REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501311956
Andrea Viana Freitas,
Orientador: Dr. Edson Alves Margarido
RESUMO
A produção científica é fundamental para a evolução da medicina, visto que a pesquisa possibilita a realização de importantes descobertas no campo da saúde e a constatação de melhores evidências para se estabelecer diagnósticos e tratamentos mais precisos. Nesse contexto, o presente estudo tem por finalidade o estudo da reversibilidade, no pós-operatório imediato e tardio, de arritmias cardíacas pré-existentes, em específico a fibrilação atrial, por meio da realização de procedimentos cirúrgicos nas válvulas mitral, aórtica e tricúspide. Analisando-se as indicações e os riscos relativos ao procedimento e comprovando-se a eficácia do método, o presente estudo tem como objetivo contribuir com as terapêuticas do manejo de pacientes portadores de fibrilação atrial crônica não revertida por via medicamentosa, visto que sua perpetuação implica em grande morbimortalidade aos seus pacientes. Um exemplo clássico é o acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) de origem cardioembólica que, além da grande morbidade associada a essa condição, apresenta um alto índice de mortalidade. Por meio de um estudo transversal com análise quantitativa e qualitativa de prontuários, será realizada a coleta de dados para posterior averiguação. Com isso, espera-se como resultado da pesquisa, a priori, que seja confirmada a significância da melhora clínica nos pacientes analisados no pós-operatório imediato e tardio e, assim, que o presente estudo contribua com abordagens terapêuticas futuras de pacientes valvopatas portadores de fibrilação atrial.
Descritores: Serviço Hospitalar de Cardiologia, Cirurgia Cardíaca, Implante de Prótese Valvar Cardíaca, Doença Valvar Cardíaca, Fibrilação Atrial,Arritmia Cardíaca.
INTRODUÇÃO
A doença valvar apresenta diversas particularidades relacionadas a sua etiologia. A identificação dessas diferenças é essencial para o seu manejo clínico adequado. Com o declínio da doença reumática nos países desenvolvidos, a doença valvar degenerativa tornou-se a etiologia preponderante. Entretanto, nos países em desenvolvimento, a doença cardíaca reumática com comprometimento valvar é ainda bastante comum. (ROMERO MACHADO, 2009, p. XXXX)
As valvopatias podem ser classificadas em primárias e secundárias, sendo as causas primárias decorrentes de problemas propriamente valvares, como calcificações, degenerações, endocardite, doença reumática e causas secundárias, decorrentes de problemas cardíacos ou extravalvares, como a insuficiência cardíaca e a hipertensão arterial sistêmica, que são doenças que levam à dilatação das câmaras cardíacas e, consequentemente, ao acometimento do anel valvar. São basicamente divididas em doenças que causam estenose e/ou insuficiência valvar, sendo o lado esquerdo do coração o mais acometido; por isso, patologias como insuficiência mitral, estenose mitral, insuficiência aórtica e estenose aórtica são as mais encontradas na prática clínica. (TARASOUTCHI F.; MONTERA MW; RAMOS AIO; SAMPAIO RO; ROSA VEE; ACCORSI TAD; LOPES ASSA; FERNANDES JRC; PIRES LJT; SPINA GS; VIEIRA MLC; LAVITOLA PL; BIGNOTO TC; TOGNA DJD; MESQUITA ET; ESTEVES WAM; ATIK FA; COLAFRANCE, 2007, p. XXXX)
No que tange a sua história clínica pregressa, tem-se que diversas outras patologias podem surgir em decorrência de tais valvopatias, dentre os principais exemplos podemos encontrar especialmente a hipertensão pulmonar, o remodelamento ventricular, a disfunção sistólica, a dilatação aneurismática da aorta e a fibrilação atrial (FA), que são patologias com péssimo prognóstico se não tratadas adequadamente. Dentre elas, ganhará destaque nesse estudo a fibrilação atrial, uma vez que é uma arritmia que tem como uma de suas causas diretas o remodelamento atrial associado à doença valvar. Esse processo, denominado remodelação elétrica atrial, se caracteriza pela redução dos períodos refratários atriais com consequente encurtamento do comprimento de onda. Esse fenômeno é atribuído à inativação de correntes de cálcio. Entretanto, dados experimentais sugerem que, para haver perpetuação da FA, além de alterações elétricas, são necessárias modificações estruturais, tais como redução heterogênea da densidade da conexina 40 e alterações ultraestruturais (padrão fetal) que podem resultar em morte celular e, por fim, fibrose. Além disso, a sobrecarga intracelular de cálcio promovida pela FA reduz a contratilidade atrial, favorecendo a ocorrência de fenômenos tromboembólicos. (DA ROCHA RODRIGUES; DE CASTRO MIRANDA, 1999, p. XXXX)
Dentre as arritmias sustentadas ou com implicações clínicas, a fibrilação atrial (FA) é, de longe, a de maior prevalência. A incidência da FA aumenta progressivamente com a idade, sendo, portanto, esperado um aumento de sua prevalência, visto que a longevidade está aumentando nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Também as valvopatias estão aumentando nestes países, em função do aumento da expectativa de vida e da maior prevalência de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca e degeneração do anel valvar. Desse modo, a FA pode ser tanto causa como consequência de valvopatias e, portanto, ambas as condições tornar-se-ão cada vez mais prevalentes, uma alimentando a incidência da outra. A FA é a arritmia supraventricular que mais se relaciona a eventos mórbidos (acidentes tromboembólicos e IC), além de aumentar a mortalidade em diversas cardiopatias. (MAGALHÃES LP; FIGUEIREDO MJO; CINTRA FD; SAAD EB; KUNIYOSHI RR; TEIXEIRA RA; LORGA FILHO AM; D’AVILA A; DE PAOLA AAV; KALIL CA; MOREIRA DAR; SOBRAL FILHO DC; STERNICK EB; DARRIEUX FCC; FENELON G. LIMA, 2016, p. XXXX)
Nesse contexto, pode-se observar uma relação direta entre as doenças valvares e a fibrilação atrial, ocorrendo uma relação direta de causa e efeito entre ambas. Sendo assim, observa-se a necessidade de estudos que comprovem a importância clínica da realização de correção de lesões valvares em pacientes com fibrilação atrial crônica na sua reversão e, consequentemente, na melhora do prognóstico do paciente.
Ademais, vale acrescentar que o presente estudo visa contribuir com a comunidade acadêmica, trazendo dados que comprovem ou não a efetividade de um determinado tratamento frente a outras opções disponíveis no mercado, abordando suas indicações, contraindicações e riscos relativos ao procedimento.
OBJETIVO
OBJETIVO GERAL
- Este trabalho tem como objetivo analisar a significância clínica da cirurgia valvar em pacientes portadores de fibrilação atrial e correlacioná-la a um melhor prognóstico e perspectiva de vida para os pacientes em questão.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Fazer uma análise quantitativa do número de cirurgias valvares realizadas em pacientes portadores de fibrilação atrial entre os anos de 2012 e 2022;
- Calcular o índice de sucesso em tais cirurgias, buscando-se identificar qual a porcentagem dos que apresentam resolução da arritmia após a cirurgia;
- Reconhecer os fatores que influenciaram na melhora ou não do quadro clínico do paciente, fazendo análises individualizadas dos prontuários de cada paciente;
- Descrever os aspectos fisiopatológicos que influenciaram tais mudanças;
- Estimar as perspectivas futuras e a eficácia deste tratamento, comparado a outros tipos de tratamento já existentes, buscando maior especificidade e sensibilidade terapêuticas;
- Abordar os riscos associados ao procedimento, além de suas indicações e contraindicações.
METODOLOGIA
Neste projeto de pesquisa foram percorridas as seguintes etapas: escolha do tema da pesquisa; elaboração da hipótese norteadora; seleção dos descritores; busca dos estudos primários nas bases de dados; seleção, avaliação e síntese dos resultados. A busca pelos estudos ocorreu em maio de 2022, nas plataformas: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Cochrane.
O projeto de pesquisa é baseado em estudo de coorte transversal. Para a análise de dados serão selecionados indivíduos que foram submetidos a cirurgia valvar e eram portadores prévios de fibrilação ou flutter atrial no período entre os anos de 2012 e 2022.
A seleção dos indivíduos será feita através de consulta ao prontuário cirúrgico dos pacientes e, após isso, será feita outra análise, porém de prontuários clínicos, para que seja feito um estudo qualitativo comparativo e quantitativo dos resultados obtidos e esperados. Para coleta de tais dados para a realização do estudo, como critério de inclusão serão selecionados prontuários em que, necessariamente, os pacientes sejam portadores de fibrilação atrial e valvopatas e, como critério de exclusão, pacientes que sejam portadores de doença coronariana. Propõe-se análise crítica e síntese de pesquisas, sendo estas feitas por meio de buscas em bancos de dados do centro cirúrgico cardiovascular e prontuários médicos que serão obtidos posteriormente, possibilitando, assim, conclusões gerais e a elaboração de novos estudos sobre a temática. Tais dados coletados serão armazenados sob rigorosa segurança em um banco de dados que será manipulado apenas pelo pesquisador do projeto, buscando sempre manter o sigilo ético da pesquisa, além de facilitar a análise e interpretação dos dados. Sendo assim, tem-se que haverá riscos mínimos de exposição de dados dos prontuários dos pacientes, o que será evitado com sua manipulação cuidadosa por apenas um indivíduo, garantindo total sigilo.
Desse modo, propõe-se análise crítica e síntese de pesquisas, possibilitando conclusões gerais e a elaboração de novos estudos sobre a temática.
Atendendo à resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, o estudo será encaminhado ao Comitê de Ética para posterior avaliação e aprovação.
PRODUTO OU SERVIÇO RESULTANTES DO ESTUDO
Dos 150 prontuários separados para pesquisa, os quais continham, como critério básico e comum para serem integrados à pesquisa, a presença de valvopatia mitral ou aórtica prévias à cirurgia, apenas 112 foram analisados, visto que nos anos de 2012 e 2013 não havia um sistema informatizado de prontuários no hospital em que foi realizada a pesquisa, sendo os mesmos feitos a papel e caneta, o que gerou, 12 anos após, a perda de informações, descontinuidade do cuidado, precariedade do material analisado e comprometimento da coleta de dados para a presente pesquisa.
Além disso, outro ponto importantíssimo para a continuidade da pesquisa era o paciente ser portador, além da valvopatia, de fibrilação atrial (FA) previamente à cirurgia, para que pudesse ser analisada sua reversão no pós-operatório imediato e tardio, assim como também algumas possíveis variantes que poderiam ter influenciado no resultado. Sendo assim, dos 112 prontuários analisados, 52,7% não eram portadores de FA, enquanto 47,3% eram portadores de FA previamente à cirurgia. Logo, os prontuários em que não foi notada a presença de FA pré-operatória, critério indispensável para a inclusão na pesquisa, foram excluídos da próxima etapa da pesquisa; todavia, contribuíram com dados importantes, uma vez que se pode perceber, a partir deles, que, apesar da menor porcentagem da presença de FA, ela está presente em 47,3% de todos esses pacientes como comorbidade associada a valvopatia, o que reflete grande significância e incidência clínica.
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Frente a tais dados, é importante ressaltar que a idade dos pacientes variava entre 50 e 65 anos quando realizaram a cirurgia valvar e algumas patologias, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), FA crônica, doença valvar reumática, tireoidopatias e diabetes mellitus tipo 2 (DM2), foram identificadas em grande parte dos pacientes e se destacaram em relação a outras patologias também analisadas como tabagismo, doenças pulmonares diversas e insuficiência cardíaca (IC). Tais informações são de grande significância, pois diversas dessas patologias podem interferir em graus variados no remodelamento muscular cardíaco, o que pode influenciar diretamente na reversão da arritmia analisada, pois a degeneração do anel valvar e a hipertrofia muscular tem como uma de suas consequências a formação de novos circuitos elétricos a fim de aumentar o potencial contrátil do coração, o chamado automatismo cardíaco, porém, em alguns casos, essas novas vias elétricas podem gerar estímulos elétricos que se sobressaem ao nó sinoatrial, que é quem comanda o ritmo cardíaco fisiológico, gerando assim múltiplos focos atriais de impulsos elétricos, o que desorganiza completamente o ritmo cardíaco e gerando as chamadas arritmias, sendo a principal delas a FA, que pode se cronificar ou não.
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Outra questão analisada nos prontuários foi a presença de coronariopatia prévia à cirurgia, sendo identificada em apenas 6,8% dos pacientes, o que confere ainda maior veracidade aos resultados obtidos pela pesquisa, uma vez que a isquemia do músculo cardíaco pode gerar áreas elétricas inativas com fibrose, o que faria quase que obrigatoriamente o circuito elétrico cardíaco se reorganizar como meio de enfrentar tal obstáculo, comprometendo os resultados da pesquisa.
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O último ponto avaliado na pesquisa das variáveis que poderiam influenciar nos resultados foi a presença de remodelamento cardíaco prévio à cirurgia, o que, por motivos já descritos, poderia influenciar na reversão ou não da arritmia, sendo encontrada, em 66,7% dos casos, a presença de remodelamento.
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Mas houve de fato uma mudança significativa no curso da doença (FA) após a cirurgia? Após a coleta e análise dos dados foi observado que houve uma redução significativa da FA pré-operatória no pós-operatório imediato, correspondendo a 75,9% dos analisados; por outro lado, no pós-operatório tardio observou-se uma mudança importante nas porcentagens, pois dos 75,9% apenas 44,4% sustentaram a reversão da arritmia meses após a cirurgia, o que demonstra que 55,6% não mantiveram a reversão da arritmia após a correção da valvopatia, o que demonstra que os demais fatores adversos discutidos anteriormente de fato influenciaram no desfecho, demonstrando, assim, a complexidade clínica da doença.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os resultados obtidos, pode-se observar que, a longo prazo, mesmo que em porcentagem inferior ao pós-operatório imediato, houve uma reversão significativa da arritmia analisada, correspondendo a 44,4% do total de casos analisados. Cabendo, assim, ao médico assistente a responsabilidade de indicação do procedimento em um tempo oportuno, uma vez que, como demonstrado, não apenas a valvopatia influencia no aparecimento e manutenção da arritmia, mas também fatores comportamentais e outras patologias, como a HAS, DM etc., podem induzir ao remodelamento cardíaco, o que diminuiria significativamente as chances de reversão.
Por esse motivo, fica evidente nesse estudo a necessidade também de intervenção precoce em nestas variantes, como HAS e síndrome metabólica, uma vez que essas interferem, principalmente a longo prazo, em efeitos adversos cardiovasculares, o que irá predispor o paciente não só ao remodelamento cardíaco e formação de arritmias mas também a doença aterosclerótica e infarto agudo do miocárdio.
Ademais, cabe ressaltar a relevância clínica da reversão da FA, uma vez que essa arritmia se relaciona diretamente a eventos cardioembólicos, como por exemplo o acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI), que muitas vezes possuem desfechos fatais e/ou sequelas muito impactantes na vida e funcionalidade desses pacientes.
BIBLIOGRAFIA
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