SILICOSE: REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE DIAGNÓSTICO, PREVENÇÃO E MANEJO CLÍNICO DE UMA PNEUMOCONIOSE OCUPACIONAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202501242306


Thayanne Rysia Gomes Bezerra1; Manuel Renato Retamozo Palacios2; Keven Marciano Gonçalves3; Andreza Brandão da Silva4


RESUMO

O presente estudo realizou uma revisão bibliográfica visando revisar informações sobre a silicose, considerada uma enfermidade ocupacional de natureza crônica e progressiva, com ênfase na problemática social associada, bem como nos aspectos relativos ao diagnóstico, prevenção e tratamento. A pesquisa exploratória abrangeu o período de 2019 a 2024, utilizando bancos de dados como PubMed, Scielo e BVS Brasil, a partir dos quais se selecionaram 758 artigos mediante a aplicação de critérios predefinidos de inclusão e exclusão, abrangendo relatos de casos. A análise evidenciou que a silicose, além de incapacitante, apresenta manifestações clínicas inespecíficas, como dispneia progressiva, e revela um diagnóstico frequentemente tardio em razão da ausência de protocolos precoces, sendo fundamentado principalmente na história ocupacional, nas alterações em exames de imagem e na clínica. Destacou-se, ainda, que a prevenção é viável em ambientes laborais onde há exposição à sílica por meio de medidas como o uso de equipamentos de proteção individual. O tratamento, embora incapaz de promover a cura, objetiva o controle dos sintomas, sendo o transplante pulmonar uma opção indicada para casos terminais.

Palavras-chave: Silicose. Pneumoconiose. Doença ocupacional. Diagnóstico. Prevenção. Tratamento.

INTRODUÇÃO

A silicose é uma doença pulmonar crônica, incapacitante e irreversível, resultante da exposição prolongada a poeiras de sílica em ambientes laborais. Essa condição representa um problema significativo de saúde pública, pois é amplamente prevenível por meio de medidas de controle e proteção no local de trabalho. O impacto social gerado pela silicose é expressivo, levando à incapacidade, invalidez e à possibilidade de óbito em casos avançados (1).

A sílica, amplamente encontrada em ambientes industriais e mineradores, é a principal responsável pela patogênese dessa pneumoconiose. Essa categoria de doença pulmonar é causada pela inalação de poeiras minerais, que provocam toxicidade de longo prazo. Estudos indicam que a adoção de intervenções preventivas, como o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) – incluindo respiradores, macacões e óculos de proteção –, bem como a ventilação adequada dos ambientes e a utilização de técnicas como o corte úmido, contribui para a redução significativa dos riscos ocupacionais (2).

O risco é mais pronunciado em profissionais como mineradores, operários da construção civil, fundidores e técnicos de prótese dentária. Nesses casos, a inalação crônica de partículas de sílica cristalina desencadeia uma resposta inflamatória exacerbada, levando à formação de agentes fibrosantes. Histologicamente, a presença de núcleos fibro-hialinos é determinante para o diagnóstico definitivo da silicose (3).

Os sintomas clínicos associados à silicose não são específicos, incluindo dispneia progressiva, tosse crônica e alterações radiológicas. O diagnóstico depende da análise criteriosa da história ocupacional do paciente, associada às manifestações clínicas e aos achados de exames de imagem. Em situações de dúvida diagnóstica, a biópsia de tecido pulmonar pode ser utilizada para confirmação (3).

Embora não exista cura para a silicose, as estratégias terapêuticas visam o controle dos sintomas e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Em estágios terminais, o transplante pulmonar surge como a única opção de tratamento definitivo, promovendo maior sobrevida e melhora funcional (6). Contudo, a prevenção é a ferramenta mais eficaz na redução de novos casos, reforçando a necessidade de vigilância e educação em saúde ocupacional (1).

METODOLOGIA

O presente estudo caracterizou-se como uma revisão integrativa de literatura, cujo objetivo consistiu na exploração abrangente da silicose, envolvendo suas manifestações clínicas, impactos sociais e psicológicos sobre a qualidade de vida e a expectativa dos indivíduos acometidos, por meio da análise e interpretação da produção científica existente. Adotou-se como base teórica e metodológica a revisão de estudos previamente publicados, utilizando-se como fontes de dados as plataformas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PUBMED®) e Scientifc Electronic Library Online (SCIELO®), nas quais se identificaram publicações pertinentes ao tema.

Definiram-se como termos de busca as palavras-chave “silicose”, “silicosis” e “pneumoconiose”, além de expressões relacionadas a relatos de caso, tendo sido empregados esses elementos para o rastreamento de publicações em língua portuguesa e inglesa, no período compreendido entre os anos de 2019 e 2024. Justificou-se a delimitação temporal em razão da escassez de estudos voltados à temática no contexto brasileiro, o que reforçou a relevância de um recorte que privilegiasse pesquisas recentes, capazes de refletir o panorama contemporâneo sobre a doença e suas implicações.

Os critérios de inclusão abrangeram artigos que abordassem casos de silicose, publicados nos idiomas especificados e cuja análise contemplasse as implicações clínicas e sociais da doença em pacientes diagnosticados. Nesse sentido, procedeuse à seleção das referências de forma criteriosa, respeitando-se a metodologia descrita, de modo a garantir a abrangência e a qualidade das informações obtidas.

Estruturou-se, assim, a revisão integrativa com o intuito de consolidar conhecimentos pré-existentes, identificar lacunas na literatura e fomentar a compreensão acerca da silicose, tanto em termos de sua prevenção quanto do manejo clínico, no âmbito de um trabalho que priorizou a coesão entre teoria e prática, promovendo a integração de aspectos clínicos, sociais e ocupacionais relativos à doença.

RESULTADOS

Durante o levantamento de dados eletrônicos, identificam-se 758 referências relacionadas à silicose, abrangendo estudos publicados entre os anos de 2019 e 2024. No banco de dados Scielo, apenas um artigo atende aos critérios de inclusão estabelecidos. Por outro lado, a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) apresenta 753 artigos, incluindo relatos de casos, enquanto o banco PUBMED fornece quatro artigos recentes que contemplam o tema.

Essa distribuição evidencia uma concentração significativa de publicações na plataforma BVS, em contraste com a escassez relativa em outras bases de dados, como Scielo e PUBMED. A predominância de estudos na BVS pode refletir uma maior relevância atribuída à silicose em contextos regionais, como a América Latina, onde as condições laborais frequentemente envolvem exposição ocupacional à sílica.

A análise inicial desses dados sugere a necessidade de ampliação e diversificação de pesquisas em âmbito internacional, especialmente em bases de maior abrangência global, como PUBMED, onde a quantidade limitada de artigos pode indicar uma lacuna na abordagem do tema em contextos fora da região latinoamericana. Essa lacuna reforça a importância de estimular investigações mais abrangentes que contemplem diferentes populações e realidades ocupacionais.

Além disso, a predominância de relatos de casos nos estudos encontrados na BVS destaca a relevância da análise clínica e epidemiológica na compreensão da silicose, permitindo correlacionar aspectos específicos das condições ocupacionais aos desfechos de saúde. No entanto, há uma carência de estudos longitudinais ou ensaios clínicos controlados que avaliem, de forma sistemática, a eficiência de medidas preventivas ou terapêuticas.

Portanto, os dados obtidos até o momento destacam a necessidade de maior investimento em pesquisas de caráter global e metodologias mais robustas, de modo a consolidar o entendimento da silicose e fomentar a adoção de estratégias eficazes para seu controle.

DISCUSSÃO

A silicose, doença pulmonar atribuída à inalação de sílica cristalina livre, manifesta-se como resultado de, no mínimo, dez anos de exposição, constituindo um problema significativo tanto no âmbito ocupacional quanto na saúde pública(4). Esta patologia é também classificada como uma pneumoconiose, que é uma doença pulmonar secundária à inalação de partículas minerais, impactando primordialmente profissionais como mineradores de carvão, trabalhadores da construção civil, jateadores de areia, operários de fundição e técnicos em próteses dentárias(2,5).

Desenvolve-se como uma doença pulmonar fibrótica progressiva decorrente da exposição prolongada ou intensa à sílica cristalina. A acumulação de partículas nos alvéolos e bronquíolos respiratórios induz uma reação inflamatória mediada por macrófagos alveolares, levando à fibrose e formação de lesões nodulares silicóticas com predomínio de colágeno, localizadas majoritariamente nos lobos superiores dos pulmões e distribuídas pelas vias linfáticas(6,8).

Condições clínicas adicionais podem agravar a morbimortalidade em pacientes com silicose, notadamente a coexistência de doenças autoimunes como esclerose sistêmica, artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico e vasculite relacionada a anticorpos anticitoplasma de neutrófilos, além da tuberculose(8).

A classificação da silicose, conforme o tempo de exposição, é delineada na Tabela 1: a forma crônica, também conhecida como clássica, ocorre após mais de dez anos de exposição; a acelerada, entre cinco e dez anos; e a aguda, em menos de cinco anos(5,6).

A silicose crônica, por sua vez, é subdividida em simples (nodular) e complicada (fibrose maciça progressiva).

TABELA 1 – Formas de Silicose

  Forma de SilicoseDuração da Exposição (anos)Achados RadiológicosResultados Clínicos
Crônica Simples              >10Nódulos redondos ou irregulares < 1 cm; calcificação dos nódulos; lobo superior predominanteAssintomático; Tosse crônica; Dispneia de esforço; Defeitos obstrutivos, restritivos ou inconclusivos
Crônica Complicada(PMF)              >10Massas conglomeradas >1 cm migrando para o hilo e calcificação de nódulos; padrão uniforme (53%) ou salpicado (26%); enfisema circundante; difusa reticulonodular fibrosa; espessamento pleuralAssintomático; Tosse crônica; Dispneia de esforço; Perda de peso circundante; Insuficiência respiratória
Aguda (Silicoproteinose) <5Consolidação peri-hilar bilateral; nódulos centrolobulares; alterações em vidro fosco; paramilóide locoDispneia; Tosse; Perda de peso; Insuficiência respiratória local
  Acelerado 2 a 10Nódulos e massa radiopacas progressivas; características da PMFDispneia; Tosse; Insuficiência respiratória

Fonte: Barnes H, Goh NSL, Leong TL, Hoy R. Doença pulmonar associada à sílica: uma exposição do velho mundo em indústrias modernas. Respirologia . 2019;24(12):1165-1175.

Após um período entre dez a trinta anos de exposição inicial, a silicose crônica pode ser assintomática ou evoluir com sintomas como tosse e expectoração. Radiologicamente, é possível observar nódulos pulmonares de até 10 mm de diâmetro predominantemente nas zonas superiores(8). A silicose acelerada, associada a uma exposição de maior intensidade em comparação com a forma crônica, manifesta-se em um período menor que dez anos. Na fase inicial, a radiografia de tórax pode não revelar características diagnósticas, enquanto a silicose aguda é caracterizada pela progressão rápida de sintomas inespecíficos, como dispneia, tosse, fadiga, perda de peso, febre e dor pleurítica. Nos exames de imagem, são evidenciadas opacidades focais em vidro fosco, opacidades nodulares centrolobulares bilaterais e áreas de consolidação irregular(8).

Manifestações clínicas inespecíficas também incluem febre, dor de cabeça, perda de peso não intencional, falta de ar, tosse produtiva ou não, aperto no peito e dor torácica pleurítica, podendo simular uma infecção pulmonar(6). O diagnóstico se baseia na história de exposição à sílica e sintomas como dispneia crônica, com ou sem tosse. Fatores de risco, como o tabagismo e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), podem precipitar a silicose. A confirmação diagnóstica advém de achados radiológicos típicos e pela exclusão de outras patologias, como sarcoidose(6).

Para a complementação diagnóstica, são recomendados exames como radiografias de tórax, tomografia computadorizada (TC) de alta resolução do tórax, espirometria e questionários de saúde. Em pacientes sem histórico ocupacional ou em casos clínico-radiológicos atípicos, a biópsia pulmonar é utilizada para confirmar definitivamente o diagnóstico de silicose(6).

CONCLUSÃO

Após a análise dos estudos selecionados, foi constatado que a silicose se configura como uma pneumoconiose eminentemente prevenível em ambientes nos quais ocorre a exposição prolongada à sílica. Esta doença, caracterizada por sua natureza incapacitante e progressiva, impõe severas limitações à qualidade de vida dos pacientes e, em sua fase terminal, exige a realização de um transplante pulmonar, cujo objetivo principal é a melhoria substancial da sobrevida.

Revela-se de suma importância, portanto, a implementação de estratégias de prevenção robustas e eficazes, que incluam o uso rigoroso de equipamentos de proteção individual. Estes dispositivos são essenciais para minimizar o contato direto com a sílica cristalina, reduzindo assim o risco de desenvolvimento da doença. Ademais, a manutenção de ambientes adequadamente ventilados constitui outro pilar fundamental na luta contra a proliferação da silicose, pois assegura a diluição e a dispersão das partículas de sílica no ar, mitigando a possibilidade de inalação por parte dos trabalhadores.

A vigilância cuidadosa durante a manipulação de materiais silicogênicos também se mostra crucial. Este monitoramento deve ser acompanhado por treinamentos regulares e reciclagem profissional, garantindo que todas as operações envolvendo sílica sejam executadas conforme as normas de segurança mais rigorosas. Além disso, a educação dos pacientes e trabalhadores sobre os perigos associados à exposição à sílica cristalina é imperativa. Programas de conscientização e educação podem efetivamente equipar os indivíduos com o conhecimento necessário para identificar situações de risco e adotar comportamentos preventivos apropriados.

Portanto, a prevenção da silicose não se limita ao ambiente físico de trabalho, mas estende-se à esfera educacional e comportamental, envolvendo um conjunto integrado de ações que visam a proteção da saúde dos trabalhadores expostos à sílica. Combinando medidas de controle ambiental, proteção individual e educação, pode-se efetivamente reduzir a incidência desta condição debilitante e promover um ambiente de trabalho mais seguro e saudável.

REFERÊNCIAS

(1)Azevedo, R. G., & Schütz, G. E. (2021). Silicose nas pedreiras: a sutil diferença entre conhecer e adoecer. Intervenções em Saúde do Trabalhador na explotação de rochas ornamentais. Cadernos Saúde Coletiva, 29(1), 67-76.

(2) Liu, K., Sun, X., Hu, W. J., Mei, L. Y., Zhang, H. D., Su, S. B., … & Ye, M. (2024). Occupational exposure to silica dust and silicosis risk in Chinese noncoal mines: qualitative and quantitative risk assessment. JMIR Public Health and Surveillance, 10, e56283.

(3) Pointel, S., Gay, P., Forest, F., Tiffet, O., Trouillon, T., Froudarakis, M., & Vergnon,J. M. (2021). La silice cause des difficultés. Revue des Maladies Respiratoires, 38(7), 768-772.

(4) Laraqui, O., Manar, N., Laraqui, S., Chahboun, A., Benamor, J., Deschamps, F., & Laraqui, C. H. (2021). Qualité de vie des anciens mineurs silicotiques. Revue des Maladies Respiratoires, 38(4), 346-356.

(5) Faubry, C., Grassion, L., & Raherison-Semjen, C. (2021). Silicose et hémoptysie.Revue des Maladies Respiratoires, 38(3), 300-303.

(6) Cena, Ashley C. MMS, PA-C; Cena, Lorenzo G. PhD, MS .Silicose: Não é mais exclusivamente uma doença crônica. JAAPA 37(9):p 14-20, setembro de 2024. | DOI: 10.1097/01.JAA.00000000000103

(7) Li, T., Yang, X., Xu, H., & Liu, H. (2022). Early identification, accurate diagnosis, and treatment of silicosis. Canadian respiratory journal, 2022(1), 3769134.

(8) Hoy, R. F., & Chambers, D. C. (2020). Silica‐related diseases in the modern world.Allergy, 75(11), 2805-2817.


1 Residência Médica de Cliníca Médica, Hospital Regional de Taguatinga/DF – HRT/DF , thayanne.gomes1996@gmail.com
2 Preceptor de Residência Médica, Hospital Regional de Taguatinga – HRT/DF, infectron@proton.me
3 Residência Médica de Cliníca Médica, Hospital Regional de Taguatinga/DF – HRT/DF , keven.m.g@hotmail.com
4 Residência Médica de Cliníca Médica, Hospital Regional de Taguatinga/DF – HRT/DF , andreza.brandao.silva@gmail.com