REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501292210
Alessa Rayana Oliveira Madeira 1
Vinícius Martins Valois 2
RESUMO
As artropatias induzidas por cristais (AICs), como a gota, a doença por deposição de pirofosfato de cálcio (DDPFC) e a doença por deposição de fosfato básico de cálcio (DDFBC), são condições inflamatórias articulares caracterizadas pela deposição de cristais nos tecidos articulares e periarticulares. Essas doenças apresentam características clínicas semelhantes, como surtos inflamatórios agudos e evolução crônica, mas exigem abordagens diagnósticas e terapêuticas distintas. A gota, a mais prevalente, é associada a cristais de urato monossódico (UMS), enquanto a DDPFC e a DDFBC envolvem cristais de pirofosfato de cálcio e fosfato básico de cálcio, respectivamente.
O diagnóstico preciso é essencial para o manejo adequado, destacando-se o papel das técnicas de imagem, como ultrassonografia, tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE) e radiografia.
A ultrassonografia é valiosa na detecção precoce de cristais, especialmente na gota, enquanto a TCDE permite a quantificação da carga de cristais e o monitoramento terapêutico. A radiografia é útil na identificação de calcificações e danos estruturais, especialmente na DDPFC. A ressonância magnética, embora menos específica, é eficaz na avaliação de tecidos moles e edema medular.
A escolha da modalidade de imagem deve considerar a fase da doença, a localização das lesões e a disponibilidade de recursos. A interpretação dos achados de imagem deve sempre integrar o contexto clínico para evitar diagnósticos equivocados. O avanço das técnicas de imagem tem melhorado o diagnóstico precoce e o manejo das AICs, mas estudos futuros são necessários para aprimorar a acurácia diagnóstica e explorar novas abordagens terapêuticas.
Palavras-chave: Artropatias por Cristais; Diagnóstico por Imagem; Radiologia.
ABSTRACT
Crystal-induced arthropathies (AICs), such as gout, calcium pyrophosphate deposition disease (DDPFC) and calcium phosphate base deposition disease (DDFBC), are joint inflammatory conditions characterized by crystal deposition in joint and periarticular tissues. These diseases have similar clinical characteristics, such as acute inflammatory outbreaks and chronic evolution, but require distinct diagnostic and therapeutic approaches. Gout, the most prevalent, is associated with monosodium urate crystals, while DDPFC and DDFBC involve crystals of calcium pyrophosphate and basic calcium phosphate, respectively.
Accurate diagnosis is essential for proper management, highlighting the role of imaging techniques, such as ultrasound, dual-energy computed tomography (DCT) and radiography.
Ultrasound is valuable in the early detection of crystals, especially in gout, while TCDE allows the quantification of crystal load and therapeutic monitoring. Radiography is useful in identifying calcifications and structural damage, especially in DDPFC. Magnetic resonance imaging, although less specific, is effective in the evaluation of soft tissues and medullary edema.
The choice of imaging modality should consider the phase of the disease, the location of the lesions and the availability of resources. The interpretation of imaging findings should always integrate the clinical context to avoid misdiagnoses. The advancement of imaging techniques has improved the early diagnosis and management of AICs, but future studies are needed to improve diagnostic accuracy and explore new therapeutic approaches.
Keywords: Crystal Arthropathies; Imaging Diagnosis; Radiology.
1. INTRODUÇÃO
As artropatias induzidas por cristais (AICs) constituem um grupo de doenças reumáticas caracterizadas pela deposição de cristais nos tecidos articulares e periarticulares, desencadeando processos inflamatórios agudos e crônicos. Essas condições incluem a gota, associada à deposição de urato monossódico (UMS); a doença por deposição de pirofosfato de cálcio (DDPFC), relacionada aos cristais de pirofosfato de cálcio (PFC); e a doença por deposição de fosfato básico de cálcio (DDFBC), principalmente associada aos cristais de hidroxiapatita de cálcio (MANDL et al., 2023). Essas patologias representam uma causa significativa de morbidade musculoesquelética, com impacto considerável na qualidade de vida dos pacientes e no sistema de saúde, devido à sua natureza crônica e ao potencial de causar danos articulares irreversíveis.
A epidemiologia das AICs é complexa e varia conforme a região geográfica, etnia e faixa etária. A gota, por exemplo, é a artropatia cristalina mais prevalente, com taxas que variam de 0,68% a 14% em adultos, dependendo da população estudada. Sua incidência tem aumentado globalmente, especialmente em países industrializados, impulsionada por fatores como dieta, obesidade e envelhecimento da população. Em contraste, a DDPFC e a DDFBC apresentam dados epidemiológicos menos consistentes, com estudos mostrando variações significativas em sua prevalência e distribuição (MANDL et al., 2023). Apesar disso, ambas as condições são reconhecidas como causas importantes de artrite inflamatória, especialmente em idosos.
O diagnóstico das AICs é frequentemente desafiador devido à sobreposição de sintomas com outras doenças articulares, como osteoartrite, artrite reumatoide e artrite infecciosa. A apresentação clínica pode variar desde episódios agudos de dor intensa e inflamação até formas crônicas e assintomáticas, o que dificulta a identificação precoce e o manejo adequado. A análise do líquido sinovial para identificação de cristais permanece o padrão-ouro para o diagnóstico, mas a artrocentese nem sempre é viável devido a limitações técnicas, falta de recursos ou resultados falso-negativos. Nesse contexto, os exames de imagem têm ganhado destaque como ferramentas essenciais para o diagnóstico, monitoramento e avaliação de danos estruturais nas AICs (REIJNIERSE et al., 2022; HUBER et al., 2021).
As técnicas de imagem, como radiografia, ultrassonografia, tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE) e ressonância magnética (RNM), desempenham papéis distintos no manejo das AICs. Cada modalidade oferece vantagens e limitações específicas, variando em sensibilidade, especificidade, custo e disponibilidade. A radiografia, por exemplo, é amplamente utilizada para detectar calcificações e danos estruturais, mas é menos sensível em estágios iniciais da doença. A ultrassonografia destaca-se pela capacidade de identificar depósitos cristalinos e inflamação em tecidos moles, enquanto a TCDE permite a detecção quantitativa de cristais de urato monossódico e a diferenciação entre diferentes tipos de depósitos cristalinos (MANDL et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
A escolha da modalidade de imagem mais adequada depende de diversos fatores, incluindo a fase da doença (aguda ou crônica), a localização das lesões e as circunstâncias clínicas. Além disso, a interpretação dos achados imagiológicos deve sempre ser contextualizada com o quadro clínico do paciente, uma vez que os resultados podem não ser totalmente específicos para uma determinada AIC. Por exemplo, o sinal do “duplo contorno” observado na ultrassonografia, típico da gota, também pode estar presente na DDPFC e em outras condições (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
A imagem também desempenha um papel crucial no diagnóstico precoce das AICs, permitindo a detecção de lesões patológicas mesmo na ausência de sintomas clínicos. Isso é particularmente relevante em condições como a DDPFC assintomática e a deposição assintomática de urato monossódico, onde a identificação precoce pode prevenir complicações futuras. Além disso, as técnicas de imagem são fundamentais para o diagnóstico diferencial com outras artropatias, que exigem abordagens terapêuticas distintas, e para aumentar a adesão do paciente ao tratamento, ao proporcionar uma compreensão visual clara de sua condição (MANDL et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
Este artigo tem como objetivo revisar o papel das diferentes modalidades de imagem no diagnóstico e manejo das artropatias induzidas por cristais, destacando suas aplicações, vantagens e limitações. A compreensão desses aspectos é fundamental para otimizar a abordagem diagnóstica e terapêutica, contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos portadores e reduzir a morbidade associada a essas condições (MOURAD et al., 2024).
Em suma, o presente trabalho é importante à medida que discute o papel da imagem na potencialização do diagnóstico das AICs. Diante do desafio significativo que tais condições representam para a medicina moderna, o diagnóstico precoce, confiável e preciso é fundamental, permitindo intervenções personalizadas, com impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes e na eficiência dos sistemas de saúde.
2. METODOLOGIA
O presente trabalho se trata de uma revisão de literatura científica, nacional e internacional, de artigos publicados no período de 2019 a 2024, que abordem os principais aspectos do diagnóstico por imagem das artropatias por depósitos de cristais.
Será realizada uma pesquisa bibliográfica por meio das fontes de busca constituídas pelos recursos eletrônicos nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Health Information from the National Library of Medicine (MEDLINE) e na biblioteca eletrônica Scientific Eletronic Library On-line (SciELO), as quais oferecem acesso a artigos acadêmicos e científicos nas áreas de saúde e medicina. Tais palavras foram escolhidas com base nos conceitos principais do trabalho, objetivando identificar os estudos mais relevantes e recentes sobre o tema proposto.
Os descritores utilizados serão: Artropatias por Cristais / Crystal Arthropathies, Diagnóstico por Imagem / Imaging Diagnosis e Radiologia / Radiology. Salienta-se que os descritores supracitados encontram-se nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).
Serão utilizados como critérios de inclusão: artigos que abordem os aspectos do uso, indicação e importância do diagnóstico por imagem das artropatias por deposição de cristais, com data de publicação no período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2024.
Como critérios de exclusão serão utilizados: artigos que não englobem o tema central proposto por este trabalho, aqueles com data de publicação antes de 2019, bem como as publicações duplicadas nas diferentes bases de dados.
Após a identificação dos artigos nas fontes de busca mencionadas, serão avaliados os títulos e resumos, de modo a selecioná-los. Por último, aqueles que atenderem aos objetivos deste estudo, serão incluídos no roteiro de análise e revisão.
A metodologia utilizada no presente trabalho possibilitou selecionar de forma criteriosa os estudos que abordam os principais métodos de imagem usados para avaliar as artropatias induzidas por cristais, destacando seu uso, indicações e sua importância diagnóstica. A seguir, serão apresentados os resultados da revisão, com base nos artigos selecionados, e suas implicações na investigação e no diagnóstico das artropatias cristalinas através da imagem.
3. DISCUSSÃO
As artropatias induzidas por cristais (AICs) são condições comuns causadas pela deposição cristalina nos tecidos articulares e periarticulares. Os principais tipos de cristais envolvidos na patogênese dessas doenças incluem o urato monossódico na gota, os cristais de pirofosfato de cálcio na doença por deposição pirofosfato de cálcio (DDPFC) e o fosfato básico de cálcio, representado principalmente pelos cristais de hidroxiapatita, que é associado à doença por deposição de fosfato básico de cálcio (DDFBC) (MANDL et al., 2023).
A epidemiologia das condições articulares inflamatórias não é completamente compreendida, entretanto, a literatura demonstra que tais patologias parecem ser comuns e que sua prevalência vem aumentando ao longo dos anos, em especial a gota, a qual dependendo da localização geográfica e etnia, pode variar de 0,68% e 14% em pacientes adultos. Em relação à doença por cristais de pirofosfato de cálcio e à artrite por fosfato básico de cálcio, os dados disponíveis são discordantes e limitados (MANDL et al., 2023).
As diversas doenças caracterizadas como artropatias por depósitos cristalinos (gota, DDPFC e DDFBC) correspondem a patologias heterogêneas em relação aos seus cristais formadores, entretanto, apresentam características similares em seu curso, sendo crônicas e frequentemente assintomáticas. Ademais, essas condições são também marcadas por surtos inflamatórios agudos provocados pela deposição de cristais, intercalados por fases sem sintomas (MANDL et al., 2023).
A apresentação clínica das AICs é bastante variável e o diagnóstico pode ser desafiador, devido sobretudo à dificuldade em distinguir seus sinais e sintomas de outras doenças ou afecções simultâneas. Dessa forma, a identificação dos compostos químicos relacionados ao amplo espectro das doenças sob a denominação de artropatias cristalinas é fundamental para o sucesso da terapia a longo prazo (REIJNIERSE et al., 2022; HUBER et al., 2021).
Embora a evidência de deposição de cristais no fluido sinovial ou na análise de tecido continue sendo a marca registrada do diagnóstico, foi reconhecido que isso nem sempre é possível, devido à artrocentese malsucedida ou à falta de instalações/especialização para analisar o fluido articular. Além disso, segundo alguns estudos, embora o diagnóstico patológico seja o padrão ouro para a gota, ainda pode haver um pequeno número de diagnósticos falsos negativos. Assim, a imagiologia torna-se uma importante arma diagnóstica não invasiva diante da dificuldade e custo na realização da análise do líquido sinovial, sendo incluída nas recomendações mais recentes para a classificação e diagnóstico das AICs. Além disso, exames de imagem também podem fornecer informações importantes para o diagnóstico diferencial com demais artropatias, que apresentam abordagens e manejo distintos, e podem aumentar a adesão ao tratamento do paciente através do melhor entendimento da sua condição (MANDL et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022, XIE et al., 2021; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020; CAROTTI et al., 2020).
As diversas ferramentas imagiológicas variam em características intrínsecas, como exposição à radiação, custo e disponibilidade, além de diferentes desempenhos diagnósticos para a identificação da deposição de cristais e a avaliação de danos estruturais ou inflamação. Diante do exposto, a escolha do método de imagem mais apropriado para cada subtipo das AICs representa um desafio mediante a semiologia inespecífica, multifacetada e a evolução distinta das manifestações clínicas durante os diferentes estágios destas patologias (MANDL et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022, SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
A imagem também contribui para o diagnóstico precoce das AICs à medida que permite a detecção de lesões patológicas típicas, mesmo sem a presença de sintomas clínicos por longos períodos temporais. Alguns exemplos incluem a forma assintomática da DDPFC, tendinite calcificada assintomática e casos de deposição assintomática de UMS. Um ponto importante é que para auxiliar em um diagnóstico ainda mais preciso, é crucial avaliar por imagem as regiões tipicamente afetadas pelos diferentes subtipos de artropatias induzidas por cristais, incluindo articulações, estruturas periarticulares e tecidos moles, como tendões e ligamentos, não se restringindo apenas nas áreas de queixa clínica do paciente (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
Nesse contexto, a seleção das modalidades de imagem deve ser apropriada de acordo com a progressão clínica da enfermidade (se em fase aguda ou crônica), sua duração e as circunstâncias clínicas em que são utilizadas, seja para diagnóstico ou monitoramento do progresso da doença. Além disso, é fundamental ter profissionais qualificados tanto para a execução quanto para a interpretação dos resultados (MANDL et al., 2023).
A radiografia e a tomografia computadorizada de dupla energia são ferramentas eficientes para a análise de lesões estruturais, sendo que a TCDE também proporciona uma avaliação quantitativa da quantidade de cristais acumulados e permite a visualização de edema na medula óssea. Por outro lado, o ultrassom é valioso para investigar a inflamação e lesões articulares em estágios iniciais, além de oferecer uma análise semi quantitativa da presença de cristais (MANDL et al., 2023).
Existe também a tomografia computadorizada com detector de contagem de fótons (TCDCF), uma nova tecnologia de TC que utiliza um detector de raios X de conversão direta, onde as energias de fótons de raios X incidentes são registradas diretamente como sinais eletrônicos. Essa modalidade de tomografia possui melhor resolução espacial, contribuindo não apenas para o diagnóstico precoce das artropatias cristalinas através detecção de pequenos depósitos de cristais, como também para monitoramento e melhor entendimento da fisiopatologia da doença e do papel desempenhado pelos diferentes tipos de cristais. Embora ainda pouco utilizada, representa uma aposta promissora para diagnósticos mais precisos no futuro (MOURAD et al., 2024).
Em geral, as técnicas de imagem raramente são suficientes para um diagnóstico isolado e devem sempre ser interpretadas no contexto clínico geral da doença, mediante histórico médico e a análise do fluido sinovial (MANDL et al., 2023).
3.2 Gota
A gota é a artropatia cristalina mais comum. Com uma prevalência de aproximadamente 1% a 7%, esta patologia se tornou uma das principais causas de dor musculoesquelética e artrite. Sua prevalência e incidência parecem estar aumentando em todo o mundo, especialmente em nações industrializadas e na população masculina, devido a uma combinação de fatores genéticos e ambientais. (REIJNIERSE et al., 2022; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
A artrite gotosa é caracterizada pela hiperuricemia (nível sérico de ácido úrico acima de 7 mg/dl), com subsequente deposição de cristais de urato monossódico (UMS) articulares ou periarticulares, o que pode levar à formação de tofos e danos nas articulações, nos rins, membrana sinovial, fluido sinovial, cartilagem e osso, iniciando uma resposta inflamatória. Tal patologia foi associada a deficiências na qualidade de vida e produtividade, assim como ao aumento do uso de recursos de saúde e da morbimortalidade cardiovascular (JULIA et al., 2024; MANDL et al., 2023, REIJNIERSE et al., 2022, LI et al., 2022; CAROTTI et al., 2020).
A apresentação clínica normalmente consiste em episódios recorrentes de artrite aguda com início rápido de dor intensa, inchaço e eritema. Os cristais também podem se precipitar nos tecidos moles periarticulares, levando ao típico tofo gotoso, que é uma característica característica da gota crônica. Os tofos representam cristais dispersos em uma base de debris compostos de urato, depósitos de proteína e lipídios, cuja presença provoca alterações inflamatórias locorregionais (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020; REIJNIERSE et al., 2022).
A gota geralmente apresenta comprometimento monoarticular. O envolvimento da primeira articulação metatarsofalangeana (MTF), denominada “podagra”, é clássico, presente em cerca de metade dos casos da doença. Além da primeira metatarsofalangeana, há uma predileção pela primeira articulação interfalangeana, outras MTF, joelho, tornozelo e médio, cotovelos, pulsos e articulações das mãos. Locais menos comuns da doença incluem o ombro, o quadril, as articulações sacroilíacas e a coluna vertebral (SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020). As evidências científicas demonstraram que as modalidades de imagem mais sensíveis e específicas para a avaliação da doença por deposição de urato monossódico são a ultrassonografia e a tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE), em oposição à radiografia ou TC convencional. Dentre estas ferramentas diagnósticas, a TCDE e a US têm sensibilidade e especificidade semelhantes no diagnóstico de gota em pacientes com doença comprovada por cristais, sendo US mais sensível e DECT mais específico (MANDL et al., 2023; LAURENT et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020; CAROTTI et al., 2020). A ultrassonografia corresponde a um método de imagem livre de radiação, e possui alta sensibilidade para avaliação de partes moles e cristais. Dessa forma, corresponde à modalidade de exame de primeira linha para a fase gotosa aguda/ precoce, devido sobretudo à sensibilidade em detectar sinovite. Esse método também tem grande disponibilidade em diversos níveis de serviço de saúde, sendo portanto uma das ferramentas de imagem mais acessíveis. O ultrassom pode detectar o sinal do “duplo contorno”, o qual resulta da deposição de cristais de gota na superfície da cartilagem articular, formando uma linha hiperecóica contínua sobre a cartilagem articular, paralela ao osso subcondral. Além disso, esse método pode identificar também cristais maiores de urato monossódico agrupados, chamados de microtofos, os quais formam o chamado sinal da “tempestade de neve” ultrassonográfico, embora seja importante destacar que o sinal do duplo contorno é o único sinal ecográfico reconhecido nos critérios de classificação dessa patologia pela ACR/EULAR de 2015 (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020; ZELL et al., 2019).
Entretanto, existem limitações da ultrassonografia no diagnóstico de gota. É notório a dificuldade na análise de certas articulações menos acessíveis (com janela acústica limitada), como por exemplo, a mão e o pulso, bem como o fato de que o desempenho diagnóstico da US está relacionado ao nível técnico do examinador. Dessa forma, os dados sobre especificidade e sensibilidade são altamente variáveis dependendo da região examinada e da experiência do operador de exame, destacando-se maior sucesso na análise ecográfica da primeira articulação metatarsofalangeana (XIE et al., 2021; REIJNIERSE et al., 2022).
O uso da TCDE no processo de diagnóstico é totalmente reconhecido pelos critérios de classificação ACR/EULAR de 2015, pela recomendação de imagem EULAR de 2018 para gota e pela Recomendação de Imagem EULAR 2023 para artropatias cristalinas. Com boa resolução espacial, essa ferramenta tomográfica utiliza duas energias diferentes (80 ou 100 kV e 140 kV) em ângulos ortogonais entre si para coletar perfis de atenuação exclusivos para alvos com densidades variadas, diferentemente da única fonte de energia usada na tomografia convencional. Assim, a TCDE avalia e identifica as diferenças específicas do material e permite a classificação da composição química dos tecidos digitalizados, detectando densidade radiográfica distinta do urato monossódico quando comparada com outros materiais e permitindo a caracterização e a separação específicas dos depósitos de urato monossódico do tecido circundante. Ademais, também tem seu uso na identificação de depósitos vasculares de urato (ULAS e DIEKHOFF., 2024; JULIA et al., 2024; YIXIN e XINGSHUAI., 2024; REIJNIERSE et al., 2022; ZELL et al., 2019).
Esses compostos são então codificados por cores e exibidos como uma sobreposição em uma imagem padrão em tons de cinza tomográficos, para uma exibição simultânea de anatomia e localização de depósitos de urato. Embora a codificação de cores possa variar entre os fabricantes, o verde é a cor mais comum atribuída aos cristais de UMS, lavanda ao osso cortical e ao rosa ao osso trabecular (REIJNIERSE et al., 2022; CAROTTI et al., 2020).
Dessa forma, ao contrário da ultrassonografia, a TCDE possui como maior utilidade diagnóstica a detecção da deposição de cristais propriamente dita, ou seja, a gota em um estágio mais crônico. Essa modalidade tem a vantagem de avaliar certos locais onde o acesso ultrassonográfico pode estar prejudicado, como o compartimento posterior do joelho, por exemplo. Ademais, a sua tecnologia tem a capacidade de distinguir de forma confiável entre a DDPFC e os cristais de gota, diferentemente da ultrassom. A TCDE é também uma importante aliada no acompanhamento da carga da doença, pois se trata de um método quantitativo, fornecendo controle evolutivo após a intervenção terapêutica (MOURAD et al., 2024; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2024; YIXIN e XINGSHUAI., 2024; MANDL et al., 2023; IBAD et al., 2023; LAURENT et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022; SUDOŁSZOPIŃSKA et al., 2020; DALBETH et al., 2019).
Entretanto, a interpretação da tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE) em pacientes com suspeita de gota, especialmente na forma não tofácea, pode apresentar desafios devido à presença de artefatos que mimetizam cristais de UMS. Esses artefatos podem induzir a resultados falso-positivos, dificultando o diagnóstico preciso da condição. O artefato mais comum é o do leito ungueal, presente em até 76% dos pés analisados, decorrente da similaridade entre os valores de energia dos cristais de UMS e as estruturas queratinosas dos leitos ungueais. Essa sobreposição pode levar a confusão na leitura dos exames. Dentre outros artefatos nesta modalidade de imagem, podemos citar também os cutâneos, o uso de correntes baixas no tubo de raio-X, algoritmos de reconstrução ineficientes e artefatos de movimento (CAROTTI et al., 2020).
Ademais, pesquisas demonstraram outra possível limitação da TCDE: a de que as lesões codificadas por cores em pacientes com gota são heterogêneas em propriedades, nem sempre apresentando urato monossódico puro. Outro dado é que o limite inferior de detecção desta modalidade tomográfica é de cerca de 2 mm de tamanho e 150 UH de densidade, portanto, tofos pequenos e com baixa densidade podem não ser identificados ao método (XIE et al., 2021; CHRISTIANSEN, et al., 2020).
No que tange ao benefício da utilização de contraste iodado intravenoso para melhor detecção de urato monossódico na TCDE, aquele é influenciado pela concentração de iodo utilizada. Concentrações mais baixas (0,25 e 0,50%) aumentaram a detecção de pequenas quantidades de ácido úrico em 35 a 45% em comparação com exames sem contraste. Em contrapartida, altas concentrações (1 e 2%) prejudicaram quase totalmente a identificação dos cristais. É importante também destacar que tofos gotosos na articulação do pulso foram detectados apenas após a administração do contraste, demonstrando a validade da imagem pós contraste para o diagnóstico das AICs (KOTLYAROV et al., 2023).
Ademais, técnicas como a tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE) e a ultrassonografia podem identificar depósitos de urato monossódico (UMS) mesmo em articulações assintomáticas, como observado na gota intercrítica, em pacientes com hiperuricemia assintomática ou outras condições reumáticas e músculo esqueléticas, favorecendo o diagnóstico precoce (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
A radiografia pode ter seu uso validado nos casos em que a ultrassonografia ou a TCDE não estiverem disponíveis, entretanto, sua sensibilidade é restrita à doença crônica, pois detecta danos estruturais, como erosões ósseas. Um estudo interessante foi realizado por SCHOLZ et al., 2021, avaliando a acurácia diagnóstica de uma outra modalidade da radiografia, a de campo escuro de raios X, como uma alternativa para a detecção de cristais de UMS, tendo demonstrado a possibilidade da detecção da gota em articulações de animais com alta sensibilidade e especificidade diagnóstica, através da medição in situ de cristais de urato monossódico (MANDL et al., 2023; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
Na imagem de RNM, os tofos podem ser vistos como regiões amorfas ou nodulares de sinal de baixa intensidade em imagens ponderadas em T1, intensidade variável em imagens ponderadas em T2 e com realce variável após os meios de contraste intravenosos. Outras características de imagem de RM da gota são o pannus sinovial, efusão articular e edema de tecido mole. Em detrimento das outras principais artropatias cristalinas, na gota a ressonância magnética demonstrou maior acurada na detecção de erosão óssea. Em contrapartida, esse método possui baixa detecção dos cristais de urato monossódico, sendo nesse sentido, menos específico (YANG, et al., 2022; SUDOŁ-SZOPIŃSKA et al., 2020).
É importante destacar que os achados de imagem devem sempre ser interpretados com cautela, levando em conta o fato de que não são totalmente específicos (por exemplo, o sinal de contorno duplo é mais típico da gota, mas pode estar presente na DDPFC e também na hiperuricemia assintomática). Por isso, diante da necessidade de coleta do fluido sinovial frente à achados de imagem inconclusivos, aquele deve ser adquirido sempre que possível, guiado por modalidades imagiológicas. Isto posto, o ultrassom é preferível em detrimento da fluoroscopia, pois permite orientar intervenções sem expor o paciente à radiação ionizante e fornecer uma melhor visualização de partes moles (MANDL et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
3.2 Doença por deposição de pirofosfato de cálcio (DDPFC)
A doença de deposição de pirofosfato de cálcio (DDPFC) afeta dezenas de milhões de adultos em todo o mundo, representando a terceira artrite inflamatória mais comum. Essa patologia é causada pela deposição de cristais de pirofosfato de cálcio (PFC) predominantemente no interior das articulações, mas também ao redor destas. Ocorre mais comumente em pacientes senis, aumentando com a idade, e não há prevalência de gênero (TEDESCHI et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022; BECCE., 2019).
A patogênese do acúmulo de cristal de PFC na cartilagem não é totalmente compreendida. A teoria é que ocorre de forma secundária à agressão na cartilagem: relacionado à idade, pós-traumático ou induzido por doença. No que tange ao quadro clínico, os pacientes afetados podem apresentar condrocalcinose, artrite cristalina por deposição de pirofosfafo de cálcio aguda (também chamada de pseudogota) ou artropatia de pirofosfato, como resultado de artrite crônica, que podem ocorrer de forma isolada ou simultaneamente. Por outro lado, a DDPFC também pode ser assintomática e, portanto, comumente subdiagnosticada ou mesmo diagnosticada erroneamente como gota ou artrite infecciosa (REIJNIERSE et al., 2022; TEDESCHI et al., 2023; SIROTTI et al., 2023; BECCE., 2019; LEE et al., 2019).
Mesmo que o diagnóstico da doença por deposição de pirofosfato de cálcio possa ser feito através da demonstração da presença de cristais de PFC no fluido ou tecido sinovial, a imagem diagnóstica geralmente é necessária e realizada na maioria dos casos. Nesse sentido, a radiografia e ultrassom, e se houver suspeita de envolvimento axial, também a tomografia, são as modalidades de imagem recomendadas (MANDL et al., 2023).
A radiografia convencional é a modalidade de imagem de primeira linha e uma técnica amplamente utilizada para identificar calcificações. A condrocalcinose (CC) representa a forma mais comum dessa artropatia cristalina, comumente assintomática, e possui imagem radiográfica característica de calcificações, representando os depósitos de pirofosfato de cálcio na cartilagem hialina articular e fibrocartilagem. A CC é mais comumente vista nos joelhos, pulsos, sínfise púbica, cotovelos e nos quadris. Um importante benefício da radiografia é fornecer uma visão de toda articulação, permitindo investigar diagnósticos diferenciais e/ou doenças coexistentes (SIROTTI et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
As calcificações na membrana sinovial afetam principalmente articulações como joelhos, pulsos, metacarpofalangeanas e metatarsofalangeanas, além das cápsulas articulares. Também podem ocorrer calcificações periarticulares em tendões, bursas e ligamentos (REIJNIERSE et al., 2022).
Na coluna vertebral, todos os ligamentos podem ser afetados por depósitos calcificados, e essa condição é frequentemente referida como síndrome dos dentes coroados. Essa síndrome é caracterizada por depósitos calcificados que, em geral, apresentam uma forma linear e são menos densos do que o osso cortical, localizados especificamente no ligamento retro-odontóide transversal (ou ligamento transverso do atlas). Além disso, calcificações podem ser observadas na articulação atlanto-axial, no ligamento alar e/ou no pannus adjacente à ponta das coroas. O diagnóstico dessa condição requer uma combinação de dados de imagem e informações clínicas, evidenciando a importância de uma avaliação abrangente para um diagnóstico preciso (TEDESCHI et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
Na fase de pseudogota, normalmente autolimitada, há uma fonte de inflamação aguda da articulação periférica induzida por cristais, com a maior porcentagem de casos se desenvolvendo de forma espontânea. A teoria da patogênese da artrite aguda e sinovite na doença por deposição de pirofosfato de cálcio é diretamente relacionada à precipitação de derramamento de cristais articulação (REIJNIERSE et al., 2022).
A forma da artropatia de pirofosfato, que representa a forma crônica e progressiva da doença, possui apresentação sobretudo bilateral e simétrica, possuindo como principais sítios de acometimento o joelho, quadril, articulações metacarpofalangeanas, cotovelo, tornozelo, pulso e articulações glenoumerais (REIJNIERSE et al., 2022).
Os achados radiográficos da fase crônica incluem degeneração cística e esclerose (sem erosões ósseas), fragmentação de osso e da cartilagem e debris na membrana sinovial. A especificidade da RC para DDPFC é geralmente alta (especificidade agrupada de 96%), mas variável entre os estudos, enquanto a sensibilidade é apenas moderada (sensibilidade agrupada de 60%), em parte devido às suas propriedades bidimensionais. Embora a tomografia seja bastante eficiente na detecção de calcificações, não é muito solicitada de forma complementar nesta patologia (REIJNIERSE et al., 2022).
Em relação ao seu aspecto radiológico, os depósitos de cristais de PFC são geralmente finos e lineares ou pontuados, mas podem se tornar mais densos em casos de doença de longa data. Por outro lado, os depósitos de cristais de hidroxiapatita tendem a ser maiores, homogêneos e bem definidos, apresentando uma aparência “como uma nuvem”. Durante as fases formativa e de repouso, esses depósitos são mais densos, mas se tornam fofos, mal definidos e menos densos durante episódios de reabsorção de cristais (TEDESCHI et al., 2023, REIJNIERSE et al., 2022).
A ultrassonografia pode mostrar sinovite, e é sensível para a identificação de depósitos de pirofosfato de cálcio na cartilagem, com uma aparência típica de níveis hiperecogênicos do cristal, de forma e tamanho variáveis, localizados dentro da estrutura de interesse (membrana sinovial ou cápsula articular) que não criam sombreamento posterior. Estudos científicos demonstraram que o ultrassom possui melhor indicação na doença precoce devido à sua resolução superior para demonstrar menores depósitos cristalinos, e que a avaliação combinada de meniscos, cartilagem hialina e tendão mostrou melhor precisão diagnóstica do que apenas uma ou outra estrutura avaliada individualmente (MANDL et al., 2023; TEDESCHI et al., 2023; REIJNIERSE et al., 2022).
Entretanto, destaca-se a limitação da ultrassonografia para o estudo de algumas topografias que não fornecem janela acústica satisfatória, bem como a incapacidade deste método em distinguir definitivamente o pirofosfato básico de cálcio dos depósitos de PFC. Dessa forma, avaliar apenas os depósitos hiperecóicos dentro do fluido sinovial pode levar ao superdiagnóstico de DDPFC (TEDESCHI et al., 2023; LEE et al., 2019).
A ressonância magnética possui pouca especificidade no diagnóstico da deposição do cristal de pirofosfato de cálcio, pois não distingue entre os diferentes tipos de depósitos de cristal de cálcio, sendo eficiente apenas na detecção e quantificação desses depósitos. Ademais, as calcificações são de baixa intensidade de sinal em todas as sequências, sendo assim, difíceis de identificar especialmente em ligamentos, sendo melhor determinadas apenas quando localizados no interior da cartilagem. Além disso, o longo tempo de aquisição e a necessidade de pósprocessamento avançado de dados tornam esta modalidade de imagem um método menos viável, especialmente em situações clínicas como a artrite cristalina aguda de cristais de pirofosfato de cálcio, onde uma avaliação rápida e precisa é essencial (REIJNIERSE et al., 2022, TEDESCHI et al., 2023).
Ainda em relação ao valor diagnóstico da RM na avaliação de condrocalcinose, mais especificamente no que tange à melhor sequência para detecção de depósitos calcificados condrais, um estudo comparativo entre ressonância magnética 7 Tesla e 3 Tesla demonstrou que a sequência DESS 3D (“Double Echo Steady State”) na ressonância magnética 7T de campo ultra-alto fornece uma alta sensibilidade sem casos falsos negativos, sendo significativamente melhor em comparação com a ressonância magnética 3T (GERMANN et al., 2021). No que tange à TCDE na doença por depósito de pirofosfato de cálcio, este método imagiológico pode detectar de forma confiável a presença de calcificações e determinar diferentes espécies de cristais através da diferenciação de dois materiais, sobretudo devido sua alta resolução espacial (ULAS e DIEKHOFF., 2024; ZELL et al., 2019; PASCART et al., 2019).
Em relação ao uso da tomografia convencional, não há evidências claras acerca de sua utilidade diagnóstica na DDPFC, entretanto, é importante destacar sua utilidade em caso de envolvimento axial, como no caso da síndrome dos dentes coroados, onde a TC convencional tem um papel importante e continua sendo a modalidade de imagem preferida. De forma geral, as evidências demonstraram que a TC observou a presença de depósitos de cristais de PFC, especificamente na fibrocartilagem e na cartilagem hialina, embora com evidências muito limitadas sobre a sinovite (MANDL et al., 2023).
A doença por deposição de pirofosfato de cálcio não possui um tratamento específico. As modalidades terapêuticas existentes permanecem limitadas, pois nenhum medicamento está atualmente disponível para prevenir a deposição de cristal de PFC ou diluí-lo. Dessa forma, no caso de alterações degenerativas progressivas, a substituição articular deve ser aventada (MANDL et al., 2023, BECCE., 2019)
3.3 Doença por deposição de fosfato básico de cálcio (DDFBC)
Em virtude das complicações em estabelecer um diagnóstico baseado exclusivamente na manifestação clínica e considerando que a avaliação dos cristais de fosfato de cálcio básico (FBC) é uma tarefa complexa (devido ao seu tamanho submicroscópico e à aparência amorfa, o que faz com que os cristais de FBC sejam frequentemente confundidos com artefatos ou resíduos), o diagnóstico dessa condição é realizado por meio de técnicas de imagem, com a radiografia e a ultrassonografia sendo os métodos indicados. Ambos os recursos oferecem dados sobre o comprometimento articular ou periarticular, sendo a escolha entre eles determinada pela acessibilidade. O ultrassom possibilita uma identificação mais precisa dos depósitos de cristais de FBC, tanto em componentes articulares específicos quanto em estruturas periarticulares, enquanto a radiografia geralmente fornece uma visão mais ampla da articulação como um todo (REIJNIERSE et al., 2022; ZELL et al., 2019).
Segundo STUCKER et al., (2024), o fosfato básico de cálcio (FBC) é o cristal de cálcio mais comum na cartilagem e na sinóvia. Dessa forma, a deposição de pirofosfato de cálcio (PFC) é menos frequente e comumente coexiste com o FBC no mesmo tecido, sugerindo endótipos mistos. Esse estudo demonstra que a calcificação visível nos raios-X pode não ser causada apenas por cristais de PFC, mas também por FBC, e a ausência de calcificação radiológica não exclui a deposição de PFC na avaliação histológica. A detecção e diferenciação dos diferentes tipos de cristais de cálcio articular são essenciais para a evolução das abordagens terapêuticas.
Enquanto na gota os estudos mostraram a importância do monitoramento imagiológico progressivo na deposição de cristais de urato monossódico, pois pode prever novos surtos ou avaliar os resultados pós terapêuticos, na DDPFC e DDFBC o controle evolutivo por imagem não mostrou evidências de sua real utilidade (STUCKER et al., 2024; REIJNIERSE et al., 2022; ZELL et al., 2019).
A hidroxiapatita de cálcio representa a forma mais comum de depósito de fosfato de cálcio básico, manifestando-se principalmente em regiões periarticulares, como tendões e bursas, podendo desencadear processos inflamatórios como bursite ou tendinite. No entanto, a formação cristalina também pode, embora mais raramente, atingir o espaço intra-articular, levando a quadros de artrite ou artropatia destrutiva, como observado na síndrome do ombro de Milwaukee (REIJNIERSE et al., 2022).
Trata-se de uma condição geralmente monoarticular, que afeta predominantemente a articulação do ombro em indivíduos entre 40 e 60 anos, seguida por quadris, cotovelos, punhos, mãos e joelhos, mas podendo comprometer qualquer articulação, incluindo a coluna cervical e lombar (REIJNIERSE et al., 2022). A causa e os mecanismos patogênicos da deposição de hidroxiapatita de cálcio permanecem desconhecidos, embora hipóteses anteriores apontem para fatores como degeneração tendinosa, hipóxia, traumas repetitivos e envelhecimento (REIJNIERSE et al., 2022).
Na radiografia, três estágios de depósitos calcificados foram descritos: formativo, de repouso e reabsortivo, cada um com características específicas. Basicamente, existem três tipos de calcificações observadas radiograficamente: as do tipo I apresentam bordas nítidas/afiadas e estrutura densa; as do tipo II possuem bordas nítidas/afiadas e estrutura heterogênea ou bordas indistintas e estrutura homogênea; e as do tipo III exibem bordas pouco definidas e aparência translúcida, com aspecto nebuloso/turvo (REIJNIERSE et al., 2022).
Uma calcificação também pode migrar para o osso, causando erosões corticais. Durante a fase de reabsorção, os depósitos calcificados podem não ser visíveis na radiografia, tornando outras técnicas de imagem, como ultrassom e ressonância magnética, ferramentas valiosas (REIJNIERSE et al., 2022).
No ultrassom, cada tipo de calcificação apresenta uma aparência distinta, dependendo de sua composição. Calcificações densas do tipo I exibem sombreamento acústico, enquanto as do tipo II podem ser mais claramente visualizadas com uma margem hiperecóica (REIJNIERSE et al., 2022).
O ultrassom é capaz de identificar calcificações não detectáveis na radiografia convencional devido ao seu tamanho ou densidade, além de determinar sua localização precisa. Além disso, o modo Doppler pode revelar bursite, bem como alterações inflamatórias em tendões e articulações. Outra vantagem do ultrassom é sua utilidade como guia para o procedimento de barbotagem, que, embora invasivo, é um dos principais métodos de tratamento para a doença por deposição de hidroxiapatita de cálcio, com resultados positivos e amplamente comprovados (REIJNIERSE et al., 2022).
Por outro lado, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética são menos utilizadas na investigação dessa condição, mas têm sua utilidade na detecção de calcificações menores, erosões intra ósseas e na avaliação de depósitos cristalinos intravertebrais na tomografia. A ressonância magnética, em particular, é altamente eficaz na avaliação de tecidos moles e edema da medula óssea (REIJNIERSE et al., 2022).
4. CONCLUSÃO
As artropatias induzidas por cristais (AICs), incluindo a gota, a doença por deposição de pirofosfato de cálcio (DDPFC) e a doença por deposição de fosfato básico de cálcio (DDFBC), representam um grupo heterogêneo de condições inflamatórias articulares caracterizadas pela deposição de cristais nos tecidos articulares e periarticulares. Apesar de suas diferenças fisiopatológicas, essas doenças compartilham características clínicas semelhantes, como a natureza crônica e a ocorrência de surtos inflamatórios agudos, o que torna seu diagnóstico e manejo desafiadores. A identificação precisa dos cristais envolvidos é fundamental para o tratamento adequado, destacando a importância de técnicas diagnósticas avançadas, especialmente as modalidades de imagem.
A gota, a mais prevalente das AICs, tem sua incidência e prevalência aumentadas globalmente, especialmente em populações industrializadas. O diagnóstico precoce e preciso é essencial para prevenir complicações a longo prazo, como danos articulares irreversíveis e comorbidades cardiovasculares. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada de dupla energia (TCDE) emergiram como ferramentas valiosas para a detecção de cristais de urato monossódico, com a TCDE sendo particularmente útil na avaliação quantitativa da carga de cristais e no monitoramento da resposta terapêutica. No entanto, ambas as técnicas têm limitações, como a dependência da experiência do operador no caso do ultrassom e a possibilidade de artefatos na TCDE, que podem levar a diagnósticos falso-positivos.
A doença por depósito de pirofosfato de cálcio (DDPFC), por sua vez, é frequentemente subdiagnosticada devido à sua apresentação clínica variável e à sobreposição de sintomas com outras artropatias. A radiografia convencional continua sendo a modalidade de primeira linha para a detecção de calcificações, enquanto o ultrassom é útil na identificação de depósitos cristalinos em estágios iniciais. A ressonância magnética, embora menos específica, é valiosa na avaliação de tecidos moles e edema medular, especialmente em casos de envolvimento axial. A TCDE também tem um papel emergente na diferenciação entre os tipos de cristais, embora sua utilização ainda seja limitada pela disponibilidade e custo.
Já a doença por depósito de fosfato básico de cálcio (DDFBC), particularmente a doença por deposição de hidroxiapatita de cálcio, é frequentemente associada a condições periarticulares, como tendinites e bursites. O ultrassom é a modalidade preferida para a identificação de depósitos de cristais de fosfato básico de cálcio, especialmente em estágios iniciais, enquanto a radiografia é útil na avaliação de calcificações maiores e erosões ósseas. A ressonância magnética e a tomografia computadorizada têm um papel mais limitado, mas são úteis em casos específicos, como na detecção de calcificações intravertebrais.
Em suma, o diagnóstico e o manejo das AICs exigem uma abordagem multidisciplinar, integrando dados clínicos, laboratoriais e de imagem. A escolha da modalidade de imagem deve ser individualizada, considerando a fase da doença, a localização das lesões e a disponibilidade de recursos. O avanço das técnicas de imagem, como a TCDE e o ultrassom, tem revolucionado o diagnóstico precoce e o monitoramento dessas condições, permitindo intervenções terapêuticas mais precisas e personalizadas. No entanto, é crucial que os achados de imagem sejam interpretados em conjunto com o contexto clínico, evitando diagnósticos equivocados e garantindo o melhor desfecho para os pacientes. Futuros estudos são necessários para aprimorar a acurácia diagnóstica por imagem, bem como explorar novas abordagens terapêuticas para essas doenças complexas e debilitantes.
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1Médica Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do IDOR/UDI Hospital – Rede D’Or São Luiz.
São Luís – MA, e-mail: alessarayana19@gmail.com
2Médico Radiologista do IDOR/UDI Hospital – Rede D’Or São Luiz, com atuação na área de Radiologia
Musculoesquelética. São Luís – MA, e-mail: viniciusmvalois@gmail.com