ABSCESSO PERIAPICAL CRÔNICO ASSOCIADO A FÍSTULA INTRAORAL EM INCISIVO CENTRAL SUPERIOR ACOMETIDO POR TRAUMA: RELATO DE CASO

CHRONIC PERIAPICAL ABSCESS ASSOCIATED WITH INTRAORAL FISTULA IN THE UPPER CENTRAL INCISOR AFFECTED BY TRAUMA: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501292236


Ângela Maisa da Silva Marcos1
Jéssika Vitória Lima da Silva1
Shamara Pinto Ferreira da Cruz1
Emilly Camilly de Aguiar Barbosa1
Gabriela da Silva Paes1
Manoela Sobreira Pereira Clementino1
Maria Eduarda de Moura Silva Albuquerque1
Rafaela Santana Freitas Monteiro1
Paulo Maurício Reis de Melo Júnior2
Vanessa Lessa Cavalcanti de Araújo2


Resumo

Alterações pulpares podem ocorrem por meio de influência química, física ou bacteriana, desencadeando patologias pulpares ou periapicais. Paciente do sexo feminino, 52 anos, foi encaminhada para a Clínica Integral III da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, da Universidade de Pernambuco (FOP/UPE) para realizar tratamento endodôntico. Ao exame físico intraoral, observou-se a presença de fístula ativa com tumefação na região gengival do dente 21, com cerca de 07 meses de evolução. O dente apresentava leve grau de escurecimento, ausência de lesões cariosas ou restaurações e apresentava radiolucidez óssea periapical difusa associada à raiz. A paciente relatou que sofreu trauma nesse dente há cerca de 38 anos e referiu ausência de dor atualmente. Apenas o teste de percussão vertical foi positivo. Após o acesso coronário, utilizou-se as brocas Gattes-Glidden para preparo cervical e médio e limas K-Files para preparo apical, associada a irrigação com solução de hipoclorito de sódio 2,5%. Como medicação intracanal foi usado o hidróxido de cálcio. Após um mês, constatou-se a regressão da fístula e realizou-se a obturação do canal. Para o manejo de abscesso periapical crônico é essencial as corretas condutas do diagnóstico, através da história pregressa, exames clínico e radiográfico, testes semiotécnicos, além do preparo e uso de medicações no sistema de canais radiculares.

Palavras-chave: Endodontia. Abscesso Periapical. Fístula Dentária. 

1 INTRODUÇÃO

Os abscessos periapicais podem ser definidos como respostas inflamatórias dos tecidos perirradiculares devido a uma infecção (MORALES-LASTRE et al., 2023; PINTO et al., 2016). Podem existir mais de 400 espécies bacterianas diferentes nos canais radiculares que se apresentam infectados, e a necessidade de prevenção e controle dessa infecção, para restabelecer a função dentária normal e a saúde, através do tratamento endodôntico (MELO et al., 2022). 

A intensidade da resposta inflamatória pulpar pode variar de acordo com o tipo de agressão, pois interrompe a integridade do tecido e a inflamação decorrente visa reparar a área afetada (MELO et al., 2022; BARBOSA et al., 2020). O abscesso periapical pode se apresentar de duas formas: abscesso periapical agudo ou abscesso periapical crônico (MORALES-LASTRE et al., 2023). 

No abscesso periapical agudo a dor aguda está presente, além do edema e progride para a fase crônica depois de um certo tempo (KIRCHHOFF et al., 2013). Em casos de abscesso periapical agudo, a drenagem purulenta pode se dar via canal radicular, por incisão da mucosa, ou ambos (MELO et al., 2022).

Já o abscesso periapical crônico é caracterizado pelo extravasamento de material purulento através de fístulas ligadas a um trato sinuoso intraoral ou extraoral, podendo apresentar períodos de inatividade da fístula, perduram mais tempo que o abscesso agudo e geralmente são assintomáticos (MORALES-LASTRE et al., 2023). 

A fístula dento-alveolar é a conexão entre a fonte da inflamação, sendo ela causada por cistos infectados, fraturas mandibulares ou maxilares, inflamações periodontais,  dentes  necrosados  ou  trauma (MELO et al., 2022). Normalmente o material purulento se dissemina em regiões de menor resistência causando a fístula (PINTO et al., 2016).

Quando os microrganismos nas  áreas  apicais  e  periapicais  não  podem  ser  contidos  por  via  de  acesso  coronário, ou existe a persistência da fístula, e após tentativas de diferentes abordagens para o tratamento, a microcirurgia endodôntica pode ser usada como uma terapia complementar (PRADA et al., 2019).

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso clínico de abscesso periapical crônico associado a fístula intraoral em incisivo central superior acometido por trauma. 

2 CASO CLÍNICO

 Paciente R. S, sexo feminino, 52 anos, compareceu à Clínica de Integral III da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE), encaminhada pelo ambulatório de Cirurgia Bucomaxilofacial para avaliar endodonticamente o dente 21, queixando-se que surgiu uma “bolinha em cima do dente” há 07 meses.

Durante a anamnese, a paciente informou ser hipertensa e diabética, e que faz uso de Hidroclorotiazida, Losartana Potássica e Glifagem. Não relatou apresentar qualquer tipo de alergia e afirmou sentir dor ou inchaço nas articulações. Os sinais vitais estavam clinicamente normais e sem alterações, evidenciadas após os exames físicos intrabucal e extrabucal. A paciente também informou ter sofrido um trauma há 38 anos e que o dente 21 era assintomático. 

Ao exame clínico, foi confirmada a presença de fístula intraoral ativa associada ao dente 21 (Figura 1), o qual apresentava leve grau de escurecimento e ausência de lesões cariosas ou restaurações (Figura 2). Foram registradas as restaurações nos dentes 22, 36 e 46 e cárie ativa na região distal do dente 46. Na radiografia panorâmica apresentou a presença de restos radiculares e no exame periapical constatou-se presença de radiolucidez óssea periapical difusa nos dentes 21 e 22 (Figura 3). 

Figura 1: Fístula presente no dente 21.

Figura 2: Aspecto do dente 21 escurecido.

Figura 3: Imagem radiográfica do dente 21 com presença de lesão periapical.

Foram realizados os testes de vitalidade pulpar ao frio, percussão horizontal e palpação no dente 21, que apresentaram resultados negativos. No entanto, a paciente relatou leve incômodo durante o teste de percussão vertical. A hipótese diagnóstica pulpar foi de necrose pulpar e periodontal foi de abscesso periapical crônico.

Após o término do exame clínico, realizou-se o plano de tratamento. Na consulta seguinte seguiu-se a raspagem supragengival: sextantes 4, 5 e 6 e profilaxia com pasta profilática.

Na primeira sessão do tratamento endodôntico foi realizado a anestesia infiltrativa com sal anestésico Articaína 4% com epinefrina, isolamento absoluto do campo operatório apenas do elemento 21 com lençol de borracha e grampo 210, abertura coronária com ponta diamantada esférica 1013 e ponta diamantada tronco-cônica 3082 e irrigação inicial com 20 ml de hipoclorito de sódio 2,5% e a exploração do canal com instrumento manual tipo K #15 (Dentsply, Maillefer, Ballaigues, Suíça). O protocolo de instrumentação do canal foi semelhante ao usado por Travassos et al. (2021). 

Foi realizado o preparo do terço cervical e médio com broca Gates Glidden (Dentsply, Maillefer, Ballaigues, Suíça) de número 4, odontometria eletrônica obtendo-se o comprimento real do dente (CRD) igual a 22 mm e preparo do terço médio com limas manuais tipo K # 100, 90, 80, 70, 60, 55, 50 (Dentsply, Maillefer, Ballaigues, Suíça), sendo este último, como instrumento apical inicial. O preparo apical foi realizado com limas manuais tipo K #50, 60, 70 e 80 (Dentsply, Maillefer, Ballaigues, Suíça), sendo a lima 80, o instrumento memória. A medicação intracanal utilizada foi a solução de hipoclorito de sódio 2,5% e o selamento provisório com fita de politetrafluoretileno (IsoTape, TDV, Pomerode, Brasil) e cimento de ionômero de vidro reforçado com resina, fotoativado (Riva Light Cure, SDI, Austrália).

Figura 5: A) Instrumentos manual do dente 21.  B) Irrigação com hipoclorito de sódio. 

Na segunda sessão, após anestesia infiltrativa com sal anestésico Articaína a 4% com epinefrina foram realizados o isolamento absoluto do campo operatório e acesso coronário. Realizou-se a irrigação ultrassônica passiva (PUI), com a solução de hipoclorito de sódio (NaOCl) a 2,5%, soro fisiológico e ETDA trissódico fracionado e a secagem do canal com cones de papel adsorventes. Em seguida foi utilizada a medicação intracanal (MIC) com pasta de hidróxido de cálcio (Fórmula & Ação, Farmácia de Manipulação Ltda. SP, Brasil) e selamento provisório com fita de politetrafluoretileno (IsoTape, TDV, Pomerode, Brasil) e cimento de ionômero de vidro reforçado com resina, fotoativado (Riva Light Cure, SDI, Austrália).

Na terceira sessão, foi constatada uma evolução na regressão parcial da  lesão  periapical, seguiu-se para a realização da obturação. Nesta etapa, foi feito o acesso coronário, a remoção da MIC, irrigação ultrassônica passiva, checagem da odontometria, prova do cone de guta-percha através  de radiografia periapical e em seguida foi realizada a obturação do sistema de canais, com cimento à base de resina epóxi AH Plus Jet (Dentsply Sirona, York, PA) juntamente com a técnica de condensação lateral, e selamento provisório com cimento de ionômero de vidro reforçado com resina, fotoativado encapsulado (Riva Light Cure, SDI, Austrália).

3 DISCUSSÃO

O caso clínico descrito apresentou um abscesso crônico em dente anterior, com história de trauma que desencadeou alterações na polpa e no periápice dentário. Tais alterações possuem a capacidade de afetar a integridade pulpar e progredirem, lenta ou rapidamente, para necrose pulpar (TRAVASSOS et al, 2021; PINTO et al, 2016).  Neste caso, a necrose pulpar, ficou evidenciada, pois ao exame clínico intraoral foram constatadas, coroa dentária levemente escurecida, ausência de vitalidade pulpar e lesão periapical, conforme indicado na literatura científica (TERTO et al., 2024).

O traumatismo dentário, caracterizado como um agente físico, ocorre quando os dentes sofrem um forte impacto, o que pode acarretar lesões nas estruturas intraorais e extraorais, em tecidos duros e moles, e em muitos casos, a necrose pulpar. Os incisivos centrais superiores são os dentes mais afetados por traumas dentais (KAHLER, 2010). A necrose pulpar desencadeada ocorre devido a um rompimento ou lesão do feixe vascular e nervoso do forame apical, o que causa perda de água e desnaturação proteica, quadro em que as células pulpares se tornam coaguladas e mortas, no entanto ainda continuam em seu arcabouço (CONSOLARO & BERNARDINI, 2007). 

O remanescente tecidual não mais protegido pelas defesas orgânicas possibilitou a instalação de infecção na polpa dentária, que mobilizou microrganismos a se desenvolverem em sentido apical de forma a invadir e colonizar os tecidos periapicais, iniciando a periodontite apical (PRADA, 2019). No entanto, o caráter das doenças do periápice estão relacionados com as respostas inflamatórias e imunológicas do hospedeiro, o que influencia diretamente no status de inflamação aguda ou passagem para uma inflamação crônica, cuja progressão resulta na reabsorção do osso periapical, com contornos indefinidos (KIRCHHOFF et al., 2013), como foi evidenciado radiograficamente. 

É importante salientar que uma das complicações possíveis dos traumas é a reabsorção dos tecidos duros do órgão dentário (VAZ et al. (2011), como foi apresentado no caso clínico em questão, com evolução lenta para um abscesso periapical crônico, em uma área de supuração circunscrita e assintomática. O pus formado, em pequena quantidade, foi drenado de forma intermitente por uma fístula intraoral, como na maioria dos casos (KIRCHHOFF et al., 2013).

 Em paralelo, a paciente relatou que o dente a incomodou com uma dor leve por alguns anos, mas nunca procurou atendimento, o que levou a passagem da lesão aguda para uma crônica assintomática, acarretando, com o passar dos anos, em um abscesso crônico com presença de fístula intraoral, sem história de edemas na região.

De acordo com Travassos et al. (2021), é essencial um correto diagnóstico da patologia pulpar através da história clínica do caso, testes de vitalidade, exames radiográficos e semiotécnicos. No presente caso, os testes de sensibilidade ao frio, percussão horizontal e palpação apresentaram resposta negativa, o que é comum, uma vez que a polpa se encontra em estado necrótico. No entanto, não se deve descartar a possibilidade de sensibilidade aos testes de palpação e percussão (PINHO et al., 2012), como foi referida pela paciente, uma leve resposta positiva ao teste de percussão vertical, que também pode ser justificada pela maloclusão instalada.  

O   tratamento endodôntico instituído teve como objetivo a eliminação da  fonte  de  irritantes  situada  no  interior  dos sistemas  de  canais  radiculares,  para regressão tanto da  lesão periapical, quanto da fístula, que pode ocorrer após  7  a  30  dias, indício  de  um  procedimento satisfatório (BARBOSA;  TRAVASSOS, 2020; VAZ et al., 2021). Em consonância com a literatura, a fístula apresentou regressão total, indicando o sucesso do tratamento endodôntico. No entanto, pela condição de diabetes da paciente, levou cerca de 30 dias, mas, ainda assim, dentro dos parâmetros considerados normais pelos estudos.

Para obter este resultado eficiente, a instrumentação dos canais radiculares associada à ação das soluções químicas auxiliares, utilizadas no preparo biomecânico foi capaz de remover as camadas de dentina contaminada e permitiu que o irrigante alcançasse todo o espaço do canal e reduzir significantemente o número de microrganismos no interior do sistema de canais radiculares (TRAVASSOS et al., 2021; MELO, 2022; VAZ et al., 2011).  

Apesar das repercussões negativas à saúde bucal e geral dos pacientes, este caso clínico comprova que diante do diagnóstico correto de abscessos crônicos, a intervenção endodôntica é um procedimento efetivo para casos de origem primeiramente traumáticas, mesmo após mais de 30 anos do trauma referido.  

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o manejo clínico de abscesso periapical crônico é essencial um correto diagnóstico através da história pregressa da lesão, exame clínico, radiográfico e testes semiotécnicos, além do adequado preparo químico-mecânico do sistema de canais radiculares.

REFERÊNCIAS

BARBOSA,  I.  O.;  TRAVASSOS,  R.  M.  C.  Regressão  de  lesão  periapical:  relato  de  caso. Revista Faipe. v. 10, n. 2, p. 49-55, jul./dez. 2020.

CONSOLARO, A.; BERNARDINI, V. R. Metamorfose cálcica da polpa e necrose pulpar asséptica no planejamento ortodôntico. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial, v. 12, n. 6, p. 21–3, nov. 2007.

KAHLER, B. Traumatic bone cyst suggestive of a chronic periapical abscess: a case report. Australian Endodontic Journal, [S.L.], v. 37, n. 2, p. 73-75, 24 out. 2010. Wiley. http://dx.doi.org/10.1111/j.1747-4477.2010.00272.x.

KIRCHHOFF, A. L.; RAQUELI VIAPIANA; RIBEIRO, R. G. Repercussões periapicais em dentes com necrose pulpar, v. 61, p. 469–475, 1 dez. 2013.

MELO, S. L. et al. Tratamento endodôntico com presença de fístula-Revisão de literatura. Revista Cathedral, v. 4, n. 1, p. 71-84, 2022.

MORALES-LASTRE, C. C. et al. Efectividad de una solución irrigante en el manejo de absceso periapical crónico: reporte de un caso. Revista Científica Odontológica, v. 11, n. 4, 2023.

PRADA,   I.   et   al.   Influence   of   microbiology   on   endodontic   failure. Literature Review. Medicina Oral, Patología Oral y Cirugía Bucal,  v. 24, n. 3, p. 364-e372, maio 2019.

PINHO, I. C. M. et al. Abscesso Periapical crônico: relato de caso. Revista em Saúde, v. 2, n. 1, 2021.

PINTO, S. I. T. Uma abordagem sobre infecções endodônticas. Dissertação (Mestrado em Medicina  Dentária). Faculdade  de  Ciências  da  Saúde.  Universidade  Fernando  Pessoa,  Porto,2016.

‌TRAVASSOS, R. M. C. et al. Periapical lesion regression analysis: clinical case report. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 12, p. e201101220267, 2021.

TERTO, M. L. M. et al. Tratamento endodôntico em dente necrosado por traumatismo: relato de caso. Revista CPAQV – Centro de Pesquisas Avançadas em Qualidade de Vida , [S. l.], v. 16, n. 2, p. 7, 2024.

VAZ, I. P. et al. Tratamento em incisivos centrais superiores após traumatismo dental. RGO. Revista Gaúcha de Odontologia (Online), v. 59, n. 2, p. 305–311, 1 jun. 2011.


1 Discente do Curso Superior de Odontologia da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Campus Santo Amaro.
² Docente do Curso Superior de Odontologia da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, Campus Santo Amaro.