ATUAÇÃO DO CIRURGIÃO DENTISTA NA ASSISTÊNCIA DA AMAMENTAÇÃO DE BEBÊS COM FISSURA LABIO PALATINA: REVISÃO DE LITERATURA

THE ROLE OF THE DENTAL SURGERY IN THE ASSISTENCE OF BREASTFEEDING FOR BABIES WITH CLEFT LIP AND PALATE: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501131970


Thamires Gonçalves Vechiato Carvalho [1]
Luana Mafra Marti [2]
Cristiane Maria da Costa Silva [3]
Cristiane Fonseca Freitas [4]


Resumo

A Fissura Labiopalatina é um tipo de deformidade congênita caracterizada por alterações na face que podem compreender a região do lábio, palato ou a região labiolapatina e acomete em torno de 1 a cada 650 recém-nascidos no Brasil. A principal causa deste acometimento tem sido objeto de investigação na área científica e pode ser de caráter genético ou ambiental, decorrente de hábitos durante a gestação. Objetivo: compreender a atuação do cirurgião dentista dentro da equipe multidisciplinar na assistência à lactante de bebês com fissura lábio palatina. Método: Este estudo se propôs a realizar uma revisão de literatura de estudos dispostos nas bases de dados MEDLINE via PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para a seleção dos estudos foram utilizados como critérios de inclusão, livros referências na área de pediatria e artigos completos que estivessem dentro da abordagem temática, disponíveis na íntegra nos idiomas inglês e português. E como parâmetros de exclusão foram retirados artigos duplicados e que fugiam do tema central da pesquisa. Resultado: A detecção desta má formação congênita é possível ainda na fase fetal da gestação e a identificação precoce pode favorecer o bom desempenho do tratamento. A participação da equipe multidisciplinar na assistência da amamentação pode contribuir para estimular a reabilitação em vários âmbitos acometidos por esta deformidade. Entre a equipe multidisciplinar, evidencia-se o papel do cirurgião dentista, que é o profissional mais habilitado para oferecer assistência no âmbito da prevenção e tratamento em saúde bucal. Conclusão: evidenciou-se a importância da ampliação de estudos na área para estabelecer tratamentos de âmbito multidisciplinar de forma a atender as demandas decorrentes das dificuldades apontadas com cada bebê e lactante.

Palavras-chave: Aleitamento materno. Fissura labial. Fissura palatina. Equipe multiprofissional.

1. INTRODUÇÃO

O período gestacional traz para a mulher mudanças em vários aspectos da vida. Além das modificações fisiológicas que ocorrem no organismo e no corpo da mulher, como alterações hormonais, biológicas e físicas, há também um impacto no âmbito psicossocial. A dedicação da mulher e da família em relação aos cuidados recomendados durante o período pré-natal traz benefícios para a saúde materna infantil. Desta forma, destaca-se a necessidade de um olhar especial para a condição bucal nesta fase, pois devido às mudanças hormonais durante a gestação, a mulher pode necessitar de cuidados especiais quando se refere à saúde bucal. Além disso, o primeiro trimestre é marcado por uma fase em que são realizados exames específicos que podem identificar diversas alterações no bebê, entre elas, as fissuras labiopalatinas (Alves, Bezerra, 2020).

As fissuras labiopalatinas são consideradas malformações que se desenvolvem no período fetal, por isso são consideradas malformações congênitas. Ainda não se tem uma causa definida, uma vez que a origem pode ser desde etiologias desconhecidas às causas genéticas e ambientais. Diversos fatores durante a gestação, principalmente no primeiro trimestre, também pode influenciar no desenvolvimento desta deficiência. Bebês portadores deste tipo de má formação podem ter fissuras na região dos lábios, palato ou ambos, as quais são denominadas fissuras labiopalatinas. E, a alteração anatômica causada por este tipo de deformidade pode ter efeitos estéticos e também funcionais durante o desenvolvimento de vida do bebê, causando dificuldades no desenvolvimento da fala e também deficiências nutricionais quando relacionadas à amamentação, principalmente na fase do primeiro ano de vida (Souza et. al, 2022).

A detecção desta má formação congênita é possível ainda na fase fetal da gestação e a identificação precoce pode favorecer o bom desempenho do tratamento. A participação da equipe multidisciplinar na assistência da amamentação pode contribuir para estimular a reabilitação em vários âmbitos acometidos por esta deformidade. Entre a equipe multidisciplinar, evidencia-se o papel do cirurgião dentista, que é o profissional mais habilitado para oferecer assistência no âmbito da prevenção e tratamento em saúde bucal. (Schönardie, M. S., et al. 2021).

Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo geral compreender o papel do cirurgião dentista dentro da equipe multidisciplinar na assistência às lactantes de bebês com fissura labiopalatinas, e como objetivos específicos destacar sobre a etiologia multifatorial da fissura labiopalatina, entender os desafios do cirurgião dentista na participação de orientações pré e pós-natais e apontar a importância da participação deste profissional em equipes multidisciplinares que oferecem atendimento em saúde materna/infantil.

2. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo qualitativo, de caráter exploratório, descritivo, por meio de revisão de literatura de estudos dispostos nas bases de dados MEDLINE via PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e livros com conteúdo voltados para odontopediatria e documentos oficiais nacionais com explanações voltados para a área de saúde materna infantil.

Gil (2010) destaca que o objetivo de uma pesquisa exploratória é familiarizar-se com um assunto ainda pouco conhecido ou explorado em que haverá sempre alguma obra ou entrevista com pessoas que tiveram experiências práticas com problemas semelhantes ou análise de exemplos análogos que podem estimular a compreensão do conteúdo que está sendo pesquisado.

Foram adotados como critério de inclusão, artigos que estivessem dentro da abordagem temática, disponíveis na íntegra das bases de dados nos idiomas inglês e português. Como critérios de exclusão, consideraram-se artigos disponíveis que se apresentaram incompletos e que não contemplavam a temática abordada neste estudo.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Etiologia Multifatorial da Fissura Lábio Palatina

Os autores Costa e Silva, Amaral, Silva (2021), elaboraram um estudo com o intuito de conceituar as fissuras labiopalatinas e delimitar o período que a mesma ocorre, apontar as possíveis causas e demonstrar a necessidade de uma equipe multidisciplinar para que possa haver um tratamento mais assertivo e eficaz para todos os aspectos dos pacientes e familiares.

Os autores conceituam as fissuras labiopalatinas de maneira objetiva como uma má formação congênita que tem por característica uma má formação da face, que possui uma variação de casos mais simples (fissura do lábio) a casos mais complexo (fissura do lábio e fissura completa do palato), tal situação ocorre no primeiro trimestre de gestação, mais precisamente na quarta semana de vida intrauterina. Os autores discorrem que suas causas não são conhecidas pelos pesquisadores, pois podem ser de origem multifatorial, tornando-se, portanto, complexo sua delimitação e, desta forma, podendo ser genético ou ambiental (Costa e Silva; Amaral; Silva, 2021).

O tratamento apontado no artigo é categórico em se posicionar no sentido da necessidade de existir uma equipe multidisciplinar com profissionais da área da Odontologia, Ortodontia, Nutrição, Fonoaudióloga, Pediatria, Otorrinolaringologia, Enfermagem, Psicologia, Cirurgião Plástico e outros, sendo necessário e aconselhável o tratamento o mais precoce possível, qual seja, intervenção cirúrgica e seu acompanhamento, podendo se estender até a fase adulta e respeitando a característica de cada caso e do paciente em si. Neste estudo, destaca-se ainda que a amamentação de forma natural entre a mãe e o neonato ajuda no desenvolvimento oro-maxilo-facial da criança que possui o quadro de fissura labiopalatina e imprimem por fim que o tratamento precoce e acompanhamento correto do paciente lhe proporcionarão uma vida mais saudável e socialmente mais adequada (Costa e Silva; Amaral; Silva, 2021).

Antônio Carlos Guedes Pinto (2017) destaca as fissuras labiopalatinas como o tipo de malformação congênita mais frequente entre os vários tipos existentes. Esta classificação utiliza como ponto de referência o forame incisivo e se divide em três principais grupos: Fissuras pré-forame incisivo, fissuras pós-forame incisivo, fissuras transforame incisivo (Guede-Pinto, 2017).

Figura 1 – Tipos de Fissuras
Fonte: http://ctmc.lusiada.br/malformacoes-craniofaciais

Fissura pré-forame incisivo, se estende do lábio e arcada alveolar até o forame do incisivo, podendo ser bilateral ou unilateral, completa ou incompleta. Demonstrado na figura 1 nos exemplos A, B, C e D e na figura 2 A e B.

 B

Figura 2 –Fissura pré-forame unilateral completa (A) e incompleta (B)
Fonte: https://artedecuidar.webnode.com.br

Fissuras transforame incisivo, que são as de maior gravidade, unilaterais ou bilaterais, atingindo lábio, arcada alveolar e todo o palato, duro e mole. Demonstrado na figura 1 nos exemplos E e F e na figura 3.

Figura 3 – Fissura transforame incisivo bilateral.
Fonte: Guedes-Pinto (2017, p. 767)

Fissuras pós-forame incisivo, que são as fissuras palatinas, em geral medianas, que podem situar-se apenas na úvula, palato e envolver todo o palato duro, podendo ser completa e incompleta. Demonstrando na figura 1 nos exemplos G e H e na figura 4 A e B

AB

Figura 4 – Fissura pós forame completa (A) e incompleta (B
Fonte: https://artedecuidar.webnode.com.br

O autor Guedes-Pinto (2017) ainda destaca um 4º grupo, que são das fissuras raramente encontradas, como as desvinculadas dos palatos primário e secundário, como por exemplo buco-ocular, macrostomia e fissura oblíqua, demostrado na figura 5.

Figura 5 – Fissura rara da face
Fonte: https://artedecuidar.webnode.com.br

3.2 Tratamento das Fissuras Labiopalatinas

O tratamento das fissuras labiopalatinas deve iniciar ainda na primeira infância. A idade considerada ideal para a realização do tratamento cirúrgico é a de 3 meses de vida, seguindo a “Regra dos 10”, ou seja, por volta de 10 semanas de vida, aproximadamente aos 3 meses de idade. O bebê deve apresentar resultados de exames laboratoriais adequados, como 10 mg/dL de hemoglobina no hemograma e deve ter 10 libras de peso, aproximadamente 4,5 kg. Todo esse processo exige a atuação multi e interdisciplinar, que deve ser composta por profissionais como pediatra, cirurgião dentista, cirurgião pediátrico, geneticista, psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo entre outros que estejam qualificados para atuar na assistência materno infantil. A execução de um protocolo de tratamento vai desde o planejamento cirúrgico para correção das malformações à assistência aos problemas associados à deformidade de fenda labiopalatina, com orientações aos pais sobre acompanhamento ao fissurado pelo período que for necessário para promover condições para crescimento, desenvolvimento e reintegração desse paciente à sociedade (Silveira et al., 2020).

Atualmente tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei com número inicial de 1.172/2015 na Câmara dos Deputados Federal, e agora com o número 3526 /2019 no Senado Federal, tal lei estabelece a obrigatoriedade da prestação de cirurgia plástica reconstrutiva de lábio leporino ou fenda palatina pelo sistema único de Saúde e possui dois artigos que regulamentam a obrigatoriedade da cirurgia plástica referenciada para quem dela necessitar, bem como o apoio de uma equipe multidisciplinar para o acompanhamento e recuperação dos pacientes. A proposta visa uma assistência de forma inteiramente gratuita e em seu artigo final o projeto garante que depois de identificado, durante a consulta pré-natal, a condição de fenda oral no feto em formação, que a cirurgia seja programada e realizada logo após o nascimento do bebê (Brasil, 2019).

3.3 Amamentação e benefícios das primeiras interações entre mãe e bebê

Quando o bebê nasce, uma das primeiras preocupações de pais e até mesmo de profissionais de saúde é com a nutrição/alimentação da criança. Neste momento, o apoio de profissionais qualificados é essencial para entender as dificuldades da lactante e do bebê e para evitar possíveis complicações, como pneumonia aspirativa, anemia e desnutrição. Em casos de fissuras, a principal dificuldade da criança é com relação à sucção. Desta forma, a orientação da posição da lactante do bebê durante a amamentação se dará de acordo com o tipo de fenda oral que a criança apresentar. Em casos em que a sucção é altamente comprometida devido aos riscos de aspiração, pode-se utilizar de dispositivos manuais, como mamadeiras, copinhos e sondas (Araruna; Vendrúscolo, 2000)

O aleitamento materno sempre será a primeira escolha quando se pensa em nutrição do recém-nascido. Até os 6 meses de idade, o leite materno tem a capacidade de suprir todas as necessidades nutricionais da criança. E, além da alta capacidade nutricional, o aleitamento materno contribui para o estabelecimento do vínculo entre mãe-filho, vínculo este também conhecido como apego, que quando estimulado nas primeiras horas de vida, oferece segurança e confiança para que o bebê desenvolva outras relações sociais ao longo de seu crescimento e desenvolvimento, ainda que esta interação ocorra em situações de risco (Vechiato, 2016).

Donald Woods Winnicott foi um médico pediatra e psicanalista que desenvolveu diversas obras voltadas para as relações entre mãe e bebê. O autor considera que o recém-nascido vivencia um choque de realidades, pois terá de adaptar-se à vida extra-uterina após o nascimento. E destaca que existem muitas formas pelas quais o bebê pode experimentar um contato íntimo com a mãe. Desde o nascimento, a mãe oferece um ambiente facilitador, de forma a proporcionar bases para saúde mental do bebê por meio de interações naturais (Winnicott, 2006).

Em 2009, a Organização Mundial de Saúde, juntamente com a Unicef, elaborou um documento com foco no incentivo à amamentação, a Iniciativa do Hospital Amigo da criança (IHAC). Este documento apresenta 10 passos para o sucesso do aleitamento materno por meio de orientações para que as equipes de saúde possam adequar suas rotinas de forma a minimizar riscos de desmame precoce. Entre os 10 passos apresentados no documento, pode-se destacar os itens 4 e 7 respectivamente: “Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento” e “Praticar o alojamento conjunto – permitir que mães e recém-nascidos permaneçam juntos 24 horas por dia” (BRASIL, 2009).

A fenda oral é considerada um problema de Saúde Pública pela Organização Mundial de Saúde. Sendo assim, em 2014, profissionais integrantes do Projeto Crânio-Facial Brasil da Universidade Estadual de Campinas elaboraram um manual, denominado Manual de Cuidados de saúde e alimentação da criança com fenda oral. Este documento foi destinado à profissionais de saúde para orientação de pais sobre aleitamento para bebês portadores de fissuras labiopalatinas. Entre as orientações abordadas, se destacam os modelos sugeridos para orientação da amamentação de bebês com fissuras completas ou incompletas.

3.4 Aleitamento materno de bebês com fissura no lábio

Os bebês que possuam fissuras apenas no lábio, apresentam menores dificuldades alimentares, pois a integridade do palato contribui para facilitar a sucção. E esta sucção acontece com maior êxito quando o bebê está posicionado no colo da mãe de maneira confortável para realizar a pega do seio. O bebê deve ficar sentado, de frente para o seio da mãe. Como alternativa, o bebê pode ficar deitado, com a cabeça inclinada para o colo e a mãe inclinar seu próprio corpo sobre ele (figura 6). Assim, a gravidade irá permitir que o bico e a aréola penetrem com facilidade dentro da boca do bebê, proporcionando maior vedação da fenda labial. Esta posição também contribuirá para melhor escoamento do leite para orofaringe e esôfago e reduzirá o gasto de energia que o bebê desenvolve durante a mamada (Projeto Crânio-Face Brasil, 2014).Para casos em que a mãe consegue extrair o leite por meio de uma massagem no seio, o bebê pode ser posicionado no colo e após a extração manual, o leite pode ejetado diretamente na boca do bebê e todo esse processo controlado pela mãe que poderá verificar cada deglutição do leite ejetado (Projeto Crânio-Face Brasil, 2014).

Figura 6: Posição do bebê com fissura labial durante aleitamento materno
Fonte: https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/manual_fof_final.pdf

3.5 Aleitamento materno de bebês com fissura no palato

A fenda localizada no palato faz com que o bebê apresente maior dificuldade na amamentação, e esta dificuldade está relacionada principalmente com a sucção devido a inadequada manutenção da pressão intraoral. A falta de apoio da língua no palato duro faz com que o bebê não realize os movimentos adequados durante a sucção e deglutição. A comunicação entre as cavidades oral e nasal proporcionam um escape do leite pelo nariz, o que acaba por oferecer maior risco de aspiração. Neste caso, pode-se realizar a complementação com leite materno ordenhado pela mãe com o auxílio de dispositivos manuais, como mamadeiras ou copinhos, por exemplo. Apesar da dificuldade relacionada a esse tipo de fenda, recomenda-se o aconchego do bebê no seio por alguns minutos antes de cada mamada para fortalecer o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê, figura 7 (Projeto Crânio-Face Brasil, 2014).

Figura 7 – Posição do bebê com fissura palatina durante aleitamento materno
Fonte: https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/manual_fof_final.pdf

3.6 Complementação do aleitamento com uso de dispositivos

Araruna, Vendrúscolo (2000) realizaram um estudo bibliográfico, amplamente citado em artigos, dissertações e teses. Relatam que escolha da mamadeira deve ser pautada no tipo de bico. A escolha desse bico deve ser pautada no comprimento, flexibilidade, tamanho do furo e na posição que se acomoda na cavidade oral (figura 8). Embora existam bicos especiais para crianças com fendas orais, nem sempre a indicação será viável, pois dependerá da adaptação da criança. O melhor bico é aquele que o bebê se adapta de forma a suprir a necessidade daquela fase, portanto, a escolha deve ser individualizada e acompanhada por um profissional qualificado. Em algumas situações, as mães optam pela alimentação via sonda nasogástrica, entretanto, as autoras destacam que crianças portadoras de fissuras que não apresentam nenhuma outra anormalidade, podem ser alimentadas via oral normalmente, pois a sonda pode bloquear ainda mais os movimentos de sucção e deglutição da criança, interferindo inclusive no processo de digestão e acarretando interferências no relacionamento da mãe com e filho.

Figura 8 – Posição do bico da mamadeira para eficácia da sucção
Fonte: https://www.scielo.br/j/rlae/a/WM4ycHS3vGHkzvbkjtkvRCc/?lang=pt

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O cuidado pré-natal é essencial para garantir o bom desenvolvimento da gestação e para prevenir riscos gestacionais decorrentes de condições ambientais ou hábitos deletérios da mãe. De acordo com os dados apresentados pelas autoras, foi possível notar que embora a maioria dos profissionais realize atendimento de gestantes, ainda há pontos a serem trabalhados em relação ao atendimento deste grupo de pacientes, pois uma porcentagem em torno de 38,9% declarou terem receio no atendimento devido ao risco de aborto, seguido de 33% que declararam ter receio de desmaios e 22% que declararam ter receio de um possível parto prematuro. Tais dados do estudo levam-se a pensar na necessidade de orientações relacionadas ao atendimento pré-natal, que aperfeiçoado, gerará maior segurança para os acompanhamentos das pacientes no período de puerpério, favorecendo a fase da amamentação. (Bernardi; Oliveira; Masiero, 2019).

Segundo Ville et. al. (2020), 01 (um) a cada 650 (seiscentos e cinquenta) recém-nascidos possuem fissura labiopalatina, e estas crianças apresentam dificuldades para sucção e deglutição, uma vez que possuem uma anatomia anormal, apresentando taxas mais baixas de sucesso na amamentação quando comparados a população sem fissura (Ville et. al., 2020). As autoras ressaltam ainda que enfrentando dificuldades, o fornecimento deve leite materno deve ser sempre incentivado pelo menos até os 06 meses de vida do recém-nascido, pois o mesmo possui propriedades extremamente benéficas para os recém-nascidos. A sucção é o ponto chave para a eficácia da amamentação. Porém, em decorrência da deficiência caracterizada pela fissura lábio palatina, torna-se necessário realizar orientação com as mães para que, se necessário, utilizar e mamadeiras e dispositivos de auxílio para fornecer o leite materno ao bebê (Ville et. al., 2020).

Com o objetivo de proporcionar ao paciente melhor qualidade de vida, o cirurgião dentista é o profissional com maior habilitação para atender esta demanda de pacientes, por isso tem sua importância na participação da equipe multidisciplinar, são figuras essenciais no acolhimento destes pacientes juntamente com a atuação da fonoaudiologia e do especialista em ortodontia. Entre um ano e meio e o quinto ano de vida da criança, o acompanhamento é realizado pela pediatria, fonoaudiologia, dentistas e psicólogos. Entre o quinto e o sétimo ano, inicia-se com a atuação direta do especialista ortodontista, que irá atuar no processo de expansão do maxilar. Já a participação do profissional cirurgião bucomaxilofacial ocorre no momento da cirurgia ortognática, um procedimento que ocorre sob anestesia geral em unidade hospitalar. O fechamento da fissura é programado geralmente para o terceiro mês de vida da criança, então, neste período se faz necessário e importante à atuação do pediatra e enfermagem na orientação da amamentação, pois a criança necessita manter o peso ideal e também manter boas condições de saúde, de forma a evitar contaminação infecciosa nas vias respiratórias, oral e sistêmica (Delmiro et. al., 2021).

Além dos profissionais mencionados, também é relevante a atuação de especialistas como o otorrinolaringologista, que irá atuar na prevenção ou tratamento da otite média crônica, uma patologia auditiva com certa prevalência em pacientes com fissura labiopalatal. O profissional geneticista, que é o responsável pelo diagnóstico realizado no período pré-natal e irá atuar de forma a orientar a família sobre todo o processo a ser realizado para o tratamento. O profissional psicólogo, que irá atua na construção do vínculo entre paciente, família e equipes profissionais durante todo o processo da fissura, além de sua importante atuação no período hospitalar, em que familiares estão sensibilizados com o êxito do procedimento de fechamento da fissura. O profissional nutricionista também irá atuar de forma a acompanhar o crescimento e desenvolvimento da criança e identificar eventuais necessidades de adequação na terapia nutricional do paciente (Delmiro et. al., 2021).

As autoras Silva, Rulli, Prado (2021) destacam em seu estudo que o acesso a assistência odontológica durante o período da gestação é repleto de barreiras, entre elas a baixa percepção de algumas mulheres sobre a necessidade do acompanhamento odontológico durante a gestação, ansiedade e medo da dor e até a dificuldade para acessar serviços de saúde. Todos esses fatores acabam por impactar negativamente a qualidade de vida das gestantes. Desta forma, as autoras reforçam sobre a importância da participação do cirurgião dentista durante todo o período gestacional e sua integração na equipe multidisciplinar, uma vez que a falta de informação e cuidado pode trazer consequências para a saúde bucal da gestante. A orientação a esta classe de pacientes é essencial para conduzir a mudança de alguns hábitos e consequentemente evitar um período gestacional associado à agravos. (Silva: Rulli: Prado, 2021)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As fissuras nasopalatinas são malformações congênitas que podem afetar a eficácia da amamentação, podendo gerar consequências no desenvolvimento da sucção e deglutição do bebê e com isso influenciar no suprimento nutricional e desenvolvimento do bebê. O tratamento mais indicado consiste em uma avaliação cuidadosa que deve ser realizado logo após o nascimento do bebê e o acompanhamento multidisciplinar é um diferencial para garantir um bom desenvolvimento da criança em todas as fases da vida. Contudo, se faz necessário que o cirurgião dentista esteja apto a realizar o acompanhamento de gestantes e conheça as técnicas de amamentação bem como o uso de dispositivos quando necessário para garantir a nutrição do bebê, de forma a oferecer orientações de acordo com a necessidade de cada genitora.

REFERÊNCIAS

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[1] Cirurgiã Dentista. Mestra em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação pela UNICAMP (SP). e-mail: thamigv@hotmail.com

[2] Docente do Curso Superior de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Campus Poços de Caldas. Doutora em Odontopediatria pela UNESP (SP). e-mail: luanammarti@gmail.com

[3] Docente em Odontopediatria do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino Campus São João da Boa Vista. Doutora em Saúde Coletiva pela UNICAMP (SP). e-mail: cristiane.costa@prof.fae.br

[4] Professora Titular da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro nos cursos de Medicina, Enfermagem e Psicologia (FMPFM). Pós Doutora em Farmacologia pela UNICAMP (SP). e-mail: cristiane.freitas@francomontoro.com.br