CARACTERÍSTICAS DAS MÃES DE CRIANÇAS NOTIFICADAS COM SÍFILIS CONGÊNITA NA REGIÃO DE SAÚDE OESTE DO DISTRITO FEDERAL

CHARACTERISTICS OF MOTHERS OF CHILDREN REPORTED WITH CONGENITAL SYPHILIS IN THE WEST HEALTH REGION OF THE FEDERAL DISTRICT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202501132226


Luana Santos Silva1
Misael Junior Souza Magalhães2
Ana Vitória Menezes3


Resumo

O presente estudo analisa as características das mães de crianças notificadas com sífilis congênita (SC) na Região de Saúde Oeste do Distrito Federal, entre 2019 e 2023. Trata-se de uma pesquisa descritiva e quantitativa, baseada em dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). Foram analisadas variáveis como faixa etária, escolaridade, realização de pré-natal, raça/cor, e tratamento das mães e de seus parceiros. No período analisado, foram registrados 541 casos de SC, com a maior incidência em 2022 (23,6 casos por 1.000 nascidos vivos). Os dados apontam uma maior prevalência entre mães de 20 a 34 anos (71,7%), pardas/pretas (53,4%) e com baixa escolaridade (67,5% dos registros incompletos ou ignorados nesse campo). Apesar de 87,4% das mães terem realizado pré-natal, apenas 60,7% dos parceiros receberam tratamento, comprometendo o controle da transmissão. O estudo evidencia a necessidade de melhorias na adesão ao tratamento, qualificação do registro de dados e integração das ações intersetoriais. Ressalta-se a importância de políticas públicas voltadas à equidade no acesso e na qualidade dos serviços de saúde para reduzir a SC como problema de saúde pública.

Palavras-chave: Sífilis; Sífilis Congênita; Epidemiologia; Vigilância em Saúde.

1. INTRODUÇÃO

No âmbito do Distrito Federal (DF), de 2017 a 2021, foram notificados 9.813 casos de sífilis adquirida, sendo 3.370 casos em gestantes e 1.645 casos de sífilis congênita em menores de um ano de idade (DISTRITO FEDERAL, 2024). 

Evidencia-se, portanto, a sífilis como um problema grave de saúde pública no Brasil e no mundo. Desta forma, a Assembleia Mundial de Saúde apresentou uma estratégia global de saúde para ISTs, referente ao período de 2016 a 2021(OMS, 2016), com o objetivo de expandir as ações e serviços fundamentados em evidências para diminuir o impacto das ISTs como um problema de saúde pública até 2030, com metas específicas, como a eliminação da sífilis congênita e a redução da sífilis adquirida. 

O Brasil possui uma linha histórica de ações para o controle da sífilis. Nos últimos 10 anos, diversas ações foram implementadas, tais como a realização de testes rápidos na rotina do pré-natal, a criação do protocolo e diretrizes terapêuticas (PCDT) para o manejo de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a implementação do projeto de resposta rápida à sífilis, denominado “Sífilis Não”, além de parcerias firmadas entre conselhos e associações de profissionais de saúde (BRASIL, 2022). 

No DF, está vigente o Plano Integrado para Prevenção, Vigilância e Controle da Sífilis para o período de 2021 a 2024. Este plano contempla ações competentes a Atenção Primária à Saúde; Atenção Especializada Ambulatorial e Hospitalar; Assistência Farmacêutica; Vigilância Epidemiológica; e Gestão (DISTRITO FEDERAL, 2020).

Tendo isso em vista, este trabalho visa identificar as características das mães de crianças com sífilis congênita  na Região de Saúde Oeste do Distrito Federal, no período de 2019 a 2023. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A sífilis é uma doença infecciosa sistêmica e curável, causada pela bactéria Treponema pallidum e que afeta exclusivamente o ser humano. Essa doença apresenta-se de diversas formas e estágios, sendo sífilis recente (primária, secundária e latente recente) quando o  tempo de evolução é de até um ano; e a sífilis tardia (latente tardia e terciária) quando esse tempo é superior a um ano (BRASIL, 2022). 

A sífilis congênita (SC) ocorre pela transmissão vertical da bactéria da gestante para o feto, decorrente do não tratamento da doença durante a gestação ou do tratamento inadequado (BRASIL, 2020). A taxa de infecção da transmissão vertical em gestantes é alta, sendo de 70% a 100% nas fases recentes e 30% nas fases tardias da infecção. A transmissão vertical da SC pode provocar aborto espontâneo, natimorto ou morte perinatal em aproximadamente 40% dos casos (OMS, 2016). A notificação da sífilis adquirida, da sífilis em gestantes e da sífilis congênita é uma responsabilidade obrigatória para todos os profissionais de saúde em serviços públicos e privados (BRASIL, 2022).

As infecções sexualmente transmissíveis (IST), dentre as quais a sífilis, estão entre as doenças transmissíveis mais prevalentes, afetando a saúde e a vida de milhões de pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ocorreram mais de 661.000 casos de sífilis congênita no mundo, em 2016, resultando em aproximadamente 200.000 natimortos e mortes neonatais (OMS, 2016). 

Com base nos dados notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de 2020, foram registrados no Brasil 61.441 casos de sífilis em gestantes, ou seja, a taxa de detecção foi de 21,6 casos de gestantes diagnosticadas com sífilis para cada 1.000 nascidos vivos. Além disso, ocorreram 22.065 casos de sífilis congênita neste período, resultando na taxa de incidência de 7,7 casos por 1.000 nascidos vivos. Como consequência, ocorreram 186 óbitos por sífilis congênita, com a taxa de mortalidade de 6,5 óbitos por 100.000 nascidos vivos (BRASIL, 2020). 

3. METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de natureza descritiva e quantitativa, que visa descrever e quantificar as características de mães de crianças com sífilis congênita em uma Região de Saúde do Distrito Federal, no período de 2019 a 2023.

 A abordagem metodológica adotada foi quantitativa, com o uso de dados secundários, provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). A análise desses dados foi realizada utilizando o software TabWin® para tabulação e Excel® para análise estatística. A combinação dessas abordagens permitiu uma compreensão abrangente das variáveis envolvidas.

Os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), referentes aos casos de sífilis, e os do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), relacionados aos nascidos vivos, foram tabulados por meio do TabWin®. Esses dados são de domínio público e disponibilizados pelo Departamento de Informática do SUS, permitindo sua organização conforme os objetivos da pesquisa.

Por se tratar de dados secundários e de acesso livre, este estudo está dispensado de apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme previsto na Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

A análise utilizou as seguintes variáveis:

  • Faixa etária da mãe: Classificação da idade da mãe em grupos etários (ex: menores de 15 anos, 15 a 19, 20 a 24, 25 a 29, 30 a 34, 35 a 39, 40 a 44, 45 anos ou mais).
  • Escolaridade da mãe: Nível de escolaridade da mãe (ex: Sem instrução ou fundamental incompleto, Ensino fundamental completo, Ensino médio incompleto, Ensino médio completo, Ensino superior incompleto, Ensino superior completo).
  • Realização de consultas pré-natal da mãe: Quantidade de gestante que realizaram ou não consultas durante a gestação.
  • Raça e cor da mãe: Identificação da raça e cor da mãe (branca, negra, parda, amarela ou indígena).
  • Tratamento da mãe e do parceiro: Indica se a mãe e o parceiro receberam ou não tratamento para sífilis.
  • Evolução do caso: Desfecho da gestação (vivo, aborto, natimorto, óbito por sífilis congênita ou óbito por outras causas).

A Taxa de incidência de Sífilis Congênita foi calculada com base nas recomendações do Ministério da Saúde, utilizando como metodologia de cálculo  a   razão entre o número de casos novos de sífilis congênita em menores de 1 ano de idade, em determinado ano, pelo o número de nascidos vivos, de mães residentes no mesmo local, no ano considerado, multiplicado por mil (BRASIL, 2022).

Os dados foram organizados em tabelas e gráficos no Excel® para análise. Serão produzidos gráficos para cada variável, mostrando a frequência absoluta e o percentual de cada categoria. A análise da taxa de incidência ajudou a contextualizar a frequência da sífilis congênita na região estudada, proporcionando uma visão mais clara da magnitude do problema.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

4.1 RESULTADOS

A Região de Saúde é composta por três Regiões Administrativas: Brazlândia, Ceilândia e  Sol Nascente/Pôr do Sol. Esta última, que fazia parte do território da Ceilândia, só foi  criada em 2019. Desta forma, no período analisado, os dados  estavam estratificados em apenas duas Regiões Administrativas (RA). Conforme dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2022, essas RA têm um aporte populacional de 55.879, 350.347 e 93.217 pessoas, respectivamente (CODEPLAN, 2022). Essa Região de Saúde é a segunda maior do DF em quantitativo populacional.

De acordo com os dados extraídos do SINAN, na Região de Saúde estudada foram registrados 541 casos de sífilis congênita no período de 2019 a 2023. Os anos com as maiores quantidades de casos de SC foram 2022 (139 casos) e 2021 (130 casos). E os que tiveram a menor quantidade de casos foram 2020 (106 casos) e 2019 (96 casos). O gráfico 1, apresenta essa linha histórica do número de casos de SC. A tabela 1 apresenta o histórico de nascimentos, casos e taxa de incidência de sífilis congênita na região de saúde, por RA.

Gráfico 1 – Número de Casos de Sífilis Congênita na  Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Tabela 1 – Número de nascidos vivos, número de casos e taxa de incidência de sífilis congênita na Região de Saúde Oeste, por RA, nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.
*Nota: Os dados referentes à RA Sol Nascente/Pôr do Sol estão incluídos na RA Ceilândia, uma vez que a primeira foi criada recentemente e anteriormente fazia parte da segunda.

A taxa de incidência de SC (tabela 1) para o período estudado, teve seu ápice em 2022, com 23,2 casos por 1.000 nascidos vivos. O menor valor foi registrado em 2019, sendo 13,2 casos por 1.000 nascidos vivos. O gráfico 2 mostra a linha temporal da taxa de incidência de SC nos anos analisados. 

Gráfico 2 – Taxa de Incidência de Sífilis Congênita na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Se tratando das características maternas, em relação à faixa etária das mães que tiveram crianças com SC, 71,7 % (388) delas tinham idade entre 20 e 34 anos e 17,2% (93) tinham idade entre 15 e 19 anos. A partir da análise dos gráficos 3 e 4 é possível perceber que a faixa etária com maior número de casos é a entre 20 e 34.

Gráfico 3 – Percentual das mães de crianças notificadas com Sífilis Congênita na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023 por faixa etária.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Gráfico 4 – Número de mães de crianças notificadas com Sífilis Congênita  na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023 por faixa etária.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Tratando-se do aspecto raça/cor da mãe, 53,4% (289) eram pretas/pardas, seguida de 31,4% (170) com esse campo branco/ignorado, e 15,2% (82) eram brancas.  O gráfico 5 apresenta essas informações.

Gráfico 5 – Número de mães de crianças notificadas com Sífilis Congênita na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023 por raça.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

No que se refere à escolaridade, 67,5 % (365) das fichas foram preenchidas no campo branco/ignorado. A segunda maior porcentagem é de ensino médio completo, com 8,9% (48). A tabela 2 apresenta os dados sobre a escolaridade dessas mulheres, incluindo os outros níveis não abordados anteriormente.

Tabela 2 – Escolaridade das mães de bebês com sífilis congênita na Região de Saúde do Distrito Federal nos anos de 2029 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Em relação à realização do pré-natal, 87,4% (473) das mulheres realizaram o pré-natal, enquanto 11,0% (60) não o fizeram. Os gráficos  6 e 7 mostram o percentual e o número absoluto de pré-natal por ano, conforme o período estudado.

Gráfico 6 – Percentual de mães de crianças notificadas com Sífilis Congênita que realizaram pré-natal na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

No que se refere ao tratamento do parceiro, 326 (60,2%) foram tratados e 167 (30,9%) não. O gráfico 9 apresenta esse percentual.

Gráfico 7 – Percentual de parceiros tratados na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Já em relação à evolução da gestação, no decorrer dos cinco anos estudados, 490 (90,4%) crianças nasceram vivas, 26 natimortos, 15 abortos, 5 óbitos por SC e 4 óbitos por outras causas. O gráfico 10, mostra a relação entre porcentagem e evolução da gestação. 

Gráfico 8 – Evolução dos casos de sífilis congênita por percentual na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Dados extraídos em 2024. Elaboração própria.

Em relação aos óbitos relacionados à sífilis congênita, a região Oeste foi a única que teve ocorrência. Na série histórica estudada, tiveram 5 óbitos registrados, todos ocorridos na Ceilândia. 

Tabela 3 – Óbitos ocorridos  na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

No que se refere a relação entre o óbito por sífilis congênita e tratamento realizado, dos 5 óbitos que ocorreram, 2 não tiveram nenhum tratamento realizado. Ou seja, 40% dos óbitos por sífilis congênita não foram tratados. 

Tabela 4 – Óbitos em relação ao tratamento ocorridos  na Região de Saúde Oeste nos anos de 2019 a 2023.

4.2 DISCUSSÕES

Os dados apresentados revelam uma significativa prevalência de sífilis congênita (SC) em uma Região de Saúde do Distrito Federal, com uma taxa de incidência que alcançou seu ápice em 2022, demonstrando um aumento de 13,2 para 23,6 casos por 1.000 nascidos vivos entre 2019 e 2022. Esses números indicam um desafio persistente no controle da SC, refletindo a ineficácia ou falhas no tratamento de gestantes com sífilis e na prevenção da transmissão vertical. Vale ressaltar que houve diminuição de nascidos vivos de 44,2% entre os anos de 2019 e 2023, impactando na taxa de incidência. 

A elevada incidência em 2022 pode ser atribuída a diferentes fatores, incluindo dificuldades de acesso aos serviços de saúde durante a pandemia de COVID-19, que impactou diretamente o acompanhamento de gestantes e a realização de tratamentos adequados para a sífilis (BRASÍLIA, 2024).

A análise das características maternas evidencia a vulnerabilidade de grupos específicos. A maior parte das mães afetadas estava na faixa etária de 20 a 34 anos (66,4%), seguidas pelas adolescentes de 15 a 19 anos (17,7%). Esse dado é relevante, pois reflete a exposição de mulheres jovens, muitas em idade reprodutiva, a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), destacando a importância de estratégias de prevenção mais direcionadas para essas faixas etárias (BRASIL, 2003).

A raça/cor também emerge como um importante marcador de desigualdade. Mães pretas/pardas foram as mais afetadas (53,4%), refletindo uma situação de vulnerabilidade social e racial no acesso a cuidados de saúde de qualidade. O número elevado de mães negras e pardas, associado ao menor número de brancas (15,2%), pode ser um reflexo das desigualdades socioeconômicas e raciais que afetam a região estudada, onde populações historicamente marginalizadas têm mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde e tratamento preventivo (COBO, CRUZ, DICK, 2023).

A partir da análise dos dados acerca da escolaridade das mães, somente 8,9% delas têm ensino médio completo e 6,4% com ensino fundamental incompleto. Se tratando de ensino superior o número é mais baixo ainda, com somente 1,3% das mães.  A maioria das notificações de ISTs no Distrito Federal entre os jovens está relacionada a pessoas com um nível de escolaridade menor.  Isso evidencia que a educação e o ambiente escolar desempenham um papel crucial na divulgação de informações sobre infecções sexualmente transmissíveis, do cuidado em saúde e suas formas de prevenção. 

Um ponto muito importante que deve ser relatado neste trabalho é o não preenchimento de campos na ficha de notificação. Campos importantes como raça/cor e escolaridade não são preenchidos na maioria das fichas de notificação, chegando a 31,6%  na primeira e 67,5 % na segunda. Essas variáveis com dados em branco ou ignorados prejudicam a análise do perfil epidemiológico e a possibilidade de identificar vulnerabilidades nessa população.

No entanto, a baixa escolaridade em geral, associada à precariedade do preenchimento dos dados, reforça a necessidade de melhoria no registro e na qualificação das informações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Esses dados ignorados podem estar relacionados ao não preenchimento pelo profissional que atendeu, demonstrando uma ausência de entendimento e reconhecimento da importância desses dados no serviço de saúde.

Uma análise epidemiológica e espacial dos casos de sífilis gestacional e congênita realizada em diversos municípios do Brasil identificou que as prevalências dos casos ocorreram em mulheres jovens, pardas, com baixa escolaridade e donas de casa (Pinto e At, 2019). A partir disso, é possível relacionar os casos de sífilis às questões de vulnerabilidade existentes no território.

De acordo com o DataSUS, os dados analisados no Brasil e Distrito Federal, no período de 2015 a 2020, revelam que o número de casos de sífilis congênita foi maior em crianças de mães pardas, com idade entre 20 e 29 anos, com escolaridade entre 5ª e 8ª série incompletos, seguidos de ensino médio completo, com uma mudança em 2017 a 2020 no Distrito Federal, onde os números foram maiores em mães com ensino médio completo, seguido de 5a a 8a série incompletos (DEMORI et al., 2022).

Outro dado preocupante refere-se ao tratamento das mães e dos parceiros. Apesar de 87% das mulheres terem realizado o pré-natal, nem todas iniciaram o tratamento de forma adequada. Apenas 76 mães foram tratadas entre 2019 e 2023, e o tratamento do parceiro foi realizado em apenas 60,7% dos casos. De acordo com Silva e Lima (2021),esses indicadores mostram que, embora o pré-natal seja amplamente acessado, a adesão ao tratamento e a extensão do cuidado aos parceiros ainda são deficientes, o que perpetua a cadeia de transmissão da sífilis. A baixa taxa de tratamento entre os parceiros compromete a efetividade da prevenção, uma vez que a infecção pode ser reiniciada na mãe, mesmo após tratamento.

Em relação às ações de enfrentamento da sífilis no DF, desde 2012, a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF), em consonância com as diretrizes da Rede Materno Infantil, proposta pelo Ministério da Saúde, elegeu a atenção materno-infantil como prioridade e vem empenhando esforços permanentes para conformar uma rede de saúde organizada, integrada, eficiente e capaz de responder às necessidades desse segmento populacional. A implantação dessa Rede traz a possibilidade de melhoria tanto no acesso ao diagnóstico de sífilis no pré-natal, pela testagem rápida, quanto ao tratamento oportuno para as gestantes e sua (s) parceria (s) sexuais, tornando possível eliminar a sífilis congênita como problema de saúde pública, ou seja, reduzir a até um caso por mil nascidos vivos.

Apesar dos avanços na ampliação da cobertura do pré-natal no Brasil, permanecem desigualdades importantes na qualidade do atendimento, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. No Distrito Federal, mulheres em condições socioeconômicas vulneráveis e risco enfrentam barreiras no acesso a serviços de qualidade, o que evidencia a necessidade de estratégias para mitigar essas disparidades (MENDES et al., 2022).

A partir do Informativo Epidemiológico de 2022 subsecretaria de Vigilância à Saúde são identificadas ações às gestantes e população geral, priorizando a testagem focalizada em grupos específicos. Dentre outras ações importantes identificadas estão: Aprimorar o diagnóstico oportuno de gestantes com a captação precoce para o pré-natal; qualificar a prescrição e o registro adequado do tratamento de acordo com a fase clínica da infecção; melhorar o preenchimento das fichas de notificação compulsória evitando campos ignorados e em branco (DISTRITO FEDERAL, 2022).

5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados analisados sobre a sífilis congênita na Região de Saúde Oeste, é possível identificar que apesar dos avanços em políticas de saúde do DF ainda há problemas significativos no controle da doença. As taxas de incidência de SC mantiveram-se elevadas no período estudado, especialmente em 2022, necessitando de fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica, bem como a implementação de tratamentos mais eficazes das gestantes e de seus parceiros.

Com uma prevalência maior de de SC entre gestantes jovens, de baixa escolaridade, bem como entre a população preta/parda, indica a correlação das desigualdades socioeconômicas e raciais no acesso e na qualidade dos serviços de saúde. A falta de adesão ao tratamento, tanto por parte das mães quanto de seus parceiros, é uma problemática bem importante, que demanda ações de educação, com foco nas populações mais vulneráveis.

Portanto, é essencial melhorias nas políticas de saúde pública, principalmente no acompanhamento do pré-natal, no tratamento precoce e eficaz das gestantes com sífilis, bem como na ampliação da cobertura da APS e da adesão dos parceiros ao tratamento. A integração de ações coordenadas entre os diversos níveis de saúde, como atenção primária, assistência farmacêutica, assistência hospitalar e vigilância epidemiológica, podem contribuir para o enfrentamento e redução da sífilis congênita no DF. 

Ressalta-se também, a necessidade de uma articulação maior e mais efetiva das políticas públicas como educação, assistência social, entre outros no acesso e cuidado à população, principalmente às mais vulneráveis. Somente uma atuação intersetorial poderá reduzir os casos de sífilis congênita, possibilitando assim, uma melhor prevenção e tratamento, melhorando a saúde e bem estar das gestantes, mães e crianças na Região Oeste de Saúde e de todo o DF. 

6. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, E.D.C.; COSTA, K.D.S.G.; SILVA, R.D.S.; AZEVEDO, V.N.D.G.; LIMA, F.A.S. Importância do pré-natal na prevenção da sífilis congênita. Revista Paraense de Medicina, v. 20, n. 1, p. 47-51, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agenda Estratégica para redução da sífilis no Brasil 2020-2021. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis: Número Especial, out. 2024. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2024/boletim-epidemiologico-de-sifilis-numero-especial-out-2024.pdf. Acesso em: 06 jan. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975 – Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Brasília, 1975.

BRASIL. Ministério da Saúde. Políticas e diretrizes de prevenção das DST/aids entre mulheres. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_19.pdf. Acesso em: 06 jan. 2025.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.061, de 11 de setembro de 2020 – Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts/2022/ist/pcdt-ist-2022_isbn-1.pdf. Acesso em: 06 jan. 2025.

COBO, B.; CRUZ, C.; DICK, P. C. Desigualdades de gênero e raciais no acesso e uso dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, p. 2465-2474, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/kKcDWgfGzS58qxCKG7QHDVj/. Acesso em: 06 jan. 2025.

CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Sífilis: 20 Indicadores Epidemiológicos: Nota Técnica 17/2017. Brasília: CONASS, 2017. Disponível em: https://www.conass.org.br/guiainformacao/notas_tecnicas/NT17-SIFILIS-20Indicadores-epidemiologicos.pdf. Acesso em: 14 out. 2024.

DEMORI, F. C. A. de O.; ANDRADE, J.; RODRIGUES, V. B.; PINHEIRO, R. M.; BOECKMANN, L. M. M.; MORAIS, R. de C. M. de. Perfil epidemiológico de mães com bebês notificados com Sífilis Congênita na região Leste de saúde do Distrito Federal entre 2015 e 2020. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 9, p. 63822–63839, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.34117/bjdv8n9-227. Acesso em: 30 dez. 2024.

DISTRITO FEDERAL. CODEPLAN. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD 2021. Brasília: CODEPLAN, 2022.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde. Nota Técnica Nº 1/2023 – SES/SAIS/ARAS/GCDRC. Orientações para o Manejo Clínico dos Casos de Sífilis Congênita no Distrito Federal. Brasília: Secretaria de Saúde, 2023.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde. Nota Técnica Nº 9/2020 – Orientações para o Manejo Clínico dos Casos de Sífilis Congênita no Distrito Federal. Brasília: Secretaria de Saúde, 2020.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde. Plano Integrado para Prevenção, Vigilância e Controle da Sífilis 2021/2024. Brasília: Secretaria de Saúde, 2020.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde. Subsecretaria de Vigilância à Saúde. Informativo Epidemiológico 2022. Brasília: Secretaria de Saúde, 2022.

MENDES, E. V.; SILVA, J. da; LIMA, M. J. Desigualdades de gênero e raciais no acesso e uso dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, n. 1, p. 1-12, 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/kKcDWgfGzS58qxCKG7QHDVj/. Acesso em: 06 jan. 2025.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE – OPAS; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Plano de ação para a prevenção e o controle do HIV e de infecções sexualmente transmissíveis. Washington, D.C.: OPAS, OMS, 2016. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/34077/CD552017-por.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

PINTO, C. S.; RAMOS, M. C.; SILVA, R. C. Análise epidemiológica e espacial dos casos de sífilis gestacional e congênita. Saúde em Debate, v. 43, n. 123, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/V5sfBFJ843smX8y8n99Zy6r/. Acesso em: 30 dez. 2024.

SILVA, J. da; LIMA, M. J. A importância do cuidado integral na prevenção da sífilis congênita: desafios e soluções. Revista Brasileira de Saúde Pública, v. 33, n. 1, p. 112-125, 2021. Disponível em: https://rebesbe.emnuvens.com.br/revista/article/download/36/5. Acesso em: 30 dez. 2024.


1Sanitarista, Analista Administrativo – Saúde Coletiva da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). e-mail: luana.silva.26@ebserh.gov.br
2Assistente Social, Discente da Residência Multiprofissional em Gestão de Políticas Públicas para Saúde da Escola de Saúde Pública do Distrito Federal (ESPDF) e-mail: misael-magalhaes@fepecs.edu.br
3Enfermeira, mestre em Gestão de Políticas Públicas para a Saúde (Fiocruz), servidora da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, na Diretoria de Monitoramento, Avaliação e Custos em Saúde, Tutora da Residência Multiprofissional em Gestão de Políticas Públicas para Saúde da Escola de Saúde Pública do Distrito Federal (ESPDF) e-mail: ana-menezes@fepecs.edu.br