DESAFIOS NA REDUÇÃO DOS INDICADORES DE MORTALIDADE MATERNA EM RORAIMA: CONTRIBUIÇÕES À CIÊNCIA

CHALLENGES IN REDUCING MATERNAL MORTALITY INDICATORS IN RORAIMA: CONTRIBUTIONS TO SCIENCE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202412302323


Jullyana Sarah Magalhães Silva1; Humberto Henrique Machado dos Santos2; Marycassiely Rodrigues Tizolim3; Andressa Catão Alvarenga4; Marcella Marinho Ribeiro5; Maricarmen Castro Carbonell Catarina6; Bruna Arantes Borges7; Brunno Fellype Magalhães Silva8; Larissa Luiza Fonseca da Silva Magalhães9; Ana Gessyca Menezes Alcântara10


RESUMO

A Razão de Mortalidade Materna mantém números assustadores em Roraima, refletindo desigualdades socioeconômicas, raciais e geográficas. A região enfrenta percalços adicionais devido à posição fronteiriça, à crise migratória venezuelana e às limitações de infraestrutura e recursos humanos. As Razões de Mortalidade Materna (RMM) em Roraima superam a média nacional, especialmente em áreas socioeconomicamente vulneráveis. Embora fatores biológicos, como faixas etárias extremas e condições obstétricas, contribuam, os determinantes sociais, econômicos e culturais são centrais. Mulheres pretas, pardas e em situações precárias apresentam maior risco de morte materna, evidenciando a necessidade de intervenções que promovam equidade e atenção integral.  Prioridades incluem melhorias no cuidado obstétrico, capacitação profissional e fortalecimento do acesso aos serviços de saúde, especialmente em áreas indígenas. Sistemas de vigilância epidemiológica adaptados às especificidades migratórias são essenciais.

Palavras-chave: Mortalidade materna, desigualdades sociais, saúde da mulher, Roraima, crise migratória.

ABSTRACT

The Maternal Mortality Ratio maintains frightening numbers in Roraima, reflecting socioeconomic, racial and geographic inequalities. The region faces additional setbacks due to its border position, the Venezuelan migration crisis and limitations in infrastructure and human resources. Maternal Mortality Ratios (MMR) in Roraima exceed the national average, especially in socioeconomically vulnerable areas. Although biological factors such as extreme age groups and obstetric conditions contribute, social, economic and cultural determinants are central. Black and brown women and women in precarious situations are at greater risk of maternal death, highlighting the need for interventions that promote equity and comprehensive care.  Priorities include improvements in obstetric care, professional training and strengthening access to health services, especially in indigenous areas. Epidemiological surveillance systems adapted to migratory specificities are essential.

Keywords: Maternal mortality, social inequalities, women’s health, Roraima, migration crisis.

INTRODUÇÃO

Reduzir as taxas de mortalidade materna é um objetivo das 17 Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. A expectativa é reduzir as mortes maternas até 2030 para números abaixo de 70 por 100.000 nascidos vivos (ONU, 2024). Embora as  taxas de mortalidade materna globais tenham diminuído cerca de 34,3% entre as primeiras duas décadas deste milênio, passando de 339 para 223 por 100.000 nascidos vivos, os valores absolutos ainda estão distantes dos definidos pela ONU (Jeong et al., 2020; ONU, 2024; CIE, 2023).

Algumas referências citam que a redução alcançada não foi homogênea ao longo desses 20 anos, sem contar que a grande maioria dessas mortes ocorrem em regiões vulneráveis e em contextos de crises humanitárias ou ainda com sistemas de saúde públicos pouco efetivos (ONU, 2024; CIE, 2023). De forma geral, os indicadores de mortalidade materna acima dos esperados significam desigualdades associadas à raça, etnia, pobreza, baixos níveis de informação e escolaridade, dinâmicas familiares marcadas por contextos de violência e, sobretudo, dificuldades de acesso a serviços de saúde de qualidade (Brasil, 2004; Jeong et al., 2020; ONU, 2024;  CGVS, 2024).

Todos esses fatores em conjunto intensificam os riscos e as dificuldades enfrentadas, expondo condições de vida e saúde desiguais (Brasil, 2004; Jeong et al., 2020; ONU; 2024;  CGVS, 2024). Um fator preocupante nessas tendências é que a maior parte das mortes maternas ocorre por causas evitáveis. Entre elas destacam-se as decorrentes de razões obstétricas diretas, como hemorragia pós-parto, pré-eclâmpsia e transtornos hipertensivos, infecções obstétricas e complicações do aborto inseguro, assim como as causas indiretas: infecções e doenças não transmissíveis (Jeong et al., 2020; ONU, 2024; CIE, 2023).

Por definição, o óbito materno é a morte de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o parto, independentemente da duração ou localização da gravidez, desde que seja causada por condições relacionadas ou agravadas pela gestação ou pelo cuidado recebido. Portanto, essa definição exclui mortes causadas por fatores acidentais ou incidentais (Brasil, 2004; CGVS, 2024; Jeong et al., 2020; ONU, 2024; CIE, 2023). A Razão de Mortalidade Materna (RMM) funciona como um indicador para avaliar as condições de saúde de uma população permitindo analisar o grau de desenvolvimento de uma sociedade além de refletir sobre a qualidade da assistência prestada.

As Razões de Mortalidade Materna no Brasil sofrem variações regionais. Roraima é o estado mais ao norte do Brasil e tem 15 municípios e tem uma grande área de fronteira com a Guiana e a Venezuela, que formam um ponto de fronteira triplo com o Brasil. O perfil social de mortalidade materna roraimense não é muito diferente dos apresentados internacionalmente  (CIE, 2023), no entanto, o contexto migratório que houve nos últimos anos trouxe implicações para a saúde pública materna local.

O estado de Roraima mantém as maiores Razões de Mortalidade Maternas do país. Em 2021 houve 273,2 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos, em 2022, 160,4 e 2023, 125,4 (CIE, 2023). Embora seja contraditório, não há estudos recentes que revisem as manutenções dessas altas tendências. Nesse sentido, a condução de estudos que busquem identificar possíveis explicações dessas altas de mortalidade materna no estado de Roraima, são aceitáveis porque são capazes de subsidiar políticas públicas eficazes, direcionar recursos estratégicos e implementar intervenções específicas para reduzir desigualdades no acesso e qualidade da assistência à saúde materna em Roraima.

METODOLOGIA

Objetivo e condução da pesquisa

Este artigo tem como objetivo descrever os principais percalços que implicam diretamente na redução dos indicadores de mortalidade materna, considerando o estado de Roraima. Este foi um estudo conduzido por meio de uma revisão narrativa de literatura de caráter descritivo e qualitativo. Tal abordagem foi escolhida por sua capacidade de oferecer uma análise abrangente. A revisão narrativa é capaz de sintetizar informações dispersas e complexas, conectando descobertas científicas às suas aplicações clínicas e identificando lacunas para investigações futuras (Oliveira, 2011; Mendes, Silveira e Galvão, 2008; Whittemore e Knafl, 2005).

Definição dos critérios de inclusão

Os critérios de inclusão foram estabelecidos para garantir a relevância e a qualidade dos estudos analisados e todas as pesquisas foram feitas em bases de dados de livre consulta. Foram selecionados artigos publicados nos últimos cinco anos (2019–2024), incluindo estudos originais, revisões sistemáticas, narrativas e relatórios técnicos relacionados aos dados de mortalidade materna e toda espécie de dados publicados em fontes formais e confiáveis de informação. Os materiais encontrados pelos termos pesquisados em português com seus equivalentes em inglês deveriam estar disponíveis gratuitamente nos idiomas inglês e português.

Definição dos critérios de exclusão

Excluíram-se trabalhos fora do escopo temático, pesquisas duplicadas, publicações irrelevantes, de baixo rigor metodológico ou redigidos em idiomas não acessíveis aos autores. As buscas foram realizadas em bases de dados reconhecidas internacionalmente pela relevância na área da saúde: PubMed®, Scopus®, SciELO®. Foram utilizadas estratégias de busca avançadas, como a combinações de palavras-chave e descritores, como Mortalidade materna (Maternal mortality), Saúde materna (Maternal health), Saúde da mulher (Women’s health), Cuidados obstétricos (Obstetric care), Indicadores de saúde materna (Mothers Health indicators), Roraima (Roraima), combinadas com operadores booleanos “and, or”. Adicionalmente, foram realizadas buscas manuais nas referências de artigos encontrados para identificar estudos adicionais que poderiam não ter sido capturados nas buscas iniciais.

Triagem e seleção dos dados

A seleção dos estudos para esta revisão seguiu três etapas. Primeiramente, realizou-se uma triagem inicial por meio da leitura de títulos e resumos, excluindo estudos que não atendiam aos critérios pré-definidos. Na segunda etapa, os textos completos dos estudos elegíveis foram avaliados por meio da leitura completa. Por fim, os dados dos estudos selecionados foram extraídos de maneira sistemática e organizados em categorias temáticas. Todo o processo foi conduzido por revisores independentes, e as disparidades encontradas foram resolvidas por consenso.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a escolha dos artigos que compõem este manuscrito, decidiu-se categorizar os resultados encontrados em séries individuais. No entanto, sob a perspectiva dos Determinantes e Condicionantes da Saúde, elas estão inter-relacionadas. São elas: Perfil geral  da mortalidade materna, Fatores socioeconômicos e vulnerabilidades, Acesso aos serviços de saúde

Perfil geral da mortalidade materna

Alguns estudos científicos com condições rigorosas caracterizam perfis associados ao maior risco de Mortalidade Materna (Nascimento, 2023; CIE, 2023; Souza et al., 2023). Os resultados apontam que os extremos de idade estão associados ao maior índice de óbito materno, inclusive em territórios indígenas do norte do Brasil e do estado de Roraima onde essas tendências se agravam. Mulheres menores que 14 anos ou maiores de 45 anos expressam, conhecidamente, maiores Razões de Mortalidade Materna por serem associadas a faixas etárias pouco apropriadas para a gestação ( CIE, 2023; Souza et al., 2023) .

Mulheres pretas e pardas, multíparas e as que tiveram gestações não planejadas também estão entre os grupos que mais sofrem de mortalidade materna. Alguns estudos evidenciam que cerca de metade das mortes ocorreram entre mulheres sem união conjugal estável, indicando possíveis fragilidades em redes de apoio e acompanhamento pré-natal (Nascimento, 2023; CIE, 2023; Souza et al., 2023; Pacagnella et al., 2018). A baixa escolaridade, presente em cerca de um terço das vítimas com menos de oito anos de estudo, por sua vez destaca a relação entre vulnerabilidades socioeconômicas e a incapacidade de acessar cuidados pré-natais adequados (Nascimento, 2023;  Souza et al., 2023).

Nossas buscas não identificaram estudos que abordassem estreitamente os perfis de mortalidade materna no estado de Roraima. No entanto, elas parecem afetar sempre mulheres com as mesmas características sociodemográficas (Nascimento, 2023; CIE, 2023; Souza et al., 2023; Jeong et al., 2020;  Feitosa-Assis e Santana, 2020; Pacagnella et al., 2018).

Fatores socioeconômicos e vulnerabilidades

A relação entre os fatores socioeconômicos e a alta prevalência dos indicadores de mortalidade materna e perinatal é referenciada na literatura. Alguns países de baixa renda (PBRs) têm mais de 100 vezes a taxa de mortalidade materna do que os países de alta renda (PAIs) por causas diretas (Jeong et al., 2020). O artigo intitulado “Ocupação e mortalidade materna” de Feitosa-Assis e Santana (2020), descrevem que a Razão de Mortalidade Materna (RMM) nacional possui uma distribuição de letalidade e risco de letalidade que varia de acordo com a ocupação. Para as autoras, há uma associação entre trabalho e mortalidade materna, uma vez que este implica diretamente sobre as condições de vida.

Os maiores fatores de riscos ocupacionais ou iniquidades sociais implicam em maiores índices de mortalidade materna. Portanto, trabalhos mal remunerados ou que oferecem más condições para o desempenho das atividades, se associam a efeitos negativos sobre a gestação e estão reconhecidamente envolvidos na mortalidade materna (Lee e Jung, 2012; Feitosa-Assis e Santana, 2020). Estudos sobre a relação da mortalidade materna e a ocupação desempenhada no Brasil e no estado de Roraima são escassos.

Para todos os efeitos, pesquisas de base populacional publicadas internacionalmente encontraram resultados semelhantes aos estudos de comparação nacional de Feitosa-Assis e Santana (2020), sugerindo a relação causal entre ocupação e os índices altos de mortalidade materna no estado de Roraima (Luque, Gutierrez e Cavanillas, 2010). Entretanto, partindo do ponto de vista prático, essa associação é difícil de ser estabelecida, uma vez que o próprio Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) apresenta limitações por deixar de incluir alguns fatores sociais que implicam em na Mortalidade Materna. Nesse sentido, as conclusões precipitadas devem ser evitadas (Feitosa-Assis e Santana, 2020).

O estudo de Gonzalez Pazos et al., (2023) se concentrou em analisar as Razões de Mortalidade Materna em todos os estados do norte do Brasil e os impactos da pandemia de Covid-19 através de um recorte temporal. Seus resultados demonstraram que mesmo antes da pandemia, as taxas médias de RMM para todos os estados do norte se mantinham elevadas acima da média nacional. Durante a pandemia, essa tendência se intensificou, e Roraima se destacou como o estado mais negativamente afetado apresentando um aumento considerável em sua Razão de Mortalidade Materna (gráfico 1, tabela 1). (Gonzalez Pazos et al., 2023; CGVS, 2024).

O panorama geral das Razões de Mortalidade Materna ao longo dos anos está exposto no gráfico 1 e na tabela 1. Segundo os dados da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde – CGVS (2024), no ano de 2023, a Razão de Mortalidade Materna de Roraima alcançou 160,4, mortes por 100.000 nascidos vivos, enquanto a média nacional foi de 57,2. Esse evento pode ser atribuído a diversos fatores, tendo contribuição inclusive da crise migratória de venezuelanos para Roraima (Gonzalez Pazos et al., 2023;  Arruda-Barbosa, 2020).

Gráfico 1 – Série histórica com a razão de mortalidade materna no estado de Roraima entre os anos de 2006 a 2023.

Fonte: Gráfico adaptado de Dados e Indicadores de Mortalidade, Roraima, 2006 a 2023, p. 27-33. 2024.

Os dados expostos na tabela 1 evidenciam as Razões de Mortalidade Materna no recorte temporal de 2018 a 2023 nos municípios do estado de Roraima e traz também a média geral do estado ao longo desses mesmos anos. Há municípios com índices  de Mortalidade Materna extremamente elevados que superam em números absurdos a média nacional.  No ano de 2018, antes do surgimento da pandemia de Covid-19, a RMM de Alto Alegre era de 231,5 óbitos por 100.000 nascidos vivos, a de Normandia 705,9 e a de Rorainópolis 159,2. Tais números demonstram um cenário incipiente e  de desassistência pública e fragilidade na assistência à saúde materna (Gonzalez Pazos et al., 2023)

Alguns autores buscaram avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 sobre as Razões de Mortalidade Materna e evidenciaram que o Sars-Cov-2  foi a principal causa de óbitos maternos neste período (Gonzalez Pazos et al., 2023).  A própria Razão de Mortalidade Materna geral do estado de Roraima se apresenta com uma guinada nos números, atingindo o pico de 273,2 óbitos por 100.000 nascidos vivos em 2021. Quando se analisa os municípios individualmente, observa-se que no ano de 2022, Iracema registrou 2.069,0 óbitos por 100.000, um número extremamente elevado (tabela 1).

Curiosamente, alguns municípios, apresentam valores nulos em suas Razões de Mortalidade Materna em todo o recorte temporal da tabela 1, sugerindo que não houve casos de óbitos maternos ao longo desses seis anos. É o caso de São João da Baliza e São Luiz. Alguns autores se questionam se esse fenômeno não tem relação com as subnotificações ou conduções inadequadas das investigações dos casos de morte materna (Gonzalez Pazos et al., 2023; Nascimento et al., 2023). De todo modo, não há na literatura científica nacional ou internacional, estudos completos que analisem esses efeitos sobre cada município do estado de Roraima. Portanto, conclusões precipitadas devem ser evitadas.

Tabela 1 – Série histórica com a Razão de Mortalidade Materna dada por município e  a média geral do estado de Roraima entre aos anos de 2018 a 2023

Municípios201820192020202120222023
Alto Alegre231,50,00,00,0142,00,0
Amajari0,0224,2506,3229,9231,5425,5
Boa Vista73,555,9122,0345,3191,3115,9
Bonfim0,0212,3431,00,0232,60,0
Cantá0,00,0540,5478,50,0291,5
Caracaraí0,0223,2230,9235,80,0328,9
Caroebe0,00,0543,5476,20,00,0
Iracema0,00,0657,90,02069,0819,7
Mucajaí0,0267,40,00,00,00,0
Normandia705,9204,10,00,00,0479,6
Pacaraima0,00,0195,7163,90,00,0
Rorainópolis159,2174,2167,2356,50,00,0
São João da Baliza0,00,00,00,00,00,0
São Luiz0,00,00,00,00,00,0
Uiramutā0,00,00,0284,10,00,0
Média Geral do estado86,675,1152,5273,2160,4125,4

Fonte: Tabela adaptada de Dados e Indicadores de Mortalidade, Roraima, 2006 a 2023, p. 27-33. 2024

Para todos os efeitos, os estratos populacionais com maior situação de vulnerabilidade social estão, intuitivamente, fazendo parte do grupo com maior chance de sofrer por mortalidade materna. Nesse sentido, o estudo de Arruda-Barbosa (2020) buscou analisar o impacto à saúde dos intensos fluxos migratórios para o estado de Roraima através de uma coleta de dados primários. Suas conclusões sugerem que mulheres brasileiras e migrantes quando inseridas num contexto vulnerabilidade socioeconômica sofrem com o fenômeno da mortalidade materna. Entre as causas levantadas estão: o acesso inadequado ao pré-natal ou sua realização de forma precária, diferenças culturais, barreiras idiomáticas e não entendimento da organização do sistema de saúde público brasileiro. (Pacagnella et al., 2018; Arruda-Barbosa, 2020; Gondim, Campos e Castanheira, 2024)

Considerando os aspectos logísticos, o atraso entre uma complicação e o óbito materno podem acontecer em três fases: (1) decisão própria ou familiar de buscar atendimento de saúde; (2) chegada tardia no local que pode fornecer os cuidados necessários; (3) atrasos na prestação de atendimentos necessários. Assim, as mortes maternas estão principalmente relacionadas às fases 2 e 3, indicando que há casos de mortes evitáveis (Pacagnella et al., 2018). A partir dessas considerações, o desfecho provável é que as chances de complicações e perdas maternas locais se tornam não apenas prováveis, mas uma repetição comum (Brasil, 2004, CGVS, 2024; Jeong et al, 2020; ONU, 2024; CIE, 2023; Arruda-Barbosa, 2020)

Acesso aos serviços de saúde

Nos últimos anos, o estado de Roraima tem sido o destino de grandes fluxos migratórios de venezuelanos refugiados, impulsionados pela crise socioeconômica e pela ausência de cuidados em saúde em seu país de origem. Apesar de essa sobrecarga migratória não ser enquadrada como uma ameaça direta à saúde pública brasileira, diversos estudos analisam os impactos assistenciais decorrentes no Sistema Único de Saúde (SUS). Dados de pesquisas evidenciam que as incapacidades estruturais nos serviços de saúde do estado, como a carência de leitos, profissionais e insumos, existiam previamente e foram apenas agravados pela demanda de saúde aumentada (Arruda-Barbosa, 2020).

Arruda-Barbosa, 2020 aponta que tais desafios incluem sobrecarga na atenção primária e hospitalar, barreiras linguísticas que dificultam a humanização do atendimento, além de limitações no sistema de referência e contrarreferência. No artigo de Gondim, Campos e Castanheira (2024) os complicadores para a oferta de uma assistência à saúde de qualidade na atenção básica que comprometem a qualidade do pré-natal, a exemplo da localização geográfica, a distância das residências dos pacientes até a Unidade de Saúde e a distribuição de insumos em saúde.

Já houve casos de disponibilidade insuficiente de medicamentos essenciais no pré-natal, como cefalexina, ácido fólico e sulfato ferroso. Tal insuficiência na distribuição e acesso aos medicamentos impacta diretamente a qualidade do cuidado oferecido às gestantes, contribuindo para complicações evitáveis no período gestacional e no parto, o que, por sua vez, pode elevar os índices de mortalidade materna em regiões vulneráveis, como algumas regiões de Roraima  (Jeong et al., 2020; Gondim, Campos e Castanheira, 2024).

Levando essas realidades para os territórios indígenas do estado de Roraima, esses problemas são intensificados, ampliando ainda mais as desigualdades no acesso e na qualidade do cuidado oferecido (CGVS, 2024; Arruda-Barbosa, 2020; Nascimento, 2023). Infelizmente nossas pesquisas não encontraram estudos científicos que analisem especificamente a distribuição das Razões de Mortalidade Materna das populações atendidas nos dois Distritos Especiais de Saúde Indígenas (DSEIs) de Roraima.

Considerando os dados expostos no artigo intitulado “Mortalidade Materna de Indígenas no Brasil: uma reflexão a partir de dados secundários” (2023), associado aos problemas logísticos ainda existe o fenômeno das superposição de doenças e condições pré-existentes que agravam ainda mais a atenção nessas regiões. O desfecho apresentado dessa provável desassistência se apresenta nos elevados percentuais de mortalidade materna entre toda a população indígena no norte do país, incluindo as etnias do estado de Roraima (Nascimento, 2023; Gondim, Campos e Castanheira (2024).

Para alguns autores, há casos em que o óbito materno no Brasil está registrado incorretamente no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Por exemplo, o artigo de Nascimento et al., (2023) descreve que grande parte dos óbitos maternos entre as populações indígenas do Brasil é classificada como “sem causa presumível”. Embora o SIM seja uma ferramenta indispensável para o monitoramento das mortes maternas, sua abrangência não contempla fatores determinantes mais amplos, como o acesso desigual ao pré-natal, a qualidade do atendimento hospitalar, ou os impactos de crises humanitárias, como a crise migratória em Roraima.

Essa ausência de dados dificulta o estabelecimento de relações causais entre vulnerabilidades socioeconômicas e as altas taxas de Razão de Mortalidade Materna (RMM) no estado. Presumivelmente, essa subnotificação de casos mascara as causas base e subestima os casos reais de mortes maternas. Há estados brasileiros onde a Razão de Mortalidade Materna é notavelmente maior que as médias nacionais, como é o caso de Roraima, evidenciando as lacunas do sistema de saúde em oferecer um atendimento equitativo e eficaz (CIE, 2023).

CONCLUSÃO

A mortalidade materna permanece um desafio de saúde pública em Roraima. Apesar dos avanços globais na redução das taxas de mortalidade materna, as desigualdades socioeconômicas, raciais e geográficas continuam desempenhando um papel determinante na manutenção desses índices.. O cenário em Roraima é agravado pelas condições específicas da região, incluindo sua localização fronteiriça, a crise migratória venezuelana, e as limitações de infraestrutura e recursos humanos no sistema de saúde.

A análise dos indicadores de mortalidade materna em Roraima revela um panorama preocupante, com Razões de Mortalidade Materna muito superiores à média nacional, especialmente em municípios com maior vulnerabilidade socioeconômica e  dificuldades logísticas. 

Embora a mortalidade materna esteja associada a determinantes biológicos, como faixas etárias extremas e condições obstétricas diretas e indiretas, encontramos forte relevância dos fatores sociais, econômicos e culturais que limitam o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde materna. Além disso, as taxas elevadas de mortalidade em mulheres pretas, pardas e em situação de maior precariedade social indicam a necessidade de intervenções que abordem as desigualdades estruturais e promovam uma atenção integral e equitativa à saúde da mulher. 

Estratégias políticas e ações públicas que priorizem a melhoria da qualidade do cuidado obstétrico, a capacitação de profissionais, e a garantia do acesso universal aos serviços de saúde, especialmente em áreas urbanas e indígenas, são bem vindas no contexto de Roraima. Consideramos que a adoção de sistemas de vigilância epidemiológica mais robustos que contemplem as questões migratórias de Roraima também são importantes . 

Algumas dificuldades encontradas para a construção deste trabalho incluem a ausência de materiais científicos que descrevem o pano de fundo das altas Razões de Mortalidade Materna bem como estudos que analisem a efetividade das políticas públicas voltadas à saúde da mulher em Roraima. Este artigo não objetiva esgotar essa discussão em face da sua complexidade. Apenas trazer contribuições sólidas à ciência para torná-la um tema de reconhecimento público e científico, em vista da sua importância para os dias atuais e para o futuro.

CONFLITOS DE INTERESSE

Não houve qualquer espécie de conflito de interesse por parte de nenhum dos autores.

REFERÊNCIAS

ARRUDA-BARBOSA, Loeste de; SALES, Alberone Ferreira Gondim; TORRES, Milena Ellen Mineiro. Impacto da migração venezuelana na rotina de um hospital de referência em Roraima, Brasil. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 24, p. e190807, 2020

BRASIL. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes, 2004

COORDENADORIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE-CGVS. Dados e Indicadores de Mortalidade, Roraima, 2006 a 2023, p. 27-33. 2024

CENTRO DE INTELIGÊNCIA EPIDEMIOLÓGICA-CIE. Boletim Epidemiológico: Mortalidade Materna. Rio de Janeiro. 2023

DO NASCIMENTO, Ananda Rafaela Neves Magalhães et al. Mortalidade Materna de Indígenas no Brasil: uma reflexão a partir de dados secundários. AMAZÔNIA: SCIENCE & HEALTH, v. 11, n. 4, p. 107-119, 2023.

FEITOSA-ASSIS, Ana Isabela; SANTANA, Vilma Sousa. Ocupação e mortalidade materna. Revista de Saúde Pública, v. 54, p. 64, 2020.

GONDIM, Daniele Alves Damaceno; CAMPOS, Mônica Rodrigues; CASTANHEIRA, Débora. Avaliação da estrutura da atenção primária à saúde materno-infantil no estado de Roraima, região Norte do Brasil e Brasil, 2012-2017. Ciência & Saúde Coletiva , v. e03462023, 2024.

GONZALEZ PAZOS, Juliana Vianna; CASTRO, Janaína de Oliveira e; MOYSÉS, Rosana Pimentel Correia; LOPES, Fernanda Nogueira Barbosa; FERREIRA, Breno de Oliveira. A evolução da mortalidade materna e o impacto da COVID-19 na Região Norte do Brasil: uma análise de 2012 a 2021. Saúde e Pesquisa, [S. l.], v. 16, n. 2, p. 1–18, 2023.

LEE, Bokim; JUNG, Hye-sun. Relationship between handling heavy items during pregnancy and spontaneous abortion: a cross-sectional survey of working women in South Korea. Workplace health & safety, v. 60, n. 1, p. 25-32, 2012.

LUQUE FERNANDEZ, M. A.; GUTIERREZ GARITANO, I.; CAVANILLAS, A. B. Increased risk of maternal deaths associated with foreign origin in Spain: a population based case-control study. The European Journal of Public Health, v. 21, n. 3, p. 292–294, 21 jun. 2010.

OLIVEIRA, Maxwell. Biblioteca da UFG – Campus Catalão. Manual de Metodologia da Pesquisa. Catalão, Goiás – GO, 2011 Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1C96aFqfRNLApqpK15Rs6NeaDPkJXy3Zz/view.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS-ONU. Brasil. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. [página da internet]; 2024. Disponível em: brasil.un.org/pt-br/sdgs/3

PACAGNELLA, Rodolfo Carvalho et al. Maternal mortality in Brazil: proposals and strategies for its reduction. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 40, n. 09, p. 501-506, 2018.

JEONG, W. et al. The Effect of Socioeconomic Status on All-Cause Maternal Mortality: A Nationwide Population-Based Cohort Study. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 17, n. 12, p. 4606, 26 jun. 2020.

MENDES, Karina Dal Sasso; SILVEIRA, Renata Cristina de Campos Pereira; GALVÃO, Cristina Maria. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & contexto-enfermagem, v. 17, p. 758-764, 2008.

SOUZA, Viviane Torqueti Felisberto et al. Análise das implicações da pandemia COVID-19 na mortalidade materna no Brasil em 2020-2021. Fundação Oswaldo Cruz. 2023.

WHITTEMORE, Robin; KNAFL, Kathleen. The integrative review: updated methodology. Journal of advanced nursing, v. 52, n. 5, p. 546-553, 2005.


1email: jullyanasarah8@gmail.com
2email: hmsmachado.med@gmail.com
3email: mtizolim@gmail.com
4email: cataoandressa82@gmail.com
5email: marcella20mr@gmail.com
6email: maricarmenmarucha@gmail.com
7email: brunnarantes.ba@gmail.com
8email: fellypeeluiza@gmail.com
9email: larissaluizafonseca@yahoo.com.br
10email: ana.g.m.alcantara@gmail.com