UM ESPELHO DA SAÚDE BUCAL DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501060829


Marcos Gustavo Oliveira da Silva1
Jeyse Anne Vasconcelos da Silva2
Joyce Laryssa Barbosa de Oliveira3
Darlene da silva Barbosa4
Francisco José Macêdo da Silva5
Alexsandra Silva Nascimento6
Artur Rinaldi Neto7
Talita Lima das Mercês8
Adriana da Silva Cabral Gonçalves de Souza9
Julyana Tavares da Silva10
Victoria Mylena de Albuquerque Pontes Silva11
Karina Íris de Moura Silva Arruda12
Gabrielly Bezerra dos Santos Laurentino13
Brenda stephanie Souza14
Cláudia Alves de Moraes15


RESUMO- O presente trabalho teve como objetivo verificar a situação de atenção à saúde bucal da população indígena no Brasil. Através da revisão de literatura verificar-se-á o perfil de saúde bucal das populações indígenas de acordo com alguns inquéritos nacionais executados em várias aldeias dispersas no País. A importância da criação dos Distritos Sanitários Indígenas, como uma conquista a essa população em relação à atenção a sua saúde,  de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, tem contribuído para mudanças no perfil de saúde bucal desta população, apesar de que ainda se encontram grupos que são pouco beneficiados pelo sistema. Também será relatado a importância dos determinantes sociais da saúde, com respeito às práticas humanitárias e incorporando no cotidiano a potencialização de crenças e valores adotados por esta população para o auto-cuidado. Dentro do contexto de saúde como direto de todos e dever do estado , qual a representatividade dos povos indígenas dentro da saúde construída na Constituição de 1988 e quais os entraves que ainda persistem para um distanciamento de uma adequada atenção à saúde bucal aos verdadeiros descobridores de nossa terra.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde bucal. População Indígena. Distrito Sanitário Indígena. Índices de Saúde Bucal.

ABSTRACT– The present work aimed to verify the oral health care situation of the indigenous population in Brazil.Through the literature review, the oral health profile of indigenous populations will be verified according to some national surveys carried out in several villages spread across the country.The importance of creating Indigenous Health Districts, as an achievement for this population in relation to health care, in accordance with the principles and guidelines of the Unified Health System, has contributed to changes in the oral health profile of this population, despite that there are still groups that benefit little from the system.The importance of social determinants of health will also be reported, with respect to humanitarian practices and incorporating into daily life the enhancement of beliefs and values ​​adopted by this population for self-care.Within the context of health as a direct right for everyone and a duty of the state, what is the representation of indigenous peoples within the health system constructed in the 1988 Constitution and what are the obstacles that still persist in distancing adequate attention to oral health from the true discoverers of our Earth.

KEYWORDS: Oral health. Indigenous Population. Indigenous Health District. Oral Health Indexes.

1  INTRODUÇÃO

Apesar de nossa constituição Cidadã estabelecer em seu artigo 196 que a saúde é um direito de todos e dever do estado, a atenção à saúde aos povos indígenas tem encontrado entraves que têm dificultado pelo direito à cidadania destes povos. Caracterizado por uma população detentora de peculiaridades quando ao modo de viver através de sua cultura, religião, dialetos e modos de curar-se diferenciados, têm sofrido desde o descobrimento do Brasil massacres que perduram até os dias atuais. Desde o momento em que os seus direitos são burlados por uma política e atitudes discriminatórias, a sociedade indigienista tem sido vítima de uma eterna exclusão que cresce mais a cada dia.

O Sistema Único de Saúde (SUS) têm procurado incluir os aldeiados na gama de cuidados em saúde. Como parte desse mecanismo de inclusão social, o cuidado odontológico se faz necessário, respeitando os valores culturais e a forma de organização social desta população. Dada a representatividade da população indígena no contexto nacional e pautados na Constituição Federal de 1988, os povos indígenas fazem parte do contexto de população beneficiária dos direitos constitucionais. Apesar dos avanços proclamados na constituição cidadã, os verdadeiros donos do Brasil têm se beneficiados de um acesso à saúde de qualidade, sendo respeitadas suas práticas culturais, autonomia e visão em relação a sua saúde? De que modo o Cirurgião dentista tem se portado frente aos cuidados em saúde bucal das populações indígenas, sendo um profissional com predominância de técnicas odontológicas ou um agente de saúde com abertura para o diálogo e respeito a cultura e autonomia destes povos?

A atenção odontológica aos povos indígenas apresenta um grande desafio aos profissionais de odontologia. Vale destacar a formação universitária, ainda centrada em procedimentos e de aspecto predominantemente mercantilista. Apesar da necessidade do enfoque da humanização e as premissas da educação popular em saúde, em que o diálogo tem foco central nas relações profissional-paciente, a atenção odontológica a estes povos ainda está bastante precária, com poucas práticas preventivo/curativo e maior enfoque na ação mutilatória, sendo comum os grandes números de extrações dentárias realizadas nestes povos. Podemos também mencionar a desvalorização dos hábitos e formas de organização social, política e cultural dos povos indígenas, como detentores de conhecimentos importantes também na manutenção da sua saúde.

O processo relacional conflitante entre os indígenas e não indígenas tem marco inicial desde o descobrimento do Brasil. Os verdadeiros donos do Brasil têm perdido espaço desde que a “civilização” tomou conta do nosso país. A ação mutiladora ainda é observada nos tempos modernos, em que índios são mortos pela ação de doenças migratórias, o contínuo roubo de suas terras e pela precariedade com que essa população é assistida pelo Sistema de Saúde do Brasil. Apesar da criação dos Distritos Sanitários Indígenas, ainda são persistentes a falta de cuidados básicos para com essa população, aonde ainda persistem poucos investimentos, a precariedade da estrutura e a falta de profissionais da saúde.

O objetivo geral desse estudo foi verificar na literatura o perfil de saúde bucal e o processo de atenção odontológica da população indígena do Brasil e os entraves que ainda predominam na prática humanizadora de atenção básica pelas Equipes de Saúde Bucal. Como objetivos específicos analisar se de fato toda essa política de inclusão preconizada pela Constituição Federal da República de 1988, além dos supostos defendidos pelas Leis Orgânicas da Saúde até a constituição da Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas se de fato têm trazido melhorias na atenção à saúde bucal dos povos indígenas do Brasil.

O presente trabalho foi elaborado para refletir a realidade de atenção à saúde bucal dos índios do Brasil e consequentemente o perfil epidemiológico desta população. Espera-se estimular uma reflexão de como os povos indígenas ainda mantém-se marginalizados do Sistema Único de Saúde e que necessitam de intervenções urgentes para proporcionarem uma inclusão mais humanizadora.

No presente trabalho foi realizada uma revisão sistemática da literatura  enfocando a atenção odontológica aos povos indígenas do Brasil, utilizando as palavras-chave: Saúde bucal, População Indígena, Distrito Sanitário Indígena e Índices de Saúde Bucal,

sendo pesquisadas publicações a partir da década de 90 disponíveis nas bases de dados DOAJ (Directory of Open Access Journals), LILIACS (Literatura latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE (National Library of Medicine, EUA), pesquisa bibliográfica com fins científicos, além de artigos referenciados nessas publicações.

2  DESENVOLVIMENTO

2.1  CONTEXTO HISTÓRICO

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, expresso no seu artigo 196 em diante, determinou-se que a “Saúde é um direito de todo cidadão e dever do Estado”, segundo Filho (1999, p.818) e Lima (2010, p.242-247). Penna (2014) estabelece que para se tornasse efetivo o cumprimento desse princípio, estabeleceu-se a extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), sendo criado o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem a universalidade como um dos fundamentos principais que garante o acesso de toda a população brasileira ao sistema de saúde do país.

Esse princípio tem norteado as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para todos os cursos de saúde. No caso dos cursos de Odontologia, as DCN´s preconizam que o perfil do egresso em Odontologia deve ser: Cirurgião-Dentista, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício à sociedade. (MACHADO, 2012,p.198-199)

Dentro desse contexto é necessário a formação do profissional de saúde em Odontologia não meramente como um técnico da arte dentária, mas também conhecedor da realidade sociocultural da população que ele assiste e principalmente um transformador de vida das sociedades através do seu cuidado em saúde bucal. A população indígena brasileira se insere neste contexto e é um campo vivo para a prática transformadora através da Odontologia.

Azevedo (2008, p.19) menciona que “desde o descobrimento do Brasil até os anos 70 houve um extermínio da população indígena brasileira, chegando a extinção de muitos povos”. Algo bastante lamentável, mas que nos últimos anos apresenta grandes sinais de reversibilidade.

A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O contingente de brasileiros que se considerava indígena cresceu 150% na década de 90. O ritmo de crescimento foi quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 10,8% da população, a maior taxa de crescimento dentre todas as categorias, quando a média total de crescimento foi de 1,6%. A atual população indígena brasileira, segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, é de 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Este Censo revelou que em todos os Estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. (BRASIL, 2002) Vale destacar também o registro do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) do Ministério da Saúde que registrou em 2013 uma população em torno de 650 mil indígenas que estavam cobertos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS), cuja unidade gestora descentralizada eram os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). (BALDISSEROTTO, 2019, p.469)

Pautados nestas peculiaridades e levando em consideração a expressividade desta população em território nacional, os povos indígenas recebem assistência à saúde através do Subsistema de Atenção a Saúde Indígena. Concordamos com Garnelo (2012) que menciona a preocupação em se estender  a assistência a saúde a todos os grupos populacionais, caracterizando o SUS como uma política de proteção social, comprometida com a redução das desigualdades sociais.

Concordamos com Bertanha (2012) que menciona a relevância de participação do Departamento de Atenção à Saúde Indígena e Distritos Sanitários Especiais como organismos responsáveis pelo funcionamento da atenção básica à saúde a esta população. Vale destacar que estes organismos são integrantes  da Secretaria especial de Saúde Indígena.

2.2  POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS

Instituída como integração da Política Nacional de Saúde dentro dos pressupostos das Leis Orgânicas da Saúde e de acordo com o que foi estabelecido na Constituição Federal da República de 1988, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas se insere segundo Mendes (2018) no contexto de adotar um modelo diferenciado, peculiar e complementar de organização dos serviços, de forma que possa garantir a proteção, promoção e recuperação da saúde, ou seja, a garantia do direito de cidadania destes povos. Os indígenas se inserem como população detentoras de características peculiares, sendo necessário antes de tudo o reconhecimento e respeito às suas culturas e direitos territoriais.

 Para a real efetivação, houve a criação de uma rede de serviços no território indígena como forma a superar todas as iniquidades, sejam elas de acesso, cobertura e aceitabilidade do Sistema de Saúde dos brasileiros para essa população. Na sua real concretização, é necessário uma atenção à saúde de forma equânime, levando-se em consideração as peculiaridade dos povos indígenas. Segundo dados do Ministério da Saúde (2002, p.17-18), é imperativo utilizar-se de tecnologias corretas por meio da adequação das formas ocidentais convencionais de organização de serviços. A população indígena possui peculiaridades na sua forma de viver, como modos diferenciados de curar-se das enfermidades, crenças religiosas próprias, organização sócio-cultural com marcas bem solidificadas que perduram por décadas. Inserir-se nessa organização exige respeito à diferença e o acolhimento deste grupo, como forma de integrar-se à vida dos índios.

Durante décadas a sociedade indígena percorreu uma longa jornada de luta pelo reconhecimento dos seus direitos, pelo respeito às suas peculiaridades e diversidade cultural e a busca constante de usufruir um sistema de saúde que respeitasse as suas diferenças. Finalmente, em 23 de setembro de 1999, a Lei nº 9.836 estabeleceu o Subsistema de Atenção aos Povos Indígenas no âmbito do Sistema Único de Saúde, exatamente nove anos após a criação do SUS e cinco anos após a II Conferencia Nacional de Saúde para os Povos Indígenas (CNSPI). Posteriormente, a Portaria nº 254, de 31 de janeiro de 2002 regulamentou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), integrante da Política Nacional de Saúde. (FERNANDES, 2010, p.1958)

2.3  MODELO ASSISTENCIAL DO SUBSISTEMA DE SAÚDE INDÍGENA

O Subsistema de Atenção á Saúde Indígena foi Implantado em 1999, com a responsabilidade de prestar atendimento a toda população indígena aldeada. O subsistema está de acordo com as diretrizes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). Concordamos com Garnelo (2012) que explana e caracteriza os DSEI´s como uma rede de serviços de saúde, que possuem um certo grau de ligação entre elas, com alta resolubilidade em cuidados primários, de acordo com as necessidades sanitárias da população. De acordo com esse modelo, o posto pertenceria ao distrito sanitário, onde nele haveria a atuação do Agente Indígena de Saúde. A presença de um posto de saúde em cada aldeia é um dos requisitos mínimos, semelhantemente à atuação da Unidade de Saúde da Família tradicional abrangendo um território com a atuação do  Agente Comuntário de Saúde. Diehl (2012) menciona que este agente de saúde possui ação diferenciada contemplando noções de respeito às concepções, valores e práticas em saúde de cada povo e de articulação entre os saberes indígenas e biomédicos, sendo ele  o mediador entre esses saberes, assim como entre a comunidade e os membros da equipe. Semelhantemente aos tradicionais Agentes Comunitários de Saúde, o agente deve ser um membro da comunidade e idealmente eleito por ela, atuando na atenção primária.  

Vale destacar a importância do vínculo entre todos os membros da equipe de saúde com a população indígena. Assim como é estabelecido nas Equipes de Saúde da Família tradicionais, o modelo de mapeamento, adscrição de clientela, classificação de risco e demais instrumentos norteadores devem fazer parte do cotidiano dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Além do que maiores investimentos em insumos, estabelecimento de vínculos profissionais mais efetivos e trabalhadores capacitados e especialistas na área de Saúde Indígena é necessário. Segundo Mendes (2018) ainda existe a presença de estruturas de saúde precárias e insumos e equipamentos escassos, que somados à alta rotatividade de profissionias têm reflexos negativos na assistência à saúde dentro dos territórios indígenas.

2.4  INQUÉRITOS NACIONAL DE SAÚDE BUCAL DOS POVOS INDÍGENAS

Na literatura podemos encontrar a menção dos primeiros estudos epidemiológicos sobre a saúde bucal de povos indígenas no Brasil durante os anos 50. De acordo com Baldisserotto (2019) existem atualmente poucos estudos para esta população, e os que existem retratam na sua grande maioria as populações indígenas que vivem no norte do país.

Com o desenvolvimento da epidemiologia, evidenciou-se que a interação dessas populações com os não indígenas seria um fator determinante para o aumento dos riscos para o desenvolvimento de inúmeras enfermidades e inclusive as doenças de ordem bucal como a cárie dentária e doenças periodontais.

Pode-se enfatizar que é crescente a entrada de alimentos industrializados e especialmente do açúcar refinado nas populações aldeadas. Tal fato colabora no surgimento e agravamento da cárie dentária nesta população, interferindo com a sua microbiota oral primitiva. Uma transição epidemiológica em relação aos principais índices orais é bastante marcante e passível de intervenção urgente.

Os excassos estudos sobre as condições de saúde bucal desta população além do conhecimento precário sobre os sistemas médicos tradicionais e suas práticas de auto-cuidado têm dificultado a compreensão dos hábitos e comportamentos desta população.   Os dados que possuímos são referentes aos coletados pela Atenção Primária, através do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, referindo-se aos indígenas atendidos pelo sistema de saúde. Os poucos dados epidemiológicos existentes não são coletados de uma forma padrão, de acordo com os protocolos estabelecidos para levantamentos epidemiológicos em saúde bucal.

De acordo com as pesquisas já realizadas se constataram que os níveis de cárie  entre os povos indígenas possui uma grande variabilidade, produto direto da grande diversidade tanto social quanto cultural e até mesmo como reflexo dos níveis de acesso aos serviços de saúde. Dentre as dificuldades nos estudos para um maior aprofundamento sobre o assunto, encontramos que não existe uma uniformidade nos inquéritos, que são realizados com metodologias diversas, além de que os estudos de abrangência nacional mais conhecidos não tem incluído a categoria população indígena nos seus dados, principalmente os indígenas que estão residindo em seus territórios; sendo imperiosa, portanto, a elaboração e execução de inquéritos nacionais que incorporem os indígenas aldeados em seus dados. A falta de conhecimentos mais amplos sobre as reais condições de saúde bucal dos indígenas brasileiros tem colaborando na permanência de lacunas para a elaboração de estratégias de atuação e de organização dos serviços de saúde de acordo com as diferentes realidades de cada Distrito Sanitário Especial Indígena. Concordamos com o Ministério da Saúde (2017) que recomenda a realização de inquéritos periódicos como uma estratégia inserida na Política de Saúde Indígena, dentro do componente de vigilância à saúde com a finalidade de construir de uma sequência linear de dados de saúde bucal com o objetivo de planejamento, execução e avaliação dos impactos das intervenções.

Um dos poucos estudos publicado por Baldisserotto (2019) frente a população indígena buscou diagnosticar as condições de saúde bucal da população Guarani residente no Sul do Brasil. Foi constatado que 27% dos sujeitos viviam em acampamentos na beira de estradas, sem uma sustentabilidade adequada para o povo Guarani, e que 59,3% não possuíam instalações de saúde ou sanitários. Dados estes retratam a falta de cuidados básicos para com a população indígena do Brasil. Podemos constatar a indiferença para com esta população que além de perder cada vez mais a posse de suas terras, vive marginalizada e em condições precárias de sobrevivência. Uma vez estabelecido que os determinantes e condicionantes são fatores diretos relacionados aos modos de vida das populações e suas enfermidades, constatamos que a população Guarani está altamente vulnerável a estes fatores.

O Índice número médio de dentes permanentes cariados (C), perdidos (P) e obturados (O) (CPO-D) aos 12 anos e na faixa etária de 15-19 anos foi de 1,3 e 3,4, respectivamente. A média foi de 11,55 entre os adultos, com componente perdido (P)  com valor de 69,3%. Entre idosos, o CPO-D foi de 18,6. O Índice número médio de dentes decíduos cariados (c), com extração indicada (e) e obturados (o) (ceo-d) foi significativamente maior nas mulheres (p < 0,05) aos 5 anos. A condição periodontal mais prevalente em todas as idades foi a presença de cálculo. Foi observado que a higiene bucal e o uso de pasta fluoretada foram relatados por 95%, dado este que ratifica a presença das equipes de saúde bucal mais presente no cuidado a esta população indígena.

Podemos observar com estes dados, em relação à faixa etária de 12 anos, a população indígena guarani possuía um CPO-D médio mais baixo (1,3) do que a população brasileira em 2010 (2,07), do Sul (2,06) e do Rio Grande do Sul (2,45), mas melhor do que o objetivo proposto pela OMS para 2000 (< 3) e próximo ao alvo de 2010 (≤ 1). Uma possível explicação para a menor prevalência de cárie nessas faixas etárias pode ser de que os Guaranis, diferentemente de outras etnias, caracterizam-se pela permanência de hábitos alimentares saudáveis, os quais estão ligados à cultura indígena, além do uso e a disponibilidade de flúor por meio da distribuição de escovas e pastas de dentes, e dos cuidados de saúde especializados fornecidos a essa população, sendo fatores altamente decisivo. Observa-se também uma alta prevalência de perdas dentárias na população adulta e idosa. Na primeira observamos um CPO-D de 11,55 com o componente perdido (P) sendo representado por 69,3% e nos segundo com um CPO-D  de 18,58 sendo o componente perdido (P) representado por uma faixa compreendida entre 88,7% e 91,9%. Resultados estes corroboram que os índios Guaranis estão sendo assistidos pelas equipes de saúde bucal, mas com predominância para a extração dos dentes. Em nenhuma das aldeias havia a possibilidade de encaminhamento aos Centros de Especialidades Odontológicas para tratamentos mais complexos, corroborando para uma conduta mais voltada à extração dentária em detrimento de procedimentos mais conservadores como o tratamento endodôntico.

Um outro estudo foi realizado entre os anos de 2004 e 2013 e publicado por Lemos (2018) para avaliar a atenção bucal no Parque Xingu. O parque Indígena do Xingú localiza-se na região nordeste do Estado do Mato Grosso, abrigando 6 mil pessoas, sendo composto por 16 etnias. Sendo avaliado os seguintes indicadores: primeira consulta odontológica, tratamento odontológico concluído, proporção de exodontia em relação aos procedimentos e cobertura média mensal da escovação dental supervisionada. Os resultados apontam quem em todos os anos analisados, com exceção de 2009 e 2010, a primeira consulta odontológica foi superior a 60%. Os resultados demonstram uma queda do acesso ao tratamento odontológico à partir do ano de 2008, sendo invertido essa tendência à partir de 2011. No que se refere ao tratamento concluído, percebe-se entre os anos de 2006 e 2008 um aumento, sendo de 44,9% para 79,9% respectivamente. A taxa média foi de 59,8% entre os anos de 2006 a 2013. No ano de 2009, constataram-se o segundo maior indicador de tratamento odontológico concluído e o menor valor de cobertura de primeira consulta odontológica em todo o período analisado. De 2010-2013, os valores variaram de 52,8% a 65,3%. Em relação às exodontias os valores variaram entre 170 e 604 extrações dentárias, com uma média de 499,5 no período. No ano de 2009, foram encontrados o menor número de extrações e o segundo menor número de procedimentos preventivos e curativos. Estes últimos obtiveram valores respectivos mínimo e máximo de 2.481 e 12.507, tendo uma média de 7.346,2 no período. Sendo um importante indicador, pois o total de exodontias em relação ao total de procedimentos é um indicador que pode refletir a priorização das ações em curativas, preventivas ou cirúrgicas. Para finalizar o indicador padrão para demonstrar as ações coletivas foi a cobertura média mensal da escovação dental supervisionada, sofrendo uma variação entre 1,2% e 23,3% no período entre 2004 e 2013, com uma taxa média de 10,8%, durante o período. Resultados estes demonstram que o acesso à saúde bucal apresentou cobertura e abrangência considerável e o indicador de tratamento concluído apresentou resultado superior se comparado aos outros povos indígenas no período do estudo. Pode-se também observar um melhor desempenho quanto ao indicador exodontia, devido à mudança do enfoque assistencial, proporcionando uma assistência mais preventiva e reabilitadora. Mas também foi observado uma oscilação nos resultados observados, muitas vezes refletindo a inconsistência na prestação de serviços odontológicos a esta população, como resultado de políticas inconstantes, falta de investimentos, seja em material, capacitação e de ampliação de contratação de profissionais qualificados e especialistas em Saúde Indígena.

2.5  MODELO PARA A SAÚDE BUCAL INDÍGENA

Dentro do contexto dos determinantes da saúde, a prevalência e a incidência das patologias bucais mais comuns como cárie dentária e doença periodontal vêm associadas a condições sociais, econômicas, políticas e educacionais, e não apenas a associados somente a fatores biológicos, como nível de placa bacteriana . Conforme aponta Moimaz (2001), no setor público a população muitas vezes é refém de programas de saúde implantados em uma só direção, geralmente moldando o comportamento das pessoas quanto a aspectos de auto-cuidado, menosprezando outros fatores de cunho cultural e antropológico, sendo comprovadamente fatores determinantes e condicionantes da saúde. O estilo de vida das populações deve ser observado para uma ação mais efetiva de programas e políticas de saúde. Podemos acrescentar que as crenças, valores e práticas estão inseridos dentro do campo da cultura popular, no qual estão totalmente vinculados a fatores biológicos, econômicos e sociais.

À partir do momento da incorporação de hábitos não tradicionais indígenas nas comunidades tradicionais, observa-se a mudança de costumes, com alto nível de assimilação de comportamentos determinantes no surgimento de mazelas nas comunidades denominadas indígenas. Constata-se alta prevalência e incidência de enfermidades como hipertensão arterial, diabetes melitus e cárie dentária em populações que não carregam em seus antepassados herança de tais doenças crônicas.

Um outro estudo publicado por Carneiro (2006) foi realizado na população Baniwa do pólo-base de Tunuí-Cachoeira, São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brasil. Foi realizado inquérito transversal sobre as condições de saúde oral, segundo critérios da OMS. Foram examinados 590 indivíduos, tendo como critérios as condições dentárias e a necessidade de tratamento. Quanto às condições dos dentes permanentes, os molares, tanto da arcada superior quanto da inferior, apresentaram as menores porcentagens de dentes hígidos e as maiores nas condições de perdido, cariado e restaurado.  Em relação aos dentes decíduos da arcada superior, os segundos molares mostraram as piores condições, com a maior porcentagem de dentes na condição cariado e a menor de hígidos.  Na arcada inferior, os segundos molares foram também os menos preservados e com as maiores taxas de restauração. 

 A saúde bucal dos Baniwa, a partir dos resultados, apresenta elevada prevalência de cárie e de perda dentária, retificando a extrema necessidade de cuidados odontológico na presente população. Também foi observado que procedimentos restauradores se concentraram mais nas faixas etárias entre os adolescentes, compreendida entre 12 a 19 anos. Este perfil observado na população de Baniwa é reflexo direto dos aspectos socio-cultural desta população, que têm colaborado como fatores diretamente relacionado aos modos de viver desta população.

Concordamos com Santos (2012) que enfatiza que dentre os fatores que vêm transformando o panorama entre os índios estão maior proximidade com os centros urbanos e intensificação do contato com outras sociedades não indigienista, com a inserção e aquisição de novos costumes, perdendo a cada dia seus hábitos tradicionais, como o abandono de práticas de subsistência como a prática do plantio, caça e pesca; e ao maior acesso a produtos e alimentos industrializados, eletroeletrônicos e motor de barcos, dispensando a arte de remar.

3  CONCLUSÃO

Com base na revisão de literatura realizada é possível concluir que a atenção odontológica avançou muito nos últimos anos, mas ainda está bastante deficiente. Embora as políticas públicas desenvolvidas venham contribuindo para a melhoria de saúde bucal da população indígena brasileira, é necessário a realização de mais inquéritos nacionais para conhecer-se o real perfil de saúde bucal dos índios do Brasil e planejar-se uma ação mais efetiva. Vale ressaltar a importância de atuação da equipe multidisciplinar como agentes capacitados para detecção e orientação sobre a saúde bucal desta população em todos os seus ciclos de vida.  Além do que investimentos são necessários na área, como a capacitação de profissionais na área de Saúde Indígena, políticas constantes de proteção a esta população e a manutenção constante de vínculo dos profissionais de saúde bucal na assistência a esta população.

4  REFERÊNCIAS

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1 – Marcos Gustavo Oliveira da Silva Cirurgião-dentista especialista em Saúde da Família na modalidade residência pela Universidade de Pernambuco (UPE) e mestre em Saúde da Família pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, FIOCRUZ-PE marcos.osilva@hotmail.com

2- Jeyse Anne Vasconcelos da Silva Acadêmica em Enfermagem 9° período e Acadêmica em odontologia 5° período UNINASSAU Caruaru-PE jeyse.anne.vasconcelos@gmail.com

3- Joyce Laryssa Barbosa de Oliveira. Acadêmica do curso de Odontologia UNINASSAU Caruaru-PE joycelaryssa13@icloud.com

4- Darlene da silva Barbosa Acadêmica do curso de odontologia Uninassau Caruaru-PE darlene.al@outlook.com 5- Francisco José Macêdo da Silva Acadêmico do curso de odontologia UNINASSAU Caruaru-PE franciscoj.macedos@gmail.com

6- Alexsandra Silva Nascimento. Graduanda do 5°período do curso de Odontologia Formada em Serviço Social Pós-Graduação em Saúde Publica e da Família com ênfase em Sanitarismo alexsandranascimento31@gmail.com

7- Artur Rinaldi Neto Graduando em Odontologia UNINASSAU Caruaru-PE arturneto61@gmail.com

8-Talita Lima das Mercês Bacharela em Direito e Acadêmica do curso de odontologia 8° período UNINASSAU Caruaru-PE talitalima.16@hotmail.com

9.Adriana da Silva Cabral Gonçalves de Souza, Enfermeira, especialista em Saúde do Idoso e Estética. Graduanda do 5° período do Curso de Odontologia na UNINASSAU Caruaru- PE EnfaodontoAS2023@hotmail.com

10. Julyana Tavares da Silva Acadêmica no Curso de Odontologia na UNINASSAU Caruaru-PE Pós-Graduanda em Saúde Pública Nunesjuliana130@gmail.com

11- Victoria Mylena de Albuquerque Pontes Silva Acadêmica do curso de odontologia do 10° período no curso de odontologia UNINASSAU Caruaru-PE victoriamylena14@gmail.com

12- Karina Íris de Moura Silva Arruda Cirurgiã-dentista formada na UNINASSAU Caruaru-PE karinairisdemoura@gmail.com

13- Gabrielly Bezerra dos Santos Laurentino Cirurgiã-dentista formada na UNINASSAU Caruaru-PE gabriellybezerra@hotmail.com

14- Brenda stephanie Souza brendasssouza94@gmail.com Acadêmica do 9° período do curso de odontologia da UNINASSAU Caruaru-PE

15- Cláudia Alves de Moraes Acadêmica do curso de enfermagem do 9° período UNINASSAU Caruaru-PE claudiaalves0029@gmail.com