TRANSTHORACIC ECHOCARDIOGRAPHY IN ANESTHETIC AND INTRAOPERATIVE MANAGEMENT: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202402051741
Cynara Karolina Rodrigues da Cruz
Fabrício Tavares Mendonça
Gustavo Henrique dos Santos Dias
Inácia Lordelo Gonçalves
Resumo
O manejo anestésico e intraoperatório de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, especialmente aqueles de alta complexidade, exige uma monitorização rigorosa e a capacidade de responder prontamente a alterações hemodinâmicas. Assim, a ecocardiografia transtorácica (ECOTT) tem se destacado como uma ferramenta de imagem, permitindo uma avaliação em tempo real da função cardíaca. Nesse contexto, este estudo tem como objetivo revisar a literatura publicada nos últimos cinco anos (2020-2025) sobre o papel da ECOTT no manejo anestésico e intraoperatório. Como metodologia foi realizada uma revisão narrativa da literatura nas bases de dados Pubmed, Web of Science e Embase. Ao final do estudo é possível afirmar que a ECOTT é uma ferramenta essencial e promissora na prática anestésica, com potencial para otimizar o manejo hemodinâmico e melhorar a segurança dos pacientes durante procedimentos cirúrgicos. A sua incorporação na rotina perioperatória representa um avanço na anestesiologia moderna, contribuindo para a redução de complicações e aprimoramento dos desfechos clínicos. No entanto, seu uso deve ser combinado com a análise crítica das condições clínicas do paciente e as limitações técnicas do equipamento, garantindo a escolha da melhor estratégia para cada caso.
Palavras-chave: Ecocardiografia Transtorácica. Anestesia. Monitorização Intraoperatória.
Abstract
The anesthetic and intraoperative management of patients undergoing surgical procedures, particularly those of high complexity, requires rigorous monitoring and the ability to promptly respond to hemodynamic changes. In this context, transthoracic echocardiography (TTE) has emerged as an important imaging tool, allowing real-time assessment of cardiac function. This study aims to review the literature published in the last five years (2020-2025) on the role of TTE in anesthetic and intraoperative management. A narrative literature review was conducted using the PubMed, Web of Science, and Embase databases. The findings of this study affirm that TTE is an essential and promising tool in anesthetic practice, with the potential to optimize hemodynamic management and improve patient safety during surgical procedures. Its integration into the perioperative routine represents a significant advancement in modern anesthesiology, contributing to the reduction of complications and enhancement of clinical outcomes. However, its use should be combined with a critical assessment of the patient’s clinical condition and the technical limitations of the equipment, ensuring the selection of the best strategy for each case.
Keywords: Transthoracic Echocardiography. Anesthesia. Monitoring, Intraoperative.
Introdução
A ecocardiografia transtorácica (ECOTT) tem se consolidado como uma ferramenta indispensável no manejo anestésico e intraoperatório, desempenhando um papel crítico na avaliação dinâmica da função cardíaca e na orientação da tomada de decisões clínicas. Inicialmente utilizada principalmente em cardiologia, a ECOTT expandiu seu campo de aplicação para incluir situações perioperatórias complexas, em especial em pacientes com condições cardiovasculares de alto risco ou submetidos a cirurgias de grande porte.
O manejo anestésico em contextos desafiadores requer avaliações precisas e rápidas da função cardíaca para garantir a estabilidade hemodinâmica e otimizar os resultados do paciente. Nesse cenário, a ECOTT proporciona informações em tempo real sobre parâmetros como função ventricular, volemia e contratilidade miocárdica, permitindo intervenções personalizadas e baseadas em dados objetivos.
Ressalta-se que a ECOTT é uma ferramenta que visa diminuir complicações, fornecendo imagens detalhadas do coração e do pericárdio em tempo real, permitindo uma avaliação da eficácia do procedimento e identificação precoce de complicações, como sangramento excessivo ou lesões cardíacas.1
O manejo anestésico e intraoperatório de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, especialmente aqueles de alta complexidade, exige uma monitorização rigorosa e a capacidade de responder prontamente a alterações hemodinâmicas. Nesse contexto, a ECOTT tem se destacado como uma ferramenta de imagem, permitindo uma avaliação em tempo real da função cardíaca. Apesar de sua reconhecida eficácia, o uso da ETT no ambiente anestésico ainda enfrenta barreiras relacionadas à capacitação profissional, acesso à tecnologia e padronização de protocolos. A literatura disponível revela um crescente interesse pela integração da ECOTT na prática perioperatória, mas ainda há lacunas no entendimento sobre o seu papel no manejo anestésico e intraoperatório.
Este estudo se justifica pela necessidade de sistematizar o conhecimento atual sobre a ecocardiografia transtorácica aplicada ao manejo anestésico e intraoperatório, fornecendo subsídios para sua utilização mais ampla e eficiente. Ao explorar suas aplicações, benefícios e limitações, a pesquisa busca contribuir para a melhoria da qualidade do cuidado anestésico, promovendo abordagens baseadas em evidências e direcionando futuras investigações e práticas clínicas.
Nesse contexto, o estudo tem como objetivo revisar a literatura publicada nos últimos cinco anos (2020-2025) sobre o papel da ecocardiografia transtorácica (ECOTT) no manejo anestésico e intraoperatório.
Metodologia
Foi realizada uma revisão narrativa da literatura nas bases de dados Pubmed, Web of Science e Embase. Para o levantamento dos artigos, foram utilizados os descritores “Ecocardiografia Transtorácica” (Transthoracic Echocardiography), “Anestesia” (Anesthesia) e “Monitorização Intraoperatória” (Monitoring, Intraoperative), selecionados a partir do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e correspondentes aos termos em inglês do MeSH (Medical Subject Headings). Esses descritores foram combinados utilizando o operador booleano AND para garantir maior precisão na recuperação dos estudos relevantes ao tema.
Como critérios de inclusão, foram considerados artigos publicados nos últimos cinco anos (2020-2025), disponíveis em formato completo e redigidos em português, inglês ou espanhol. Foram incluídos estudos realizados com seres humanos e que abordassem a aplicação da ecocardiografia transtorácica no manejo anestésico e intraoperatório.
Foram excluídas revisões narrativas e publicações que não estivessem no formato de artigo científico. A estratégia de busca foi cuidadosamente estruturada para garantir a relevância dos estudos selecionados, priorizando aqueles que apresentassem evidências sobre a utilidade, benefícios e limitações da ecocardiografia transtorácica no contexto perioperatório.
Ecocardiografia Torácica no Manejo Anestésico e Intraoperatório
A ecocardiografia transtorácica (ECOTT) é uma ferramenta essencial para avaliar a instabilidade hemodinâmica à beira do leito, auxiliando na tomada de decisões clínicas em diversas especialidades, como medicina de emergência, terapia intensiva e anestesiologia.2 Trata-se de um tipo de ecocardiograma em que um transdutor portátil é colocado do lado de fora do coração.3 Seu uso possibilita a avaliação cardíaca detalhada em pacientes submetidos à anestesia.4
Banerjee, Saini e Lal5 destacam o crescente uso da ECOTT por anestesistas não-cardiológicos, especialmente em contextos perioperatórios, com seu uso como monitor durante a cirurgia sendo cada vez mais valorizado, por permitir avaliar as mudanças circulatórias de maneira eficiente e em tempo real.
Nos tópicos a seguir busca-se melhor compreender sobre seu papel no manejo anestésico e intraoperatório, considerando suas indicações e aplicações, as vantagens apresentadas em relação à monitorização hemodinâmica em tempo real, e no suporte à tomada de decisões clínicas em procedimentos cirúrgicos. As limitações técnicas de seu uso no ambiente intraoperatório também são estudadas.
Indicações e Aplicações
No contexto perioperatório, a ECOTT complementa a ecocardiografia transesofágica (ETE), sendo útil em pacientes não intubados, quando a ETE é contraindicada ou quando o acesso ao esôfago está restrito. Sua aplicação inclui a avaliação pré-operatória de doenças cardíacas não detectáveis clinicamente, a análise da instabilidade hemodinâmica e o monitoramento de pacientes de alto risco.2 Seu uso também possibilita monitorar e avaliar com precisão o funcionamento do coração e fornecer dados sobre o estado cardiovascular dos pacientes.4
Moschovaki et al.6 enfatizam a importância da ECOTT como uma ferramenta diagnóstica preditiva no ambiente perioperatório, especialmente para prever hipotensão pós-anestesia espinhal em pacientes idosos com doenças cardíacas e fração de ejeção ventricular esquerda reduzida. A aplicação dessa técnica pode ser indicada para identificar pacientes com maior risco de complicações hemodinâmicas após procedimentos cirúrgicos, como no caso de cirurgias ortopédicas-traumáticas em pacientes idosos.
Vantagens da ecocardiografia transtorácica na monitorização hemodinâmica em tempo real
O exame permite a identificação precoce de condições como hipovolemia, disfunção ventricular, hipertrofia ventricular esquerda, doenças valvares, hipertensão pulmonar e derrames pericárdicos ou pleurais, possibilitando intervenções direcionadas que reduzem a morbimortalidade perioperatória.2
Uma das vantagens destacadas pelo estudo de Moschovaki et al.6 é que a ECOTT permite uma monitorização hemodinâmica em tempo real e não invasiva, fornecendo dados sobre vários parâmetros cardíacos, como a função ventricular esquerda, volumes sistólicos, e a função ventricular direita. A relação dIVCmax-to-IVCCI demonstrou alto poder diagnóstico para prever hipotensão pós-anestesia espinhal, o que reforça o seu papel na antecipação de complicações hemodinâmicas, permitindo uma intervenção precoce.
O estudo de Stenberg et al.7 investigou os benefícios da ECOTT para identificar doenças cardíacas e anomalias no volume central em pacientes submetidos à cirurgia ambulatorial. A pesquisa envolveu 96 pacientes, com idade média de 63,5 anos e índice de massa corporal de 27,0 kg/m², programados para cirurgias ambulatoriais, como mastectomia, tireoidectomia e procedimentos gastrointestinais menores. Os resultados mostraram que a ECOTT pré-operatória identificou 28 casos de insuficiência cardíaca (IC), sendo 13 com fração de ejeção reduzida ou moderadamente reduzida, e 15 com fração de ejeção preservada. Além disso, foram identificados 46 casos de disfunção ventricular esquerda assintomática e 44 pacientes hipovolêmicos, sendo 16 com hipovolemia severa. O exame também revelou 7 casos de doenças valvulares obstrutivas ou doença miocárdica desconhecidas e 6 casos de disfunção sistólica do ventrículo direito. Aproximadamente 24% dos pacientes apresentaram achados hemodinâmicos críticos, com um número necessário para tratar (NNT) de 4,2, ou seja, seria necessário realizar o exame em 4,2 pacientes para encontrar um achado crítico. O estudo concluiu que a ECOTT forneceu informações hemodinâmicas importantes, revelando uma alta prevalência de disfunção ventricular esquerda e anomalias no volume corporal, sugerindo que a avaliação pré-operatória padrão para esse tipo de paciente poderia ser revista.
O estudo de Stella et al.8 descreveu a experiência de 9 anos de uma instituição no uso da ecocardiografia transtorácica (ECOTT) como ferramenta principal para monitoramento intra-procedimental durante a substituição transcateter da válvula aórtica (TAVR), com ecocardiografia transesofágica (ETE) utilizada como suporte. O estudo envolveu 1218 pacientes que passaram por TAVR via transfemoral entre janeiro de 2008 e dezembro de 2017. Em todos os casos, exceto nos primeiros 20, o procedimento foi realizado sob sedação consciente, com orientação fluoroscópica e monitoramento por ECOTT. A mortalidade global foi de 2,1% aos 30 dias e 10,2% ao ano, com mortalidade cardíaca de 0,6% aos 30 dias e 4,1% após um ano. Além disso, a ECOTT mostrou boa concordância para a quantificação de PVL, tanto intraoperatória quanto antes da alta, com um coeficiente de concordância k de 0,827 (P = 0,005). Os resultados indicam que a ECOTT é uma ferramenta eficaz para o monitoramento intraoperacional da TAVR, permitindo diagnóstico rápido e confiável, sem atrasos significativos. No entanto, a ETE revelou-se essencial para avaliar com precisão as complicações mais complexas, como o mecanismo de vazamentos paravalvulares ou instabilidade hemodinâmica, quando a ECOTT não forneceu informações suficientes.
Banerjee, Saini e Lal5 investigaram os efeitos do pneumoperitônio e da posição de Trendelenburg reversa sobre a hemodinâmica cardíaca durante a colecistectomia laparoscópica, utilizando a ECOTT para monitoramento. Em 40 pacientes ASA I-II, as alterações no débito cardíaco, volume sistólico e fração de ejeção foram registradas em diferentes momentos: antes e após a criação do pneumoperitônio, e 5 minutos após a adoção da posição de Trendelenburg reversa. Os resultados indicaram uma queda significativa no débito cardíaco (45%), volume sistólico (42%) e fração de ejeção (31,8%) após a criação do pneumoperitônio. Contudo, a adoção da posição de Trendelenburg reversa resultou em uma melhora nos parâmetros hemodinâmicos (30% no débito cardíaco, 28% no volume sistólico e 21% na fração de ejeção) em comparação com os valores pós-pneumoperitônio, embora ainda abaixo dos níveis basais. O uso da ECOTT permitiu monitorar essas mudanças hemodinâmicas de forma eficaz ao longo do procedimento. Não foram observadas mudanças na frequência cardíaca e não houve diferença significativa entre pacientes ASA I e II.
No estudo de Feng e Liu,9 a ECOTT foi usada para monitorar o débito cardíaco (DC) e o volume sistólico (VS) em tempo real durante a cesariana. O uso dessa tecnologia forneceu uma forma não invasiva de avaliar com precisão os parâmetros hemodinâmicos durante o procedimento. Os pesquisadores destacaram que, apesar de algumas limitações em termos de precisão e intercambialidade com a velocimetria elétrica, a ecocardiografia transtorácica tem uma capacidade moderada de tendência, o que a torna útil para monitoramento hemodinâmico dinâmico em tempo real durante a cirurgia. Essa característica de monitoramento contínuo é fundamental para ajustes rápidos na gestão hemodinâmica do paciente durante procedimentos complexos.
Ecocardiografia transtorácica no suporte à tomada de decisões clínicas durante procedimentos cirúrgicos
O estudo de Subramaniam et al.2 demonstrou que a ECOTT impacta significativamente o manejo anestésico e a tomada de decisões clínicas. Entre os 101 pacientes analisados, 53% foram avaliados no pré-operatório, 34% no intraoperatório e 13% no pós-operatório. Em 38% dos casos, a ECOTT não identificou achados relevantes, evitando intervenções desnecessárias, como atrasos cirúrgicos ou consultas cardiológicas. Nos demais pacientes, as condições mais frequentes foram disfunção ventricular esquerda (12,8%), hipovolemia (10,8%) e disfunção ventricular direita (7,9%). A ECOTT levou à adoção de novas intervenções, incluindo terapia com inotrópicos/vasopressores (24,8%), internação em UTI (13,8%) e infusão de volume (12,8%), além de ajustes no monitoramento, adiamento cirúrgico e modificação da técnica operatória.
Os resultados de Moschovaki et al.6 reforçaram que a ECOTT pode ser crucial para suportar decisões clínicas durante procedimentos cirúrgicos, especialmente em pacientes com doenças cardíacas. O estudo mostrou que a avaliação ecocardiográfica pré-operatória, incluindo a análise da relação dIVCmax-to-IVCCI, pode auxiliar na escolha de estratégias anestésicas e no gerenciamento de fluidos, minimizando o risco de hipotensão e outras complicações hemodinâmicas durante a cirurgia.
Feng e Liu9 verificaram que a ECOTT forneceu informações relevantes durante a cesariana, como as medições do débito cardíaco e volume sistólico, ajudando a orientar a tomada de decisões clínicas. Os autores destacam que durante a cirurgia, é crucial ajustar a anestesia, fluido e suporte vasopressor com base na hemodinâmica do paciente, assim, embora tenham verificado discrepâncias entre os métodos de ecocardiografia transtorácica e velocimetria elétrica, a monitorização ofereceu um suporte adequado para a tomada de decisões clínicas relacionadas à gestão do débito cardíaco. A habilidade da ECOTT de fornecer dados em tempo real permite intervenções rápidas, como a modificação do volume de reposição ou o ajuste do tratamento para evitar complicações hemodinâmicas, especialmente em uma paciente parturiente sob anestesia geral.
Park et al.10 (2022) investigaram o impacto da realização de ecocardiografia pré-operatória na gestão anestésica intraoperatória e nos desfechos pós-operatórios em pacientes com risco cardiovascular. O estudo foi retrospectivo e incluiu pacientes submetidos a cirurgias abdominais de grande porte que atendiam a dois ou mais dos seguintes critérios: hipertensão, diabetes mellitus, idade ≥70 anos e histórico de doenças cardíacas. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um grupo que passou por ecocardiografia pré-operatória (ECOTT) e outro que não passou por esse exame (não-ECOTT). Os resultados mostraram que não houve diferenças entre os grupos em relação à mortalidade de 30 dias, complicações cardiovasculares pós-operatórias, tempo de internação hospitalar e eventos intraoperatórios. No entanto, a incidência de monitoramento do débito cardíaco foi menor no grupo ECOTT (59,6%) em comparação com o grupo não-ECOTT (73,9%). Em conclusão, a ECOTT pré-operatória não afetou os desfechos pós-operatórios, mas pode ter um impacto na gestão anestésica intraoperatória, particularmente na monitorização hemodinâmica invasiva durante a cirurgia.
No estudo de Almeida et al.,11 o uso da ECOTT foi fundamental no diagnóstico diferencial de um episódio de choque pós-operatório em um paciente idoso submetido à cirurgia de fratura de quadril. A ECOTT realizada no ponto de atendimento revelou sinais de tromboembolismo pulmonar massivo, como dilatação e achatamento da veia cava inferior, dilatação das câmaras cardíacas direitas, sinais de McConnell (hipercinesia do ápice do ventrículo direito e hipocinesia da parede lateral), além de alterações no septo ventricular e colapso do ventrículo esquerdo no final da sístole. Esses achados ecocardiográficos foram decisivos para o diagnóstico e manejo do paciente, permitindo a introdução imediata de tratamento com heparina não fracionada e alteplase, apesar da contraindicação absoluta para trombólise devido à condição do paciente. A ECOTT foi essencial para excluir outras possíveis causas do choque, como tamponamento pericárdico, infarto do ventrículo esquerdo, hipovolemia e falha aguda das válvulas cardíacas.
Limitações técnicas e operacionais do uso da ecocardiografia transtorácica no ambiente perioperatório
Embora a ECOTT tenha demonstrado utilidade no ambiente perioperatório, Moschovaki et al.6 destacam as limitações que podem surgir, como as dificuldades na obtenção de medições precisas em alguns pacientes devido a fatores como obesidade, ventilação mecânica ou condições técnicas do equipamento. Além disso, a relação dIVCmax-to-IVCCI teve uma “zona cinza” (40-49) com menor número de medições conclusivas, o que pode indicar que, em certos casos, a interpretação dos resultados possa ser desafiadora e exigirá correções técnicas ou complementação com outros métodos diagnósticos. Stenberg et al.7 complementam afirmando que o protocolo para uso da ECOTT geralmente são abrangentes, com isso a abordagem completa da ECOTT pode não ser prática para todos os casos de cirurgia ambulatorial, devido ao tempo e recursos necessários.
O estudo de Njem, Edwin e Tettey12 também destacou algumas limitações técnicas e operacionais da ecocardiografia transtorácica no ambiente perioperatório. Embora a precisão da técnica tenha sido alta, os erros de diagnóstico, como falsos negativos e falsos positivos, foram identificados, evidenciando que fatores técnicos, como a qualidade do equipamento e a experiência do operador, podem influenciar os resultados. Contudo, esses erros não afetaram significativamente os resultados cirúrgicos, indicando que as limitações podem ser gerenciadas com boas práticas clínicas.
Limitações técnicas foram verificadas nos resultados de Stella et al.8 em 24 casos (1,9%), que exigiram a troca para ETE devido a complicações ou limitações da ECOTT, como dificuldades na quantificação de vazamento paravalvular (PVL), instabilidade hemodinâmica, derrame pericárdico ou necessidade de TAVR urgente.
Por sua vez, Feng e Liu9 verificaram, a partir da análise de Bland-Altman, um erro percentual significativo, com limites de concordância de -1.0 a 8.1 L/min para o débito cardíaco e -10.4 a 90.4 ml para o volume sistólico. Além disso, as correlações entre a ECOTT e a velocimetria elétrica foram moderadas, com coeficientes de correlação de 0.397 (P<0.001) para o débito cardíaco e 0.357 (P<0.001) para o volume sistólico. Isso indica que, apesar de ser uma ferramenta útil, possui limitações em termos de precisão e intercambialidade com outros métodos, como a velocimetria elétrica.
Diante do exposto, verifica-se que, embora a ECOTT seja uma ferramenta valiosa no ambiente intraoperatório, suas limitações técnicas e operacionais devem ser consideradas cuidadosamente. A identificação e manejo dessas restrições são essenciais para garantir a confiabilidade dos resultados e o sucesso das intervenções cirúrgicas.
Conclusão
A ecocardiografia transtorácica (ECOTT) tem se consolidado como uma ferramenta relevante no manejo anestésico e intraoperatório, oferecendo suporte para a monitorização hemodinâmica em tempo real e para a tomada de decisões clínicas em procedimentos cirúrgicos. A revisão da literatura publicada nos últimos cinco anos revelou que a ECOTT é particularmente eficaz na avaliação de condições cardíacas em pacientes sob anestesia, permitindo intervenções rápidas e direcionadas, o que pode reduzir a morbimortalidade perioperatória.
As principais indicações da ECOTT incluem a avaliação pré-operatória de doenças cardíacas não detectadas clinicamente, o monitoramento de pacientes de alto risco, e a análise da instabilidade hemodinâmica durante o procedimento cirúrgico. Além disso, a ECOTT se destaca por sua capacidade de fornecer dados dinâmicos sobre a função ventricular esquerda e direita, volumes sistólicos e a presença de complicações como hipovolemia e disfunção valvular, o que contribui diretamente para a escolha das melhores estratégias anestésicas.
Entre as vantagens da ECOTT, destaca-se a capacidade de monitorar a hemodinâmica de maneira não invasiva e em tempo real, permitindo a detecção precoce de complicações e facilitando a adaptação da abordagem anestésica de acordo com a evolução clínica do paciente. O exame tem se mostrado especialmente útil para prever complicações pós-operatórias, como hipotensão em pacientes com doenças cardíacas e fração de ejeção reduzida, ajudando a ajustar a terapêutica de forma personalizada.
Entretanto, a revisão também identificou limitações técnicas no uso da ECOTT, especialmente em cenários de maior complexidade, como a avaliação de complicações mais graves, para as quais a ecocardiografia transesofágica (ETE) ainda se mantém como a abordagem de referência. A aplicação da ECOTT, embora amplamente benéfica, deve ser considerada com cautela em contextos onde o exame não fornece informações suficientes para uma avaliação completa, exigindo, em alguns casos, complementação com outras técnicas.
Ao final do estudo é possível afirmar que a ECOTT é uma ferramenta essencial e promissora na prática anestésica, com potencial para otimizar o manejo hemodinâmico e melhorar a segurança dos pacientes durante procedimentos cirúrgicos. A sua incorporação na rotina perioperatória representa um avanço na anestesiologia moderna, contribuindo para a redução de complicações e aprimoramento dos desfechos clínicos. No entanto, seu uso deve ser combinado com a análise crítica das condições clínicas do paciente e as limitações técnicas do equipamento, garantindo a escolha da melhor estratégia para cada caso.
A revisão realizada foi limitada pela escassez de estudos específicos sobre o uso da ECOTT no manejo anestésico e intraoperatório. Embora a técnica tenha demonstrado potencial em diversos contextos clínicos, a literatura disponível sobre sua aplicação direta em ambiente cirúrgico e anestésico ainda é incipiente, com poucos estudos que abordam de forma aprofundada os benefícios, limitações e protocolos específicos para esse uso.
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