ao corpo feminino são mais presentes, dificultando ainda mais o acesso à prevenção.

3.2. Barreiras Socioeconômicas

As barreiras socioeconômicas refletem as desigualdades estruturais que afetam o acesso aos serviços de saúde, especialmente em países de grande extensão territorial e com marcantes disparidades regionais, como o Brasil. Barbosa et al. (2016) analisaram as desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo do útero no país, revelando um panorama preocupante: as regiões Norte e Nordeste apresentam taxas significativamente mais altas de incidência e mortalidade em comparação com o Sul e o Sudeste. Essas disparidades estão diretamente associadas a fatores socioeconômicos, como o baixo nível de escolaridade, a precariedade das condições de vida e a limitada oferta de serviços de saúde.

O baixo nível de escolaridade, em particular, está associado à menor compreensão sobre a importância do rastreamento e à dificuldade de interpretar informações sobre saúde, limitando a capacidade das mulheres de tomar decisões informadas. Além disso, mulheres em situação de vulnerabilidade econômica enfrentam desafios adicionais, como a falta de recursos financeiros para cobrir custos indiretos associados ao exame (transporte, ausência do trabalho, cuidados com os filhos), o que contribui para a não realização do Papanicolau. A interseção entre pobreza, baixa escolaridade e falta de acesso à informação configura um cenário de vulnerabilidade que perpetua ciclos de iniquidade em saúde.

3.3. Barreiras Institucionais

As barreiras institucionais dizem respeito às limitações dos próprios serviços de saúde, incluindo a organização do sistema, a disponibilidade de recursos e a qualidade da assistência oferecida. Nascimento (2011), em seu estudo sobre o acesso ao exame preventivo na Baixada Fluminense, identificou falhas estruturais significativas, como a falta de profissionais capacitados, deficiências na infraestrutura das unidades de saúde e a ausência de um sistema de agendamento eficiente. Esses problemas resultam em longos tempos de espera para a realização do exame e na descontinuidade do acompanhamento das mulheres, o que compromete a eficácia do rastreamento.

Outro aspecto relevante é a inadequação da abordagem dos profissionais de saúde, que muitas vezes não estão suficientemente preparados para lidar com as barreiras culturais e individuais das pacientes. A falta de uma comunicação empática e de orientações claras sobre o exame pode gerar desconfiança e desmotivação, dificultando o retorno das mulheres para exames de rotina. Além disso, a fragmentação do cuidado, com a ausência de um fluxo contínuo entre o diagnóstico, o encaminhamento e o tratamento, contribui para o abandono do seguimento em casos de resultados alterados.

3.4. Barreiras Geográficas

As barreiras geográficas representam desafios relacionados à localização dos serviços de saúde em relação à residência das mulheres, especialmente em áreas rurais e remotas. Goes e Nascimento (2013) discutem o impacto das desigualdades regionais no acesso aos serviços preventivos, destacando que mulheres que vivem em regiões periféricas enfrentam dificuldades significativas para acessar unidades de saúde devido à distância, à falta de transporte público adequado e às condições precárias das estradas.

Esses desafios são agravados em comunidades tradicionais e em populações vulneráveis, como as mulheres negras e quilombolas, que, além das barreiras geográficas, enfrentam o racismo estrutural e a negligência histórica do Estado em relação às suas necessidades de saúde. O acesso limitado a serviços especializados e a inexistência de programas de rastreamento organizados em áreas rurais perpetuam a exclusão dessas populações, contribuindo para diagnósticos tardios e piores desfechos clínicos.

As barreiras para o rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil são multifatoriais e interligadas, refletindo a complexidade das desigualdades sociais, econômicas e estruturais do país. A compreensão dessas barreiras é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de intervenção, que considerem não apenas o acesso físico aos serviços de saúde, mas também aspectos culturais, institucionais e de vulnerabilidade social. O enfrentamento dessas barreiras exige uma abordagem integrada, que combine políticas públicas robustas, capacitação de profissionais de saúde, ações de educação em saúde e o fortalecimento da atenção primária, com o objetivo de garantir o direito à saúde e à prevenção do câncer para todas as mulheres.

4. ESTRATÉGIAS PARA A AMPLIAÇÃO DO RASTREAMENTO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO

A ampliação da cobertura do rastreamento do câncer de colo do útero é um desafio complexo que demanda ações coordenadas em diferentes níveis do sistema de saúde. Para superar as barreiras identificadas, é fundamental implementar estratégias que promovam o acesso, à adesão e a continuidade do cuidado. Essas estratégias podem ser categorizadas em intervenções educativas, melhorias nos serviços de saúde, uso de tecnologias inovadoras e o fortalecimento de políticas públicas e programas de saúde. A seguir, serão discutidas as principais evidências que sustentam essas abordagens.

4.1. Intervenções Educativas

As intervenções educativas são essenciais para sensibilizar a população sobre a importância do rastreamento do câncer de colo do útero e para modificar comportamentos relacionados à saúde. Musa et al. (2017), em uma revisão sistemática e meta-análise, demonstraram que programas de educação em saúde, aliados à recomendação ativa de profissionais da atenção primária, aumentam significativamente as taxas de adesão ao exame de Papanicolau. O estudo destaca que a recomendação direta do profissional de saúde, quando combinada com informações claras sobre a importância do rastreamento e a explicação sobre o procedimento, é uma das estratégias mais eficazes para engajar mulheres de diferentes faixas etárias.

Além disso, Interis et al. (2015) apresentaram um exemplo bem-sucedido de intervenção educativa realizada na Jamaica, onde campanhas de conscientização baseadas em teorias comportamentais resultaram em um aumento expressivo da realização do exame citopatológico. O programa utilizou materiais educativos adaptados culturalmente, além de envolver líderes comunitários e profissionais de saúde, o que facilitou o diálogo sobre temas sensíveis, como a prevenção do câncer e a sexualidade. Esse exemplo internacional destaca a importância de adaptar estratégias educativas ao contexto cultural e social da população, sendo uma abordagem relevante para o Brasil, dadas as suas diversidades regionais.

4.2. Melhorias nos Serviços de Saúde

A melhoria da qualidade dos serviços de saúde é uma estratégia fundamental para garantir o acesso contínuo e eficiente ao rastreamento do câncer de colo do útero. O Ministério da Saúde do Brasil (2012), por meio das diretrizes para o pré-natal de baixo risco, enfatiza a importância da integração entre o rastreamento do câncer de colo do útero e as ações da atenção primária à saúde. O exame de Papanicolau, por exemplo, pode ser oferecido de forma oportuna durante o acompanhamento de gestantes e puérperas, aproveitando o contato regular das mulheres com os serviços de saúde. Essa integração promove a detecção precoce e contribui para a continuidade do cuidado.

Adicionalmente, Parada et al. (2008) discutem o papel da Política Nacional de Atenção Oncológica, destacando a necessidade de fortalecer a atenção primária como porta de entrada para a prevenção e o controle do câncer. O estudo ressalta que a capacitação contínua dos profissionais de saúde é fundamental para melhorar a qualidade do atendimento e a abordagem da equipe multiprofissional, promovendo não apenas o rastreamento, mas também o acompanhamento adequado dos casos com alterações nos resultados dos exames. A adoção de protocolos clínicos padronizados e a ampliação da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) são exemplos de medidas que podem contribuir para a efetividade do rastreamento.

4.3. Uso de Tecnologias Inovadoras

O uso de tecnologias inovadoras tem se mostrado uma estratégia promissora para ampliar o acesso ao rastreamento do câncer de colo do útero, especialmente em áreas remotas e de difícil acesso. Jahan e Chowdhury (2014) destacam o potencial das soluções de mHealth (tecnologia móvel aplicada à saúde) para superar barreiras geográficas e socioeconômicas. Aplicativos de saúde, mensagens de texto e plataformas de telemedicina podem ser utilizados para enviar lembretes sobre consultas, fornecer informações educativas e até mesmo para realizar triagens iniciais em populações vulneráveis. Essas ferramentas facilitam o acompanhamento das pacientes, promovem o autocuidado e aumentam a adesão aos programas de rastreamento.

Outra inovação relevante é o uso de testes de HPV autocoletáveis, que têm se mostrado eficazes para aumentar a cobertura do rastreamento em mulheres que enfrentam barreiras para acessar serviços de saúde convencionais. Esses testes permitem que a coleta da amostra seja realizada pela própria mulher, em casa, com posterior envio para análise laboratorial. Essa abordagem tem potencial para reduzir o estigma associado aos exames ginecológicos e superar barreiras relacionadas ao desconforto físico e emocional, além de ser uma estratégia eficiente em termos de custo-benefício em áreas de baixa cobertura.

4.4. Políticas Públicas e Programas de Saúde

O fortalecimento das políticas públicas e dos programas de saúde é crucial para a sustentabilidade das estratégias de rastreamento do câncer de colo do útero. O Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2016), por meio das Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, estabelece orientações claras para a realização do exame citopatológico, a periodicidade recomendada e os critérios para o acompanhamento de mulheres com resultados alterados. No entanto, o sucesso dessas diretrizes depende da sua implementação efetiva em todas as regiões do país, considerando as especificidades locais e as desigualdades regionais.

Além das diretrizes nacionais, é importante considerar experiências internacionais que possam ser adaptadas ao contexto brasileiro. As recomendações do US Preventive Services Task Force (Curry et al., 2018) oferecem um referencial para a implementação de políticas baseadas em evidências, com foco na eficiência dos programas de rastreamento e na redução da mortalidade. O estudo destaca a importância de estratégias organizadas, com sistemas de convite ativo, monitoramento da cobertura e avaliação contínua dos resultados. A comparação entre as diretrizes brasileiras e internacionais permite identificar boas práticas que podem ser incorporadas para aprimorar o rastreamento no Brasil.

Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) desempenha um papel central na implementação de programas de rastreamento populacional. Parcerias público-privadas e estratégias regionais adaptadas às realidades locais podem potencializar a eficácia das políticas públicas. A descentralização da gestão da saúde, com o fortalecimento das redes de atenção primária e a integração entre os diferentes níveis de atenção, é fundamental para garantir o acesso universal e equitativo aos serviços de prevenção do câncer.

As estratégias para a ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil devem ser multifacetadas e adaptadas às realidades regionais. O sucesso dessas intervenções depende da combinação de ações educativas, melhorias nos serviços de saúde, inovação tecnológica e políticas públicas robustas. É fundamental que essas estratégias estejam integradas, com foco na redução das desigualdades em saúde e na garantia do direito à prevenção para todas as mulheres. O fortalecimento da atenção primária, o uso de tecnologias para ampliar o acesso e a implementação de políticas públicas baseadas em evidências são pilares essenciais para o avanço do rastreamento e a redução da mortalidade por câncer de colo do útero no Brasil.

5.    DISCUSSÃO

O rastreamento do câncer de colo do útero é uma intervenção eficaz na redução da morbimortalidade associada à doença, especialmente quando realizado de forma sistemática e com cobertura populacional adequada. Contudo, conforme evidenciado nesta revisão, uma série de barreiras individuais, socioeconômicas, institucionais e geográficas compromete o acesso das mulheres aos serviços de saúde, dificultando a adesão aos programas de rastreamento no Brasil. A seguir, realiza-se uma análise crítica dos achados, discutindo suas inter-relações e implicações para a prática clínica e as políticas públicas.

5.1. Análise Crítica dos Achados

A comparação dos achados desta revisão com estudos nacionais e internacionais revela tanto desafios comuns quanto especificidades do contexto brasileiro. Lees et al. (2016) discutem as evidências que embasam as diretrizes internacionais de rastreamento, destacando a importância da organização dos programas de triagem em países de alta renda, onde sistemas de convite ativo e monitoramento rigoroso da cobertura têm demonstrado impacto positivo na redução da mortalidade. Esses modelos contrastam com o cenário brasileiro, onde o rastreamento é predominantemente oportunístico, dependendo da iniciativa das usuárias e da disponibilidade de serviços, o que contribui para a baixa adesão em populações vulneráveis.

No contexto brasileiro, Thuler et al. (2014) evidenciam que as barreiras socioeconômicas e institucionais estão diretamente associadas ao diagnóstico em estágios avançados da doença, aumentando a taxa de mortalidade. O estudo destaca que mulheres em situação de vulnerabilidade social, com baixa escolaridade e acesso limitado aos serviços de saúde, apresentam maior risco de desenvolver câncer de colo do útero em estágio avançado, o que reflete falhas na cobertura e na efetividade dos programas de rastreamento.

Além disso, os achados desta revisão confirmam que barreiras individuais, como o desconhecimento sobre a importância do exame e o medo do diagnóstico, são universais, mas se manifestam de forma mais acentuada em contextos de desigualdade social e de baixa oferta de serviços de saúde, como observado em algumas regiões do Brasil.

5.2. Inter-relação entre Barreiras e Estratégias

A superação das barreiras identificadas requer estratégias integradas que considerem as múltiplas dimensões do problema. As intervenções educativas, por exemplo, podem mitigar barreiras individuais e culturais ao aumentar o conhecimento sobre o câncer de colo do útero e a importância do rastreamento. Programas de educação em saúde, aliados à recomendação ativa dos profissionais, demonstraram impacto positivo na adesão ao exame, conforme evidenciado por Musa et al. (2017).

Por outro lado, melhorias nos serviços de saúde e o uso de tecnologias inovadoras podem reduzir barreiras institucionais e geográficas. A ampliação da cobertura da atenção primária, com a capacitação de profissionais e a integração do rastreamento com outros serviços de saúde, contribui para melhorar o acesso e a qualidade da assistência. Tecnologias como o mHealth e os testes autocoletáveis de HPV representam soluções promissoras para alcançar populações em áreas remotas, superando limitações geográficas.

As políticas públicas desempenham um papel central na criação de um ambiente favorável para a implementação dessas estratégias. O fortalecimento das diretrizes nacionais, aliado à adoção de boas práticas internacionais, como as recomendadas pelo US Preventive Services Task Force (Curry et al., 2018), pode contribuir para a organização de programas de rastreamento mais eficazes e equitativos.

5.3. Limitações dos Estudos Revisados

Embora esta revisão tenha reunido evidências relevantes sobre as barreiras e estratégias para o rastreamento do câncer de colo do útero, algumas limitações dos estudos analisados devem ser consideradas. Primeiramente, a heterogeneidade metodológica entre os estudos dificultou a comparação direta dos resultados. Muitos estudos utilizaram desenhos transversais, o que limita a capacidade de estabelecer relações causais entre as variáveis investigadas.

Além disso, observou-se uma predominância de estudos realizados em contextos urbanos e em regiões mais desenvolvidas do Brasil, com menor representatividade de populações rurais, indígenas e quilombolas, que enfrentam desafios específicos no acesso aos serviços de saúde. Essa lacuna evidencia a necessidade de mais pesquisas que explorem o impacto das desigualdades regionais e raciais no rastreamento do câncer de colo do útero.

Outra limitação refere-se à escassez de estudos longitudinais que avaliem o impacto de estratégias específicas de intervenção ao longo do tempo. O monitoramento da efetividade de programas de rastreamento organizados ainda é insuficiente no Brasil, o que dificulta a avaliação de políticas de saúde implementadas.

5.4. Implicações para a Prática e Políticas Públicas

Os achados desta revisão têm importantes implicações para a prática em saúde e para a formulação de políticas públicas voltadas à ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil. Primeiramente, destaca-se a necessidade de uma abordagem integrada, que combine ações educativas, melhorias na organização dos serviços de saúde e o uso de tecnologias inovadoras.

Na prática clínica, é fundamental que os profissionais da atenção primária estejam capacitados para abordar o tema do rastreamento de forma sensível e informativa, reduzindo o estigma associado ao exame e incentivando a adesão das mulheres. Estratégias de educação em saúde devem ser culturalmente sensíveis e adaptadas às realidades locais, considerando as diversidades regionais e as especificidades das populações atendidas.

No âmbito das políticas públicas, recomenda-se o fortalecimento da atenção primária como a principal porta de entrada para o rastreamento, com a ampliação da cobertura da Estratégia de Saúde da Família e a implementação de programas de rastreamento organizados, com sistemas de convite ativo e monitoramento da cobertura. A adoção de tecnologias, como o mHealth e os testes de HPV autocoletáveis, deve ser incentivada, especialmente em áreas de difícil acesso.

Por fim, é fundamental que as políticas de saúde sejam baseadas em evidências e monitoradas de forma contínua para avaliar sua efetividade. A comparação com diretrizes internacionais, como as do US Preventive Services Task Force (Curry et al., 2018), pode oferecer insights valiosos para o aprimoramento das estratégias nacionais, promovendo um rastreamento mais eficaz e equitativo em todo o território brasileiro.

6.    CONCLUSÃO

O rastreamento do câncer de colo do útero é uma das estratégias mais eficazes para a detecção precoce e a redução da mortalidade associada à doença, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Esta revisão integrativa permitiu identificar e analisar um conjunto abrangente de barreiras e estratégias que influenciam a adesão ao rastreamento, revelando a complexidade dos fatores envolvidos e a necessidade de ações integradas e coordenadas para enfrentar esse desafio de saúde pública.

Os principais achados evidenciam que, embora o Brasil possua diretrizes bem estabelecidas para o rastreamento, como as orientações do Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2016), a cobertura do exame de Papanicolau ainda é insuficiente em muitas regiões, refletindo desigualdades socioeconômicas, culturais e estruturais. Barreiras individuais, como o desconhecimento sobre a importância do exame, o medo do diagnóstico e o estigma associado aos cuidados ginecológicos, coexistem com desafios mais amplos, relacionados à precariedade da infraestrutura de saúde, à falta de profissionais capacitados e às dificuldades de acesso em áreas rurais e remotas.

Por outro lado, estratégias eficazes foram identificadas, demonstrando que é possível superar esses obstáculos por meio de abordagens multifacetadas. Intervenções educativas têm se mostrado fundamentais para conscientizar a população, promovendo o conhecimento sobre a importância do rastreamento e desmistificando crenças e tabus associados à doença. O envolvimento direto dos profissionais de saúde, por meio de recomendações ativas, é uma tática eficaz para aumentar a adesão, como demonstrado por Musa et al. (2017). Além disso, a melhoria dos serviços de saúde, com a integração do rastreamento à atenção primária e ao pré-natal, é essencial para garantir o acesso oportuno e a continuidade do cuidado.

A inovação tecnológica também se destaca como uma ferramenta poderosa para ampliar o alcance do rastreamento. O uso de tecnologias móveis (mHealth), sistemas informatizados de controle e testes autocoletáveis de HPV oferece soluções viáveis para populações em situação de vulnerabilidade e em áreas de difícil acesso. Além disso, o fortalecimento das políticas públicas é crucial para a sustentabilidade dessas iniciativas. A implementação de um modelo de rastreamento organizado, com monitoramento sistemático e ações de busca ativa, pode transformar significativamente o panorama atual, conforme demonstrado em países que seguem as recomendações do US Preventive Services Task Force (Curry et al., 2018).

Considerando o panorama identificado, algumas recomendações emergem como fundamentais. Para futuras pesquisas, é necessário ampliar o foco em populações vulneráveis e desenvolver estudos longitudinais que avaliem o impacto de diferentes intervenções ao longo do tempo. Na prática em saúde, é imprescindível investir na capacitação dos profissionais e na sensibilização da população, com estratégias adaptadas aos contextos regionais e culturais. No campo das políticas públicas, o fortalecimento da atenção primária e a adoção de práticas baseadas em evidências devem orientar a formulação de programas de rastreamento mais eficazes e equitativos.

Por fim, é importante ressaltar que a ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero no Brasil tem um potencial transformador. O impacto positivo dessa expansão não se limita à redução da mortalidade, mas também envolve a melhoria da qualidade de vida das mulheres, o fortalecimento do sistema de saúde e o avanço na promoção da equidade em saúde. Superar as barreiras identificadas e implementar estratégias eficazes é um compromisso urgente e necessário para garantir que todas as mulheres brasileiras tenham acesso ao cuidado preventivo de que necessitam, independentemente de sua condição social, econômica ou geográfica.

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12.           ROSA, A. R. R.; SILVA, T. S. L.; CARVALHO, I. C. S.; SOUSA, A. S. J.; RODRIGUES, A. B.; PENHA, J. C. Exame citopatológico do colo do útero: investigação sobre o conhecimento, atitude e prática de gestantes. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 23, n. 2, e52589, 2018.

13.           SILVEIRA, N. S. P.; VASCONCELOS, C. T. M.; NICOLAU, A. I. O.; ORIÁ, M. O. B.; PINHEIRO, P. N. C.; PINHEIRO, A. K. B. Knowledge, attitude and practice of the smear test and its relation with female age. Revista LatinoAmericana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 24, e2699, 2016.

14. THULER, L. C. S.; AGUIAR, S. S.; BERGMANN, A. Determinantes do diagnóstico em estádio avançado do câncer do colo de útero no Brasil. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, São Paulo, v. 36, n. 6, p. 237-243, 2014.


1 Graduando em Medicina pela UCP
2 Graduando em Medicina pela Universidade Central do Paraguai – UCP
3 Graduando em Medicina pela Universidade Central do Paraguai – UCP CDE
4 Graduando em Medicina pela Universidade Brasil
5 Graduando em Medicina pela Universidade Central del Paaraguay
6 Graduando em Medicina pela Universidade Central do Paraguai
7 Graduando em Medicina pela Ucp
8 Graduando em Medicina pela UCP
9 Graduando em Medicina pela Universidade Central do Paraguai
10 Graduando em Medicina pela UCP
11 Graduando em Medicina pela Afya Itabuna-BA
12 Graduando em Medicina pela Universidade Central do Paraguai
13 Graduando em Medicina pela Afya Itabuna
14 Graduando em Medicina pela Ucp
15 Graduando em Medicina pela FMO