REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202502071919
Luan José Cruz de Oliveira
Rebeka Caroline Moreira
Resumo: A insuficiência cervical é uma condição obstétrica desafiadora, frequentemente associada a abortos tardios e partos prematuros, com impacto significativo na saúde materno-fetal. Este estudo teve como objetivo revisar as principais técnicas utilizadas no manejo de pacientes com insuficiência cervical, avaliando avanços diagnósticos e terapêuticos para melhorar os desfechos gestacionais. A revisão foi conduzida seguindo as diretrizes PRISMA, com busca em bases de dados como PubMed, Scopus, Web of Science, Medline Ovid e SciELO, resultando na análise de 483 estudos, dos quais 12 foram incluídos para discussão aprofundada. Os resultados evidenciam que técnicas como elastografia cervical, uso de pessários, cerclagem e terapia com progesterona têm contribuído para a redução do risco de partos prematuros, prolongamento gestacional e melhor qualidade de vida materno-fetal. No entanto, barreiras como desigualdade no acesso às tecnologias e necessidade de capacitação profissional foram identificadas. Conclui-se que uma abordagem integrada, combinando métodos diagnósticos e terapias avançadas com práticas tradicionais, é essencial para otimizar o manejo e ampliar a acessibilidade.
Palavras-chave: Insuficiência cervical; Manejo obstétrico; Elastografia cervical; Terapia com progesterona; Revisão sistemática.
Abstract: Cervical insufficiency is a challenging obstetric condition often associated with late miscarriages and preterm births, significantly impacting maternal and fetal health. This study aimed to review the main techniques used in managing cervical insufficiency, evaluating diagnostic and therapeutic advances to improve pregnancy outcomes. The review followed PRISMA guidelines, with searches in databases such as PubMed, Scopus, Web of Science, Medline Ovid, and SciELO, resulting in the analysis of 483 studies, 12 of which were included for detailed discussion. The results highlight that techniques such as cervical elastography, pessary use, cerclage, and progesterone therapy have contributed to reducing preterm birth risks, extending pregnancy duration, and improving maternal-fetal quality of life. However, barriers such as unequal access to technologies and the need for professional training were identified. It is concluded that an integrated approach, combining advanced diagnostics and therapies with traditional practices, is essential to optimize management and improve accessibility.
Keywords: Cervical insufficiency; Obstetric management; Cervical elastography; Progesterone therapy; Systematic review.
INTRODUÇÃO
A insuficiência istmo-cervical (IIC) é uma condição obstétrica caracterizada pela incapacidade do colo uterino em manter a gestação devido à fraqueza estrutural do tecido cervical, predispondo a abortamentos espontâneos tardios e partos prematuros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o parto prematuro é uma das principais causas de morbimortalidade neonatal, destacando a importância da detecção precoce e do manejo adequado dessa condição para reduzir desfechos adversos (ROMERO et al., 2024). Estudos indicam que a avaliação precisa da IIC pode evitar complicações significativas, prolongando a gestação e reduzindo a necessidade de intervenções neonatais de alta complexidade (IAMS et al., 1996).
A ultrassonografia transvaginal (USTV) tornou-se o método padrão para a avaliação do colo uterino na gestação, permitindo a medição do comprimento cervical e a detecção de alterações estruturais que indicam risco aumentado para a insuficiência cervical. A acurácia desse exame tem sido amplamente estudada, demonstrando alta sensibilidade na identificação precoce de gestantes que apresentam risco de evolução para parto prematuro espontâneo (HUANG et al., 2024). Além da medição do comprimento cervical, avanços tecnológicos na ultrassonografia, como a elastografia e o Doppler colorido, têm refinado a capacidade diagnóstica, permitindo uma avaliação mais detalhada da resistência tecidual e da perfusão sanguínea do colo uterino (JIANG; BO, 2024).
O diagnóstico precoce da insuficiência cervical permite a adoção de estratégias preventivas, como a cerclagem cervical, o uso de pessários e a administração de progesterona vaginal. A indicação dessas abordagens deve ser individualizada com base nos achados ultrassonográficos, no histórico obstétrico da paciente e na presença de fatores de risco adicionais (HERKILOGLU et al., 2022). Estudos sugerem que a combinação de diferentes técnicas diagnósticas pode aumentar a precisão na identificação de gestantes em risco e otimizar a tomada de decisão clínica, reduzindo significativamente as taxas de parto prematuro (ZHU et al., 2024).
A ultrassonografia transvaginal não apenas auxilia na identificação da insuficiência cervical, mas também possibilita o acompanhamento da progressão da doença. Pacientes com encurtamento cervical detectado precocemente podem ser submetidos a intervenções direcionadas, minimizando o impacto da IIC na viabilidade fetal (SIMCOX; SHENNAN, 2007). Além disso, a realização de exames seriados em gestantes de alto risco tem demonstrado eficácia na predição do parto prematuro, permitindo ajustes terapêuticos conforme a evolução clínica (ROMERO et al., 2024).
Apesar das vantagens da USTV no diagnóstico da insuficiência cervical, alguns desafios ainda são observados. A variabilidade interobservador na medição do comprimento cervical e a falta de consenso sobre valores de corte ideais para indicação de cerclagem ou pessário podem comprometer a padronização das condutas (HSIEH et al., 2023). Dessa forma, a capacitação dos profissionais que realizam a ultrassonografia e o desenvolvimento de protocolos mais precisos são fundamentais para garantir maior reprodutibilidade e confiabilidade do método diagnóstico.
Outro fator que influencia na aplicabilidade da ultrassonografia para o diagnóstico da IIC é a disponibilidade de recursos tecnológicos avançados. Em países de baixa e média renda, a limitação no acesso a equipamentos de alta resolução e a escassez de profissionais especializados dificultam a implementação de estratégias eficazes para rastreamento da insuficiência cervical (IAMS et al., 1996). Essas barreiras estruturais comprometem a detecção precoce da IIC e aumentam o risco de complicações obstétricas evitáveis.
O uso da elastografia cervical tem sido proposto como um método complementar à USTV, permitindo a avaliação da rigidez do tecido cervical. Estudos sugerem que a elastografia pode aprimorar a capacidade preditiva da ultrassonografia tradicional, fornecendo dados adicionais sobre a resistência do colo uterino à dilatação prematura (HUANG et al., 2024). Essa abordagem representa um avanço promissor na individualização do tratamento, permitindo identificar gestantes que poderiam se beneficiar de intervenções precoces para evitar desfechos adversos.
Além da avaliação ultrassonográfica, o manejo da IIC envolve um acompanhamento multidisciplinar. A combinação da USTV com medidas clínicas, como suporte psicológico e educação pré-natal, tem sido associada a melhores resultados perinatais. Gestantes diagnosticadas com insuficiência cervical apresentam níveis elevados de estresse e ansiedade, fatores que podem impactar negativamente a evolução da gravidez (HUDSON; RENSHAW, 2015). Assim, intervenções que integrem suporte emocional e monitoramento obstétrico são essenciais para garantir o bem-estar materno e fetal.
A cerclagem cervical continua sendo uma das principais intervenções para a IIC, indicada entre 12 e 24 semanas, especialmente em pacientes com histórico de perdas gestacionais associadas à dilatação cervical indolor. No entanto, a eficácia do procedimento depende da seleção criteriosa das pacientes, e sua indicação deve ser baseada em achados ultrassonográficos e no histórico obstétrico individual (HERKILOGLU et al., 2022). Alternativamente, o pessário cervical tem sido avaliado como uma abordagem menos invasiva, embora os resultados sobre sua eficácia sejam variáveis.
Nesses casos, o pessário obstétrico pode ser utilizado especialmente em gestantes que apresentam encurtamento cervical detectado pela ultrassonografia transvaginal, sendo assim, o colo apresenta um comprimento igual ou inferior a 25 mm nesse período gestacional, o uso do pessário pode ser indicado para fornecer suporte mecânico, ajudando a reduzir a pressão exercida pelo peso do útero sobre o colo e, consequentemente, diminuindo o risco de parto prematuro. Esse exame é realizado entre 16 e 24 semanas. A escolha pelo pessário deve levar em consideração o histórico obstétrico. O dispositivo costuma ser inserido entre 16 e 28 semanas e mantido até aproximadamente 36 ou 37 semanas, salvo intercorrências que justifiquem sua remoção precoce, como sinais de trabalho de parto ou complicações maternas (HOFFMAN, M. K. et al., 2023).
A administração de progesterona vaginal é uma estratégia amplamente adotada para a prevenção do parto prematuro em gestantes com encurtamento cervical documentado pela USTV. Seu mecanismo de ação envolve a modulação da inflamação e a estabilização do tecido cervical, reduzindo a progressão da insuficiência istmo-cervical (ROMERO et al., 2024). Estudos demonstram que essa intervenção pode prolongar a gestação e minimizar complicações neonatais, sendo especialmente útil em contextos onde a cerclagem não é indicada.
Os desafios no manejo da IIC reforçam a necessidade de estratégias personalizadas para cada paciente. A abordagem ideal deve considerar fatores como idade gestacional, comprimento cervical, histórico obstétrico e presença de comorbidades maternas (SIMCOX; SHENNAN, 2007). O desenvolvimento de diretrizes mais específicas e a ampliação do acesso à ultrassonografia avançada podem contribuir para otimizar os resultados clínicos e reduzir as taxas de prematuridade associadas à insuficiência cervical.
A implementação de protocolos baseados em evidências para o uso da ultrassonografia na IIC é essencial para aprimorar a detecção precoce e garantir condutas mais eficazes. A padronização da interpretação dos exames e o uso combinado de diferentes técnicas de imagem podem aumentar a confiabilidade do diagnóstico e orientar melhor as decisões terapêuticas (ZHU et al., 2024).
A participação de equipes multidisciplinares no acompanhamento da IIC tem mostrado impacto positivo na adesão ao tratamento e na redução das complicações gestacionais. A colaboração entre obstetras, ultrassonografistas e especialistas em medicina materno-fetal permite uma abordagem mais abrangente, contemplando não apenas os aspectos clínicos, mas também o suporte psicológico e social das gestantes (HERKILOGLU et al., 2022).
Diante disso, este estudo busca avaliar a acurácia da ultrassonografia na identificação da insuficiência istmo-cervical em gestantes de alto risco, analisando as principais estratégias diagnósticas e terapêuticas disponíveis. Serão destacadas as inovações tecnológicas no diagnóstico por imagem e os desafios que ainda precisam ser superados para otimizar a prevenção do parto prematuro e melhorar os desfechos materno-fetais.
MATERIAIS E MÉTODOS:
Esta revisão sistemática foi conduzida seguindo uma abordagem quanti-qualitativa, com base nas diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). As etapas recomendadas pelo PRISMA – identificação, triagem, elegibilidade e inclusão – foram rigorosamente aplicadas para assegurar a transparência e a replicabilidade do processo.
Na etapa de identificação, realizou-se uma busca abrangente em bases de dados reconhecidas pela sua relevância para o tema: PubMed, Scopus, Web of Science, Medline Ovid e SciELO. Os descritores utilizados incluíram: “Insuficiência Cervical”, “Manejo Obstétrico”, “Técnicas Diagnósticas”, “Prevenção de Parto Prematuro” e “Elastografia Cervical”. A busca foi estruturada com operadores booleanos (AND, OR, NOT), com combinações que ampliaram a abrangência e a especificidade dos resultados.
Os critérios de inclusão envolveram artigos publicados em inglês, português ou espanhol nos últimos 10 anos, que abordassem diretamente técnicas diagnósticas ou terapêuticas aplicadas ao manejo da insuficiência cervical. Foram excluídos estudos duplicados, artigos de revisão narrativa ou opiniões de especialistas, bem como estudos com amostras insuficientes ou metodologia inadequada. Após a triagem, os estudos selecionados foram organizados e categorizados de acordo com: ano de publicação, país de origem, características das amostras, intervenções avaliadas e principais desfechos clínicos.
A avaliação do risco de viés foi realizada utilizando a ferramenta RoB 2 (Risk of Bias 2) da Cochrane, que analisa cinco domínios principais: viés de seleção, viés de desempenho, viés de detecção, viés de relato e outros vieses potenciais. Cada estudo foi classificado em “Baixo risco”, “Risco incerto” ou “Alto risco”, e as justificativas para cada classificação foram baseadas nas informações metodológicas apresentadas pelos autores dos estudos. Esses dados foram sintetizados e apresentados em tabelas para facilitar a interpretação.
Além disso, gráficos foram elaborados para apresentar de forma clara e comparativa as principais variáveis analisadas, como as taxas de eficácia das intervenções, o impacto no prolongamento gestacional e a redução do risco de parto prematuro. Essa abordagem metodológica detalhada garantiu uma análise crítica e aprofundada dos dados, fornecendo subsídios para conclusões fundamentadas e relevantes para a prática clínica.
Critérios de Inclusão e Exclusão
Foram incluídos estudos que atenderam aos seguintes critérios: (1) estudos com humanos envolvendo gestantes diagnosticadas com insuficiência cervical ou em risco de parto prematuro; (2) ensaios clínicos randomizados ou estudos observacionais que avaliaram intervenções relacionadas ao diagnóstico ou manejo da insuficiência cervical; e (3) publicações realizadas entre 2010 e 2023. Foram excluídos estudos que: (1) utilizaram modelos animais ou experimentais; (2) eram duplicados; (3) consistiam em revisões de literatura ou artigos teóricos; e (4) não apresentavam resultados relevantes ou aplicáveis ao manejo clínico da insuficiência cervical.
Durante o processo de seleção e triagem, aplicaram-se rigorosamente os critérios de inclusão e exclusão. Inicialmente, foi realizada uma triagem baseada nos títulos e resumos dos artigos, identificando aqueles potencialmente relevantes. Na etapa de elegibilidade, os artigos selecionados passaram por uma leitura completa para assegurar que abordavam a pergunta de pesquisa e cumpriam integralmente os critérios de inclusão. Todos os motivos para exclusão de artigos foram registrados e documentados.
Para organizar e agilizar a triagem dos estudos, utilizou-se o software RAYYAN, uma ferramenta especializada para revisões sistemáticas. Dois revisores independentes analisaram os artigos com base nos critérios estabelecidos, iniciando pela leitura dos títulos e resumos. Nos casos em que houve divergência de opinião entre os revisores, um terceiro avaliador foi consultado para resolver as discordâncias e alcançar um consenso. A etapa de elegibilidade seguiu o mesmo processo, com leitura integral dos textos selecionados e validação dos critérios.
Esse processo criterioso garantiu uma seleção robusta dos estudos incluídos, permitindo uma análise aprofundada e confiável dos dados, além de assegurar a qualidade e a relevância das informações utilizadas na revisão.
Análise de Risco de Viés
Para analisar o risco de viés, foi utilizada a metodologia da Cochrane em conjunto com a ferramenta RoB 2 (Risk of Bias 2). Essa ferramenta avalia cinco domínios principais: (1) viés de seleção dos participantes, (2) viés de desempenho, (3) viés de detecção, (4) viés de relato e (5) outros tipos de viés. Cada domínio foi classificado como “Baixo risco”, “Risco incerto” ou “Alto risco”, de acordo com a qualidade metodológica de cada estudo avaliado. As justificativas para essas classificações foram detalhadas com base nas informações metodológicas apresentadas nos artigos.
Os resultados da avaliação de risco de viés foram organizados em tabelas descritivas, que incluíram as classificações atribuídas a cada domínio e os principais motivos para as decisões tomadas. Para facilitar a análise comparativa, gráficos foram elaborados, permitindo uma visualização clara das proporções de estudos classificados em cada nível de risco e dos padrões de viés mais recorrentes.
Esse processo sistemático assegurou uma análise transparente e fundamentada, destacando a robustez e as limitações dos estudos incluídos na revisão. Além disso, as informações obtidas nessa etapa foram essenciais para interpretar os resultados no contexto da confiabilidade das evidências apresentadas.
RESULTADOS
Após a triagem inicial, conforme o protocolo PRISMA, foram recuperados 483 registros relacionados ao manejo ultrassonográfico de pacientes com insuficiência cervical. Após a remoção de 122 registros duplicados e 14 por outros motivos, restaram 347 registros para triagem. Destes, 165 estudos foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão. Entre os 182 estudos restantes, 145 não puderam ser recuperados.
Dessa forma, 37 estudos foram avaliados quanto à elegibilidade, dos quais 25 foram excluídos por não estarem diretamente relacionados ao tema ou por não atenderem aos critérios estabelecidos. Para a análise final, foram incluídos 12 estudos que analisaram variáveis como acurácia na predição da insuficiência cervical, impacto de diferentes técnicas de ultrassonografia, elasticidade cervical e intervenções terapêuticas para prevenção de partos prematuros (Figura 1).
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Figura 1: Protocolo PRISMA
A amostra total dos estudos incluídos foi de 2.347 pacientes diagnosticados com insuficiência cervical, abrangendo diferentes características obstétricas e fatores de risco, com uma idade média variando de 25 a 48 anos. As conclusões principais sobre as técnicas de manejo ultrassonográfico incluíram uma maior precisão na detecção precoce da insuficiência cervical, com redução significativa na incidência de partos prematuros em pacientes submetidas ao acompanhamento com elastografia cervical (14%), além de intervenções profiláticas mais eficazes.
Intervenções como cerclagem cervical e uso de pessários demonstraram uma redução média no tempo de internação hospitalar de 4,3 dias e menor incidência de complicações, como ruptura prematura das membranas ovulares (7,8%). Além disso, foi observada uma maior satisfação das pacientes devido à redução do tempo de internação e aos melhores desfechos gestacionais proporcionados pelas técnicas avançadas de monitoramento e intervenção. A abordagem precoce também contribuiu para uma melhora significativa na qualidade de vida materno-fetal, com 85% das gestantes relatando maior segurança e bem-estar após o tratamento integrado.
DISCUSSÃO
A insuficiência istmo-cervical (IIC) representa um dos maiores desafios da obstetrícia moderna devido à sua forte associação com partos prematuros e perdas gestacionais tardias. O diagnóstico preciso dessa condição é fundamental para a adoção de medidas preventivas eficazes, reduzindo complicações materno-fetais. O avanço das técnicas de imagem, especialmente a ultrassonografia transvaginal (USTV), tem desempenhado um papel essencial na detecção precoce da insuficiência cervical, permitindo intervenções direcionadas a gestantes de alto risco (ROMERO et al., 2024).
A USTV consolidou-se como o principal método para a avaliação do comprimento cervical, sendo amplamente utilizada em gestantes com risco aumentado de parto prematuro. Estudos indicam que gestantes com comprimento cervical inferior a 25 mm antes da 24ª semana de gestação apresentam um risco significativamente maior de evolução para trabalho de parto prematuro (IAMS et al., 1996). Essa ferramenta diagnóstica tem se mostrado altamente reprodutível e confiável, auxiliando na estratificação de risco e na definição da necessidade de intervenções terapêuticas (HUANG et al., 2024).
Embora a USTV seja um método amplamente utilizado, novas abordagens ultrassonográficas têm sido exploradas para aprimorar a acurácia diagnóstica da IIC. A elastografia cervical surge como um avanço relevante, permitindo a avaliação da rigidez do colo uterino e fornecendo dados complementares ao comprimento cervical (JIANG; BO, 2024). Estudos sugerem que a elastografia pode aumentar a precisão na identificação de gestantes em risco, reduzindo falsos positivos e minimizando intervenções desnecessárias.
Além da elastografia, o Doppler colorido tem sido utilizado para avaliar a perfusão sanguínea cervical, fornecendo informações adicionais sobre alterações hemodinâmicas associadas à insuficiência cervical (ZHU et al., 2024). Essa abordagem pode ser particularmente útil na diferenciação de casos limítrofes, auxiliando na tomada de decisão clínica. No entanto, a disponibilidade limitada desses recursos em países de baixa e média renda representa um desafio significativo para a implementação generalizada dessas técnicas (HSIEH et al., 2023).
A principal estratégia terapêutica para a insuficiência cervical é a cerclagem, um procedimento cirúrgico indicado para gestantes com histórico de perdas gestacionais recorrentes ou encurtamento cervical documentado pela USTV. Estudos demonstram que a cerclagem pode prolongar a gestação e reduzir a taxa de partos prematuros, especialmente quando realizada precocemente (HERKILOGLU et al., 2022). No entanto, complicações como infecções, ruptura prematura de membranas e trabalho de parto prematuro podem ocorrer, exigindo um acompanhamento rigoroso.
Outra intervenção amplamente estudada é o uso de pessários cervicais como alternativa menos invasiva à cerclagem. Os pessários têm demonstrado eficácia na prevenção do parto prematuro, principalmente em gestantes assintomáticas com encurtamento cervical (SIMCOX; SHENNAN, 2007). Entretanto, sua eficácia varia de acordo com o perfil clínico da paciente, e estudos ainda são necessários para definir os melhores critérios para sua indicação (ROMERO et al., 2024).
A progesterona vaginal é outra abordagem terapêutica importante na prevenção da progressão da insuficiência cervical. Essa intervenção tem sido amplamente recomendada para gestantes com encurtamento cervical detectado pela USTV, demonstrando eficácia na redução do risco de parto prematuro antes das 34 semanas de gestação (JIANG; BO, 2024). Seu mecanismo de ação envolve a estabilização do tecido cervical e a modulação da resposta inflamatória, proporcionando um efeito protetor contra a dilatação precoce do colo uterino.
Apesar dos avanços no manejo da IIC, a variabilidade nos critérios diagnósticos e a heterogeneidade na resposta ao tratamento dificultam a padronização das condutas. A escolha entre cerclagem, pessário e progesterona deve levar em consideração fatores como histórico obstétrico, idade gestacional e achados ultrassonográficos, ressaltando a necessidade de uma abordagem individualizada para cada paciente (HERKILOGLU et al., 2022).
A desigualdade no acesso a métodos diagnósticos avançados continua sendo um problema crítico. Em países de baixa e média renda, a limitação de equipamentos de alta resolução e a escassez de profissionais treinados comprometem a eficácia do rastreamento da insuficiência cervical (HSIEH et al., 2023). Essas dificuldades reforçam a necessidade de políticas públicas voltadas à capacitação profissional e à ampliação do acesso a exames essenciais, como a ultrassonografia transvaginal.
Estudos apontam que, mesmo em cenários de recursos limitados, estratégias simples e de baixo custo, como a realização seriada da USTV em gestantes de alto risco e a ampliação do acesso à progesterona vaginal, podem reduzir significativamente as taxas de parto prematuro (ZHU et al., 2024). Essas medidas devem ser incentivadas e integradas aos programas de saúde materno-infantil para maximizar seus benefícios populacionais.
Além das intervenções médicas diretas, o acompanhamento multidisciplinar tem se mostrado fundamental para a otimização dos resultados perinatais. A integração entre obstetras, ultrassonografistas, enfermeiros e psicólogos permite um cuidado mais abrangente, contemplando não apenas os aspectos clínicos, mas também o suporte emocional às gestantes diagnosticadas com insuficiência cervical (HUDSON; RENSHAW, 2015).
A ansiedade e o estresse materno são fatores que podem impactar negativamente a evolução da gestação, especialmente em mulheres que já vivenciaram perdas gestacionais anteriores. O suporte psicológico e a educação pré-natal são estratégias essenciais para melhorar a adesão ao tratamento e reduzir os impactos emocionais associados à insuficiência cervical (SIMCOX; SHENNAN, 2007).
A necessidade de maior padronização na abordagem da insuficiência cervical também tem sido enfatizada na literatura. A definição de valores de corte mais precisos para o comprimento cervical, bem como diretrizes mais detalhadas para a utilização de novas técnicas como elastografia e Doppler colorido, pode contribuir para otimizar as condutas clínicas e reduzir as taxas de intervenções desnecessárias (HUANG et al., 2024).
Além disso, a combinação de técnicas tradicionais com métodos mais avançados tem sido defendida como a estratégia ideal para o manejo da insuficiência cervical. A ultrassonografia transvaginal continua sendo a principal ferramenta diagnóstica, mas sua associação com novas tecnologias pode aumentar a precisão da predição do risco de parto prematuro (ROMERO et al., 2024).
Os avanços tecnológicos também podem desempenhar um papel crucial na melhoria do acesso ao diagnóstico e tratamento da insuficiência cervical. O desenvolvimento de dispositivos ultrassonográficos portáteis e o treinamento remoto de profissionais podem ser estratégias eficazes para ampliar o alcance dessas ferramentas em contextos menos favorecidos (HSIEH et al., 2023).
Em síntese, a ultrassonografia transvaginal continua sendo o método mais eficaz para a avaliação da insuficiência istmo-cervical, permitindo a identificação precoce de gestantes em risco e a adoção de intervenções direcionadas. O aprimoramento das técnicas diagnósticas e terapêuticas tem sido essencial para a redução das complicações obstétricas associadas à IIC, mas desafios persistem no que diz respeito ao acesso equitativo a essas tecnologias.
O futuro do manejo da insuficiência cervical dependerá da integração de novas abordagens ultrassonográficas, da ampliação do acesso a terapias eficazes e da adoção de diretrizes clínicas baseadas em evidências. A combinação de estratégias inovadoras e tradicionais será fundamental para garantir melhores desfechos perinatais e proporcionar um cuidado mais eficiente e acessível às gestantes em todo o mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo analisar as principais técnicas utilizadas no manejo de pacientes com insuficiência cervical, desde a detecção precoce até as intervenções terapêuticas e o acompanhamento gestacional. A revisão destacou o impacto positivo de avanços tecnológicos, como a elastografia cervical e o uso de pessários, além das intervenções tradicionais, como a cerclagem e a terapia com progesterona, que contribuíram significativamente para a redução das taxas de parto prematuro e para o prolongamento da gestação.
A análise evidenciou a importância da integração entre métodos diagnósticos avançados e abordagens terapêuticas personalizadas, reforçando o papel essencial de equipes multidisciplinares para o sucesso do manejo. Contudo, persistem desafios relacionados à acessibilidade e à equidade no cuidado obstétrico, especialmente em países de baixa e média renda. A falta de infraestrutura adequada e a escassez de profissionais capacitados limitam o impacto dessas inovações em populações mais vulneráveis.
Dessa forma, este estudo reafirma a necessidade de iniciativas que promovam o acesso universal às tecnologias avançadas e a capacitação continuada de profissionais da saúde. Políticas públicas que priorizem a distribuição equitativa de recursos e incentivem a pesquisa aplicada podem reduzir disparidades e ampliar os benefícios das intervenções em diferentes contextos socioeconômicos.
Além disso, os resultados reforçam que a combinação de práticas tradicionais bem fundamentadas com inovações tecnológicas é a abordagem mais eficaz para otimizar os desfechos materno-fetais. A adoção de protocolos baseados em evidências, associados a estratégias de monitoramento contínuo, pode potencializar os resultados e proporcionar maior segurança às gestantes e aos recém-nascidos.
Por fim, este trabalho destaca a necessidade de estudos futuros que explorem novas técnicas diagnósticas e terapêuticas, bem como estratégias de implementação adaptadas às diferentes realidades clínicas e sociais. Somente por meio de esforços contínuos e integrados será possível garantir um cuidado obstétrico mais eficiente, acessível e equitativo para todas as mulheres.
REFERÊNCIAS
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