CONDIÇÕES SECUNDÁRIAS AO HIPERADRENOCORTICISMO EM CÃES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501110031


Giulianna De Bellis¹, Lais Fagundes Leite¹, Leila Cristina Chaves Dezen¹, Maira Pereira Elias¹, Thayna Geraldi de Oliveira¹, Tyffani Naomi Saito de Almeida¹, Orientadora: Letícia Signori de Castro²


RESUMO

Este estudo explora as condições secundárias associadas ao hiperadrenocorticismo (HAC) em cães, um distúrbio endocrinológico caracterizado pela produção excessiva de glicocorticóides, abordando métodos de diagnóstico e estratégias para gerenciamento de complicações e aprimoramento do manejo clínico. Os sintomas clínicos típicos incluem poliúria, polidipsia, alopecia simétrica bilateral, letargia e abdômen distendido. Para o diagnóstico do HAC, a combinação de exames laboratoriais e testes específicos, como a supressão com dexametasona e a estimulação com ACTH, é fundamental. Estes testes permitem identificar níveis elevados de cortisol e diferenciar a origem da doença, essencial para escolher o tratamento mais adequado. O tratamento do HAC depende de sua origem e pode incluir terapias medicamentosas, como o uso de Mitotano ou Trilostano, que reduzem a produção de cortisol, ou ainda intervenção cirúrgica, como a adrenalectomia em casos de tumores adrenais não metastáticos. A resposta ao tratamento é monitorada tanto pelos sintomas clínicos quanto pelos exames laboratoriais regulares, ajustando a terapia conforme necessário. O HAC em cães frequentemente resulta em complicações secundárias graves, como hipertensão, proteinúria, urolitíase, insuficiências cardíacas congestivas e pancreatite. Estas condições afetam diretamente a saúde, a qualidade de vida e o prognóstico dos cães, exigindo um acompanhamento contínuo e uma abordagem clínica cuidadosa. Conclui-se que o manejo adequado do HAC e de suas complicações secundárias é essencial para reduzir a gravidade dos sintomas, melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevida dos cães.

Palavras-chave: Hiperadrenocorticismo; cães; cortisol; complicações.

INTRODUÇÃO

O hiperadrenocorticismo, ou síndrome de Cushing, é uma endocrinopatia crônica que ocorre com frequência em cães e se caracteriza pelo aumento excessivo e prolongado dos níveis de glicocorticóides no corpo, especialmente o cortisol. Essa condição pode surgir tanto por uma disfunção hipofisária quanto por problemas na glândula adrenal e, em menor escala, pela administração prolongada de glicocorticóides externos. Cães que desenvolvem essa doença apresentam uma série de sinais clínicos progressivos, como aumento na produção de urina, sede excessiva, aumento de apetite, acúmulo de gordura, fraqueza muscular e mudanças na pele e nos pelos. Esses sinais clínicos vêm acompanhados de significativas alterações metabólicas e fisiológicas, que podem comprometer de maneira séria a qualidade de vida dos animais.

Além dos sintomas clínicos diretos, o hiperadrenocorticismo frequentemente leva ao surgimento de condições secundárias, que pioram ainda mais o quadro clínico do paciente, como infecções cutâneas, diabetes mellitus, hipertensão e problemas cardiovasculares. Essas complicações secundárias representam um desafio adicional no manejo clínico dos cães com hiperadrenocorticismo, pois exigem uma abordagem terapêutica ampla e integrada para controlar tanto a doença primária quanto as complicações relacionadas.

Diante da importância clínica e do impacto na saúde dos cães, o presente estudo visa analisar as principais condições secundárias associadas ao hiperadrenocorticismo, explorando os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, a importância do diagnóstico precoce e as estratégias de tratamento disponíveis.

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é investigar as condições secundárias associadas ao hiperadrenocorticismo em cães, com ênfase na identificação, diagnóstico e manejo dessas complicações, a fim de melhorar a abordagem clínica e o tratamento desses pacientes.

Será apresentado aspectos das condições decorrentes ao hiperadrenocorticismo em cães, analisando os mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento dessas condições, avaliando o impacto na qualidade de vida e no prognóstico dos pacientes. Será discorrido sobre as opções terapêuticas para o manejo das condições secundárias e complicações associadas com o auxílio dos exames laboratoriais utilizados para diagnóstico após a identificação dos sinais clínicos. 

MÉTODOS

O estudo será qualitativo, com a finalidade de compreender e interpretar as condições secundárias associadas ao hiperadrenocorticismo em cães, fundamentando-se na análise de dados teóricos e na revisão da literatura existente. Este tipo de estudo é adequado para ampliar o entendimento sobre fenômenos complexos e subjetivos, com o objetivo de reunir e sistematizar o conhecimento já acumulado sobre o assunto.

A investigação será baseada em pesquisa bibliográfica e exploratória, utilizando fontes secundárias. Isso implica uma pesquisa detalhada de artigos científicos, livros e outras fontes acadêmicas confiáveis que abordem o hiperadrenocorticismo e suas condições associadas em cães.

Para aprofundar o entendimento sobre as condições secundárias, foram analisados estudos previamente publicados, como artigos científicos, teses, dissertações e livros especializados. Este estudo tem como objetivo investigar e condensar informações.

RESULTADO E DISCUSSÃO

O Hiperadrenocorticismo (HAC), conhecido também como Síndrome de Cushing, é associado à produção ou administração excessiva de glicocorticóides e é uma das mais comuns endocrinopatias diagnosticadas em cães, e rara em gatos (BENEDITO et al., 2017). Há uma predisposição sexual, sendo as fêmeas mais frequentemente acometidas (proporção de 3:1 em relação aos machos), acometendo cães de meia-idade a idosos (KLEIN, 2021).

O HAC canino tem várias origens patofisiológicas, mas todas apresentam um denominador em comum: níveis sanguíneos cronicamente elevados de cortisol. O HAC pode ser classificado em: Hiperadrenocorticismo hipófise dependente, Hiperadrenocorticismo adrenal dependente e Hiperadrenocorticismo iatrogênico. (MARCO, 2015).

1. TIPOS DE HIPERADRENOCORTICISMO

Existem 3 tipos de HAC: Hiperadrenocorticismo hipófise dependente, hiperadrenocorticismo adrenal dependente e hiperadrenocorticismo iatrogênico. O hiperadrenocorticismo hipófise dependente é causado pela secreção em excesso de ACTH, causando hiperplasia adrenocortical bilateral, resultando em um tumor hipofisário (corticotrofinoma), levando ao excesso de secreção de cortisol (MARCO, 2015). Esse tipo de hiperadrenocorticismo é a causa mais comum de HAC espontâneo, responsável por aproximadamente 80 a 85% dos casos (NELSON e COUTO, 2015).

O hiperadrenocorticismo adrenal dependente é causado por tumores funcionais do córtex adrenal secretores de cortisol e/ou hormônios sexuais e, mais raramente, o hipercortisolismo alimentar (MARCO, 2015).

Os tumores adrenocorticais são responsáveis por 15 a 20% dos casos de HAC espontâneo na espécie canina. São autônomos e funcionais e secretam, de forma aleatória, grandes quantidades de cortisol independentemente do controle hipofisário. Desse modo, o cortisol proveniente desses tumores suprime o CRH hipotalâmico (hormônio liberador de corticotrofina) e as concentrações plasmáticas de ACTH hipofisário. Esse feedback negativo crônico resulta em atrofia da região cortical da glândula adrenal contralateral não neoplásica, produzindo assimetria entre as glândulas visíveis à ultrassonografia (NELSON e COUTO, 2015).

Além desses dois tipos, existe o hiperadrenocorticismo iatrogênico, causado de maneira secundária à administração crônica e excessiva de glicocorticóides exógenos, seja por via oral, para tratamento de alergias ou doenças imunomediadas, via parenteral ou mesmo via tópica, incluindo colírios e soluções otológicas que incluem glicocorticóides em sua composição. (MARCO, 2015).

Uma vez que o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenocortical é normal, a administração prolongada excessiva de glicocorticóides suprimem as concentrações plasmáticas de ACTH, provocando atrofia adrenocortical bilateral (NELSON e COUTO, 2015).

2. SINAIS CLÍNICOS

O excesso crônico de glicocorticóides leva ao desenvolvimento de sinais clínicos característicos que não são mais do que o resultado das alterações metabólicas nos vários compartimentos orgânicos. O hiperadrenocorticismo surge de forma insidiosa e progressiva ao longo de meses, ou até anos (LEITÃO, 2011).

O animal afetado pela HAC apresenta vários sintomas, como: lenta progressão às vezes imperceptível; abdômen pendular e distendido; alopecia bilateral; pelo opaco e seco; pele fina; hiperpigmentação; polifagia; poliúria; polidipsia; aumento de peso; dificuldade respiratória; hepatomegalia; letargia; intolerância ao exercício; fraqueza muscular; taquipneia; exoftalmia; pancreatite; infecções cutâneas; atrofia testicular em machos; intolerância ao calor; infecções recidivantes do trato urinário; flebectasia; calcinose; piodermatite; atrofia dérmica; seborreia; demodicose secundária. (ROSA et al., 2011)

Os sinais clínicos mais comuns para a HAC hipófise dependente: poliúria, polifagia, polidipsia, distensão abdominal, respiração ofegante, alopecia bilateral simétrica, atrofia epidérmica, fraqueza muscular e letargia (JEYSIANE, 2019).

3. DIAGNÓSTICO

Diversos exames laboratoriais são fundamentais para o diagnóstico do HAC. O diagnóstico definitivo é baseado na história clínica, nos achados do exame físico, no hemograma, na urinálise, nos estudos de bioquímica sérica, na ultrassonografia abdominal e nos exames hormonais que envolvem a adrenal. Os exames hormonais mais frequentemente usados  para confirmar o HAC incluem a supressão com baixa dose de dexametasona e a estimulação com ACTH. Após o diagnóstico, é essencial realizar testes diferenciais para identificar a causa do quadro, o que orientará o tratamento e o prognóstico. Entre os testes diferenciais, estão o teste de supressão com altas doses de dexametasona e a medição da concentração endógena basal de ACTH (ROSA et al., 2011).

As alterações na bioquímica sérica associadas à hipercortisolemia em cães incluem o aumento das atividades da fosfatase alcalina e da alanina aminotransferase, além de hipercolesterolemia, hiperglicemia e diminuição dos níveis de ureia sérica. O hemograma frequentemente revela sinais de regeneração eritróide, como a presença de eritrócitos nucleados, e é caracterizado por um típico “leucograma de estresse”. Em alguns casos, pode-se observar basofilia. A densidade urinária, em geral, encontra-se reduzida, podendo apresentar características de hipostenúria (KLEIN, 2021).

Os exames utilizados para confirmar o diagnóstico de HAC incluem o Teste de Supressão com Baixa Dose de Dexametasona (TSBDD) e o teste de estimulação com ACTH (NELSON e COUTO, 2015). O TSBDD consiste em alguns passos: o paciente não pode estar fazendo uso de cortisona por pelo menos 30 dias e deve estar em jejum alimentar de 12 horas; O médico veterinário pode utilizar fosfato dissódico de dexametasona ou dexametasona em polietilenoglicol para realização do teste; Deve-se realizar uma coleta de sangue antes da administração do fármaco para verificar o cortisol basal. Posteriormente, realiza-se a administração de dexametasona (por via intravenosa, na dose de 0,01mg/kg), e repetir a coleta 4 e 8 horas após a administração de dexametasona (NELSON e COUTO., 2015). Cães com HAC comumente apontam concentrações séricas de cortisol acima de 1,4 µg/dL após 8 horas da administração de dexametasona (MARCO, 2015).

O teste de estimulação com ACTH avalia a resposta da glândula adrenal ao estímulo com ACTH exógeno. Uma amostra de sangue é coletada antes da administração do ACTH sintético, na dose de 5 μg/kg por via intravenosa. Após 1 hora, é realizada uma nova coleta para medir os níveis de cortisol sérico. Valores de cortisol após a aplicação do ACTH iguais ou superiores a 21 μg/dℓ são indicativos de HAC espontâneo (MARCO, 2015).

4. TRATAMENTO

Existem opções tanto cirúrgicas quanto medicamentosas para o tratamento do HAC. Porém, é essencial considerar a etiologia do hiperadrenocorticismo. Independentemente do tipo de HAC, o objetivo principal do tratamento é reduzir os níveis de cortisol no sangue (MARCO, 2015).

Um dos principais fármacos utilizados no tratamento do HAC é o Mitotano, medicamento que bloqueia a produção de hormônios pela glândula adrenal, provocando a diminuição de cortisol e outros hormônios. (TELES et al., 2014). O Mitotano possui diversas doses, tanto na fase inicial do tratamento (fase de indução), quanto na fase de manutenção. As mudanças de doses são feitas conforme a sintomatologia clínica do paciente e com o resultado do teste de estimulação com ACTH, feito 7 dias após o início do tratamento (NELSON & COUTO, 2015).

O Trilostano é outro medicamento de escolha para o tratamento de HAC, e este tem como efeito a inibição da produção de cortisol e aldosterona. É o bloqueador enzimático favorito escolhido no protocolo terapêutico de HAC. Ele é eficaz em pacientes com HAC hipófise-dependente e adrenal dependente, e o fármaco pode conter a sintomatologia clínica de HAC em cães por um longo tempo, em média 12 meses (NELSON e COUTO, 2015).  A forma mais eficaz de monitorar a terapia é por meio da avaliação da sintomatologia clínica, complementada pelo teste de estimulação com ACTH, entre 20 e 30 dias após o início do tratamento (MARCO, 2015).

Quando o HAC é causado por tumores adrenais sem metástase, risco anestésico ou possibilidade de tromboembolismo, a adrenalectomia é indicada como tratamento, especialmente se o tumor for unilateral. No caso de tumores bilaterais, como no HAC adrenal dependente, o animal precisará de reposição hormonal. Se a massa tumoral for superior a 6 cm, a remoção cirúrgica torna-se mais desafiadora, pois quanto maior a massa, menores são as chances de sucesso na cirurgia (PAULA et al., 2018).

5. PROGNÓSTICO

O prognóstico está relacionado ao estado geral do animal, assim como ao comprometimento do tutor com a continuidade do tratamento, que envolve não apenas dedicação, mas também a disponibilidade financeira para a aquisição dos medicamentos e a realização de exames laboratoriais periódicos, essenciais para o monitoramento adequado do paciente. (MARCO, 2015).

O hiperadrenocorticismo hipófise dependente apresenta prognóstico reservado, pois o tumor hipofisário pode comprimir as estruturas adjacentes, devido ao seu tamanho (NELSON e COUTO, 2015). Cães diagnosticados com hiperadrenocorticismo adrenal dependente apresentam prognóstico positivo. Porém, o prognóstico pode se tornar negativo se o animal possuir algum tumor, como o carcinoma, com ação metastática (NELSON e COUTO, 2015).

O hiperadrenocorticismo iatrogênico possui prognóstico positivo, desde que seja feito o tratamento adequado e acompanhamento regularmente através de exames. A expectativa de vida para cães tratados com mitotano ou trilostano é de aproximadamente 2 a 4 anos (MARCO, 2015).

6. COMPLICAÇÕES DO HIPERADRENOCORTICISMO

Nos casos de HAC, podem surgir complicações secundárias, como hipertensão sistêmica, cálculos vesicais, proteinúria, insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo pulmonar, síndrome do macro tumor hipofisário, pancreatite e diabetes mellitus. (BENEDITO et al., 2017)

6.1. HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

Entre os diversos sintomas que o hiperadrenocorticismo canino (HAC) pode provocar, a hipertensão arterial sistêmica é uma das alterações mais comuns, devido aos efeitos do excesso de cortisol no sistema cardiovascular e renal. O cortisol, em níveis elevados e de forma prolongada, influencia diversos mecanismos no organismo que acabam aumentando a pressão arterial.  A hipertensão sistêmica é observada em mais de 50% dos cães com hiperadrenocorticismo que não recebem tratamento (MOONEY et al., 2015). Os mecanismos subjacentes à hipertensão incluem a produção excessiva de renina, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, o aumento da sensibilidade vascular às catecolaminas e a diminuição das prostaglandinas vasodilatadoras (GOY-THOLLOT et al., 2002).

Em cães com hipertensão sistêmica causada por hiperadrenocorticismo, o uso de carvedilol pode controlar a hipertensão e promover cardioproteção (BONAGURA e STEPIEN, 2008). A hipertensão associada ao hiperadrenocorticismo pode regredir num período de até três meses após o início do tratamento da causa primária (BROWN e HENIK, 2008).

Em geral, a hipertensão persiste mesmo após o tratamento do hiperadrenocorticismo, e as razões para isso ainda não são totalmente compreendidas. (MOONEY et al., 2015).

6.2. UROLITÍASES

Urolitíase refere-se à presença de cálculos urinários ou urólitos (rim, ureteres, bexiga ou uretra). Nos cães, os tipos mais frequentes de urólitos são os de estruvita (fosfato de magnésio ou de amônio) e urólitos de oxalato de cálcio (FOSSUM, 2014).

Os urólitos podem se formar em qualquer lugar do trato urinário, embora, nos cães, a maior parte se forme na bexiga. Em cães com alterações do trato urinário inferior, as urolitíases são responsáveis por aproximadamente 18% das consultas clínicas (MARCO, 2015). Cães com hiperadrenocorticismo são predispostos à formação de urólitos (INKELMANN et al., 2011).

A possível associação entre o hiperadrenocorticismo e a urolitíase em cães, especialmente aqueles com cálculos de oxalato de cálcio, pode estar relacionada ao uso de corticoides por via oral, no caso do hiperadrenocorticismo iatrogênico, ou na secreção em excesso de cortisol, no caso do hiperadrenocorticismo hipófise dependente, promovendo então o aumento da excreção de cálcio na urina (ARAÚJO, et al., 2023).

6.3. PROTEINÚRIA

A proteinúria é frequentemente observada em cães com hiperadrenocorticismo (HAC) que ainda não receberam tratamento e pode ocorrer devido a condições como glomerulonefrite, glomeruloesclerose ou hipertensão tanto sistêmica quanto glomerular associada ao uso de glicocorticóides. O tratamento do HAC geralmente resulta na redução ou na resolução da proteinúria. Além disso, cães com HAC têm uma predisposição a infecções do trato urinário, por isso é recomendável realizar urocultura e antibiograma com amostra de urina coletada por cistocentese, independentemente dos resultados da urinálise (NELSON e COUTO, 2015).

A glomerulonefrite pode levar a diferentes níveis de proteinúria e está associada à progressão para doença renal crônica. Essa condição pode ser provocada por vários fatores, incluindo glomerulopatias, hipertensão sistêmica ou infecções do trato urinário inferior (ITUI), que são complicações do HAC. O índice de proteína:creatinina na urina normalmente apresenta valores elevados entre 1 e 6, enquanto o normal é inferior a 0,5 (FELDMAN e ETTINGER, 2010).

6.4. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) em cães com hiperadrenocorticismo é uma condição que pode ocorrer devido às alterações cardiovasculares e sistêmicas associadas ao excesso crônico de cortisol. Apesar de o hiperadrenocorticismo não ser a causa primária da insuficiência cardíaca congestiva, ele pode contribuir significativamente acentuando problemas cardíacos pré-existentes ou induzindo complicações que resultam em ICC. (MOONEY et al., 2015)

Os efeitos vasoconstritores causados pelo cortisol em excesso, levam ao aumento da pressão arterial. Esse acontecimento é agravado pela retenção de sódio e água nos rins, que aumentam o volume sanguíneo. A hipertensão crônica aumenta o trabalho do coração, especialmente do ventrículo esquerdo, e pode levar a uma disfunção cardíaca progressiva. (REUSCH e KOOISTRA, 2013)

A retenção de sódio e água ocasionadas pelo excesso de cortisol podem interferir no equilíbrio de líquidos e eletrólitos no organismo. Resultando em edema periférico e congestão pulmonar, o que pode agravar ou precipitar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (FELDMAN e NELSON, 2014).

O excesso de cortisol age de forma semelhante nos rins, promovendo a retenção de sódio e água, o que aumenta a carga circulante de volume, elevando a pressão arterial. Essa sobrecarga de volume pode sobrecarregar o coração e contribuir para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (MOONEY et al., 2015).

Em cães com hiperadrenocorticismo, o coração pode sofrer mudanças estruturais e funcionais ao longo do tempo. A hipertensão crônica e a sobrecarga de volume podem causar hipertrofia do ventrículo esquerdo e, eventualmente, falha na função de bombeamento do coração. Podendo resultar em insuficiência cardíaca congestiva, onde o coração não consegue manter um fluxo sanguíneo adequado para os órgãos e tecidos, levando ao acúmulo de fluído em diferentes partes do corpo, como pulmões, abdômen e as extremidades (KIRK e BONAGURA, 2017).

Além dos efeitos secundários da hipertensão e retenção de líquidos, o cortisol tem efeitos diretos no músculo cardíaco e na vasculatura. Pode induzir resistência à insulina e aumentar o risco de alterações metabólicas que afetam a saúde cardiovascular (REUSCH e KOOISTRA, 2013). Em alguns cães, o cortisol excessivo pode ter efeitos diretos de degradação no tecido cardíaco, prejudicando a função cardíaca (MOONEY et al., 2015).

6.5. PANCREATITE

A função principal do pâncreas é a secreção de enzimas digestivas e substâncias que promovem a absorção de nutrientes, vitaminas e minerais da dieta, além da produção de hormônios que regulam o metabolismo, como a insulina e o glucagon (BUNCH, 2006). A pancreatite, definida como uma inflamação pancreática, resulta da ativação inadequada de enzimas digestivas, causando lesões nos tecidos. (SIMPSON, 2003; MANSFIELD, 2003; WILLIANS, 2005).

Durante a inflamação da porção exócrina do pâncreas, são observados sinais como edema e dor, os quais podem afetar secundariamente o estômago, o intestino delgado e o fígado (MOREIRA, 2017). Cães afetados podem apresentar prostração, anorexia, náuseas, vômitos e diarreia, que pode ser ou não hemorrágica (MARCATO, 2010). Durante o exame físico, observa-se que o paciente pode reagir à palpação na região epigástrica cranioventral, adotando postura de “prece” (MARCO, 2015). Outras manifestações incluem abdome retraído, fraqueza, febre, depressão mental e desidratação (MOREIRA, 2017).

O diagnóstico da pancreatite é desafiador, pois os sintomas podem se sobrepor com outras doenças gastrointestinais, e os marcadores diagnósticos específicos têm sensibilidade limitada para identificar a condição (NEWMAN et al., 2004; STEINER, 2003). Para diagnóstico definitivo, a histopatologia é o método mais confiável. Contudo, é contraindicada devido à sua natureza invasiva (NELSON e COUTO, 2015). Portanto, é necessário utilizar estratégias diagnósticas combinadas para determinar a presença da doença, avaliar sua gravidade, extensão e potencial prognóstico (SOUSA; BUNCH, 2006).

Em casos graves,  a pancreatite pode causar uma inflamação contínua que provoca a destruição progressiva do parênquima pancreático, comprometendo as funções endócrinas e exócrinas (NELSON e COUTO, 2015).

A pancreatite secundária ao hiperadrenocorticismo (HAC) em cães ocorre com uma certa frequência devido à relação entre os altos níveis de cortisol e a função pancreática. O cortisol excessivo no organismo afeta vários sistemas, incluindo o sistema digestivo, e pode desencadear inflamação no pâncreas. O aumento na produção de cortisol, seja devido ao HAC espontâneo (hipofisário ou adrenal) ou causado por administração excessiva de glicocorticóides, está associado à estimulação das secreções gástricas e à indução de resistência à insulina. Estas condições, por sua vez, podem contribuir para o desenvolvimento de pancreatite (FELDMAN, 1999; NICHOLS, 1998).

Em cães com HAC, a pancreatite não é rara e pode manifestar-se com sintomas clínicos como dor abdominal, vômitos, febre e alterações no perfil bioquímico. A gestão dessas condições exige uma abordagem multifacetada, que inclui o controle dos níveis de cortisol e o tratamento específico da pancreatite. O diagnóstico precoce e a monitorização contínua são fundamentais para prevenir complicações graves, como insuficiência pancreática ou falência múltipla de órgãos, associadas ao desenvolvimento de pancreatite crônica em cães com hiperadrenocorticismo (FELDMAN e NELSON, 2014).

6.6. DIABETES MELLITUS

O hiperadrenocorticismo e o diabetes mellitus estão entre as endocrinopatias mais comuns em cães, caracterizados, respectivamente, pelo aumento do cortisol sérico e pela glicosúria associada à hiperglicemia persistente (NELSON e COUTO, 2010). O cortisol, produzido pelo córtex adrenal em resposta ao ACTH, exerce diversas funções, como estimular a gliconeogênese hepática, aumentar a glicemia, inibir a captação de glicose mediada pela insulina e promover a lipólise (CUNNINGHAM, 2004). Os glicocorticóides, ao estimular a gliconeogênese e antagonizar a insulina, podem induzir a diabetes mellitus por esteroides (DUKES, 1993).

Os sinais clínicos típicos do diabetes mellitus em cães incluem polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso, sendo esses sintomas frequentemente subestimados pelos tutores (NELSON, 1998). Diversas complicações podem surgir como consequência da diabetes e do tratamento inadequado, destacando-se a cegueira resultante de catarata, pancreatite crônica e infecções recorrentes do trato urinário, respiratório e da pele. O reconhecimento precoce dessas complicações é fundamental para o diagnóstico preciso e para a condução do tratamento adequado (NELSON, 1998).

O diagnóstico de diabetes mellitus baseia-se na identificação dos sinais clínicos clássicos, associados à hiperglicemia de jejum e à glicosúria persistente. A presença de hiperglicemia auxilia na diferenciação entre diabetes mellitus e glicosúria renal primária, enquanto a glicosúria permite distinguir o diabetes de outras causas de hiperglicemia, como estresse, uso de medicamentos, efeitos pós-prandiais e hiperadrenocorticismo (NELSON, 1998). Uma avaliação laboratorial completa deve ser realizada após o diagnóstico para investigar doenças associadas que possam influenciar a intolerância a carboidratos e determinar a necessidade de ajustes na terapia (NELSON, 1998).

Em muitos casos, o hemograma do paciente é normal, podendo ocasionalmente apresentar leucocitose neutrofílica. O painel bioquímico geralmente revela hiperglicemia, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia (lipemia) e aumento das enzimas, alanino-aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA). O exame de urina pode evidenciar glicosúria, cetonúria variável, proteinúria e bacteriúria (GRECO, 1994).

O tratamento do diabetes mellitus em cães visa a eliminação dos sinais clínicos secundários à hiperglicemia e glicosúria, bem como a minimização das flutuações da glicemia e a manutenção de níveis glicêmicos próximos do normal, o que reduz os sintomas e previne complicações associadas ao diabetes descompensado. A administração adequada de insulina, associada a uma dieta equilibrada, exercícios regulares e controle de doenças concomitantes, é essencial para o manejo da condição (NELSON, 1998).

Em casos de cães com diabetes mellitus associado ao hiperadrenocorticismo, recomenda-se o uso de insulina de ação prolongada, seja de origem animal ou insulina recombinante humana, iniciando o tratamento com doses de 0,25 UI/kg a cada 12 horas (NELSON e COUTO, 2010).

CONCLUSÃO

Conclui-se que o hiperadrenocorticismo pode gerar uma série de complicações. A revisão de artigos bibliográficos evidencia a complexidade do manejo dessa condição, que exige diagnóstico precoce e tratamento adequado, seja por cirurgia ou medicação. Embora o controle dos níveis de cortisol melhore os sintomas, o risco de complicações exige monitoramento contínuo. Portanto, uma abordagem integrada e vigilância a longo prazo são fundamentais para otimizar os resultados terapêuticos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

REFERÊNCIAS

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1Alunas do curso de Medicina Veterinária

²Professora orientadora do curso de Medicina Veterinária