ANASTOMOSE BILEODIGESTIVA EM PACIENTE COM COLEDOCOLITÍASE E CÁLCULO COMPLEXO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202501311118


Autor: Yan Thieris Santos Mesquita
Coautores:
João Marcos da Costa Oliveira;
Renê Pereira da Costa;
Luis Cesar Bredt;
William José Ferreira Leismann;
Emiliano Nahuel Fantini;
Beatriz Aguiar da Mota
Orientador: Antônio Alves Junior


RESUMO

A coledocolitíase afeta 8-20% dos pacientes com cálculos na vesícula biliar e pode ser tratada de forma endoscópica ou cirúrgica. O diagnóstico precoce é crucial para a escolha do tratamento. A condição pode causar complicações como pancreatite e cirrose. O diagnóstico é feito por critérios clínicos, laboratoriais e ultrassonográficos, com alta sensibilidade. O tratamento pode incluir colecistectomia e exploração da via biliar, como no caso da paciente exposta, com coledocolitíase impactada, que foi submetida a cirurgia com sucesso. A correção cirúrgica torna-se então de suma importância em cálculos complexos e colédoco disfuncional. 

INTRODUÇÃO

A coledocolitíase ocorre em 8 a 20% dos indivíduos que apresentam cálculos na vesícula biliar. O diagnóstico feito antes da cirurgia influencia o tratamento, que pode envolver a intervenção nas vias biliares em três etapas: antes da cirurgia, durante o procedimento ou após a cirurgia. Essa intervenção pode ser realizada por meio de técnicas endoscópicas ou cirúrgicas. Portanto, um diagnóstico preciso é essencial para determinar a melhor abordagem terapêutica1

A combinação de critérios clínicos, laboratoriais e ultrassonográficos apresenta uma sensibilidade de 96 a 98% para identificar a condição. Quando esses critérios estão ausentes, a probabilidade de ocorrência de coledocolitíase diminui para menos de 2%2

As complicações da colecistolitíase incluem colecistite, síndrome colestática, abscessos hepáticos, coledocolitíase, pancreatite aguda biliar e colangite. A obstrução crônica pode levar ao desenvolvimento de cirrose e hipertensão portal. Após 10 anos com a doença, 2 a 3% dos pacientes podem apresentar alguma dessas complicações. Portanto, recomenda-se que todos os pacientes sem contraindicações cirúrgicas sejam submetidos à colecistectomia3

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 50 anos, proveniente do interior do estado de Sergipe, encaminhada para avaliação com a equipe da cirurgia hepática do Hospital Universitário com história de dor em flanco direito, intermitente, associada à náusea. Negou icterícia e sintomas colestáticos. Hábitos urinários e intestinais normais. Nega, também, história de etilismo, tabagismo ou uso de substâncias ilícitas. Passado negativo para cirurgias prévias. Apresentou episódio de dor abdominal e febre, realizando exame de imagem que constatou coledocolitíase, com cálculos impactados em ducto biliar esquerdo e direito. Submetida à colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, colocação de prótese em via biliar mas sem sucesso na retirada dos cálculos. Exames laboratoriais no pré-operatórios demonstraram: GGT 673 U/L, fosfatase alcalina 554 U/L, ALT/AST e bilirrubinas normais.  Ressonância magnética de abdome superior com contraste pré-operatório evidenciando: Fígado de dimensões, contornos e características de sinal normais, com distribuição vascular anatômica. Moderada dilatação das vias biliares intra-hepáticas e hepatocolédoco de 2,5 cm. Falhas de enchimento contíguas e ramificadas em ductos hepáticos direito, esquerdo e comum e intra-hepáticos, com baixo sinal em todas as sequências e sem realces pelo contraste (provável litíase). Falha de enchimento tubular em hepatocolédoco (prótese / dreno?).

Imagem 1: cálculo impactado em ducto hepático esquerdo (imagem de RM com contraste)

Imagem 2: Cálculo impactado em ducto hepático direito. (imagem de RM com contraste)

Imagem 3: Falha de enchimento tubular em hepatocolédoco. (imagem de RM com contraste)

Após análise dos exames e discussão com equipe médica e paciente foi optado por exploração da via biliar com anastomose biliodigestiva e reconstrução em Y de Roux associado à colecistectomia. Durante o inventário operatório foi visto: via biliar dilatada com cálculo impactado em bifurcação e hepáticos principais, sem outras lesões, poucas aderências do omento com parede abdominal. A cirurgia realizada foi a proposta no pré-operatório. Observado dreno biliar que fora colocado por CPRE anteriormente, sendo o mesmo retirado. O cálculo impactado na bifurcação das vias biliares tinha forma de “V” e moldava perfeitamente os ductos biliares, sendo o ramo esquerdo mais comprido, mais horizontalizado e mais largo (seguindo a anatomia do hepático esquerdo). E o contrário ocorrendo com o ramo direito do cálculo.

Para a anastomose, foi seccionado totalmente e transversalmente o colédoco, com ráfia oclusiva do segmento duodenal. Em seguida, foi aberto o colédoco justahepático longitudinalmente em sua face anterior com direção ao hepático esquerdo também aberto. A anastomose biliodigestiva fora realizada com sutura de alça jejunal exclusa suturada longitudinalmente acompanhando toda a abertura do hepático principal e esquerdo.

Imagem 4: via biliar principal repara com fita cardíaca.

Imagem 5: Cálculos retirados de ducto hepático esquerdo e direito após coledocotomia.

Imagem 6: Dreno de via biliar encontrado após exploração local, inserido via CPRE.

Imagem 7: Realização da anastomose biliodigestiva ângulo-ângulo com encontro em linha média. Exploração e sepultamento do coto distal do colédoco. 

Imagem 8: Aspecto final da anastomose biliodigestiva término-lateral.

No pós-operatório imediato foi admitida na enfermaria do serviço, recebendo dieta via oral no primeiro dia pós-operatório. Dreno de Blake inserido mostrando redução diária do débito, sempre com aspecto serohemático, não se observou sinais de fístula biliar, dreno retirado no sexto dia pós-operatório. Mantendo melhora clínica e estabilidade laboratorial, recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial no sétimo dia após a cirurgia. 

Como resultado das biópsias evidenciando: vesícula biliar com hiperplasia adenomiomatosa localizada/adenomioma em região fúndica, sinais de colecistite crônica; presença de um linfonodo aderido à vesícula de aspecto habitual. Colédoco com infiltrado inflamatório linfoplasmocitário subepitelial leve e múltiplos focos de dilatação de ductos e glândulas adjacentes. 

No momento, em acompanhamento com a equipe da cirurgia hepática. Evoluindo sem queixas, com retorno às atividades diárias. 

DISCUSSÄO

A principal causa da coledocolitíase é a migração de cálculos da vesícula biliar para o colédoco, especialmente em países ocidentais. Estima-se que entre 6% a 10% da população desenvolverá colelitíase, e desse grupo, cerca de 10% apresentará coledocolitíase. Em cerca de 50% dos casos de coledocolitíase, os pacientes não apresentam sintomas, o que ressalta a importância de uma avaliação cuidadosa de todos os pacientes com colelitíase4

Um fator que deve ser considerado para o tratamento mais incisivo da coledocolitíase é a sua relação com o colangiocarcinoma. A hepatolitíase é reconhecida como um fator de risco significativo para o desenvolvimento de colangiocarcinoma, afetando aproximadamente 4% a 7% dos pacientes com essa condição. Essa relação é atribuída a diversos fatores, como a irritação crônica causada pelos cálculos intra-hepáticos, a estase biliar e infecções bacterianas. Nakamura sugeriu que a colangite proliferativa crônica, frequentemente observada em pacientes com hepatolitíase, pode levar ao surgimento de hiperplasias epiteliais atípicas e, potencialmente, ao colangiocarcinoma5

O diagnóstico de coledocolitíase é crucial para definir o tratamento em pacientes com cálculos na vesícula biliar. Vários estudos foram realizados para identificar critérios pré-operatórios que ajudem no diagnóstico da coledocolitíase e, assim, estabelecer a abordagem terapêutica adequada, mas ainda não há uma conclusão definitiva6

A colangiografia é o método mais eficaz para diagnosticar a coledocolitíase, com a CPRE se destacando como a modalidade mais adequada para o estudo das vias biliares7,8. As grandes dilatações da via biliar, os cálculos grandes, os cálculos recidivantes e a associação de cálculo com estenose são as principais causas de falha no tratamento endoscópico. Nos casos de insucesso da retirada dos cálculos via CPRE, além da taxa de morbi-mortalidade não desprezível, a exploração da via biliar por cirurgia (aberta ou laparoscópica) faz-se necessária para tratamento definitivo do doente. 

Importante salientar que a exploração de via biliar por procedimento cirúrgico proporciona não somente a retirada dos cálculos impactados, mas também o tratamento da via biliar através da anastomose biliodigestiva. Colédocos com diâmetro maiores que 1,5 cm tornam-se disfuncionais, potenciais formadores de grandes cálculos e consequentemente acarretam maior morbi-mortalidade aos pacientes, sendo assim indicação da cirurgia hepático-jejunostomia9

REFERÊNCIAS

1. Targarona EM, Bendahan GE. Management of common bile ductstones: controversies and future perspectives. HPB (Oxford). 2004;6(3):140-3..

2. Campos T, Parreira JG, de Moricz A, Rego RE, Silva RA, Pacheco Junior AM. Predictors of choledocholithiasis in patients sustaining gallstones Rev Assoc Med Bras. 2004 Apr-Jun;50(2):188-94. Epub 2004 Jul 21.

3. Williams EJ, Green J, Beckingham I, Parks R, Martin D, Lombard M; British Society of Gastroenterology. Guidelines on the management of common bile duct stones (CBDS). Gut. 2008 Jul;57(7):1004-21.

4. Sarli  L,  Costi  R,  Gobbi  S,  Sansebastiano  G,  Roncoroni  L.  As-ymptomatic bile duct stones: selection criteria for intravenous cholangiography and/or endoscopic retrograde cholangiogra-phy prior to laparoscopic cholecystectomy. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2000; 12(11):1175–80.

5. NAKAMURA, Y; TERADA, T; TANAKA, Y; OHTA, G. Are hepatolithiasis and cholangiocarcinoma aetiologically related? Virchow Arch (A), 1985;406: 45-58.

6. Hawasli A, Lloyd L, Cacucci B. Management of choledocholithiasis in the era of laparoscopic surgery. Am Surg 2000; 66: 425-31.

7. Bresciani CJC. Colangiografia intra-operatória em colecistectomia vídeo- laparoscópica: contribuição ao estudo das variações anatômicas e ao diagnóstico das doenças da via biliar principal [Tese Livre Docência]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2000.

8. Scheiman JM, Carlos RC, Barnett JL, Elta GH, Nostrant TT, Chey WD. Can endoscopic ultrasound or magnetic resonance cholangiopancreatography replace ERCP in patients with suspected biliary disease? A prospective trial and cost analysis. Am J Gastroenterol 2001; 96:2900-4.

9. Silva RA – Cálculo da vesícula e coledocolitíase. Como tratar eletivamente. Bol Inf Col Bras Cir, 1998, 102:13-14.