ATRAVESSAMENTOS DISCURSIVOS NO ÁLBUM DEUS É MULHER DE ELZA SOARES: LUGARES DE FALA, VIOLÊNCIA E SILENCIAMENTOS CANTANDO OS BRASÍS DISSONANTES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501091204


Djailson Ferreira De Araújo
Orientador: Profª Drª. Danúbia Barros Cordeiro Cabral


RESUMO

O propósito da análise de discurso promovida neste artigo consiste em observar qual a posição do sujeito discursivo presente nas músicas que constituem o álbum Deus é mulher, de Elza Soares. Dessa forma, inferir sentido as suas demandas que se deslocam ao longo do tempo e que se manifestam a partir de formações discursivas imbuídas de ideologias e espírito de resistência. Outrossim, pautado em teóricos como Bakhtin, Foucault, Pêcheux, Orlandi e Beauvoir entre outros, o estudo discorre sobre a dissonância de tratamento e de vivência entre pessoas do sexo masculino e do sexo feminino, mapeando por meio do fenômeno da memória discursiva como os enunciados evocam ou silenciam os sujeitos mencionados anteriormente. Em conformidade com os elementos da análise de discurso, o presente artigo arrola sobre as dicotomias sociais que são oriundas de um sistema patriarcal, misógino e desproporcional. Por conseguinte, estabelece o lugar de fala como instrumento e objeto de estudo fundamental no processo da análise discursiva.

PALAVRASCHAVE: Elza Soares. Análise de discurso. Formação discursiva.

ABSTRACT

The purpose of the discourse analysis promoted in this article is to observe the position of the discursive subject present in the songs that make up the album Deus é Mulher, by Elza Soares. In this way, inferring meaning to their demands that move over time and that manifest themselves through discursive formations imbued with ideologies and a spirit of resistance. Furthermore, based on theorists such as Bakhtin, Foucault, Pêcheux, Orlandi and Beauvoir, among others, the study discusses the dissonance of treatment and experience between male and female people, mapping through the phenomenon of discursive memory as the statements evoke or silence the previously mentioned subjects. In accordance with the elements of discourse analysis, this article discusses the social dichotomies that arise from a patriarchal, misogynistic and disproportionate system. Therefore, it establishes the place of speech as an instrument and object of study -fundamental- in the process of discursive analysis.

KEYWORDS: Elza Soares. Discourse analysis. Discursive formation.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a mulher tem estado na tangente dos discursos e ações sociais, isso porque a sociedade está alicerçada em conceitos patriarcais. A economia, a política, o mercado de trabalho, bem como suas ramificações foram elaborados sob um viés excludente, capitalista e misógino, onde tudo flui para a manutenção do machismo na sociedade. A figura feminina, ocupa um status de dona do lar, máquina reprodutiva (gestacional), submissa ou objetificada sexualmente e – a depender de um recorte étnico, religioso e de classe social – até mesmo fadada ao mutismo e invisibilidade. Não obstante, tais figurações repercutem nas produções discursivas textualizando estereótipos e propagando estigmatizações acerca do Outro (O feminino).

A indústria fonográfica que por anos lucrou – e ainda lucra – com a sexualização dos corpos femininos, elitização de suas produções, seleção de produto para a elite e produto para as classes menos abastadas, atualmente vê-se inundada por uma contracorrente que vem crescendo e alargando a malha discursiva dentro da música. Corroborando, assim, para o aumento significativo de representações das múltiplas brasilidades. Ao passo em que, quando uma nova pauta ganha maior espaço nos meios de produção e disseminação do artefato cultural, os povos ali representados alcançam a visibilidade que lhes foi negada e por meio dela reivindicam novos lugares, tal qual a possibilidade de romper com os contratos sociais que os oprimem. É a partir dessas vozes dissonantes que se molda a identidade plural da nação brasileira e engendra a possibilidade de escuta para com seus locutores, que não mais gritam numa sala vazia.

A priori, o presente artigo tem como objetivo principal observar qual a posição do sujeito discursivo presente nas músicas que constituem o álbum Deus é mulher, de Elza Soares, o qual versa sobre questões como violência de gênero, apagamento histórico da cultura negra na sociedade brasileira, lugar de fala como aspecto legitimador do espaço socioideológico do sujeito e silenciamentos como prática enraizada pelo patriarcado. Dessa forma, inferir sentido as suas demandas que se deslocam ao longo do tempo e que se manifestam a partir de formações discursivas imbuídas de ideologias e espírito de resistência. A análise empreendida se detém nas cinco primeiras canções do álbum, obedecendo a sequência apresentada na obra visando a observação de seu encadeamento de ideias e proposições. Para tanto, traçamos os seguintes objetivos específicos: Observar o lugar social de onde emergem discursos dissidentes; oportunizar reflexão acerca das classes marginalizadas historicamente; perceber, nas músicas que serão apresentadas, as formações discursivas como dispositivos de contrapoder.

Dessa forma, esta pesquisa de cunho bibliográfico e qualitativo é relevante, pois lança luz sobre os discursos que emergem de sujeitos que buscam equidade, justiça social e reparação histórica, primando pelas vozes dos oprimidos e trazendo ao debate o ponto de vista daqueles que foram subalternizados, violentados e cerceados pelo obscurantismo do patriarcado.

A fim de viabilizar o desenvolvimento da temática desta pesquisa, o presente estudo foi dividido em três seções, obedecendo a seguinte ordem: a primeira seção deste trabalho apresenta uma abordagem suscinta sobre o campo da análise de discurso, bem como seus conceitos basilares e categorizações; a segunda seção enfatiza a importância do gênero música como instrumento de realização e disseminação discursiva, ratificando sua apropriação por sujeitos que buscam elevar suas vozes socialmente rompendo com um silenciamento histórico e apagamento social; por fim, a terceira seção contém a análise do álbum Deus é Mulher de Elza Soares, trazendo à tona a sua temática, as estratégias enunciativas como representação de contrapoder e reivindicação de identidades e lugares sociais.

1     LINGUAGEM, LÍNGUA E DISCURSO

1.1 TEXTO E DISCURSO

No contexto de Análise de Discurso, faz-se imprescindível a diferenciação entre dois elementos que por vezes aparecem como sinônimos: texto e discurso. Contudo, na práxis analítica, ocupam espaços distintos. Enquanto o discurso compreende às vozes que constroem sentido – representação da coletividade –, indica a ideologia basilar do sujeito discursivo. Por sua vez ao texto está destinada a função mimética, ou seja, representativa de tornar palpável aquilo que o discurso insere nas situações comunicativas. Além disso, concerne ao texto estruturar, de forma fixa e linear, as ideias, pois, “[…] o texto é uma estrutura, no sentido de que ele é um todo organizado de sentido” (BRAIT; SOUZA-E-SILVA, p.146). assim, confere-se ao texto um caráter cristalizador através da escrita, oralidade ou por meio das diversas formas de manifestação da linguagem.

Para a AD, […] um texto faz sentido não por sua relação com um contexto, ou em decorrência de conhecimentos que o leitor tenha estocado ou que rememora e coloca cm funcionamento ao ler/ouvir, mas por sua inserção em uma FD, em função de uma memória discursiva, do interdiscurso, que o texto retoma e do qual é parte. Ou seja, não há propriamente texto, concebido como uma unidade; o que há são linearizações concretas (materiais) de discursos (POSSENTI, 2004, p. 365).

Consonante às afirmações elencadas acima, Michel Pêcheux explora em sua obra O Discurso: estrutura ou acontecimento as possíveis formas de enxergar o discurso como objeto de estudo. Para o filósofo: “[…] supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços reflete propriedades independentes de sua enunciação” (PÊCHEUX, 2008, p. 31). O autor ainda acrescenta que “[…] essas propriedades se inscrevem transparentemente em uma descrição adequada do universo” (PÊCHEUX, 2008, p. 31).

Dessa maneira, Pêcheux consegue exemplificar o discurso como detalhamento de um espaço ocupado por sujeitos que, ao expressarem seus pensamentos, sentimentos e inquietações se colocam pertencentes a uma coletividade. Em conformidade com este pensamento, Brait e Souza-e-Silva (2012, p. 146) discorrem que “O discurso é um objeto linguístico e um objeto histórico, o que significa que ele é uma construção linguística, gerada por um sistema de regras que define sua especificidade, mas, ao mesmo tempo que nem tudo é dizível”.

Segundo Eni Orlandi (2005, p. 11), Pêcheux não separa categoricamente estrutura e acontecimento, relacionando a linguagem a sua exterioridade, ou seja, o interdiscurso. Para a linguista (2005, p.10) “[…] é necessário saber ler a realidade que se inscreve sob a superfície opaca e ambígua do texto”. Assim sendo, a autora salienta a importância de inferir sentidos aos enunciados para que dessa forma seja possível extrair dele o real sentido, isento do aspecto dual que a língua proporciona aos textos, isso porque “[…] deve-se praticar a análise de discurso como um dispositivo que permite analisar a textualização do político” (ORLANDI, 2005, p. 10).

1.2 CONTEXTO DA ANÁLISE DO DISCURSO

A análise de discurso surge como método de estudo dos enunciados ditos e/ou silenciados, as vozes que emergem de um dado acontecimento em um determinado tempo e espaço. Trata-se de uma análise em que “[…] se tenta encontrar, além dos próprios enunciados, a intenção do falante, sua atividade consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do que ele disse” (FOUCAULT, 2008, p. 30), pois “[…] todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui […] um trabalho de deslocamento no espaço” (PÊCHEUX, 2008, p. 56).

Pêcheux argumenta que “[…] todo enunciado, toda sequência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso” (PÊCHEUX, 2008, p. 53). Por sua vez, na obra A arqueologia do saber, Michel Foucault afirma o seguinte: “Todo discurso manifesto repousaria sobre um já-dito; e que esse já-dito não seria simplesmente uma frase já pronunciada, um texto já escrito, mas um “‘jamais-dito’, um discurso sem corpo […]” (FOUCAULT, 2008, p. 28). Para o autor uma indagação é o mote para a análise de discurso, sendo ela: como surgiu um enunciado e não outro?

De acordo com Foucault, todo dito resguarda em si um não-dito e esse jogo de enunciados aparece imbuído de ideologias, intenções que são descobertas a partir da prática da Análise de Discurso. Ainda segundo o linguista

É preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços […]. (FOUCAULT, 2008, p. 28).

Em suma, a Análise de Discurso se estabelece como estratégia de leitura do sujeito marcado socialmente por uma ideologia e inscrito em uma determinada formação discursiva. Dessa maneira, estuda os deslocamentos discursivos ao longo da história, suas retomadas, rupturas e esquecimentos, acontecimentos que tornam o discurso um objeto de estudo não apenas desejável, como também, explorável.

1.3 DISCURSO, SOCIEDADE E CULTURA

O discurso estabelece uma relação intrínseca com os elementos sociedade e cultura, pois é com base nestes que o discurso ganha sentido e espaço para ecoar. Por sua vez, é por meio do discurso que a sociedade e cultura podem ser representadas em todos os seus aspectos fidedignos. Portanto, o saber operar a máquina discursiva representa dominar os meios de (re)produção de ideologias, manutenção de interesses, atuar sobre os dispositivos de poder, biopoder e contrapoder.

Outrossim, Foucault (2008) discorre na obra Arqueologia do Saber sobre como o discurso exerce uma função de dispositivo de dominação, indo além de seu caráter comunicacional. Em sua obra, o linguista explora como o discurso é usado para construir, fortalecer e perpetuar relações de poder na sociedade. Isso inclui a maneira como o discurso define o que é considerado normal, anormal, aceitável ou inaceitável, moldando assim as normas culturais e sociais.

Como forma de exemplificar essa questão, rememoramos como os discursos baseados na teoria Evolucionista foram fundamentais para o processo de colonização do Pindorama, tratando o gentio como inculto, selvagem. Outro exemplo de apropriação do aparato discursivo como ferramenta de opressão são os discursos advindos das teorias Racialistas, estas que alicerçaram vozes autoritárias, estabeleceram regimes de escravidão sobre a nação africana e genocídio do povo judeu.

1.4 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSO

1.4.1   Formações Discursivas

Tendo suporte no conceito de discurso como produto composto por ideias, ideologias, inquietações e memórias, pode-se compreender que é necessária a identificação das intenções por trás de cada enunciado para que ele funcione dentro de uma esfera social, bem como, inferir neste o seu objeto discursivo. Assim, apreende-se que “[…] os enunciados diferentes em sua forma, dispersos no tempo, formam um conjunto quando se referem a um mesmo objeto” (FOUCAULT, 2008, p. 36).

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2008, p. 37).

Orlandi (2005) explica que as formações discursivas são as possibilidades que os sujeitos podem/devem verbalizar em dada situação. Para cada formação discursiva, atribui-se um vocabulário distinto daquele ao qual se faz oposição. Tendo como exemplo fictício, uma greve dos estudantes, em que os alunos decidem reivindicar seus direitos tomando posse das dependências do Centro Universitário; para defender sua posição, os estudantes dirão que estão realizando a ocupação da universidade como forma de protesto. Por outro lado, os agentes de

oposição irão expor a situação como invasão do campus universitário. A partir do exemplo citado, pôde-se evidenciar intenções opostas para tratar de um assunto/objeto em comum – a educação.

O feminismo é, também, um exemplo de formação discursiva, pois surge em oposição a um regime de segregação da mulher em detrimento do homem, reivindica direitos e, ao se afirmar, renega o seu lugar de o “Outro do homem”.

O que se descreveu sob o nome formação discursiva constitui, em sentido estrito, grupos de enunciados, isto é, conjuntos de performances verbais que não estão ligadas entre si, no nível das frases, por laços gramaticais (sintáticos ou semânticos); que não estão ligados entre si, no nível das proposições, por laços lógicos (de coerência formal ou encadeamentos conceituais); que tampouco estão ligados, no nível das formulações, por laços psicológicos (seja a identidade das formas de consciência, a constância das mentalidades, ou a repetição de um projeto); mas que estão ligados no nível dos enunciados (FOUCAULT, 2008, p. 131).

Importante salientar que as agitações internas, em uma determinada formação discursiva, podem possibilitar seu apagamento ou, ainda, serem a gênese de novas formações discursivas, tendo como exemplo as nuances do movimento feminista que, apesar de estarem baseadas no avanço e conquistas de direitos das mulheres, inicialmente contemplava apenas mulheres de pele branca e, a partir dessa agitação, no cerne das intenções desta formação discursiva, engendrou-se o feminismo da mulher negra, o feminismo da mulher indígena e o feminismo da mulher do campo.

1.4.2 Ideologia

O conceito de ideologia a partir da Análise de Discurso consiste na identificação de interesses, contexto e lugar social de enunciação do sujeito discursivo. Sobre isso, Eni Orlandi (1996, p. 28) explica que

A ideologia […] não é vista aqui como conjunto de representações nem como ocultação da realidade. Enquanto prática significante, discursiva, ela aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história, para que signifique. Ideologia e inconsciente, na análise de discurso, estão materialmente ligados.

Assim, conforme Orlandi, o sujeito se coloca no discurso a partir do “lugar” que ocupa para dizer o que diz, ou seja, ele é atravessado ideologicamente. A autora discorre sobre a não-

separação do sujeito com a sua exterioridade, pois para que a ideologia possa existir, faz-se necessária sua relação com a história; bem como, com o esquecimento de acontecimentos para que possa ter no sujeito um ponto de deriva de significações, estes que estarão alinhados com uma rede de interesses e intencionalidades estruturantes do objeto discursivo.

A autora enfatiza que:

A instância das intenções – que é do nível da formulação – já está determinada ao nível da constituição do discurso em que as posições são definidas pela relação desigual e contraditória entre formações discursivas. O que significa dizer que as intenções são já o produto de processos significativos que são ideológicos e aos quais o sujeito não tem acesso direto. As filiações ideológicas já estão definidas e o jogo da argumentação não afeta as posições do sujeito, ao contrário, deriva delas (ORLANDI, 1996, p.32).

Assim sendo, pode-se compreender que ideologia se refere a posição do indivíduo diante de um determinado assunto, ele que por sua vez – ideologicamente construído – enuncia a partir da sua formação discursiva, num processo automático e inconsciente em relação ao seu exterior. “Ideologia e inconsciente, na análise de discurso, estão materialmente ligados. A interpretação do indivíduo em sujeito, pela ideologia, traz necessariamente o apagamento da inscrição da língua na história para que signifique” (ORLANDI,1996, p. 28).

1.4.3   Interdiscursividade

O fenômeno da interdiscursividade compreende a uma rede de enunciados que estabelecem relações entre si ao longo da história. Sendo assim, o aparato discursivo, um não- dito capaz de sustentar aquilo que se diz, “[…] algo fala sempre antes, em outro lugar e independentemente, isto é, sob o domínio do complexo das formações ideológicas. Isso dá ao sujeito a sua realidade enquanto sistema de evidências e de significações experimentadas” (ORLANDI, 1996, p.31). Para que se possa apreender seu significado, faz-se necessário entender que todo discurso tem sua gênese antes mesmo de sua vocalização, pois deriva de um já-dito que o inscreve na história, possibilitando sua retomada – explicita ou implicitamente – em discursos futuros.

Dessa forma, o interdiscurso se refere, também, ao fenômeno da memória discursiva, seus pontos de deriva e esquecimentos para que haja a possibilidade de retomada. No entanto, deve-se haver um certo cuidado para que não se confunda interdiscursividade com intertextualidade, assim como foi mencionado anteriormente, texto e discurso não são sinônimos, por conseguinte, seus derivados também estabelecerão relação de apartamento significativo, haja vista que intertextualidade trata das relações comuns a textos que conversam entre si e se rememoram, já a interdiscursividade diz respeito a relação entre enunciados.

Assim, devem-se chamar intertextualidade apenas as relações dialógicas materializadas em textos. Isso pressupõe que toda intertextualidade implica a existência de uma interdiscursividade (relações entre enunciados), mas nem toda interdiscursividade implica uma intertextualidade. Por exemplo, quando um texto não mostra, no seu fio, o discurso do outro, não há intertextualidade, mas há interdiscursividade (FIORIN, 2011, p. 34).

Em síntese, o fenômeno da interdiscursividade atua alargando a malha discursiva atrelando enunciados dispersos ao longo das épocas, estes que foram proferidos em situações distintas, em diferentes condições e contextos de produção. Não estabelecem necessariamente uma relação de contiguidade sintática e/ou semântica, contudo perpassam o mesmo objeto e formação discursiva.

1.4.4   Vontade de Verdade

A humanidade busca se organizar num processo de formação de hierarquias, forças de poder, divisão de classes, de gêneros, etnias, crenças, culturas e teorias separatistas. Nesse viés classicista, patriarcal, a “verdade” torna-se objeto desejável e produto elaborado para que haja a manutenção de interesses de uma classe em específico. “No entender de Nietzsche, acreditar que atingimos uma verdade embutida nas coisas não passa, pois, de uma ilusão, já que nas coisas nada encontramos senão nossas ‘sugestões’ sobre elas” (OLIVEIRA, 2019, p. 51).

Desse modo, ao tratar de uma Vontade de Verdade, trata-se, também, da imposição de uma verdade universal, a criação de leis de opressão e o estabelecimento de um dito como certo para algo que se tem como errado. Diante do exposto, compreende-se que a verdade em si não existe, pois, ela é forjada como produto moralizante e quando se fala em moral, fala-se igualmente sobre ideais de um grupo que dispõe de maior força política, status social, poder econômico e que é historicamente privilegiado.

Nesse contexto, em determinado momento, a “verdade” deixa de ser apenas um produto social e passa a ocupar a posição de dispositivo, uma vez que a partir dela se originará outros produtos sociais ideologicamente marcados e inscritos nas filiações históricas. Esses produtos podem ser exemplificados por meio do machismo – verdade na qual o homem é superior à mulher em força e direitos –, na homossexualidade tratada como doença – dado que essa “verdade” advém também do machismo (sendo um subproduto deste), uma vez que se tem no homossexual a figura de um desertor de sua sexualidade e/ou de aspectos que o inclui em um determinado grupo – privilegiado. Segundo a Mestra em Filosofia Mônica Oliveira (2019, p. 51) “Nietzsche […] sustenta que por trás da concepção de verdade, o dogmatizar na filosofia não procedeu de outra maneira a não ser defender seus próprios preconceitos”.

2  GÊNEROS DISCURSIVOS

Conforme afirma Mikhail Bakhtin, em sua obra Os gêneros do discurso, os gêneros são enunciados particulares a cada esfera social e se diferem dos gêneros literários, isso porque “Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo e pelo estilo da linguagem […], mas, acima de tudo, por sua construção composicional” (BAKHTIN. 2016, p. 11), além disso “[…] cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN. 2016, p.12).

Segundo o autor, os gêneros do discurso são inúmeros, por isso também são incontáveis à medida em que o surgimento de novos gêneros acompanha o desenvolvimento da sociedade e estabelece uma relação imbricada com o seu desenvolvimento. Assim sendo, os gêneros discursivos vão desde a carta, o relato cotidiano até a variedade de documentos oficiais.

2.1 GÊNERO MÚSICA

O gênero música se apresenta como produto cultural de uma determinada comunidade, assim sendo, é também uma das diversas formas de manifestação da linguagem. Essa forma discursiva, que por seu caráter popular e mimético, alcança uma quantidade expressiva de público consumidor.

O referido gênero concatena arte, política, sociedade e discurso em enunciados devidamente organizados, representa uma parcela da população que o consome. Sob essa ótica, entende-se que “[…] o gênero música é definido então por elementos textuais, sociológicos e ideológicos, é uma espiral que vai dos aspectos ligados ao campo da produção às estratégias de leitura inscritas nos produtos midiáticos” (JANOTTI JUNIOR, 2006, p. 7).

Acerca disso, Janotti Junior (2006, p. 7), explica que

[…] os gêneros musicais envolvem: regras econômicas (direcionamento e apropriações culturais), regras semióticas (estratégias de produção de sentido inscritas nos produtos musicais) e regras técnicas e formais (que envolvem a produção e recepção musical em sentido estrito)”.

Não obstante, assim como a sociedade é dividida em classes e passa por um processo de hierarquização social, o gênero musical não está isolado de tal processo, os subgêneros (samba, rap, mpb, rock, bossa nova etc.) estão sujeitos à elitização, desvalorização e atribuição de juízo de valor, o que gera um discurso opressor e desigual que recai sobre as massas, apartando ainda mais o povo e, dessa forma, evidenciando as dicotomias entre as camadas sociais.

2.5 A IMAGEM DA MULHER NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

O gênero música apresenta-se como reflexo da sociedade que o produz. Assim, ao longo da história da música, a mulher é desenhada tendo como base as práticas discursivas vigentes e os atravessamentos ideológicos de compositores e músicos, como podemos ver em letras como: Ai! Que Saudades da Amélia de Ataulfo Alves e Mario Lago, Mulheres de Atenas de Chico Buarque, Pagu de Rita Lee e Zélia Duncan, Só As Cachorras do Bonde do Tigrão, Loka de Simone e Simaria feat Anitta, Triste, Louca ou Má de Francisco, el hombre, Desconstruindo Amélia de Pitty, Troca de Calçada de Marília Mendonça, entre tantas outras.

Desse modo, a mulher brasileira é representada tradicionalmente pelo cancioneiro popular sob vários vieses, desde ser objetificado, tendo seus sentimentos e prazeres invisibilizados em detrimento do homem, como independente e com empoderamento (na música mais contemporânea).

A cantora Elza Soares, por sua vez, ao longo de sua carreira musical, desconstrói a ideia do machismo, da mulher frágil e limitada. A cantora costuma retornar a assuntos já abordados no seu vasto repertório, esse interdiscurso pode ser exemplificado pelo fenômeno da memória discursiva, o processo de esquecimento e retomada de vozes e ideologias.

3. ANÁLISE DO CORPUS

Gerado durante um período de tensão no Brasil, quando a política apontava para uma ascensão da extrema direita – desde o impeachment da primeira presidente mulher do Brasil em 2016, até momentos como a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro (2018), época marcada pelo crescimento da violência no país, tanto civil quanto policial. Um dos grandes acontecimentos que marcaram o ano foi a morte da vereadora Marielle Franco, ativista política, a veredora denunciava as ações policiais nas favelas e o aumento gradativo de pessoas mortas por “bala perdida” nas comunidades marginalizadas, mas como viria a dizer Elza Soares, em “Planeta Fome”: não tem bala perdida/ tem seu nome/ é bala autografada. Ademais, houve, também, as eleições presidenciais, por meio das quais a extrema direita consolidou seu projeto político, pautado em discursos misóginos, homofóbicos, xenofóbicos e preconceituosos de uma forma geral, propiciando espaços onde o patriarcado discursaria nos próximos anos.

A partir do exposto, pode-se perceber nos enunciados dispostos na faixa O que se cala um desejo sincero de expor as atrocidades advindas de uma posição dominante para com seus dominados, um discurso enviesado pelas formações discursivas do feminismo e dos movimentos de militância pró-direitos das pessoas negras que vivem nas comunidades à tangente da sociedade elitizada. Sobre isso, Foucault (2008, p. 132) diz que “Um enunciado pertence a uma formação discursiva, como uma frase pertence a um texto, e uma proposição a um conjunto dedutivo”.

Os papéis sociais buscam estabelecer uma verdade sobre os corpos, o que chamamos de Vontade de Verdade, nesse sentido, estabelecem para mulher uma posição subalternizada, estendendo a fragilidade física para uma fragilidade de direitos, um corpo vulnerável e passível de manipulação ou de ser cerceado, violentado, invisibilizado socialmente. É possível observar essa Vontade de Verdade na primeira faixa do álbum de Elza Soares quando ela discorre sobre as violências sofridas pelas mulheres e pelos povos negros, os quais são apartados de seus direitos e vistos como loco de onde advém os problemas sociais. Essa faixa demarca discursivamente o país como um lugar democrático quanto ao exercício da cidadania e de reivindicações de direitos, uma vez que menciona, ao longo da canção, o país como lugar de fala e, assim, amplia o direito à sua própria voz e à legitimidade de sua posição social, marcada por uma ideologia heterogênea, mas capaz de fazer avançar todas as camadas sociais. O que é reforçado na fala de Angela Davis “quando a mulher negra avança, toda a sociedade avança junto a ela”.

A posteriori, Elza Soares direciona a segunda faixa Exú nas escolas para as questões raciais que envolvem os processos de formação identitária e cidadã dos povos negros, denunciando, assim, a perpetuação do ideário colonialista, que colonizou não apenas terras, mas corpos e suas mentes, iniciando um processo de aculturação do negro. Para além de um projeto de aculturação, a sociedade do Brasil Colônia ao desumanizar o negro deu origem a possibilidade de tratá-lo como corpo vazio, logo, esse vazio deveria ser preenchido ao longo dos anos com uma nova língua, uma outra doutrina, uma nova posição social, uma nova cultura, arrancando do negro sua origem e seus costumes. Exú nas escolas expõe a ideologia dominante que se insere desde os anos escolares iniciais, mencionado como “tabu” e “costumes frágeis das crenças limitantes”, o que alude à posição que o patriarcado ocupa social e politicamente, tendo as escolas como reprodutoras dos interesses das classes dominantes, da intolerância religiosa e da violência racial “Presa em uma enciclopédia de ilusões bem selecionadas”. A denúncia de Elza Soares na canção pontua o povo negro como objeto de estudo, distanciado da produção de conhecimento e/ou do seu registro histórico.

No que tange à canção Banho, a intérprete se volta para sua intimidade e gerenciamento de si, enquanto mulher. Nesse ponto, a posição demarcada social e ideologicamente para a mulher negra dialoga com suas crenças, pois a canção escrita por Tulipa Ruiz para Elza Soares, para além das necessidades sexuais faz emergir da crença suas referências discursivas. Às menções aos fluidos, aos líquidos e ao próprio título “Banho” remetem à entidade religiosa do candomblé Iemanjá. Portanto, estabelece, a partir de sua formação discursiva, uma rede de saberes e interesses voltados à emancipação e autoafirmação do feminino.

Por conseguinte, o viés sexual libertário alcança a próxima canção Eu quero comer você, na qual a mulher passa a aceitar seus desejos e se enxergar como ser ativo em suas relações amorosas, traçando estratégias que referenciam o lugar silencioso que a vontade de verdade feminina ocupa socialmente, por outro lado, sugere seu caráter de elemento subentendido: existente e resistente. Assim, é por meio dessa quarta faixa do álbum que o sexo é abordado abertamente como forma de romper com o mutismo autoritário estabelecido na estrutura patriarcal.

Por fim, a quinta música Língua solta, que se encontra no centro do álbum, apresenta- se irruptiva por denotar um senso de organização feminina com vistas a um possível enfrentamento dos problemas circundantes à causa. Sobre isso, Beavouir (1970, p. 10) explica que socialmente “a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro”. Dessa forma, a canção revela uma consciência acerca do ser mulher na sociedade, os inúmeros percalços que serão enfrentados, contudo, suscita a união de forças em prol da superação desses aspectos limitantes.

Em suma, as cinco canções que iniciam o álbum Deus é mulher seguem uma organização dialógica, quando O que se cala introduz a temática do álbum apresentando, de maneira objetiva, os recortes principais que o guiarão e, logo em seguida, é transpassada pela temática da formação cidadã do povo negro no Brasil, juntamente com a ausência de representatividade e valorização da cultura afro-brasileira. Esse processo de colonização dos corpos e das mentes do negro na sociedade, mantido pela intolerância religiosa, pelo racismo estrutural e suas nuances, os quais visam um apagamento massivo de toda uma cultura.

Adicionalmente, o papel da mulher negra e o pacto social de silenciamento do gênero feminino somado aos embates entre as questões de gênero e o machismo são temáticas ideologicamente marcadas para expor uma outra visão sobre as situações vivenciadas em território brasileiro pelas classes que fazem parte da base dessa pirâmide social.

3.1 ELZA CANTA: DEUS É MULHER – VOZES, SILENCIAMENTOS E DISSABORES MATERIALIZADOS NAS LETRAS DE MÚSICAS

Entre os álbuns Mulher do fim do mundo (2017) e o Planeta fome (2019) há um Deus que é mulher (2018) e canta os dissabores de uma parcela da sociedade oprimida historicamente; um grito rouco ecoa, denuncia um apagamento social e repressão. No país que traz como máxima “ordem e progresso”, Elza Soares dá voz ao custo que é pago para que o patriarcado mantenha seu domínio e as minorias permaneçam silenciadas.

Figura 1: Capa do álbum Deus é mulher de Elza Soares

Fonte: site Letras <https://www.letras.mus.br/elza-soares/discografia/deus-mulher-2018/>.

As canções apresentadas no álbum Deus é mulher (2018) são pontos independentes, elas aprofundam abordagens particulares acerca de minorias marginalizadas, descreditadas e oprimidas. Apesar de pontos independentes, o discurso distribuído em cada recorte social (de gênero, religioso, étnico, etc.) ganha através da intérprete um ponto em comum, a mulher negra, periférica, artista e de origem humilde que passa a escancarar os brasis dissonantes, explicitando vivências no seu discurso.

Desse modo, os recortes sociais passam a se articular e a funcionar como um todo, o álbum se torna um livro falado (audiolivro), e as músicas podem ser compreendidas como capítulos. Para Fernandes (2008), são as posições contrastantes que evidenciam esses lugares socioideológicos que o sujeito discursivo ocupa, e por meio da linguagem é possível a materialização desses lugares.

É o que pode observar na música O que se cala, a seguir:

Em O que se cala o sujeito discursivo personifica em si o país e, ao materializá-lo, versa sobre a heterogeneidade étnica e de gênero. A voz enunciativa revela um país criado e moldado por outras nações, “[…] se há diferenças, há embates, no social e, consequentemente, no linguístico” (FERNANDES, 2008, p. 16), a intérprete descortina, por meio do discurso, seu papel de sujeito representante de uma nação que sofre com os mais variados tipos de opressão.

Há anos, Cazuza afrontava o país em um chamamento ao cantar “Brasil, mostra a sua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim”; décadas depois, Elza responde, em tom ainda de resistência, “Mil nações moldaram minha cara”.

A composição que introduz o álbum Deus é mulher vem imbuída de questionamentos. Desde o início, a cantora ressalta que sua voz é o instrumento utilizado para dizer aquilo que está silenciado. Nesse sentido, a intérprete toma por argumento o país como o seu lugar de fala, o lugar socioideológico de onde surgem denúncias, questionamentos e relatos de vivências, legitimando seu discurso uma vez que “[…] não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia.” (ORLANDI, 1990, p. 47).

Corroborando com este pensamento, a filósofa Djamila Ribeiro (2017, p. 33) afirma:

A nossa hipótese é que a partir da teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de lugar de fala. Ao reivindicar os diferentes pontos de análises e a afirmação de que um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propõem, percebemos que essa marcação se torna necessária para entendermos realidades que foram consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica.

Assim sendo, o recorte de gênero presente na primeira faixa acentua a ideia de que um “Deus mulher” irá falar. Entende-se por “Deus mulher” uma visão superior em relação às situações do cotidiano, ampla e retratada pela ótica feminina. A partir desse novo ponto de vista, histórias serão (re)contadas, o que antes era lugar privilegiado para homens, o gênero dominante, detentor das leis, dos corpos, do fazer histórico e daquilo que pode ou não ser registrado.

A voz da artista lança questionamentos pertinentes expondo à sociedade patriarcal que alicerça as crenças e os costumes dominantes no país, como nos seguintes versos: “pra que separar? pra que desunir? por que só gritar? por que nunca ouvir? pra que enganar? pra que reprimir? por que humilhar? e tanto mentir?”. O sujeito evidencia o apartamento social que há entre homens e mulheres, essa dissonância no tratamento engendra uma supremacia do gênero masculino e, por conseguinte, a submissão do “outro”. Para tratar do conceito de um “Outro” é necessário evocar a autora Simone de Beavouir que, em sua obra intitulada “O segundo sexo- experiência vivida”, traz à tona o conceito da mulher como o “Outro” do homem. A autora argumenta:

NINGUÉM nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro (BEAVOUIR, 2016, p. 9).

A letra da canção revela um tom de sujeição, ao passo que os versos em forma de perguntas levam o interlocutor a reflexão e dessa forma repensar o seu espaço social, bem como, os seus privilégios em detrimento do Outro. Elza descortina a violência exercida pelo patriarcado nos trechos: “pra que abusar? pra que iludir? e violentar pra nos oprimir? pra que sujar o chão da própria sala? nosso país, nosso lugar de fala”. O discurso feminista fundamenta toda a canção que é o carro-chefe do álbum, este discurso é recuperado ao longo das músicas que constituem a obra Deus é mulher.

A segunda letra do álbum Deus é mulher traz a música Exu nas escolas, como se pode ver a seguir:

A escola no Brasil é, historicamente, um dispositivo de controle e manutenção que surgiu para alimentar os interesses das classes dominantes, moldar a população de forma massiva e gerar mão de obra barata. O ensino superior, inicialmente, destinava-se à elite, enquanto a educação propedêutica e tecnicista era ofertada ao proletariado. Ademais, o sistema educacional brasileiro sempre refletiu as intenções de seus governantes. O início do processo de educação deu-se por meio dos Jesuítas que, ao passo em que ensinavam a língua portuguesa, catequisavam os povos originários e escravizados, em uma relação imbricada entre a doutrinação colonialista e a educação da nação recém-invadida.

A composição Exu nas Escolas arrola, entre suas críticas, a supremacia do Cristianismo instaurada pelo Estado português e a ausência de referências à cultura Afro-brasileira. Sobre isso, Ribeiro (2017, p. 35) questiona: “quantas autoras e autores negros o leitor e a leitora, que cursaram a faculdade, leram ou tiveram acesso durante o período da graduação? Quantas professoras ou professores negros tiveram?”

Para além de analisar a estrutura cultural, social e educacional do país, Elza Soares, ao citar o reconhecido programa infantil dos anos 80, Xou da Xuxa, no escopo discursivo de sua obra, alude o ensino da cultura negra ao entretenimento educacional de maneira superficial, expondo a inserção deste conteúdo reduzido a datas de conquistas políticas e rememorações, eventos educacionais sem profundidade, que em nada reconhecem a dívida histórica engendrada pela cultura europeia para com os indivíduos de etnia africana. “Essas experiências comuns resultantes do lugar social que ocupam impedem que a população negra acesse a certos espaços” (RIBEIRO, 2017, p. 35).

Assim sendo, “as transformações sofridas nas condições sociais manifestam-se nas produções discursivas, sempre marcadas pelo entrecruzamento de discursos e acontecimentos anteriores” (FERNANDES, 2008, p. 32), podendo ser exemplificadas pela canção Exu nas Escolas que retrata o ponto de vista da população negra em relação ao sistema educacional e cultural brasileiro, pois “o sujeito, ao mostrar-se, inscreve-se em um espaço socioideológico e não em outros, enuncia a partir de sua inscrição ideológica; de sua voz, emanam discursos, cujas existências encontram-se na exterioridade das estruturas linguísticas enunciadas.” (FERNANDES, 2008, p. 16).

Portanto, ao cantar a segunda faixa do álbum Deus é Mulher, a intérprete sugere a adesão efetiva da entidade religiosa africana e toda sua representatividade à cultura brasileira, de forma intrínseca, passando a compreender a laicidade do Estado brasileiro, sua multiculturalidade e variedade de crenças presentes em território nacional.

Por sua vez, a liberdade sexual e o domínio sobre o próprio corpo são temas explorados em Banho, terceira canção do álbum Deus é Mulher, exposta logo abaixo:

A priori, o título da composição adianta uma perspectiva metafórica na qual a letra está calcada, trata-se de uma abordagem sensorial da experiência do ser feminino. É a partir dos fluidos corporais que a mulher se molda no seio da sociedade e explora a sua sexualidade. Esta, por sua vez, é cerceada pelo externo e masculino. Contudo “se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, à inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como um ar de transgressão deliberada” (FOUCAULT, 2000, p. 11).

Sobre essa questão, a autora Judith Revel (2005, p. 31) na obra Michel Foucault: conceitos essenciais explica que:

Quando Foucault começa a pesquisar a sexualidade, ele toma, entretanto, consciência de duas coisas: de uma parte, é a partir de uma rede de somato- poder que nasce a sexualidade “como fenômeno histórico e cultural no qual nós nos reconhecemos”, e não a partir de uma penetração moral das consciências: é preciso, portanto, fazer sua história; de outra parte, a atualidade das questões das relações entre o poder e os corpos é essencial: pode-se recuperar seu próprio corpo? […] O corpo representa desde então um foco da resistência ao poder, uma outra vertente dessa “biopolítica” que se torna o centro das análises do filósofo no final dos anos 70.

Consoante a questão deixada por Foucault: “quem emprega essa linguagem coloca-se, até certo ponto, fora do alcance do poder, desordena a lei, antecipa por menos que seja, a liberdade futura” (FOUCAULT, 2000, p. 12), Elza Soares busca, discursivamente, recuperar a liberdade dos corpos femininos por meio de elementos como o suor, as lágrimas, a menstruação e o ato da masturbação, este último ainda mais explícito no fragmento: “Misturo sólidos com os meus líquidos/ Dissolvo pranto com a minha baba/ Quando tá seco, logo umedeço”.

Dessa forma, a música popular brasileira reacende seu espírito vanguardista, do qual Elza surgiu e toca em um assunto considerado inerente ao gênero masculino. Compreendendo que através do gerenciamento do próprio corpo, a mulher se abre para um processo de autoconhecimento e gerenciamento de si. Nesse sentido, o corpo adquire características de elemento político, estabelecendo um confronto com ideais cristalizados pelo patriarcado ao longo dos anos, pois “é essa luta pelos corpos que faz com que a sexualidade seja um problema político” (REVEL, 2005, p. 31).

Contudo, a temática da sexualidade que permeia o álbum não se limita à canção Banho, mas também se estende para a faixa seguinte intitulada Eu quero comer você, como se pode constatar adiante:

A música supracitada percorre a formação da subjetividade da mulher no que concerne aos seus desejos e impulsos sexuais, uma vez que a figura feminina ocupa um lugar na sociedade que a impede de falar abertamente sobre determinados assuntos. Sua formação discursiva é engessada pela criação de uma estética arcaica da figura da dona do lar, da mãe dedicada que abdica de si para cuidar dos filhos, a esposa devotada ao marido ou, até mesmo, a jovem que precisa se portar com “bons modos” para ser respeitada pela comunidade e conseguir um bom marido, pois o casamento é, no cerne patriarcal, a realização máxima da mulher na sociedade.

De acordo com Fernandes (2005, p. 35), “Os efeitos de sentido desses então enunciados revelam conflitos sociais decorrentes dos espaços de enunciação, dos lugares sociais assumidos por diferentes sujeitos socialmente organizados”.

Ao proferir enunciados tipicamente qualificados como masculinos, a mulher não renega a sua sexualidade, seu gênero ou feminilidade, mas toma para si um lugar socioideológico ao qual ela não tinha acessado por convenções sociais pré-estabelecidas pelo patriarcado, uma vez que “[…] pertencemos […] a uma sociedade que articulou o difícil saber do sexo, não na transmissão do segredo, mas em torno da lenta ascensão da confidência” (FOUCAULT, 2000, p. 48). Portanto, é nesse embate político-social de ideologias que se origina uma nova formação discursiva oriunda da emancipação da mulher, haja vista que por meio do confronto de ideias conflitantes é que “[…] ocorre a formação de diferentes discursos que integram os processos de formação e transformação sociais próprios à existência do homem na história” (FERNANDES, 2005, p. 36).

Diante do exposto, pode-se perceber, na tessitura textual, elementos que unem Eu quero comer você à canção Pra fuder do álbum Mulher do fim do mundo, também de Elza Soares, canções que discorrem sobre a mulher animalizada e entregue às suas vontades, onde ela se torna uma loba e o homem é a sua presa. Enquanto em Pra fuder, Elza canta: “unhas cravadas induzem latejo, roupas jogadas no chão, pernas abertas te prendo num beijo, sufoco a sofreguidão”, recriando, assim, a cena do ato sexual; em Eu quero comer você, a intérprete retrata as estratégias do feminino para o amor, as entrelinhas que expõem a vontade da mulher sobre o homem, o fato de que a ação pode partir do masculino para o feminino, mas que a vontade da mulher é preexistente.

O sujeito discursivo rompe, pois, com a normativa de que o gênero feminino é passivo em suas relações amorosas, “prazer e poder não se anulam, não se voltam um contra o outro; seguem-se e se entrelaçam. Encadeiam-se através de mecanismos complexos e positivos, de excitação e incitação” (FOUCAULT, 2000, p. 48).

Elza vocaliza a vontade de explorar o corpo do seu parceiro despido, sem que ela precise expor suas intenções, revelando que o mutismo ao qual as mulheres foram submetidas acerca do tema, ainda, permanece como característica da sociedade alicerçada em princípios/valores cristãos e machistas. Novamente a cena que remete ao ato sexual é descrita através dos versos: “Com uma vontade comum/ na tua geografia/ a linha dura em mim/ suor na pele marrom/ o arrepio no pelo/ a veia da tua mão/ eu quero é comer você/ eu quero dar pra você”, expondo os desejos latentes do feminino.

Na sequência, o álbum apresenta a música Língua Solta, como se pode ver a seguir:

A canção exposta acima versa sobre as dicotomias entre o masculino e o feminino, ainda que para isso não tenha sido necessário mencionar os privilégios do homem na sociedade, pois, fato é, que o receio de andar à noite ou em horário considerado avançado por ruas desertas, escuras não faz parte do cotidiano masculino cisgênero.

A composição se estrutura em insinuações que pressupõem a presença do perigo no dia- a-dia das mulheres e o princípio de sororidade entre elas, estabelecendo contraponto à fraternidade masculina. Pode-se constatar, assim, a consciência da heterogeneidade entre as mulheres, embora o recorte de gênero, historicamente, trata como singular, o que é diverso e complexo.

Expressões como “Vamos levantar o sol/ é dia de falar e de ouvir também/ que a coragem, língua solta e solução” revelam o desejo de rebelar-se, reagir à busca por uma união capaz de deslocar a figura da mulher de uma posição de insegurança e vulnerabilidade para locais de segurança, protagonismo e relevância. No entanto, frases como “Por nós, só nós e o mundo inteiro pra gritar” expõem o apartamento social no que tange ao suporte para conquista de direitos e a ausência de representatividade nos espaços “democráticos”, em que as políticas públicas são elaboradas. Vale salientar que a política é um dispositivo de biopoder criado/manuseado majoritariamente por homens e mantida por estes, que priorizam seus interesses pessoais em detrimento do bem coletivo e/ou das minorias.

Elza, ao dizer “quero voz e quero mesmo ar, quero mesmo incomodar” enfatiza que os avanços só serão possíveis ao mexer nas estruturas patriarcais que sustentam os acordos

silenciosos e pré-estabelecidos, levando os detentores das leis – e mantenedores do sistema excludente – ao desconforto, tirando-os de seus postos de intocáveis e inatingíveis. A intérprete de Língua Solta trata de deixar claro que a voz que lhe nega, silencia e priva não pode atingi-la a partir do momento que ela passa a se enxergar como sujeito de direitos, podendo ser o que almeja ser, fazendo o que deseja fazer, do sexo ao futebol, da liberdade de ser puta até a posição de presidente ou cardial, uma vez que

[…] o empoderamento um fator resultante da junção de indivíduos que se reconstroem e desconstroem em um processo contínuo que culmina em empoderamento prático da coletividade, tendo como resposta as transformações sociais que serão desfrutadas por todos e todas” (BERTH, 2019, p. 53).

Desse modo, a canção – que se encontra no meio do álbum – expande a malha discursiva, passando não apenas a realizar denúncias assim como nas músicas que a antecederam; mas também, posiciona a cantora/mulher, nesse momento, como agente de transformação do meio em que vive. Todavia, “[…] o fato de um sujeito pertencente a um grupo oprimido ter desenvolvido pensamento crítico acerca de sua realidade não retira a dimensão estrutural que o coloca sob situações degradantes” (BERTH, 2019, p. 37). Esse seria um dos motivos pelos quais o processo de empoderamento é gradual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise realizada é possível compreender que o repertório do álbum Deus é mulher carrega em si vozes dissidentes que se conectam na construção do objeto discursivo, denunciando o mutismo que é imposto às minorias, principalmente quando se trata do gênero feminino, do sujeito afrodescendente e/ou pertencente às classes menos abastadas.

Para além do exposto, pode-se perceber que na letra e voz de Elza Soares o matriarcado é ressignificado. Assim, como o feminismo não se caracteriza enquanto oposição ao machismo, mas sim na busca pela redução das disparidades engendradas pelo machismo. O matriarcado em Deus é Mulher não se apresenta, pois, como um regime no qual a mulher oprime, subalterniza o homem ou o descredibiliza; mas, trata-se da ascensão de uma perspectiva de equidade, reparação histórica e ruptura com o papel de subserviência atribuído às mulheres.

Destarte, vale salientar que o lugar que o sujeito ocupa socialmente, suas características como crença, etnia, classe social, gênero e sexualidade têm aspectos limítrofes dentro do

sistema patriarcal, os quais são mediados pela linguagem. Portanto, os enunciados que se inscrevem em um determinado contexto e situação comunicativa atuam para reforçar ou refutar um dado discurso, marcando, dessa maneira, as ideologias e a formações discursivas do sujeito social.

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