REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501180755
Lincoln Nilo Pereira
Jeanfrank Teodoro Dantas Sartori
RESUMO
A Indústria 4.0 traz desafios significativos às organizações, impactando profundamente o acesso à informação, a automação e os processos organizacionais. Na Gestão da Cadeia de Suprimentos, essas mudanças têm impulsionado soluções ágeis e maior integração entre pessoas, processos e fluxos. Este estudo explora os efeitos da Indústria 4.0 na aprendizagem organizacional no contexto das cadeias de suprimento, com foco na perspectiva da linguagem, do discurso e da história. Foi realizada uma revisão de literatura que permitiu mapear práticas e ferramentas discutidas na academia sobre o tema. Os resultados indicam que a aprendizagem organizacional enfrenta a necessidade de ambientes mais propícios ao compartilhamento de conhecimento e de maior incorporação de fundamentos filosóficos relacionados à linguagem e ao discurso, pois estes oferecem subsídios para a construção de narrativas organizacionais coerentes e para a gestão eficaz do conhecimento.
Palavras–chave: Aprendizagem Organizacional. Cadeia de Suprimentos. Indústria 4.0. Linguagem. Gestão do Conhecimento.
ABSTRACT
The current scenario of Industry 4.0 can be considered challenging for organizations. Information access has changed drastically, automation has become an even more present reality and organizational aspects have been modified to meet the demands that this new era brings. The Supply Chain Management area, on the other hand, benefited greatly from the changes that were employed, making the process that integrates a lot of components such as people, information, customers, suppliers, processes and flows thus providing agile solutions to the problems in the area. This research is proposed to further understand how Organizational Learning theory and practice, within the context of the supply chain, have been affected by Industry 4.0 . To achieve that goal, this research used the literature review to survey and analyze the available scientific knowledge on the topic. As a result, it was possible to detect that an Organizational Learning area needs to find tools and practices to make organizational environments more conducive to knowledge sharing, in an approach that takes greater use of the philosophical concepts of language, discourse and history.
Keywords: Organizational Learning. Supply chain. Industry 4.0. Language. Knowledge management.
1 INTRODUÇÃO
O contexto organizacional sempre foi um dos principais objetos de pesquisas abordado por diversas áreas (Lawrence e Lorsch, 1967; Woodward, 1965). Na atualidade, esse contexto tem sofrido diversas modificações com a automatização dos sistemas de informação que utilizam de ferramentas e artefatos cada vez mais modernos e com troca de dados e informações com maior agilidade (Laudon e Laudon, 2016; Brynjolfsson e McAfee, 2014). A adaptação das organizações a esse novo cenário apresentado pela Indústria 4.0 tem levantado diversos questionamentos de como será realizada a gestão organizacional nos próximos anos e como ela correrá mediante a essa nova era.
Entre os principais desafios destacam-se a integração de novas tecnologias nos processos existentes, bem como o impacto dessa automação nas rotinas organizacionais, particularmente na melhoria da eficiência e na agilidade da troca de dados e informações (Laudon e Laudon, 2016). Além disso, é necessário explorar as competências que os profissionais devem desenvolver para se adaptarem a sistemas mais modernos e automatizados, bem como avaliar os custos e benefícios associados à implementação dessas tecnologias (Brynjolfsson e McAfee, 2014). A segurança e a privacidade dos dados também emergem como questões centrais, dada a crescente dependência de sistemas digitais integrados (Lawrence e Lorsch, 1967). Por fim, a análise das implicações culturais e éticas da substituição de tarefas humanas por tecnologias avançadas revela-se indispensável, considerando os possíveis efeitos na cultura organizacional e na resistência às mudanças (Woodward, 1965).
Por outro lado, temos, dentro do contexto organizacional, setores onde a Indústria 4.0 tem apresentado benefícios, como no caso da Cadeia de Suprimentos, que é responsável por todo o gerenciamento da cadeia produtiva por meio de uma rede interligada, possibilitando que a tomada de decisão seja eficiente e eficaz, trazendo soluções para as demandas desses setores.
Considerando que a Aprendizagem Organizacional ocorre através do relacionamento entre as pessoas e suas interações (BRUSAMOLIN; SUAIDEN, 2014) e que o conhecimento que só pode ser criado pelos indivíduos (TAKEUCHI; NONAKA, 2008), esta pesquisa se propõe a investigar como as ações de aprendizagem organizacional, dentro do contexto da cadeia de suprimentos, têm sido afetadas pela Indústria 4.0.
As abordagens desta pesquisa podem ser contribuições importantes para a aprendizagem organizacional, principalmente no que diz respeito a era desafiadora que é a Indústria 4.0, tão atuante na cadeia de suprimentos.
2 REVISÃO DE LITERATURA
APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL
No ambiente corporativo constantemente temos novas experiências e compartilhamos inúmeras informações entre colaboradores, as quais permitem implementar melhorias nas competências e habilidades existentes, alcançando metas e prospectando melhores resultados estratégicos gerenciais e operacionais (Nonaka e Takeuchi, 1997; Davenport e Prusak, 1998; Choo, 2003).
Os estudos de Mezirow (1996), sobre a Teoria da Aprendizagem Transformativa, que identifica a validade da aprendizagem instrumental, agrega a contribuição dos cognitivistas à teoria da ação de Habermas (1984).
Nessa perspectiva, temos o conceito de aprendizagem instrumental e consequentemente o conceito de aprendizagem comunicativa assumindo-as como complementares e absorvidas nesse processo de aprendizagem.
Habermas (1972) confere ao diálogo racional um papel essencial na validação de significados, porém, segundo este autor, é pelo interesse emancipatório que o sujeito se liberta dos vínculos contextuais e organizacionais, o que, para Choo (2003), teria uma aplicação direta ao ambiente organizacional.
Ademais, Mezirow (1991) inclui os aspectos culturais em suas abordagens de aprendizagem de adultos e enfatiza a experiência anterior do indivíduo, bem como o conhecimento tácito, como fatores centrais na construção de significados. Para o autor, a aprendizagem transformadora ocorre por meio da reflexão crítica sobre pressupostos adquiridos culturalmente, o que permite a reinterpretação de experiências e a construção de novos significados.
No ambiente corporativo há a existência de um conhecimento cultural que relata as estruturas cognitivas e afetivas utilizada pelos colaboradores para perceber, explicar, avaliar e construir a realidade (CHOO, 2003). Segundo este autor, as crenças, normas e valores determinariam a base organizacional no qual os integrantes construiriam sua realidade e entenderiam a relevância das novas informações. Este tipo de conhecimento consiste da base das estruturas cognitivas e afetivas que são usadas habitualmente pelos membros de uma organização para perceber, explicar, avaliar e construir a realidade.
Neste contexto, Choo (2003) também inclui suposições e crenças organizacionais, as quais são utilizadas para descrever e explicar a realidade, bem como as convenções e expectativas utilizadas para atribuir valores e significados às novas informações.
As experiências anteriores, valores éticos, normas e metas individuais, são os principais componentes na construção do conhecimento. Segundo Mezirow (1996), a edificação desses novos aspectos daria ao indivíduo o embasamento e elementos necessários para orientá-los em suas futuras ações e nas tomadas de decisões corporativas. De modo análogo, Choo (2003) destaca que o aprendizado das organizações também se faz considerando a experiência passada, refletida em normas, políticas, valores e metas organizacionais.
Ademais, no contexto organizacional da aprendizagem, a definição de conhecimento – o objeto principal da aprendizagem – assumiu um significado expressivamente contrastante com o epistemológico (SCHWARTZ, 2006). Esse contraste se dá porque, enquanto a epistemologia tradicional frequentemente define conhecimento como algo formal, universal e baseado em proposições lógicas, no ambiente organizacional ele é muitas vezes entendido como tácito, situacional e dependente do contexto. No âmbito corporativo, conhecimento é visto como um ativo estratégico, dinâmico e moldado pelas interações humanas, refletindo normas e práticas compartilhadas (Nonaka & Takeuchi, 1997).
A razão para essa diferença reside na necessidade de as organizações lidarem com problemas complexos e mutáveis, onde o conhecimento deve ser imediatamente aplicável e adaptável. Como afirma Schwartz (2006), as organizações tendem a valorizar o conhecimento que promove inovação e eficiência em resposta às mudanças ambientais, superando as limitações de definições puramente teóricas. Assim, surge o questionamento: como as organizações podem integrar essas duas visões – epistemológica e organizacional – para equilibrar a validade teórica do conhecimento com sua aplicabilidade prática? Essa questão é central para a aprendizagem organizacional e para a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento sustentável e inovador.
Por sua vez, Rumizen (2002, p. 6) define conhecimento como “informação contextualizada para produzir uma compreensão aplicável [em prática]”, enquanto Davenport e Prusak entendem que
O conhecimento é uma mistura fluida de experiência emoldurada, valores, informações contextuais e insights especializados que fornecem uma estrutura para avaliar e incorporar novas experiências e informações. Ela se origina e é aplicada na mente dos conhecedores. Nas organizações, muitas vezes ele se torna incorporado não apenas nos documentos ou repositórios, mas também em rotinas organizacionais, processos, práticas e normas (1998, p. 5).
Deste modo, o conhecimento compreendido no contexto e escopo organizacional é definido como uma ferramenta pragmática relacionada às experiências, ao compartilhamento de insights e ao apoio à execução de tarefas práticas. Esse conhecimento pode ser classificado como algo compartilhado, voltado a um conjunto de atividades específicas, distribuído e enraizado em uma perspectiva cultura-histórica (IIVARI, 2000; SCHWARTZ, 2006).
A abordagem cultura-histórica refere-se à ideia de que o conhecimento não é apenas o resultado de capacidades individuais ou interações contemporâneas, mas é moldado por práticas, valores e significados acumulados ao longo do tempo dentro de uma organização ou sociedade. Essa visão enfatiza como as tradições e os contextos culturais influenciam a forma como o conhecimento é criado, interpretado e aplicado, reconhecendo que o aprendizado e a prática organizacional estão intimamente conectados a legados históricos e sociais (Schwartz, 2006; Vygotsky, 1978).
Schwartz (2006) defende que haveria limitações quanto a abordagem tradicional de epistemologia para a gestão do conhecimento, uma vez que a gestão do conhecimento está centrada na produção, apropriação e uso do conhecimento numa perspectiva compartilhada enquanto que a abordagem tradicional de epistemologia busca suas explicações e justificativas.
Para Schwartz (2006), as pontes mais produtivas entre a epistemologia e a gestão do conhecimento repousariam sobre a filosofia da ciência e a epistemologia social. Todavia, ainda assim há um distanciamento impróprio na medida em que se busca uma escolha seletiva e pontual de toda uma ciência que trata de conhecimento, sendo esse tácito ou explícito e irrevogavelmente o objeto também da gestão do conhecimento.
CADEIA DE SUPRIMENTOS 4.0
Nas primeiras décadas do terceiro milênio, as transformações promovidas pela 4.ª Revolução Industrial progressivamente tem afetado, direta e intensamente, a cadeia de suprimentos e sua gestão, uma vez que são obviamente indissociáveis do processo industrial que atualmente objeto do referido processo disruptivo. Todavia, pesquisadores apontam que o estudo científico desses impactos ainda é limitado na literatura, na qual o tema vem sendo chamado pelos autores de Supply Chain 4.0 (numa analogia com a Indústria 4.0), guardando superimposição com a temática da presente pesquisa (FREDERICO et al., 2019).
A Indústria 4.0, também chamada de quarta revolução industrial, ganhou tal denominação a partir da introdução do termo em alemão “Industrie 4.0”, em 2011, por Hannover Fair, e equivalente ao que a General Electric chamou, nos Estados Unidos, de internet industrial. Estabelecida conceitualmente ex-ante, portanto previamente, consiste, basicamente, na adoção de sistemas cyber-físicos na indústria, em um fenômeno ainda em sua fase inicial neste princípio do século XXI (GHOBAKHLOO, 2018; KAGERMANN; WAHLSTER; HELBIG, 2013; DRAGICEVIC et al., 2019).
A indústria 4.0, na presente compreensão sobre o tema, pode ser vista como um conjunto de 14 tecnologias e 12 princípios que juntos estão transformando os processos industriais, as cadeias produtivas e os próprios produtos. A Figura 1 ilustra esses aspectos (Ghobakhloo, 2018). Está também associada ao conceito de tecnologias com crescimento exponencial, uma vez que se potencializam umas às outras promovendo um desenvolvimento continuamente acelerado, que por sua vez afeta e transforma a indústria, os processos e a cadeia produtiva. E as mudanças nestes permite o desenvolvimento de novas tecnologias e, assim, cria-se um ciclo no qual espera-se uma revolução dinâmica e célere (Schlaepfer e Koch, 2015).
Figura 1 – Princípios e tecnologias da indústria 4.0
Fonte: Adaptado de Ghobakhloo (2018, p. 914)
Dentre as pesquisas disponíveis, destaca-se como efeito da indústria 4.0 nas cadeias de suprimento a perspectiva de intensa adoção das novas tecnologias, sendo que a Internet das Coisas (em inglês IOT – Internet of Things) é a mais frequentemente mencionada, tendo como um dos possíveis efeitos o incremento ainda maior da dispersão do processo produtivo potencializada justamente pela adoção desses novos recursos tecnológicos (FREDERICO et al., 2019).
Frederico et al. (2019) destacam que as novas tecnologias necessitam do suporte de competências e de gestão para que seus efeitos possam extrair os resultados estratégicos desejados a partir dos processos e requisitos de performance da cadeia e participantes, conforme sumarizado no modelo apresentado na Figura 1.
A complexidade inerente às cadeias de suprimento, bem como a concorrência por clientes e eficiência, induz à necessidade de que todos os fluxos e processos não sejam isolados nem deixados sob a gestão fracionada das diversas empresas individualmente.
LINGUAGEM, DISCURSO E HISTÓRIA NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL
A linguagem tem nas organizações um importante papel na manutenção da coerência, no sentido de ordem e alinhamento ao direcionamento estratégico – ainda que aparentes –, mesmo em meio a inúmeros fatores, interesses e concepções por vezes conflitantes e divergentes (ASTLEY; ZAMMUTO, 1992).
Tal perspectiva da linguagem não deve ser erroneamente compreendida de modo simplista, pois não se trata apenas do conteúdo comunicado, mas também do contexto em que está inserido. Além disso, a linguagem atua como um meio para reinterpretar e reconfigurar esse conteúdo dentro de novos contextos. Afinal, “nós não apenas relatamos e descrevemos com linguagem; também criamos com ela (…) provendo um ponto de vista (um contexto) no qual nós conhecemos a realidade e orientamos nossas ações” (BOJE; OSWICK; FORD, 2004, p. 571).
Para estes autores, as organizações não existem de modo independente da linguagem, uma vez que elas podem ser entendidas como discursos colaborativos e contenciosos, como práticas materiais do texto e da fala, como fenômenos na linguagem e da linguagem (BOJE; OSWICK; FORD, 2004).
Ademais, o significado do discurso transcende a sentença isolada, sendo indissociável dos atos ilocutórios e perlocucionários. Os atos ilocutórios referem-se à intenção do falante ao proferir uma enunciação, como afirmar, questionar ou prometer, enquanto os atos perlocucionários dizem respeito aos efeitos produzidos no interlocutor, como persuadir, emocionar ou motivar uma ação. No discurso, a intenção subjetiva do sujeito que se expressa e o significado se sobrepõem e se tornam indissociáveis e indistinguíveis, enquanto no discurso escrito, isso não é integralmente preservado e essa dissociação, ainda que parcial, é o grande desafio do registro do discurso (RICOEUR, 1979).
E, quando a exegese limita seus procedimentos em torno do significado de um texto, rompe-se deste o vínculo com subjetividade e a intenção do autor do discurso, reduzindo assim tanto a completude e a fidedignidade da interpretação. Na ausência física e psicológica do autor, somente a interpretação e não a exegese – é capaz de resgatar essa plenitude do significado, o significado salvando o significado (RICOEUR, 1979).
No discurso oral, temos referências ostensivas que são proporcionadas por gestos, entonações, expressões etc., aspectos esses que nunca são plenamente transpostos para o discurso escrito. Permanecem as referências mas em uma escala menor, de mundo (welt) fala de uma situação (unwelt) deste, mas abrindo a leitor a possibilidade explorá-lo. A escrita liberta o discurso não apenas do autor, mas também da situação, estabelecendo sua função de projetar o mundo. O discurso é destinado a alguém, um público. No oral há um público, enquanto no escrito tem-se potencialmente qualquer um que saiba ler naquela linguagem (RICOEUR, 1979).
Estabelece-se, assim, a relação entre a explicação e entendimento/compreensão nas ciências humanas, que o autor propõe em termos de ler e escrever como solução para o paradoxo metodológico. O discurso escrito reveste-se de objetividade e, deste modo, a sua interpretação pode metodologicamente se ater a explicação nos limites linguísticos dessa mesma objetividade, esquivando-se de transpor aspectos subjetivos alheios aos sinais efetivamente registrados (RICOEUR, 1979).
A reconstrução do significado ou da interpretação de um texto escrito requer a contribuição das partes para a compreensão do todo e a contribuição do todo para a compreensão das partes, num processo cíclico que subsidia o “guessing”. Essa reconstrução do texto por um processo de validação (ainda que não possibilite a definitiva verificação) constitui-se um complemento moderno a dialética entre Erklären (explicar) e Verstehen (compreender), apenas não se tornando um círculo vicioso pela presença da invalidação juntamente com a validação, além de níveis distintos de probabilidade de uma dada interpretação ser correta. Existe, assim, um conjunto limitado de interpretações possíveis. A partir desses constructos, o autor defende o paralelo entre os procedimentos da crítica literária àquela das ciências sociais (RICOEUR, 1979).
Por sua vez, Bannell (2006) debate as relações entre a comunicação e a razão e, por meio desta, com o conhecimento. Defende a (re)construção de uma voz da razão ou da sua expressão linguisticamente tangível, presumindo a remoção da subjetividade em prol dos argumentos que pretendam justificar a validade (ou rejeição) de dada proposição, sendo para o autor os únicos eficazes para transformar opinião em conhecimento. Defende, assim, a análise ou o estudo da comunicação sem a qual não seria possível resgatar a reflexão como prática histórica e constitutiva das relações sociais: “É por intermédio da comunicação que nós estabelecemos relações com o mundo”. Propõe, ainda, três dimensões de mundo (BANNELL, 2006):
Tabela 1 – Três dimensões de mundo
Mundo Natural | Mundo Social | Mundo Subjetivo |
Construção do conhecimento verdadeiro sobre o mundo de fatos e estados de coisas | Por meio da crítica ou do resgate das normas, valores, significados compartilhados etc. que regula, normativamente, as interações entre pessoas. | Por meio da crítica ou do resgate da sinceridade da subjetividade do indivíduo e de um projeto individual de vida. |
Fonte: Bannel (2006)
Essa relação, segundo o autor, não ocorre em qualquer tipo de argumentação, mas especificamente em argumentações do tipo convencional, nas quais há uma forte influência de fatores sociais, culturais e temporais. Esses fatores podem estabelecer “verdades incontestáveis” dentro de um contexto específico, como em tradições ou normas de um grupo ou época histórica, mas que, fora desse contexto, podem não ser necessariamente válidas ou aceitas. Para o autor, a argumentação válida é a pós- convencial, pois extrapola os contextos específicos na pretensão de validade universal (aceito em qualquer contexto). Ficam de fora, assim, aspectos estéticos e éticos, pois irremediavelmente se encontram vinculados a um contexto específico.
Bannel (2006) sustenta ainda a fundamentação da razão comunicativa na linguagem, que, baseado em Humboldt (1999), possuiria três funções: cognitiva, expressiva e comunicativa, existindo distinção entre análise semântica (visão de mundo linguística) e análise pragmática (diálogo, discurso com perguntas, respostas e objeção). Destaca o quanto a linguagem, por ser coletiva, estabelece uma rede de significados, constituindo o órgão formativo do pensamento. Assim, seria fundamental reconstruir uma competência comunicativa que liberte o homem do bloqueio à racionalidade imposta pelos significados e normas já compartilhados, ao que ele chama de pragmática formal, um dos pilares de sua construção teórica do tema (BANNELL, 2006).
Além disso, o conceito de jogo de linguagem é introduzido por Wittgenstein (1953), demonstrando como o contexto histórico é fonte da qual derivam as palavras em uso na organização social e, também, das chaves para a “correta” reconstrução de seu significado, de sua interpretação (WITTGENSTEIN, 1953).
Ademais, as histórias dentro do contexto organizacional podem ser encontradas a partir da aceitação da Gestão do Conhecimento dentro do ambiente organizacional, por meio das novas práticas de gestão que tem reconhecido o ser humano com o detentor do recurso mais valioso: o conhecimento. Como as interações entre os indivíduos ocorre por meio da linguagem, os estudos dentro da área de Gestão do Conhecimento também têm buscado aspectos linguísticos e de comunicação como procedimentos para os propósitos gerenciais, como o corre com as narrativas (BRUSAMOLIN; SUAIDEN, 2014).
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa constitui-se em uma pesquisa exploratória, uma vez que, conforme classificado por Gil (2008, p. 27), tem a intenção de desenvolver, modificar ou esclarecer as ideias e os conceitos a partir da formulação de um problema preciso. A abordagem desse estudo é quanlitativa e trata-se de uma pesquisa descritiva, onde os pesquisadores analisam os seus dados indutivamente e tem como foco o processo e significado do que se pesquisa. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 70).
Para atender os objetivos que esta pesquisa elencou foi realizado um levantamento bibliográfico sobre as temáticas, tornando possível construir uma revisão de literatura que auxiliou na compressão de como a aprendizagem organizacional foi discutida pela comunidade acadêmica na perspectiva da cadeia de suprimentos que, atualmente, sofre as modificações causadas pela Indústria 4.0.
De acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 131), a revisão da literatura apresenta como o pesquisador está atualizado sobre as descobertas recentes sobre as discussões no campo do qual ele investiga, através de artigos, livros, monografias, dissertações e teses, sendo excelentes fontes de consulta.
A análise e discussão deste estudo ocorreu após a seleção dos trabalhos de fontes primárias, partindo da interpretação que foram atribuídas ao estudo por meio das percepções dos autores e de suas ideias sobre como a aprendizagem e conhecimento acontecem dentro das organizações, considerando os aspectos que envolvem a cadeia de suprimentos e as ferramentas como linguagem, discurso e histórias que são incorporadas no contexto organizacional no qual se encontra hoje na era da Indústria 4.0.
4 DISCUSSÃO
Os conceitos de linguagem e discurso possuem o potencial de contribuir com o estudo e a aplicação das teorias de aprendizagem organizacional, uma vez que proporcionam as bases para uma perspectiva mais ampla não apenas quanto ao fenômeno do conhecimento, mas também para os esforços gerenciais de transformação deste em um ativo organizacional, que transcenda temporalmente a passagem dos colaboradores pela organização.
Se a linguagem e o discurso possuem relevância na construção de uma narrativa de coerência geral de uma empresa (ASTLEY; ZAMMUTO, 1992 (Alvesson e Deetz, 1999)), de forma analógica é possível e coerente propor a hipótese de que a mesma importância estaria presente na construção de uma cultura organizacional que valorize e estimule a criação e o compartilhamento do conhecimento (Marchiori, 2010; Oliveira, 2021).
Do mesmo modo, se as organizações não existem de forma independente da linguagem, mas nela e por ela se manifestam (BOJE; OSWICK; FORD, 2004), é razoável conceber que a aprendizagem seja, enquanto um processo organizacional, igualmente indissociável da linguagem e do discurso. Todavia, a literatura científica deste campo acadêmico parece pouco explorar essas relações, sendo que um possível ponto de contato inicial pode estar no modelo Ba (NONAKA; TOYAMA; KONNO, 2000), que descreve espaços compartilhados, físicos ou virtuais, onde ocorre a criação, o compartilhamento e a ampliação do conhecimento organizacional de maneira dinâmica e colaborativa.
A linguagem e o discurso talvez possam enriquecer tal modelo, a partir de uma melhor compreensão de diversos aspectos de como se dá a referida interação e de como, a partir da ação gerencial, é possível uma intervenção que potencialize os efeitos buscados por meio da aprendizagem organizacional e da gestão do conhecimento.
Por outro lado, a narrativa construída a partir da linguagem e do discurso com vistas a atender aos respectivos objetivos devem possuir lastros na prática organizacional, no sentido de que as histórias – um importante elemento da cultura organizacional – serão um relevante aspecto a reforçar ou desconstruir a narrativa intentada, cuja ausência de coerência fatalmente levará ao insucesso de sua sustentação no médio e no longo prazo (Weick e Browning, 1986; Vargas Pedraza, 2012; Gill, 2011; Carramenha, 2014).
A construção histórica do discurso e da narrativa, aliada a perspectiva temporal discutida no conceito do jogo de linguagem (WITTGENSTEIN, 1953), possa reforçar a defesa de que a aprendizagem organizacional e a gestão do conhecimento devem ser um esforço e um investimento de longo prazo nas organizações, uma vez que seriam inviáveis que os frutos duradouros das necessárias intervenções sejam intensamente percebidos no curto e médio prazo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria e a prática da aplicação das teorias de aprendizagem nas organizações e da gestão do conhecimento talvez ainda se sustente demasiadamente na busca de ferramentas, práticas e na criação de um ambiente favorável ao fluxo de conhecimento, em detrimento de uma visão mais ampla de tal processo, que contemple mais intensamente a perspectiva linguístico-discursiva das organizações.
Ademais, o debate filosófico concernente aos aspectos concernentes a interpretação do discurso oral e escrito – e as particularidades de cada um destes meios – pode proporcionar contribuições importantes para a aprendizagem organizacional, especialmente no cenário ainda mais desafiador e complexo que se apresenta nas cadeias de suprimento na era da indústria 4.0.
Adicionalmente, pode vir a apresentar-se como contribuição a exploração de questões relacionadas a aplicação da perspectiva da razão comunicativa (BANNELL, 2006), em especial na interação com o mundo social e, neste, particularmente o contexto organizacional, como meio para a propagação dos fluxos do conhecimento e dos esforços de estímulo à aprendizagem.
Destarte, a partir das proposições de parte dos autores, sugere-se que futuras investigações acadêmicas possam explorar como a linguagem e o discurso possam contribuir para uma maior efetividade da aprendizagem organizacional e da gestão do conhecimento no atingimento dos seus objetivos de longa data estabelecidos na literatura, mas não frequentemente alcançados em sua plenitude e potencial.
Ademais, futuras pesquisas poderiam explorar se o mencionado distanciamento da visão de conhecimento, entre a epistemologia e gestão do conhecimento, é coerente e necessário, explorando o quão viável e benéfico seria a busca por aproximá-las ou convergi-las.
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