MENTAL HEALTH MATRIX SUPPORT FROM THE IMPLEMENTATION OF AN ANXIETY MANAGEMENT GROUP: EXPERIENCE REPORT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501282133
Melissa Chaves Kern1;
Sara Carneiro Lima2;
Vitor do Vale Marques3;
Weder Paulo dos Santos Lopes4
Resumo: esse artigo é um relato de experiência que descreve a implementação de um grupo psicoeducativo para manejo da ansiedade como estratégia de apoio matricial na atenção primária à saúde (APS). O objetivo foi avaliar a eficácia dessa abordagem na capacitação de equipes e no cuidado integral aos usuários. O grupo foi realizado em duas unidades básicas de saúde (UBS) do distrito federal, com a participação de usuários com quadros leves e moderados de ansiedade, não elegíveis para os centros de atenção psicossocial (CAPS). A proposta incluiu encontros semanais, aplicação de técnicas como mindfulness, respiração e práticas integrativas, além de atividades lúdicas que promoveram autorregulação emocional e fortalecimento do vínculo com o território. Apesar de desafios como baixa adesão devido a limitações logísticas, a experiência gerou resultados positivos, com relatos de melhoria nas estratégias de enfrentamento e na compreensão do fenômeno da ansiedade enquanto processo. O grupo também instrumentalizou os profissionais da APS com ferramentas para manejo de saúde mental, reduzindo encaminhamentos desnecessários e promovendo maior corresponsabilidade no cuidado. Conclui-se que a replicação da estratégia em outros contextos, com ajustes adequados, pode contribuir significativamente para a integralidade e humanização do cuidado em saúde mental na APS.
Palavras-chave: Saúde mental; Ansiedade; Atenção primária à saúde; Apoio matricial; Relato de experiência.
Abstract: this experience report describes the implementation of a psychoeducational group for anxiety management as a matrix support strategy in primary health care (APS). The objective was to evaluate the effectiveness of this approach in training teams and providing comprehensive care to users. The group was conducted in two basic health units (UBS) in the federal district, involving participants with mild to moderate anxiety symptoms who were not eligible for psychosocial care centers (CAPS). The proposal included weekly meetings, the application of techniques such as mindfulness, breathing exercises, and integrative practices, as well as playful activities that promoted emotional self-regulation and strengthened the connection with the territory. Despite challenges such as low adherence due to logistical limitations, the experience yielded positive results, with reports of improved coping strategies and a better understanding of anxiety. The group also equipped phc professionals with tools for managing mental health, reducing unnecessary referrals, and fostering greater shared responsibility in care. It is concluded that replicating this strategy in other contexts, with appropriate adjustments, can significantly contribute to the comprehensiveness and humanization of mental health care in APS.
Keywords: Mental health; Anxiety; Primary health care; Matrix support; Experience report.
1. Introdução
O Sistema único de saúde (SUS), instituído pela constituição federal de 1988, é considerado como base central do sistema de saúde do brasil e representa um dos maiores sistemas estatais de saúde do mundo. Ele se fundamenta em princípios como universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação social visando garantir o acesso universal e equitativo à saúde, abrangendo medidas preventivas, tratamento e reabilitação. O SUS tem como objetivo fornecer assistência de qualidade e integral, abrangente a todos os cidadãos, independentemente de sua situação socioeconômica, contribuindo para uma sociedade mais saudável e justa (Fundação Oswaldo Cruz, 2013).
Em decorrência do desenvolvimento das políticas públicas do SUS, em 2006 houve a implementação da Atenção primária à saúde (APS). Por meio da Política nacional de atenção básica (PNAB), a atenção primária passa a ser definida como porta de entrada e ponto central do cuidado na rede de atenção à saúde, pois além do acompanhamento longitudinal de seus usuários também se caracteriza por ser a interface mais próxima com o território. Baseada em princípios como universalidade, acessibilidade, estabelecimento de vínculos, integralidade, humanização e participação social, entre outros, a APS busca promover uma abordagem holística e centrada no paciente (Brasil, 2023).
A Política nacional de atenção básica (PNAB) enfatiza a promoção e prevenção de problemas de saúde mental na atenção básica, atendendo às necessidades relacionadas ao sofrimento psíquico dos usuários, incorporando o cuidado integral à saúde mental como questão norteadora do trabalho a ser desenvolvido. Em 2006, também é implementado a Política nacional de promoção da saúde (PNPS) que visa ampliar a saúde individual e coletiva, reduzindo vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes e condicionantes sociais, econômicos, culturais e ambientais (Brasil, 2014).
A Organização mundial da saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar, no qual o indivíduo pode realizar suas habilidades, lidar com o estresse cotidiano, trabalhar de maneira produtiva contribuindo para sua comunidade (Organização Mundial de Saúde, 2013). A saúde mental vai além da mera ausência de doenças mentais, abrangendo o desenvolvimento de capacidades para lidar com adversidades cotidianas, gestão emocional, adaptabilidade e autoconsciência. É um estado dinâmico e que é influenciado por fatores genéticos, ambientais, sociais, pessoais, culturais dentre outros.
No brasil, o ministério da saúde, criou o Núcleo de apoio à saúde da família (NASF) como uma estratégia de atenção à saúde com objetivo de ampliação da resolutividade e abrangência da APS por meio do apoio matricial e integração das equipes nas unidades de saúde da família (uSF) (Brasil, 2008). Com a publicação da portaria GM/MS nº 635 as equipes NASF-AB ganharam outra nomenclatura: equipes multiprofissionais na atenção primária à saúde (eMulti) sendo composta por profissionais de diferentes categorias atuando na promoção das práticas de saúde ampliadas (Brasil, 2023).
Considerando a importância da integralidade do cuidado nas ações desenvolvidas na APS, o matriciamento se apresenta não apenas como uma das principais atribuições da eMulti, mas também como estratégia central para atingir tal objetivo. Conforme ministério da saúde o “apoio matricial é uma abordagem inovadora para promover a saúde, na qual duas ou mais equipes trabalham juntas de forma colaborativa para desenvolver uma intervenção pedagógica terapêutica por meio de um processo de construção conjunta.” (Brasil, 2011).
Em termos conceituais, o matriciamento refere-se à criação de uma rede de cuidados em que profissionais de diferentes especialidades e níveis de atenção trabalham de maneira integrada, com o objetivo comum de superar os obstáculos rotineiros entre serviços, garantindo uma assistência mais abrangente e centrada no usuário. Essa interconexão entre diferentes campos da saúde permite uma visão mais ampla, considerando não apenas os aspectos clínicos, mas também os sociais e emocionais do indivíduo (Gazignato e Silva, 2014).
Historicamente, o matriciamento no campo da saúde remonta ao reconhecimento da necessidade de superar a fragmentação nos serviços de atendimento. Tradicionalmente, a abordagem era verticalizada, com serviços específicos para diferentes demandas. Contudo, essa estrutura mostrou-se inadequada para lidar com a complexidade dos problemas de saúde, especialmente na área mental, surgindo assim a necessidade de um modelo mais integrado e colaborativo (Santos, Cunha e Cerqueira, 2020). Percebe-se assim, que uma das importantes funções do apoio matricial na saúde corresponde ao fortalecimento da integralidade do cuidado. Profissionais de diferentes especialidades atuam de forma interdisciplinar, compartilhando conhecimentos e experiências para oferecer uma assistência mais completa e personalizada. Essa abordagem é especialmente relevante em áreas como a saúde mental, onde as complexidades dos casos frequentemente demandam uma variedade de abordagens terapêuticas (Fagundes, Campos e Fortes, 2021). No entanto, é importante destacar que o apoio matricial também apresenta desafios, como a necessidade de uma comunicação efetiva entre os profissionais e a superação de resistências institucionais à mudança (Iglesias e Avellar, 2017).
Segundo Iglesias e Avellar (2019), o matriciamento destaca-se por duas principais perspectivas: como uma possibilidade de encontro produtivo entre equipes de saúde e como uma estratégia de formação em serviço. Essas abordagens revelam a amplitude e a complexidade desse modelo de assistência no contexto da saúde mental (Iglesias e Avellar, 2019). O matriciamento na área da saúde representa um modelo de organização de serviços que busca aprimorar a integralidade e eficiência na prestação de cuidados, sendo tal abordagem particularmente destacada na saúde mental e atenção psicossocial, onde a complexidade dos casos muitas vezes demanda uma colaboração interdisciplinar (Athié, Fortes e Delgado, 2013). Sobre o cenário de saúde mental atual, Amarante (2007), comenta que a reforma psiquiátrica representa uma quebra com o paradigma biomédico convencional no tratamento da saúde mental. Esta nova abordagem visa um cuidado amplo em saúde, ênfase nos diversos aspectos que permeiam o sujeito e não mais exclusiva em diagnósticos, tratamentos medicamentosos e internações hospitalares, dando prioridade à desinstitucionalização e à humanização do cuidado. Propondo um modelo mais abrangente, que destaca a participação ativa dos indivíduos, sua inclusão na comunidade e o respeito aos seus direitos e autonomia.
Com base nessa perspectiva, a interação entre APS e CAPS visa ampliar o compartilhamento do cuidado em saúde mental, promovendo a integralidade, a reabilitação psicossocial e a corresponsabilidade no serviço de saúde. Nos achados do estudo dos autores Iglesias e Avellar (2016) destacam-se melhorias no diálogo entre profissionais nessa troca, inclusive abordando receios pré-existentes em lidar com pacientes em sofrimento psíquico. A integração entre CAPS e unidades básicas de saúde é enfatizada como um resultado positivo do apoio matricial, contribuindo para superar barreiras e estigmas associados à saúde mental.
Por outro lado, os autores também revelam desafios e limitações nesse encontro produtivo. As relações entre os profissionais e gestores muitas vezes apresentam asperezas, com a pouca presença dos gestores nas atividades de matriciamento. Pois conforme Iglesias e Avellar (2019), a falta de participação ativa dos gestores pode indicar uma confiança nos profissionais da atenção básica e dos CAPS, mas também evidencia um possível desconhecimento das responsabilidades gerenciais relacionadas ao matriciamento. A ausência de espaços regulares para encontros entre matriciadores, gestores e equipes de referência também é apontada como um desafio, indicando a necessidade de espaços coletivos para a consolidação do matriciamento (Iglesias e Avellar, 2019).
Assim sendo, a criação de espaços regulares de encontro, a participação ativa dos gestores e a consolidação de uma prática verdadeiramente colaborativa e integrada são elementos fundamentais para fortalecer e aprimorar o matriciamento no contexto da saúde mental (Iglesias e Avellar 2019). Nesse contexto, fica evidente a relevância do matriciamento e do apoio matricial no cuidado em rede, especialmente com as unidades básicas de saúde (UBSs) atuando como ponto inicial e orientador do cuidado.
Além disso, ressalta-se a necessidade de desenvolver estratégias e recursos que possam enriquecer a abordagem de ampliação do cuidado em saúde. Assim sendo, o objetivo deste estudo foi o de avaliar a eficácia da estratégia de apoio matricial de saúde mental em unidades básicas de saúde por meio de um grupo estruturado focado no manejo da ansiedade.
2. Metodologia
Este estudo apresenta um relato de experiência baseado nas vivências e percepções dos autores sobre os desdobramentos de um grupo utilizado como estratégia de apoio matricial em saúde mental, direcionado ao manejo da ansiedade na atenção primária. O objetivo do relato é destacar, por meio de observações e reflexões, os apontamentos, percepções e desafios identificados na prática em saúde.
A metodologia foi desenvolvida durante atividades de psicoeducação em serviço, realizadas no âmbito do programa de residência multiprofissional em saúde mental do adulto da Escola de saúde pública do distrito federal (ESPDF). A aplicação ocorreu em duas unidades básicas de saúde (UBS) do distrito federal ao longo de 2024, com encontros semanais de aproximadamente uma hora e meia de duração. Foi previamente acordado com os profissionais das unidades a disponibilização de um espaço físico adequado para a realização das atividades do grupo, que ocorreram sempre com a presença de profissionais efetivos das unidades básicas de saúde em questão.
Adicionalmente, foram utilizados materiais visuais impressos em formato de apostila, distribuídos aos profissionais e participantes. As informações e observações relacionadas à experiência foram registradas em um diário de campo, instrumento essencial para documentar os aspectos relevantes e as principais reflexões ao longo do estudo.
3. Resultados e Discussão
Os resultados deste estudo serão apresentados em três etapas de acordo com a jornada vivenciada pelos autores: planejamento, implementação e reflexões.
3.1 Proposta de um grupo de manejo da ansiedade enquanto estratégia de apoio matricial
O território dentre outros aspectos individuais e coletivos fazem parte da construção do sujeito em suas potencialidades e fragilidades, contribuindo para desenvolvimento das experiências de vida a partir dos cenários de vivências cotidianas e suas imprevisibilidades. Desenvolver ações em saúde que considerem o território como um elemento vivo, dinâmico e parte do sujeito potencializa o cuidado integralizado. Os elementos que permeiam o sujeito e o processo de saúde como: território, cultura, lazer, educação, condição socioeconômica, dentre outros podem ser considerados tanto fatores protetivos quanto de agravos para o adoecimento psíquico.
De acordo com a Associação Americana de Terapia Ocupacional – AOTA (2020) a vinculação com o território é fundamental na ampliação do repertório ocupacional, o acesso aos diversos dispositivos comunitários faz parte da construção do cotidiano do sujeito. O desenvolvimento das ocupações e dos papéis ocupacionais do sujeito tem um papel central na construção identitária, nas ações em saúde, nas relações além de possuir um significado e valor singular. Bem como sendo caracterizadas as ocupações como atividades de vida diária realizadas enquanto indivíduos, na comunidade, em família tendo como objetivo o preenchimento do tempo com sentido e propósito de vida incluindo as atividades necessárias e as esperadas (AOTA, 2020)
Segundo Youngstrom (2002), sob a perspectiva da terapia ocupacional, a autonomia e participação social se correlacionam favorecendo o engajamento e o desempenho das atividades significativas do cotidiano, de forma a promover um cuidado em saúde pautado no sujeito enquanto ser biopsicossocial. Já os papéis ocupacionais são definidos como funções que os indivíduos exercem no cotidiano que influenciam na construção da identidade do mesmo e nas relações sociais.
A partir disso e do conhecimento prévio de que tem-se como prática nas UBS, reuniões de equipe com a eMulti para discussões de casos considerados de difícil manejo pelas equipes da estratégias de saúde da família (ESF), seja para apoio ou até mesmo atendimentos compartilhados e que uma das demandas frequentes é a de saúde mental, relacionadas principalmente aos quadros de ansiedade, foi proposto a realização de um grupo psicoeducativo de manejo da ansiedade como ferramenta de apoio matricial, auxiliando na instrumentalização dos profissionais da atenção primária em saúde em duas UBS de regiões administrativas distintas do distrito federal que tinham em comum menor índice de desenvolvimento humano em relação à maioria das demais regiões.
Em específico, em ambas as regiões a população tinha como características em sua maioria condições precárias de subsistência, dificuldade no acesso aos dispositivos de saúde, lazer e repertório ocupacional reduzido, além de alterações no desempenho de AVDs (atividades da vida diária) principalmente sono, autocuidado e gerenciamento de medicamentoso devido aos sintomas de ansiedade.
O grupo foi planejado para ser realizado em oito encontros, com duração média de noventa minutos cada. Além de uma apostila compilada de informações e reflexões baseadas nos estudos da terapia cognitivo comportamental sobre manejo da ansiedade para serem entregues impressa em folha a4 a cada participante paciente ou servidor, um roteiro foi elaborado incluindo momentos de acolhimento, discussão temática, aplicação de técnicas de manejo emocional (como mindfulness e exercícios respiratórios) e entrega de tarefas semanais. Técnicas integrativas, como automassagem, auriculoterapia e atividades lúdicas, também foram incorporadas visando promover o engajamento dos participantes.
3.2 A experiência de implementação dos grupos de manejo de ansiedade
Um grupo de manejo de ansiedade, inserido no contexto de uma unidade básica de saúde, representa uma ferramenta poderosa para oferecer suporte e assistência integral aos usuários promovendo a conscientização sobre a ansiedade e seus impactos na saúde, incentivando a busca por ajuda e o autocuidado. Essa abordagem coletiva fortalece o vínculo entre os usuários e a equipe de saúde, otimizando a eficácia das intervenções e fomentando um cuidado mais integrado e humano. Além disso, a orientação profissional e as técnicas de manejo, como mindfulness e autorregulação emocional, contribuem para a redução dos sintomas de ansiedade e o aumento do bem-estar, funcionando como estratégia de prevenção e posvenção (Germer, Siegel e Fulton, 2016).
A partir disso, inicialmente, o grupo foi reproduzido e adaptado na UBS X e posteriormente na UBS Y, ambas localizadas no distrito federal. A partir de conversas com a eMulti, ficou evidente que as demandas relacionadas a quadros de ansiedade leves e moderados, não elegíveis ao CAPS, sobrecarregavam e impactavam os processos de trabalho nesta unidade. Diante disso, na UBS Y essa percepção levou à confecção de um formulário de triagem abrangente, projetado para listar os principais sintomas de manifestações de ansiedade, abrangendo tanto aspectos físicos, mentais e comportamentais com o objetivo de eleger os participantes cuja ansiedade se tornou uma disfuncionalidade, prejudicando a vida cotidiana desses indivíduos.
Dessa forma para utilização do formulário como instrumentalização dos profissionais das equipes de saúde da família (eSF) e consequentemente o apoio matricial. Posteriormente, foi realizada uma capacitação com as equipes da UBS Y do distrito federal, focando na compreensão do conceito de ansiedade e em como aplicar o formulário de triagem de maneira eficaz. O grupo, por possuir uma estrutura flexível, foi pensado para que a sua condução pudesse ser realizada por qualquer servidor de nível superior da área da saúde capacitado nos cuidados de saúde mental, independentemente de sua categoria profissional.
Em relação aos formulários, foram aplicados a 25 usuários pelas eSF que foram selecionados conforme critérios estabelecidos previamente para verificação do nível de ansiedade, e dentre aqueles escolhidos, por telefone, foram convidados a participarem do primeiro encontro do grupo somente os que tinham nível de ansiedade no máximo moderado. O contato via telefone, teve como escopo apresentar brevemente a proposta dos encontros e objetivos.
Para facilitar a comunicação e proporcionar suporte contínuo, foi criado um grupo no aplicativo Whatsapp, utilizado para interações entre os pacientes e os profissionais participantes durante as semanas, bem como para transmitir sugestões de exercícios. O canal do Whatsapp, se revelou uma ferramenta valiosa potencializadora em manter proximidade com os integrantes do grupo, ampliando as possibilidades de acompanhamento e suporte fora do ambiente presencial dos encontros. Em todos os oito encontros, antes de abordar o tema principal do dia, era reservado um tempo para perguntar sobre aspectos da semana dos participantes, sentimentos e reflexões sobre os exercícios disponibilizados. Ao término de cada encontro, eram entregues tarefas e exercícios a serem completados durante a semana, até a data do próximo encontro.
Ademais, foi elaborado um roteiro geral, e uma espécie de diário de campo para ser usado nos encontros com objetivo de proporcionar direção e registro de informações como: reflexões dos pacientes sobre a temática dos encontros e os produtos. Ao registrar falas, reflexões e produtos, o roteiro constituiu-se uma ferramenta valiosa de documentação, essencial para avaliar o progresso individual e coletivo ao longo do ciclo do grupo, além de possibilitar analisar o impacto terapêutico das transformações ocorridas no decorrer do processo.
Essa abordagem estruturada não apenas assegurou a consistência e coesão nas práticas terapêuticas, mas também demonstrou a potencialidade de guiar os facilitadores a conduzirem o grupo alinhados aos objetivos terapêuticos. Para além disso, por possuir uma estrutura flexível, o grupo permitiu adaptações e dinamismo na abordagem das temáticas a cada encontro, incentivando a inclusão de atividades lúdicas, como por exemplo o GROK, um jogo de cartas focado em sentimentos e necessidades baseado na comunicação não-violenta (CNV), além das técnicas de mindfulness outras práticas como meditação, automassagem, auriculoterapia, técnicas de respiração foram integradas.
3.3 Reflexões acerca do processo
Dentre as reflexões sobre o resultado da experiência do grupo foram destacadas algumas estratégias eficazes desenvolvidas como: técnicas de respiração, o desenvolvimento de atividades significativas no cotidiano, a prática da atenção plena como um desafio devido ao funcionamento no modo automático das obrigações diárias. Foi dado ênfase ao reconhecimento e acolhimento das emoções em particular nas situações de crise ou gatilhos emocionais como uma forma alternativa de gerenciamento, prevenção e autorregulação, e possibilitando a não necessidade de recorrer a medicações. O que proporcionou de resultado uma compreensão das reações emocionais, aceitação dos pensamentos como transitórios e a incorporação de práticas que promovem o autoconhecimento e o manejo eficaz.
Vale ressaltar a reflexão destacada pelos participantes que realizaram o ciclo dos 8 encontros da importância e do conhecimento adquirido, permitindo aprender a identificar e controlar melhor a ansiedade, compreendendo suas manifestações individuais. O ciclo completo do grupo evidenciou não apenas a melhoria nas estratégias de enfrentamento, mas também uma significativa evolução no entendimento e gestão emocional dos participantes. A implementação do grupo psicoeducativo representou uma experiência significativa e multifacetada. Como a condução dos grupos ocorreu com a presença de profissionais das equipes, verificou-se também, que houve contribuições à formação profissional, ampliando suas habilidades no atendimento às situações de saúde mental na unidade.
Além disso, Castillo, Recondo, Asbahr e Manfro (2000) relatam que a ansiedade, se não manejada adequadamente, pode gerar diversos prejuízos na vida ocupacional do sujeito e no desempenho das AVDs e dos papéis ocupacionais. Assim sendo, na experiência em questão foi possível captar através das falas, dificuldades para desempenho das AVDs como cansaço para realização de atividades significativas e de lazer, alterações na gestão de saúde que é definida e está relacionada com desenvolvimento, manutenção e gestão de rotinas de saúde com foco no bem-estar.
De acordo com a Associação Americana de Terapia Ocupacional (2020), para que os indivíduos atinjam a plena participação com significado e propósito não basta ser somente funcional, é necessário o sujeito engajar-se correlacionando o meio com a sua forma de exercer autonomia. Salientando que o desempenho ocupacional tem a característica da subjetividade por ser influenciado por diversos fatores, de forma que a falta de acesso ou a disponibilidade de recurso pode limitar ou contribuir para o desempenho das AVDs que são atividades orientadas para cuidados com o próprio corpo do indivíduo e atividades instrumentais de vida diária (AIVDs) realizadas na comunidade, em casa, reforçam a participação na ocupação e consequentemente influenciam na promoção de saúde. Podendo contribuir ou não para manutenção e promoção da qualidade de vida (AOTA, 2020).
Durante a implementação do grupo nas unidades básicas de saúde Y e X das respectivas regiões administrativas do DF, inicialmente foram previstos cerca de dez participantes devido à dinâmica e estrutura do grupo. No entanto, fatores como localização, horário, dia da semana e aspectos do cotidiano dos indivíduos influenciaram a adesão. Embora o grupo tenha iniciado com oito pacientes, ao longo do tempo, essas variáveis levaram a uma redução significativa na quantidade destes, resultando, ao final, em cinco pessoas que completaram o ciclo inteiro do grupo.
O grupo psicoeducativo sobre ansiedade foi planejado para consistir em oito encontros, realizados uma vez por semana, com duração média de uma hora e meia cada. Com base nas necessidades e na rotina das unidades envolvidas, o número de encontros foi ajustado, assim como a duração de cada encontro. O ideal seria ter entre seis e doze participantes, porém, na prática, o grupo contou com no máximo cinco pessoas.
Em relação aos aspectos da adesão, alguns fatores se destacaram na experiência do grupo na UBS Y: o horário e o dia da semana. O grupo foi agendado conforme o horário de funcionamento da unidade de saúde, que coincide com o horário comercial, o que dificultou a participação de muitos usuários que estavam em suas atividades laborais. Além disso, mesmo com a oferta de atestados e justificativas para os atendimentos, alguns participantes expressaram medo e receio de possíveis represálias por parte dos empregadores devido à ausência no trabalho ou à possível percepção de que estariam adoecendo.
Ao final, foram realizadas reuniões com os profissionais da UBS que participaram do grupo para discutir os resultados e considerar melhorias para futuras replicações. Uma das hipóteses para a baixa adesão dos pacientes pode ter sido o horário dos encontros, que pode não ter sido acessível para todos os selecionados, ou a dinâmica do serviço em relação a grupos. No entanto, ficou evidente que tanto os profissionais das UBSs quanto os pacientes puderam refletir de maneira mais profunda sobre os aspectos relacionados à ansiedade. Apesar de nem todos terem participado de todos os módulos, as contribuições nas falas dos participantes indicaram que o grupo, minimamente, proporcionou conhecimentos e ferramentas essenciais para o manejo dos sintomas da ansiedade àqueles que o integraram.
As técnicas realizadas de respiração, os exercícios com foco na atenção plena baseado em mindfulness, além da possibilidade de incrementar práticas integrativas como por exemplo: auriculoterapia, automassagem entre outros que podem agregar no cuidado em saúde mental, foram ferramentas essenciais para instrumentalizar os participantes profissionais e pacientes. Considerando que o grupo aconteceu enquanto proposta de intervenção alinhada às demandas e dificuldades das equipes, que por desconhecimento ou sobrecarga muitas vezes encaminhavam tais casos ao CAPS e se frustravam ao perceber que tais casos eram devolvidos sob a premissa de poderem ser manejados, observou-se também mudanças neste quesito, auxiliando nas questões relatadas pelos profissionais das UBSs como a dificuldade em lidar com casos de saúde mental em geral, além da falta de educação continuada, cursos de aprimoramento e a necessidade de considerar os aspectos da formação acadêmica dos profissionais.
Diante da alta demanda de pacientes com sintomas exacerbados de ansiedade do público adolescente, a UBS X posteriormente, conforme troca de informações com os profissionais, replicaram o grupo com ajustes necessários para trabalhar com essa faixa etária, indicando não só o potencial positivo dessa estratégia grupal enquanto ferramenta de apoio matricial, mas principalmente, de acordo com Iglesias e Avellar (2019), uma estratégia de formação em serviço. Por conseguinte, desdobrando-se no efetivo alcance a públicos diversos da comunidade, que com uma estrutura flexível, o grupo permitiu que tivesse modificações sem desconsiderar a essência das ferramentas de manejo, continuando a ser replicado para atender às necessidades da população em relação a ansiedade. Portanto, a participação de profissionais “efetivos” da secretária de saúde do distrito federal durante a realização do grupo, foi essencial para assegurar replicações.
4. Considerações Finais
A implementação de um grupo psicoeducativo para manejo da ansiedade como ferramenta de apoio matricial demonstrou-se uma estratégia eficaz no contexto da atenção primária à saúde (APS). A experiência evidenciou a relevância de ações voltadas à saúde mental no fortalecimento do vínculo entre usuários e equipes, ampliando as possibilidades de cuidado integral e humanizado. A abordagem grupal permitiu não apenas a disseminação de conhecimentos acerca da ansiedade, mas também o desenvolvimento de técnicas de autorregulação emocional e promoção do bem-estar.
Embora tenham sido identificadas limitações, como a baixa adesão devido a fatores logísticos e sociais, a experiência proporcionou reflexões importantes para ajustes futuros, incluindo maior flexibilidade no horário dos encontros e estratégias para engajar diferentes públicos. Além disso, o grupo contribuiu para a capacitação das equipes da APS, oferecendo ferramentas práticas para lidar com demandas de saúde mental, reduzindo encaminhamentos aos CAPS.
Conclui-se que a replicação da estratégia, com adaptações adequadas às necessidades de cada território, pode ampliar o alcance e a eficácia do cuidado em saúde mental na APS, promovendo integralidade, corresponsabilidade e autonomia nos processos de cuidado. A experiência reafirma a importância do matriciamento como um modelo integrador e colaborativo no enfrentamento dos desafios da saúde mental na rede pública de saúde.
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1Psicóloga tutora do Programa de residência multiprofissional em saúde mental do adulto da ESPDF/FEPECS/SES-DF, Mestre em psicologia pela Universidade de Brasília – UNB;
2Terapeuta Ocupacional residente do Programa de residência multiprofissional em saúde mental do adulto da ESPDF/FEPECS/SES-DF;
3Assistente Social residente do Programa de residência multiprofissional em saúde mental do adulto da ESPDF/FEPECS/SES-DF;
4Psicólogo residente do Programa de residência multiprofissional em saúde mental do adulto da ESPDF/FEPECS/SES-DF.