ESTRATÉGIAS DE ABORDAGEM PARA DETECÇÃO PRECOCE DE PACIENTES PSICÓTICOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE (APS)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501052342


Rodrigo Chaves Teixeira¹
Danillo Leal Marinho Vieira²


RESUMO 

Transtornos mentais são doenças psicológicas que podem alterar a funcionalidade do indivíduo, podendo mudar sua sensopercepção quando em psicose. É importante a atuação da Atenção Primária a Saúde na detecção precoce desses quadros para melhora de prognóstico destes pacientes. Objetivos: avaliar mecanismos para diminuição de tempo até detecção de psicose. Avaliar medidas fornecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) que podem auxiliar na detecção precoce de pacientes psicóticos. Avaliar medidas fornecidas pelo SUS que podem auxiliar na detecção precoce de pacientes psicóticos. Metodologia: revisão integrativa  em plataformas como MEDLINE, PUBMED e ScienceDirect, usando boleanos como “primary health care”, “psychotic disorder” ou “psychosis” e “early intervention” que, ao fim do processo, foram selecionados 8 artigos para leitura integral. Discussão: observado uma intenção na integração de médicos especialistas com generalistas para realizar educação continuada objetivando identificar os pródromos do quadro psicótico, bem como a utilização de curandeiros como parceiros neste processo. Há tanto responsabilidade da sociedade civil quanto do poder público na diminuição do tempo de psicose não tratada. Conclusão: trata-se de um assunto de grande importância devido à melhora importante do prognóstico quando o quadro psicótico é detectado precocemente, no entanto, na literatura brasileira, não se vê literatura a respeito, tendo pouco material para se trabalhar a nível mundial. Se vê a necessidade de mais estudos posteriormente.

ABSTRACT

Mental disorders are psychological illnesses that can alter an individual’s functionality and can change their sense of perception when in psychosis. The role of Primary Health Care in early detection of these conditions is important to improve the prognosis of these patients. Objectives: evaluate mechanisms to reduce the time until psychosis detection. Evaluate measures provided by the SUS (Unified Health System) that can assist in the early detection of psychotic patients. Methodology: integrative review on platforms such as MEDLINE, PUBMED and ScienceDirect using booleans such as “primary health care”, “psychotic disorder” or “psychosis” and “early intervention”, which, at the end of the process, 8 articles were selected for full reading. Discussion: presentation of a reflection on the integration of specialist doctors with generalists for continuing education carried out objectively by identifying the prodromes of the psychotic condition, as well as the use of traditional healers as partners in this process. There is as much responsibility on the part of civil society as there is of public power in reducing the time of untreated psychosis. Conclusion: this is a subject of great importance due to the important improvement in the prognosis when the early detected, however, in Brazilian literature there is no article about the subject, with little material to work in worldwide perspective. There is a need for more further studies

INTRODUÇÃO

Os transtornos mentais (TM) são tidos como doenças de fundo psicológico cursando comprometimento funcional e podem ser classificados como alterações em modo de pensar e/ou humor, com perda global na funcionalidade entre elas a depressão, o distúrbio afetivo bipolar e a esquizofrenia.¹ Em passado recente, tem sido objeto de atenção por parte de entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), uma vez que representam 12% da carga mundial de doenças e cerca de 1% da mortalidade, com reflexos econômicos e aumento na demanda por serviços de saúde. Ao se falar especificamente sobre os transtornos psicóticos, um subtipo de TM, se vê em contexto de América Latina e Caribe, uma prevalência de 1,4% em algum momento da vida, sem diferença significativa entre os sexos. É mister ressaltar que estes números podem estar subestimado, por falta de métodos objetivos para sua detecção. ¹

A psicose é caracterizada, segundo as classificações diagnósticas atuais, em presença de delírios e/ou alucinações e/ou discurso e comportamento desorganizados, sem o insight preservado sobre a condição. Deve-se ressaltar que esta alteração é comum a diversos acometimentos seja psiquiátricos, neuropsiquiátricos, neurológicos, desenvolvimento neurológico e outras condições médicas. Os transtornos são de suma importância e demandam atenção especial. ¹

Ao se analisar este quadro, vem à tona a temática do tempo decorrido de um transtorno psicótico sem tratamento adequado, fato este que cursa com pior prognóstico quanto maior seu valor. A literatura, em si, é controversa acerca da temática acerca da duração dos sintomas e sobre alteração no estado mental e no comportamento, como mudanças de humor, pensamento, percepção e funcionamento global, que são definidos como sintomas prodrômicos. Nem todos os indivíduos com estes sintomas desenvolveram psicose. Acerca de fatores que facilitam e que podem limitar o raciocínio diagnóstico são: insight pobre, perda da volição e baixa integração social como fatores que atrapalham o diagnóstico; já a hostilidade como fator que auxilia o médico assistente em pensar nesta hipótese diagnóstica. 2,5

Com isto, nota-se a importância da Atenção Primária à Saúde (APS) neste contexto por ser o primeiro contato com os sistemas de saúde, sobretudo por se tratar um serviço cujas características norteiam-se pela integralidade e longitudinalidade, por exemplo, permitindo maior conexão da equipe de saúde com os usuários e família.

No contexto brasileiro, a assistência àqueles com transtorno mental evoluiu desde a década de 70 até dias atuais. A partir de deliberações sobre a qualidade do cuidado para estes pacientes, foi-se elevado o debate para níveis políticos, que contou com a participação dos familiares desses indivíduos, com a formação do Manifesto de Bauru. A partir deste documento, iniciou-se processo de ruptura com o antigo padrão de tratamento em serviços de saúde mental. Com isso, houve ganhos em relação às dimensões técnico-assistencial, jurídico-político e sociocultural. Neste contexto, pode-se citar a importância do surgimento de curandeiros como um importante primeiro acesso a serviço de saúde por questões de saúde mental, o que, na literatura, aponta para uma diminuição no tempo do início dos sintomas para o tratamento 7,8. Tais avanços foram consolidados em 2001, com a Lei 10.216/2001, com a qual se reitera os direitos das pessoas com algum transtorno mental, bem como norteia sobre a participação da sociedade e, caso necessário, formas de tratamento usados em situações que os recursos ambulatoriais são insuficientes9

Como um dos braços advindos da lei 10.216/2001, foi consolidada a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a partir da Portaria de Consolidação nº 3, de setembro de 2017. Com isso, forma-se um conjunto de serviços plurais e integrados para cuidar de demandas simples bem como as graves relacionadas a pacientes com transtornos mentais e/ou problemas com uso de drogas. Essa rede visa desde a detecção do problema até o período de reabilitação. É constituída pelos seguintes serviços: APS; atenção especializada; atenção em serviços de urgência e emergência; componente residencial de acolhimento transitório. A depender do tipo de serviço, a equipe mínima necessária para o funcionamento do serviço pode variar conforme complexidade e horário em que permanece aberto10

Portanto, TM é todo grupo de patologia de cunho psicológico com repercussão funcional e alteração no modo de pensar do indivíduo. Uma forma de manifestação para este grupo é a psicose, a qual tem repercussão no conteúdo e formato do pensamento sem o devido insight para isto. Por demandarem atenção especial e pela gravidade do quadro, faz-se necessário uma abordagem especial visando reduzir o tempo decorrido da abertura do quadro psiquiátrico em questão até a instituição do tratamento específico. Para este aspecto em especial, a importância da APS para diminuir este tempo é essencial, devido sua característica longitudinalidade e integralidade com a população. Além disso, no contexto Brasileiro, com a Lei 20.216/2001, houve a confirmação do aumento do escopo de atuação em Saúde Mental, com serviços plurais e integrados para abarcar demandas de pacientes com algum tipo de transtorno mental, desde seu diagnóstico até sua reabilitação.

Como objetivos gerais deste trabalho, propõe-se Avaliar estratégias de diminuição de tempo para instituição de tratamento em pacientes com transtorno psicótico na APS e em outros Sistemas de Saúde. Ademais, também se objetiva descrever e analisar estratégias de intervenção precoce na APS e Analisar medidas tendo por base o Sistema Único de Saúde (SUS).

METODOLOGIA

Como método de abordagem, foi utilizada a Revisão Integrativa, a qual auxilia para determinar o que há de mais moderno sobre determinada temática, uma vez que identifica, analisa e sintetiza os resultados de estudos, contribuindo para a prática clínica diária.10 Para ser feita, deve-se seguir seis passos: identificar o tema e preparar sua pergunta de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão da amostragem; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão; discussão dos resultados e síntese do conhecimento11.

Para realização do trabalho, de modo facilitar a visualização do tema, nas pesquisas, foi utilizada, como pergunta norteadora: “Como realizar intervenção precoce em pacientes psicóticos na atenção primária de saúde?”. A partir disso, foi estabelecido o uso dos termos boleanos, em inglês, nas pesquisas feitas nas bases de dados selecionadas, acompanhado de seus respectivos na língua portuguesa, tais: “primary health care”, “Psychotic disorder” ou “psychosis” e “early intervention”, com o uso de AND para conexão entre os termos. 

Como medidas para seleção de artigos, se utilizou os parâmetros: a temática do artigo ser acerca de abordagem precoce de pacientes psicóticos na atenção primária de saúde; linguagem utilizada ser português, inglês ou espanhol; artigos em formatos de artigos originais, artigos de revisão, ensaio clínico randomizado, revisões sistemáticas; ter o texto completo disponível gratuitamente. 

Critérios de inclusão: abordagem específica quanto a meios para intervenção precoce em pacientes psicóticos dentro da atenção primária à saúde; uso da língua portuguesa, inglesa ou espanhola para confecção dos artigos; foram incluídos, para leitura, aqueles que eram originais, de revisão, ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas acerca do tema; artigos com publicação a partir do ano 2004; foram incluídos aqueles os quais foi possível obter acesso ao texto completo de forma gratuita.

Critérios de exclusão: artigos que não respondam a pergunta norteadora da pesquisa, trabalhos duplicados, editoriais, artigos de opinião, resumos de trabalhos advindos de congresso ou seminários e aqueles indisponíveis na íntegra.

A referida pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que atende, segundo a Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, no artigo 1º, item V, que se versa o seguinte: “Parágrafo único: Não serão registrados nem avaliados pelo sistema CEP/CONEP: pesquisa com base de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação pessoal […]”. 12

Foram analisados artigos publicados entre 2004 e julho de 2024, data da realização da pesquisa, de modo a reunir maior porção daquilo já publicado sobre o assunto. Foi avaliado aqueles trabalhos indexados nas bases de dados PubMed, MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), LILACS (Literatura latino-americana e do Caribe em Ciências e Saúde) e ScienceDirect.

Inicialmente, foi realizado o levantamento das publicações, fazendo-se a leitura de título e resumo dos resultados obtidos, pelo autor principal, levando em consideração os critérios de seleção e exclusão citados acima. Após a primeira rodada de escolha, foi realizada leitura do texto integralmente, para averiguar se está em conformidade com o esperado para a pesquisa, de forma a categorizar as informações.

A descrição por etapas do processo adotado para escolha das publicações. Inicialmente, foram selecionados 14 artigos após etapa de leitura de resumo e título que, ao serem lidos integralmente, chegaram a 9 publicações para a revisão. 

Dentro dos 4 artigos excluídos, 2 foram devidos não haver menção a intervenção precoce em ambiente de atenção primária à saúde. Os outros 2 artigos restantes foram excluídos uma vez que falam sobre diagnóstico diferencial e sinais precoces, porém não versa acerca de intervenção precoce para o quadro.

Desta forma, ficaram 9 artigos para serem lidos integralmente e analisados. Nesta análise posterior, 1 artigo foi excluído da amostra por ter sido confeccionado em 1996. Os outros, foram mantidos. Desta forma, para o seguimento do artigo, serão utilizados 8 artigos.

Para demonstração da metodologia exposta acima, foi confeccionado a fluxograma 1 para descrição do processo de seleção dos estudos: 

Fluxograma 1

DISCUSSÃO

Na tabela 2 a seguir, estão compiladas as informações acerca dos estudos selecionados.

AUTORIATÍTULOOBJETIVORESULTADOSCONCLUSÃO
SCHOER, N; RODRIGUES, R; et al. 13Patterns of Primary Care Use Prior to a First Diagnosis of Nonaffective Psychotic Disorder in Ontario, CanadaExplorar padrões de utilização do serviço na atenção primária antes do primeiro diagnóstico de transtorno psicótico não afetivo, usando dados de um plano de saúde em Ontario, Canadá. Fazer mapeamento do momento em que se ocorre a consulta, as trajetórias de utilização dos serviços, bem como a frequência e o código diagnóstico comparando pessoas com diagnóstico precoce de psicose e grupo controle. Maior parte dos casos procuraram atenção primária antes do diagnóstico, com aumento progressivo ao longo tempo. Nesses contatos, aqueles que vieram a abrir quadro psicótico tiveram mais queixas psicológicas em relação ao controle. Com maior acesso às consultas e situações de condições médicas ou psicossociais crônicas, se observou tendência a hiperutilizaçãoHá uma participação ativa do médico de família nos cuidados precoces da psicose, podendo ser útil treinamento adicional com serviços especializados. Espera-se que estudos ajudem a uniformizar a condução da psicose precoce por médicos de família. O avanço do cuidado é esperado e será objetivando distinção de psicose não-afetiva de outras condições médicas.
LESTER, H; BIRCHWOOD, M; et al.14Cluster randomised controlled trial of GP training in first-episode psychosisAvaliar efeito de intervenção educacional em médicos generalistas nas taxas de encaminhamento para serviços de intervenção precoce em psicose e na duração da psicose não tratada em pessoas jovens Não houve diferença estatística significativa nas taxas de encaminhamento para serviços de intervenção entre práticas intervencionistas e de controle (RR 1,20).O atraso ao acesso a serviços de intervenção precoce foi menor para pacientes em práticas de intervenção (média de 143,1 dias) em relação ao controle (média 366,9 dias).Apesar de o treinamento não alterar as taxas de encaminhamento ou tempo de psicose não tratada, mostrou melhora ao acesso rápido aos serviços de intervenção precoce. Intervenções educacionais, por si só, não são suficientes. Uma abordagem holística é essencial para redução do tempo de psicose não tratada.
FAROOQ, S; SHEIKH, S; et al.15Traditional healers working with primary care and mental health for early intervention in psychosis in Young persons: protocol for feasibility cluster randomised controlled trialDesenvolver intervenção culturalmente apropriada, a THE HOPE (Traditional Hearlers For Early Intervention in Psychosis in Young persons), para facilitação identificação, encaminhamento e gerenciamento de pessoas com primeiro episódio psicótico, em jovens de baixa e média renda, em Peshawar, Paquistão.Planejam determinar quantas pessoas podem recrutar e averiguar sobre a aceitação e os desfechos positivos da intervenção. Pretendem mostrar que o envolvimento de curandeiros no tratamento de saúde mental pode ser viável e aceitável.Espera-se estabelecer que a integração de curandeiros com o sistema de saúde tradicional pode reduzir de modo importante a duração da psicose não tratada.
RODRIGUES, R; REID, J N; et al.16Acess to a regular primary care physician among Young people with early psychosis in Ontario, CanadaAvaliar acesso a médico de atenção primária em jovens com diagnóstico precoce de psicose no ano anterior ao diagnóstico, em comparação com grupo controle. Avaliar aspectos sociodemográficos e clínicos associados ao acessoIndício que 89% daqueles com psicose precoce tinham acompanhamento com médico na atenção primária em relação a 68% do grupo controle. Quando ajustado para comorbidades, a razão de prevalência não mostrou diferenças entre os grupos em relação a acesso. Pessoas mais velhas, homens, refugiados e de baixa renda apresentaram acesso reduzido.O acesso a médico da atenção primária é melhor entre aqueles com diagnóstico precoce de psicose em relação ao grupo controle. Associa-se isto a maiores necessidades de assistência médica por comorbidades. Compreender disparidades é fundamental para melhorar a atenção primária a esta população.
KELLY, M; HOWARD, A; SMITH,J 17Early intervention in psychosis: a rural perspectiveObjetiva analisar e articular os desafios para implementação de serviços de intervenção precoce de psicose em comunidade ruralProfissionais referiram desafios como isolamento geográfico,, dificuldade em alcançar pequenas comunidades e o estigma quanto a doença mental. Indivíduos nestas regiões têm maior período sem tratamento adequado. A necessidade de campanhas educacionais visa melhorar compreensão sobre a psicose e incentivar busca de ajuda ao notarem alterações. Estudo com valores p destaca a disparidade de acesso aos serviços (rural x urbana).Para intervenção precoce, estes serviços devem se articular com os serviços existentes, priorizando os recursos locais. Necessidade de treinamento dos profissionais em intervenção psicossocial e engajamento comunitário. Recomendação que políticos financiem iniciativas para viabilizar viagens e bases de serviços via satélite.
LESTER, H; TAIT, L; et al. 18The development and implementation of na educational intervention on first episode psychosis for primary careDesenvolver e avaliar eficácia de intervenção que visa auxiliares clínicos gerais a reconhecer e tratar jovens em seu primeiro quadro de psicoseClínicos gerais foram apresentados a conteúdo em vídeo e discussões de casos, aumentando conscientização sobre o primeiro episódio de psicose. Houve mudança na postura de clínicos gerais frente a estes pacientes, pontuando 4 em 5 para a utilidade das informações transmitidas.Intervenção educacional estruturada auxilia na tomada de atitude de clínicos gerais frente ao primeiro episódio de psicose, diminuindo duração de psicose não tratada e melhorando taxa de recuperação.
PEREZ, J; RUSSO, D; et al. 19Comparision of high and low intensity contact between secondary and primary care to detect people at ultra-high risk for psychosis: study protocol for a theory-based, cluster randomized controlled trialComparar intervenção, em termos de eficácia e custo-benefício, norteada por teoria para profissionais da atenção primária que foi aprimorada por acompanhamento contínuo de especialistas, em relação a campanha de formação postal, para detecção e encaminhamento de jovens entre 16 -35 anos internados por psicose.Resultados ainda não disponíveis. Espera-se achados quantitativos nas taxas de encaminhamento atribuíveis à intensidade da intervenção.Visa comparação entre intervenções de alta intensidade e baixa intensidade. Caso a primeira seja mais eficaz, pode remodelar as práticas de treinamento e estratégias de encaminhamento de clínicos gerais no Reino Unido e potencialmente no mundo. Pode incentivar o tratamento precoce e melhores resultados para pacientes em risco de psicose.
RENWICK, L; GAVIN, B; et al. 20Early intervention service for psychosis views from primary careAveriguar opiniões de clínicos gerais sobre os serviços DETECT EI. Identificar a forma como clínicos gerais preferem ser instruídos sobre diagnóstico precoce de psicose e se isto impacta em seus encaminhamentosPouco menos da metade dos entrevistados participaram das sessões de informação e, aqueles que o fizeram, 88% acharam as informações muito úteis. Os que participaram tiveram aumento na probabilidade de encaminhar casos suspeitos (p< 0,01).As sessões educativas com pacotes de informações se mostraram mais efetivas que dependência exclusiva de informações via postal, principalmente se a pessoa considerar o serviço útil (p < 0,001).Relataram que as informações são muito úteis, principalmente as referentes aos tratamentos e sobre a clareza da comunicação entre cuidados primários e secundários.O serviço DETECT EI foi bem recebido, mostrando que sessões educativas são mais eficazes na conscientização e encaminhamento. Os clínicos gerais receberam bem a integração de discussões de intervenção precoce em psicose nas ocasiões de educação continuada.

Acerca dos aspectos abordados nos estudos em questão, vê-se a importância do treinamento por parte de profissionais especialistas com aqueles não especialistas, fato que mostrou mudança no tempo sem tratamento desde a abertura do quadro psicótico. Não obstante, essa tarefa de matriciamento deve vir associada com uma melhoria na articulação entre os níveis de atenção em saúde, de forma a uniformizar as condutas estabelecidas. Há também evidência sobre a importância da abordagem abrangendo todos os aspectos do indivíduo para uma melhor acurácia na avaliação, facilitando a identificação precoce do quadro. 

Neste estudo, procurou-se trabalhar a temática a partir da produção intelectual, sobretudo internacional, com publicações que variam desde 2004 a 2024. 

Os estudos utilizados refletem sobre a importância de práticas de matriciamento para os profissionais da atenção primária, sobretudo se este momento for realizado de forma presencial, com a presença de especialista e a partir da discussão de casos clínicos. Em relação ao método preconizado anteriormente, com envio de informações em saúde via postal, houve uma maior evidência de encaminhamentos para serviços especializados no primeiro grupo 14,18,20

Além destes meios, a própria realização de ações em comunidade, com o treinamento de agentes não relacionados com a saúde parecem obter algum tipo de impacto nos referenciamentos para os Serviços de Intervenção Precoce (SIP). Entre as atitudes tomadas nestes grupos, cita-se a realização de oficinas psicoeducacionais, a distribuição de materiais educativos e o apoio continuado daqueles ligados aos SIPs. Tais artifícios foram moldados visando a diminuição do tempo de psicose não tratada, que é, em média, dois anos atualmente21

Há, também, a perspectiva de, além da abordagem comunitária, pode haver influência de setor de políticas públicas visando o desenvolvimento de métricas fieis para levantar determinantes sociais, ações de psicoeducação para atuar no âmbito familiar e interpessoal e, por fim, em nível organizacional, listar locais comunitários e respectivos líderes como aliados no processo 21,22. Nos estudos selecionados, não fora avaliado a questão étnica bem como social acerca da temática, no entanto, tendo em vista a maior complexidade de etnias minoritárias para o acesso aos serviços de saúde, a diversidade de formatos para viabilizar este diagnóstico precoce parece ter importância crescente4.

Deve-se ressaltar que esta temática ganha notoriedade na literatura nos últimos anos a partir do aumento dos esforços em se fazer um rastreio do transtorno psicótico antes que os sintomas impactem a motivação e a cognição, diminuindo os sintomas no período de alto risco para o primeiro quadro psicótico23. Para este tempo em que não há o início do diagnóstico apesar da abertura de sintomas é o chamado tempo de psicose não tratada, objeto de estudos visando sua diminuição e melhor prognóstico. Paciente com alto risco será aquele que inicia quadro clínico com pródromos, como alucinações auditivas e visuais, confusão mental, declínio funcional para trabalho e relações sociais. Em geral, no ano que precede o diagnóstico, nota-se um aumento substancial de contatos com os serviços de saúde neste grupo de pacientes em relação à população geral. Em média, este grupo também possui um perfil de utilizador mais assíduo devido às condições prévias 5,12,22.

No Brasil, com o Movimento Antimanicomial e o advento do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, nota-se que é um direito do paciente que está vivenciando estes sintomas ter uma atenção de qualidade visando melhor prognóstico6-9. Devido às condições referentes a infra-estrutura e, por vezes, falta de investimento, não é viabilizado que ocorram ações de psicoeducação e condições físicas para abordagem de comunidades mais isoladas. A RAPS, que é um braço da Atenção Primária brasileira, pode exercer a ação educativa citada nos estudos, sobretudo em formato de matriciamento – com discussões de casos clínicos e exposições com vídeos explicativos – o que facilita o fluxo de cuidado desse grupo de pacientes10,15-18.

Deve-se ressaltar que, para proporcionar os cuidados segundo os preceitos estabelecidos para seu funcionamento, a Atenção Primária à Saúde, sobretudo nas Unidades Básicas de Saúde, deve mapear líderes locais que possam auxiliar em processo saúde-doença. Nesta temática abordada, o reconhecimento de líderes religiosos, como curandeiros, de modo a integrá-los no cuidado tradicional, faz-se importante devido o auxílio que essas autoridades exercem para o reconhecimento dos primeiros sintomas de transtorno psicótico, o que diminui o tempo de psicose não tratada8,15.

Deve-se ressaltar que o contexto brasileiro, no âmbito dos estudos utilizados, não é particularmente privilegiado uma vez o uso de estudos estrangeiros para sua confecção, os quais, em sua quase totalidade, são advindos de países desenvolvidos. Assim, deve-se ressaltar que, apesar da existência da RAPS, a qual poderia viabilizar este processo de educação em saúde, há uma falta de mão-de-obra especializada a qual deveria compor esta rede. Também a diferença a nível sócio-econômico por parte das populações referidas é digna de nota, uma vez a disparidade entre os sistemas de saúde abordados. Além desses aspectos, o próprio processo de adoecimento, tido como plural, é diferente entre as populações estudadas e a brasileira, o que também deve ser utilizado como base na análise dos resultados obtidos.

CONCLUSÃO

Com o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, seguido pelo surgimento de suas ramificações, espera-se que a contínua interlocução com os serviços especializados auxiliem na detecção precoce de transtornos psicóticos. Para tanto, deve-se haver recursos para viabilizar a chegada do serviço àqueles que necessitam, bem como o conhecimento de potencialidades na área adscrita deve ser considerada. Tais aspectos são importantes para diminuir o tempo sem tratamento para os indivíduos com psicose, o que melhora o prognóstico a longo prazo. Com o aumento crescente de indivíduos os quais cursam com estes sintomas, tais medidas tornam-se importantes.

Nota-se, no entanto, que a temática relacionada à intervenção precoce de indivíduos psicóticos na Atenção Primária à Saúde não é abordada de modo adequado pela literatura brasileira e, em nível mundial, existem poucos trabalhos com esta finalidade. Desta forma, são necessários mais estudos para a formação de um padrão de cuidado que seja uniforme para os serviços.

Para esta pesquisa, pode-se utilizar, como caminhos a serem trilhados, o incentivo a atividades de educação continuada entre os níveis de atenção em saúde, de forma que a forma de abordagem para quadros em saúde mental sejam uniformizados. Desta forma, espera-se que o tempo decorrido entre a abertura dos sintomas psicóticos e o início do tratamento seja diminuído, culminando em melhor prognóstico. Para isto, a RAPS, a qual já está estabelecida em nosso Sistema de Saúde, via SUS, deve ser fortalecida e sua atuação aprimorada. Outra possibilidade de atuação é a criação de grupo de trabalho, vinculado a Secretaria de Saúde local, cuja finalidade seja educação em saúde voltada para problemas psiquiátricos, para atuação em ambiente escolar de forma periódica.

Deve-se ressaltar que esta pesquisa teve limitações no decorrer de sua execução, como a falta de literatura acerca do tema abordado. Neste quesito, ressalta-se a inexistência completa de qualquer estudo brasileiro acerca da temática e um número diminuto de referências em contexto mundial. Deve-se citar também que a maioria das literaturas obtidas não apresentam resultados concretos acerca de abordagens realizadas, sendo elas, sobretudo, versadas a partir de modelos de trabalho a serem seguidos para, posteriormente, serem obtidos resultados sobre essas medidas. 

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1Médico residente do programa de residência de Medicina de Família e Comunidade da SES-DF

2Médico preceptor do programa de residência de Medicina de Família e Comunidade da SES-DF
Correspondência: Rodrigo C Teixeira, Brasília – DF, Brasília. E-mail: rchavest@gmail.com