REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412230954
Maíra Fé Maia Soares[1]
Miguel Nenevé[2]
RESUMO:
Neste artigo nos propomos a discutir questões que consideramos relevantes quando se fala em revisão de textos. Brevemente apresentamos algumas ideias sobre o texto em si, algumas concepções sobre o texto que consideramos relevantes, para depois discutirmos a função do revisor de textos, as suas habilidades e competências e os desafios que ele enfrentará em seu trabalho. Finalmente voltamos nossa atenção para o texto literário, criativo, fazendo considerações sobre a atuação do revisor neste campo. Pensadores e estudiosos como Roland Barthes (1997) Carlos FARACO, (2018) e Luiz Roberto Malta (2000) entre outros serão suporte teórico para nossos argumentos. Também utilizaremos textos criativos de Marina Colasanti e Mia Couto. Por fim, argumentamos que um revisor de texto é muito mais que um caçador de erros: ele precisa ter um conhecimento geral mais abrangente , ser um bom leitor e estar aberto para textos de diferentes áreas.
PALAVRAS-CHAVE: TEXTO – REVISOR – LEITURA ESCRITA–– HABILIDADES.
ABSTRACT:
In this article we propose to discuss issues that we consider relevant when talking about text revision. We present very briefly some ideas about the text itself, some conceptions about the text as a fabric, which we consider relevant, and then we discuss the function of the text editor or reviewer, considering her or his skills and competences and the challenges she or he will face when revising a text. Finally, we turn our attention to the literary, creative text, making considerations about the role of the reviewer in this field. Thinkers and scholars such as Roland Barthes (1997) Carlos FARACO, (2018) and Luiz Roberto Malta (2000) among others will be theoretical support for our arguments. We will also use creative texts by Marina Colassanti and Mia Couto as examples of text difficult to be edited. Finally, we argue that a proofreader or an editor is much more than an error hunter: as she or he needs to have broad general knowledge, be a good reader and be open to texts from different areas of knowledge.
KEYWORDS: TEXT – EDITOR – READING – WRITING – SKILLS.
Introdução
Neste trabalho nos propomos a refletir sobre revisão de texto e o papel do revisor. Estamos conscientes que não é possível oferecer uma reflexão muito ampla e profunda em um artigo, mas gostaríamos de levantar algumas questões que consideramos relevantes para qualquer pessoa que queira saber um pouco sobre revisão e o papel do revisor. A ideia inicial era refletir sobre ferramentas necessárias ao profissional em revisão de texto disposto a se aventurar nos textos literários. Porém, pesquisando sobre materiais referentes à temática percebemos, que é difícil não notar que o revisor de texto vai precisar enfrentar alguns desafios para atingir seu objetivo. Em outras palavras, percebemos que atuar na revisão de textos é uma tarefa complexa, sem ter um campo limitado.
Fazer revisões de criações literárias é uma tarefa ainda mais complexa, que exige preparação, ânimo e gosto pelo texto e muita leitura. Neste contexto, nossa proposta aqui é acompanharmos reflexões e discussões acerca do Revisor de textos. No final pretendemos abordar o texto literário, mencionando autores criativos como Marina Colassanti e Mia Couto. Dialogaremos também com pensadores ou teóricos, com Roland Barthes (1975, 1974), Carlos Alberto Faraco , P.D. Juhl (1997) entre ouros, que escrevem sobre o texto, incluindo o texto literário e o papel do revisor.
Antes de falarmos sobre o revisor e seu papel, seria interessante , mesmo que rapidamente, falarmos sobre o texto propriamente dito. Muitas das discussões sobre um texto giram em torno de interpretação do texto, mais do que o texto em si mesmo, por isso cremos que é necessário, em poucas palavras, refletirmos sobre a questão: o que é um texto?
II O TEXTO
Sempre que lemos sobre o texto somos lembrados que a palavra vem do Latim texere, que significa costurar. Com esta origem, a maioria das definições colocam o texto como uma estrutura linguistica, costurada, ou trançada ou mesmo “fabricada” (usando aqui “fabric” como tecido, usado na língua inglesa). Assim sendo é uma costura de palavras ou signos. Entao, o texto implica em palavras, frases, linhas, sentenças ou períodos e parágrafos, que estão arranjados de um modo, não por acaso, mas assim arrumados com a intenção de comunicar algo. Por isso podemos dizer que o texto contém significados que ficam abertos para interpretação. É assim que o texto pode ser lido, analisado, discutido.
Outrossim, também percebemos que atualmente o termo “texto” vem sendo usado para significar qualquer discurso escrito ou falado, não sendo necessariamente um texto literário. É importante percebermos que, em inglês, quando queremos pedir que alguém nos envie uma mensagem escrita no celular, pedimos “Text me, please.” ou ainda “I will text you” (vou te mandar uma mensagem por meio eletrônico)
Teóricos como .D. Juhl e Roland Barthes, entre outros, acreditam que os textos estão longe de ser neutros, como querem alguns. Em seu artigo “The Appeal to the Text: What Are We Appealing to?” (1997) P.D. Juhl afirma que quando falamos de texto normalmente acreditamos que ele invoca alguns criterios gerais , como por exemplo, coerência, menos frequente, complexidade. “Dizemos que o texto ou parte do texto, suporta esta ou aquela interpretação por que sob esta forma é mais coerente ou complexo” ( JUHL, 1997, p 57).Roland Barthes em Theorie “La theorie du text” (1974) afirma que “a linguagem que decidimos usar para definir o texto não é indiferente, colocar em crise qualquer enunciação faz parte da teoria do texto” BARTHES, 1974, p. 3)
Muitas vezes ao mencionarmos “texto” fazemos ligação com a literatura ou trabalho literário, o que é o que nos interessa neste artigo. E aqui, logicamente, não poderíamos deixar de novamente mencionar o teórico francês Roland Barthes. Em sua obra Image, Music, Text (1977), o autor afirma que o texto exsite somente no movimento da linguagem e portanto, o texto é a estrutura linguistica e a obra é produto completo. Neste caso, o texto não é obra ainda.. Voltando à Teoria do Texto, percebemos que Barthes, de alguma forma procura definir o que ele entende como texto, afirmando que
É a superfície fenomenal da obra literário; é o tecido das palavras engajadas na obra e dispostas de modo a impor um sentido estável e, na medida do possível, único. Apesar do caráter parcial e modesto da noção (este é, afinal, apenas um objeto, perceptível pelo sentido visual), o texto participa da glória aspecto espiritual da obra, da qual é o servo prosaico, mas necessário. BARTHES, 1974, p.1, tradução nossa)
Mais adiante o autor argumenta que o texto está constitutivamente ligado à escrita “talvez porque o próprio desenho das letras, embora permancendo linear, sugere mais do que a fala, o entrelaçamento de um tecido “ Para ele, o conceito de texto é historicamente ligada a todo um mundo de instituições: direito, Igreja, literatura, ensino. Por isso “o texto é um objeto moral: é a escrita enquanto participa do contrato social; subjuga, exige que a observemos e respeitemos, mas em troca marca a linguagem de um atributo inestimável” (Idem, p. 2) Sob uma perspectiva epistemológica,portanto, o centro do texto é o signo. Sem podermos nos aprofundar nesta questão, vamos voltar nossa atenção para a “revisão” ou processo de verificar se há necessidade de mudar um texto para aprimorá-lo. Há quem usa o termo correção ou “correções apropriadas”, com a interferência, pretendendo assim tornar o texto mais comunicativo e, portanto, adequado para seus leitores. Passamos então a refletir sobre a “Revisão do Texto”
III A REVISÃO DO TEXTO, O PAPEL DO REVISOR.
Há teóricos como Brian MOSSOP (2020), entre outros, que fazem distinção entre revisão, edição e “leitura final” de aprovação do texto. Assim “revisar” é fazer mudanças estruturais e lógicas em seu texto – reformular argumentos e reordenar informações, enquanto que a edição refere-se a fazer alterações mais locais em coisas como estrutura de sentenças e frases para garantir que seu significado seja transmitido de forma clara e concisa. A revisão final, ou “proofreading” já envolve o olhar o texto de perto, linha por linha, para identificar quaisquer erros de digitação e problemas com consistência e corrigi-los.
É bom lembrarmos , no entanto, que quando se trata dos termos “revisão”, “edição”, e revisão final (proofereading) podemos perceber que cada um tem suas próprias definições. Até porque há vários textos, várias necessidades de clientes com expectativas diferentes. Neste contexto que encontramos o revisor e seu papel de “dar mais vida e mais clareza” a um texto.
Podemos, portanto, imaginar o profissional com gramaticas, manuais, dicionários, e outras ferramentas que podem auxiliar em seu mais novo ofício, ou “nova profissão” de um recém formado. Vamos supor aqui, que no momento ele está trabalhando na revisão de um artigo acadêmico. Pensemos então na imagem criada em torno do profissional em revisão de textos. É como se dissesse que se especializou em caçar erros, apontar tudo que se desvia da gramatica normativa. É frequente que ocorra essa confusão com o Revisor de Textos, que por vezes tem sua função entendida como a de um corretor ortográfico, ou que sua ferramenta de trabalho se resume a uma gramatica.
Mas afinal, se não é um caçador de erros, quem é o Revisor? Deixemos em suspenso e em suspense, antes veremos o que é revisar de acordo Harrison Rocha (2012):
Revisar é por vista a alguma coisa; é ler o texto a fim de consertar-lhe possíveis “erros”, sejam eles relativos à estrutura(redação, digitação, tipografia etc) ou ainda relativos ao aspecto linguístico de adequação do modo como o conteúdo é apresentado/exposto.” (ROCHA, 2012, p. 36)
Alguém pode fazer a seguinte observação: “Não falei! Está escrito que o revisor vai ler o texto e consertar os erros!” Sim, quer queira quer não, parece ser verdade, que em certas situações revisar implica em se tornar um “caçador de erros.”
Proponho, no entanto, sairmos do conceito de certo versus errado , usemos o termo “inadequado”. Palavras não costumam ser esvaziadas e ao ouvir “erro”, “errado” pode ser que os termos tragam emoções pesadas. Como podemos observar, o processo de revisar tem mais sentido quando visto de uma maneira mais ampla, enxergando também a obra, autor, revisor, público para o qual são destinados. Dessa forma é possível irmos além da ideia de que revisar é simplesmente adequar o texto à norma padrão da Língua Portuguesa ou a qualquer idioma em que esteja inserido.
Um bom revisor, dentro deste contexto, sente-se motivado e a cada novo trabalho que lhe chega, pois sabe que aprenderá um pouco mais, uma palavra que acaba de ler faz com que por um momento saia do presente e vagueie e vá sonhar.
Abrem-se diferentes caminhos de atuação para o revisor, podendo atuar em editoras, como profissional liberal, dentro de escolas, empresas, isto é, as tarefas do revisor não são bem delineadas. Se um profissional em revisão for contratado por uma escola pode ser que se depare recebendo trabalho que seriam de um outro profissional professor. Encontramos algumas das tarefas do revisor em “manuais de revisão”. Um dos clássicos sobre revisão de texto é o Manual do Revisor, de Luiz Roberto Malta. Este é mais um clássico da literatura sobre revisão de textos. O autor reflete muito bem sobre qual é (ou quais são) a(s) função(es) do revisor. Por exemplo, Malta afirma que é perceptível nos jornais como o revisor é importante. Ele diz que é visível um aumento nos erros de redação nos jornais, que não possuem um bom revisor..Malta faz menção a “absurdos” erros em jornais –(2000, p. 15).
Portanto, revisar textos nas redações dos jornais é um dos trabalhos do revisor, mas Malta enumera muitos outros trabalhos, como por exemplo
• Revisar os originais aprovados para edição pelas editoras;• Revisar (se tiver conhecimento de outros idiomas) as traduções, cotejando-as com os livros originais;• Revisar as segundas provas, tomando como base as primeiras e, quando necessário, reportando-se aos originais (inclusive, ainda se preciso, ao livro); • Revisar (menos comum, mas ocorre) terceiras provas, tendo como base as segundas; • Examinar (a palavra “revisar” não caberia bem aqui) as heliográficas (não é muito comum, mas se o revisor for funcionário de uma editora, acabará fazendo esse trabalho);• Revisar (incomum, mas acontece) filmes que deram ou darão origem a heliográficas; e, finalmente; • Reler livros já publicados, em função de modificações que o autor quer fazer para uma nova edição, ou quando se desconfia que a edição publicada contém erros. (MALTA, 2000, p.16).
É, portanto, importante revisitarmos os conhecimentos adquiridos ao longo de nossa trajetória acadêmica. No papel de professor , quando nos propomos a passar um conhecimento para que os alunos construam seus saberes , não podemos tomar uma única forma de ensino para todos, acreditando que todos os alunos aprenderão por aquele meio, De maneira semelhante o revisor não pode pegar textos diferentes e querer revisá-los da mesma maneira, não vai funcionar, é necessário levar em conta o público ao qual se destina o texto e onde irá circular, de fato é ter uma “visão de drone”, se distanciar, ver melhor e voltar a se aproximar e retomar a partir desse novo olhar..
Há um objetivo a ser alcançado e não pode ser perdido de vista pelo revisor. A ele cabe se questionar o caminho, no trabalho, a cada vez que percebe que está se perdendo. Conhecer o texto a fundo pode ser algo bem mais difícil e exigente do que o de apenas “revisar, pois copidesque “é – até certo ponto – reescrever, retrabalhar um original” (MALTA, 2000, p. 16). Malta, porém, nos lembra que preciso que o revisor reconheça seus limites e não queira assumir o lugar do autor, “embora – verdade seja dita –, no final, muitas vezes o que se lê representa o trabalho do revisor ‘podando’, aperfeiçoando, melhorando” (idem, p. 28). É neste contexto que percebemos que o revisor tem muitos desafios a enfrentar.
VI DESAFIOS DO REVISOR DE TEXTOS
Como temos argumentado, revisar é muito mais que conhecer regras de gramática, metodologia. Exige-se conhecimento amplo, de cultura, do gênero textual e de conhecimentos gerais. Por isso o revisor deve também ser um bom leitor e pesquisador.
Imaginemos uma situação: fragmentos de uma conversa visitam a mente do revisor: um de seus colegas de profissão se lamenta por estar tendo dificuldade com um cliente, pediu pelos serviços de revisão, mas o comportamento dava a entender que não aceitaria qualquer intervenção. “É como se eu fosse um inimigo” desabafou o colega do Revisor. É uma situação vivenciada por quem trabalha com revisão. É o revisor um inimigo do autor ou do texto?
Uma vez que o Revisor é muitas vezes visto como aquele profissional que vai entrar em contato com o texto de outrem para apontar erros, não é de se espantar que a relação autor – revisor pode, por vezes, ser desarmônica. Vemos assim a relevância de pesquisas e discussões acerca desse tema para termos outros olhares, já que é mais vantajoso realizar um trabalho em colaboração, que em conflito.
Em circunstancias ideais seria interessante ter uma conversa com o autor do texto a ser revisado, para que fique claro e bem definido as interferências que podem ser realizadas, até onde o revisor pode ir , para que dessa forma o autor não se sinta invadido, e ocorram atritos nessa relação, não dá para ter contato com um texto e esquecer que ele tem uma autoria. Esses mal entendidos muitas vezes é que dão abertura a visões reduzidas, simplórias e distorcidas do profissional em revisão.
Esse contato autor-revisor é uma forma também de reforçar no revisor que o material que passará por revisão contém um sujeito naqueles dizeres, não são apenas ideias, argumentos, falas dispostas de qualquer jeito, surgidas do nada, são frutos de dedicação. Esse primeiro contato com o autor permite uma maior compreensão e traz uma orientação das intervenções que estejam coerentes com o que escreveu. Saber que voz trazida pelo autor vai fortalecer e qual pode trazer ruído. Em uma entrevista o autor x falou um pouco de suas ideias a respeito do papel do revisor e de experiencias pessoais com esse profissional.
O revisor, e´aquele que fica na sombra, que não aparece no texto, mas que deixa o texto mais vivo, mas comunicativo, mais iluminado, Carlos Alberto Faraco , em entrevista (2018)[i], ao falar do papel do revisor de texto afirma que O papel do revisor é detectar eventuais problemas de ordem textual(por exemplo, falta de clareza e de coerência e coesão), ortográfica ou morfossintática. Seu trabalho é, sem dúvida, importante, principalmente numa sociedade pouco letrada e com graves deficiências como a nossa. No entanto, não cabe ao revisor intervir no texto sem previa consulta ao autor. Ele diz “Já vivenciei situações de intervenções indevidas e sem consulta previa; de tentativas de imposição de alternativas às minhas preferencias expressivas. E isso é inadmissível.” (p. 2) E acrescenta: “por isso hoje recuso revisão dos meus textos.(p. 2)[3]
A partir dessa reflexão de Faraco podemos observar comentários que podem advir de uma ou algumas experiencias infrutíferas por parte daquele que contratou um serviço, no caso aqui dos serviços de um Revisor de Textos. Sabemos que em toda área há profissionais que não possuem um trato humanizado em sua abordagem, mas que não podemos generalizar. Autor e revisor não precisam virar grandes amigos, no entanto, seria interessante ter seus papeis bem delineados e não perderem de vista o alvo a ser atingido.
Um ponto a ser destacado da fala do autor diz respeito a ideia de um revisor de texto como um professor que sana ou expõe as regras da lingua portuguesa. É fato que muitos saem do ensino regular e por vezes do ensino superior apresentando dificuldades com alguns aspectos da Lingua Portuguesa. Porém, o papel do revisor não é corrigir, pois ele não faz papel de professor ou orientador, sua função é revisar.
Em nossa concepção, esse revisor, contudo, gosta de literatura e seu sonho é revisar texto literário. Ele aguarda o momento que vai tirar da gaveta este sonho: Dedicando-se à revisão de textos literários vai motivando-o a ler mais obras literárias. Lembraram a ele que não é tão simples, aconselharam-no a ficar onde está, disseram que iria enfrentar muitos desafios. Porém, acreditava e, se alguém pode fazer, ele poderia fazer também. Quem é esse nosso personagem? O Revisor de texto literário
Nem sempre o revisor de texto, que ganha para sobreviver tem a opção de revisar somente textos literários. Em nosso contexto, no Brasil, é muito comum que uma pessoa graduada em letras português seja vista como aquela pessoa que vai “corrigir minha fala”, “corrigir minha escrita”, ainda que não esteja desempenhando o papel de professor. Essa é uma ideia que permeia muitas mentes, talvez, em parte, pelos anos de queixas nas salas de aula de que o português é difícil. Aí vem à mente a seguinte imaginação: “como não aprendi direito, posso cometer deslizes, e esse pessoa aqui perto de mim que acabo de descobrir sua formação pode me corrigir”. São situações vividas por um revisor, ou uma pessoa “de Letras” em ambiente de trabalho.
O desafio do revisor de texto literário é realmente estar inserido no mundo literário, conhecer vários gêneros de textos e estar aberto para sentir o texto. Além do mais, como mencionado anteriormente, é muito importante que haja diálogo entre autor e revisor para evitar constrangimentos e até um trabalho mal feito. É importante ser prudente neste aspecto, para que o revisor não vá além do esperado, dando a ideia de um revisor invasivo, mas também não fique aquém, ganhando outros rótulos indevidos. Podemos afirmar, sim, que um texto pode ser enriquecido a partir do trabalho de um revisor de textos.
A ideia ao se produzir um texto é que ele chegue a um determinado público, mais que isso, a muitos públicos e que ele comunique claramente a ideia a ser transmitida. O texto não deve ficar escondido numa gaveta ou esquecido numa prateleira tomando poeira, quem escreve quer ser visto, deseja ter sua fala ouvida. Nesse sentido, o revisor precisa ter todo um cuidado para não fazer intervenções de modo que aquele que criou não tenha sua voz silenciada.
Ainda que o contato revisor-autor não ocorra de modo direto por ser mediado por uma editora, esse diálogo deve acontecer, uma vez que o revisor tendo contato com o texto poderá propor intervenções que serão vistas e sentidas por aquele que escreveu. Dessa forma, a habilidade e sutileza do profissional em revisão irão contar de forma significativa. Um olhar atento, sem pressa, que observe as escolhas das palavras que componha aquele texto, a forma que é estruturado é muito importante.
Portanto, argumentamos que conhecendo um pouco melhor todo o con-texto, indo além do texto é que o revisor será capaz de fazer intervenções de modo empático, tendo um olhar de leitor, de quem aprecia, vendo pelos olhos desse leitor o que parece destoar do contexto. É do revisor que se espera o conhecimento, aquele que se prepara para dar essa contribuição e deixar uma leitura fluida, sem paradas abruptas (se essa não é a intenção a ser produzida). É o revisor que contribuirá para que não haja cansaço , dispersão, mas sim uma condução de modo leve pela leitura, de modo que o leitor faça pausas não por cansaço, mas por consciência de quando são necessárias. Essa discussão é muito pertinente quando nos referimos aos textos literários. Então qual deve ser a postura de um revisor perante um texto literário?
VI ENTRANDO NO TEXTO LITERÁRIO
Uma afirmação com a qual concordamos é que se o revisor não for um bom leitor, dificilmente ele fará um bom trabalho de revisão. O profissional precisa amar o texto, precisa amar literatura para fazer bom trabalho de revisão.
Construamos uma situação em que a janela do ambiente no qual o revisor se encontra está aberta, nesta hora do dia a programação apresenta um céu de azul sem nuvens e um pássaro que parece treinar novos movimentos, novas formas de voar. O revisor automaticamente deixa que venha uma expiração forte e profunda, levando embora o que já não serve, abrindo espaço para o que importa, aquilo que acredita. O vento entra pela janela, o Revisor sorri, dá uma última olhada no pássaro que ainda está em seu treino, e se dirige a um outro cômodo atravessando a porta.
Se conflitos são passiveis de ocorrerem na interação entre autor de um trabalho e o revisor de textos, quando se trata de um texto literário a relação pode exigir mais cuidado por parte do revisor, por ser um texto que envolve o caráter da subjetividade. Vimos no capitulo dois um trecho de uma entrevista com. Carlos Faraco (2018) na qual ele traz seu ponto de vista sobre a Revisão de Textos, quando se refere a revisão de texto literário o autor afirma “ se for um livro de literatura o texto é intocável. Nem precisa consultar o autor.” (FARACO, 2018, p 3)
Como podemos observar a afirmação reforça a ideia do texto literário como algo que não pode ser tocado. Como revisar um material que tem um muro erguido ao seu redor? Sabemos que há muitos livros que são aprimoradas a cada nova edição e que o profissional em revisão de texto pode contribuir para que o material cumpra sua finalidade, seja ela qual for definida pelo criador da obra. O revisor com suas habilidades de leitor, habilidades de formação em revisão é uma parte nesse processo de trazer um texto ao mundo, uma parte fundamental e que não deveria ser descartada. O texto literário só tem a ganhar tendo o toque de um revisor de textos bem capacitado. Dentro do que apresentamos até aqui as autoras a e b destacam:
Alguns artistas pressupõem que o texto literário é tão sagrado que não pode ser tocado pelas mãos “profanas” de um revisor. É importante, também, lembrar que alguns revisores abordam o texto literário ignorando a dimensão estética que o cerca. Por isso reforçamos nosso argumento que o revisor de texto, principalmente do texto literários precisa ler muito.
Como temos observado e alguns artistas da palvra podem preferir que seus textos não sejam tocados pelo revisor textual. Por outro lado, os autores mencionados trazem ainda uma reflexão acerca daquele revisor que não leva em consideração as especificidades do texto literário. Convém lembrar que uma determinada obra literária pode romper com a gramatica do professor e do aluno sabido, dessa forma, o revisor precisa ter essa percepção da singularidade que a forma literária apresenta e fazer as intervenções de acordo com o que o próprio material sobre o qual se debruça pede. É aí que o revisor precisa exercer o papel de leitor.
Parece ser verdade que o profissional em revisão textual, antes de ser o revisor, deve ser um amante da leitura, tenha esse contato mais familiar e íntimo com obras literárias e textos diversos, seja um buscador, que goste da pesquisa e do conhecimento, isso vai ajudá-lo no oficio da revisão. No que se refere ao papel de leitora temos:
Como leitor, cabe ao revisor do texto literário um duplo movimento, constante no exercício de leitura, de natureza paradoxal e somente possível em graus sequenciais variados: mergulhar no universo literário, entregando-se ao prazer e à emoção da leitura; e distanciar-se objetivamente desse universo, a fim de examinar com isenção profissional os efeitos que tal leitura produziria nos demais leitores.
Partindo desses argumentos, é aconselhável sempre lembrar da leitura como uma viagem, o leitor embarca em terras nas quais conhece o novo, ou vê o antigo com outros olhos, se diverte, se emociona, se questiona, se transforma. O Revisor de Texto nesse movimento de acessar o leitor faz um trabalho mais completo em revisão. Ele tem a possibilidade de construir um trabalho, dentro daquele que lhe foi confiado pelo autor do texto literário, no qual todos os envolvidos no processo serão beneficiados. A voz do autor que é ouvida, um leitor que tem no texto uma companhia para diálogos, reflexão e transformação, um revisor que foi capaz de ultrapassar as barreiras, tocar a obra literária e dar sua valiosa contribuição.
Combinemos que a estante mais do que livros guarda memórias. Vamos imaginar que o revisor dá uma pausa em seu trabalho e percorre o cômodo preferido de sua casa, a biblioteca que construiu pouco a pouco, os dedos roçam levemente os livros, detém-se diante de um conto : “A moça tecelã”, de marina Colasanti, a primeira vez que leu, caminhou pela superfície, sem aprofundamento. Já adulto quando teve novo contato, tamanha foi a surpresa, pareceu a ele ser outra obra, o texto dizia muito além do que as linhas aparentemente mostravam.
O trabalho com o texto literário pode demandar uma relação mais atenciosa entre revisor e autor por se tratar de uma escrita criativa, de caráter subjetivo, e requer uma maior sensibilidade do profissional em revisão, não dá para ficar na superfície, exige mergulhos nas páginas que a cada nova leitura se revela. Como diz Fernando Nogueira da Costa em seu blog Cidadania e Cultura (2018), da UNICAMP,
Fruir um texto literário é perceber as recriações do conteúdo na expressão e não só compreender os significados. Quem escreve um texto literário não quer apenas dizer o mundo, mas recriá-lo nas palavras, de forma que, nele, importa não só o que se diz, mas também o modo como se diz. A mensagem literária é autocentrada, isto é, o autor procura recriar certos conteúdos na organização da expressão. Múltiplos recursos são usados para isso: ritmos, sonoridades, distribuição de sequências por oposições e simetrias, repetição de palavras ou de sons (rimas) etc.(COSTA, 2018, p. 1)
Por isso, o revisor precisa compreender muito bem o contexto da criação, penetrar no texto, de uma forma mais profunda. Nesse sentindo o revisor deve enteder as escolhas feitas pelo autor para construção de seu texto. Deve lembrar que, muito possivelmente, as palavras e expressões foram pensadas cuidadosamente dentro daquele universo. Dessa forma, o revisor deve ter muita atenção ao sugerir intervenções, conhecer sobre o estilo do autor, da obra como um todo, de cada parte que a compõe, porque só assim poderá contribuir para o enriquecimento do texto, e não retirar a essência do autor e sua arte, evitando conflitos.
Consideramos importante, para nosso argumento apresentar textos literários que revelam fruição, fluência e literarieda que devem ser sentidas pelo revisor. Vamos começar com o primeiro texto literário, um conto da autora Marina Colassanti que mencionamos acima.
VII DOIS AUTORES CRIATIVOS: TEXTOS E METATEXTOS
Em “A moça tecelã” de Marina Colasanti, temos a história de uma moça que tem nas mãos o poder de criar o mundo no qual escolhe viver. Em seu tear ela tecia um tapete que nunca acabava, nele tecia tudo do que precisava, e vivia em paz. O narrador diz: “nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.” (COLLSSANTI, 2008, p.2)
A moça um dia ela se sentiu sozinha e pensou em ter um marido, foi para o tear e assim fez. Por um tempo foi feliz, mas o marido descobrindo o poder do tear, começou a fazer infindáveis exigências, não queria mais morar em uma casa pequena, queria ter uma casa grande, depois exigiu um palácio. A mulher não tinha mais tempo para se dedicar a si e aos dias, apenas tecia e entristecia.“ E feliz foi por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.” (idem, p. 4)
Então desejou ter de volta a sua casinha, sentir de novo o prazer em tecer o essencial. Decidiu desfazer o tapete, desfez palácio, casa grande, marido. Em paz, teceu o sol que dava início a um novo dia.
A ideia não é trazer uma análise da obra, mas visualizar o texto literário em suas especificidades. Essa característica do texto de dialogar com outros textos, de encontrar um conjunto de vozes em uma só obra, de um só autor. Esse convite a sair do raso e dar passos mais para o fundo, de perceber que o autor está situado num contexto histórico que acaba por ser refletido em sua obra, seja de forma intencional ou não. Nesse sentido, cabe ao revisor ter essa percepção que possibilite com que tenha uma leitura crítica e saber quais elementos ali são indispensáveis na composição da obra.
O revisor irá perceber a linguagem como uma roupa do pensamento e o tecido como linguagem da civilização que estabelecem ligações, laços,, as conexões importantes entre as pessoas, entre o que fala e o que ouve, entre o que escreve e o que lê, entre o que costura e o que vê, entre o que escreve e o que revisa..O que queremos enfatizar aqui é que a linguagem e o tecido desempenham funções parecidas na fabricação da veste, O texto é, um tecido que envolve, de forma literal ou metaforicamente, cria a comunicação conexões que lembram uma teia de aranha (lembrando de Walt Whitman e seu poema “A Noiseless patient spider
Impossível não mencionar aqui também Athena, que era a deusa dos tecelões e dos artistas da literatura. A Mulher aranha ensinava o povo Navajo a tecer e contar historias. Como sugere Colassanti, o contar historia é uma rede complexa, um fabricar de discursos, que dá prazer, lança luzes e salva vidas. Chimamanda Adichie, a escritora nigeria, autora de Hibisco Roxo, diz categoricamente que contar histórias salva vidas, o que nos lembra também de Sherazade na Mil e uma noites. Desde há muito tempo temos textos literários que nos revelam que a arte de fiar é a arte que combina fibra, desenho, cor, na gramática da sua linguagem.
Portanto, o revisor também pode observar que o texto de Colassanti, por exemplo, pode ser lido como um meta-texto, que nos remetem a personagens na literatura clássica como Penelope e sua mortalha, de expressão não-verbal, mas poderosamente pictórica, Philomel, Arachne etre outras. A tecelagem cria “tecidos orgânicos, têxteis” trazendo do termo latino “texere”, como mencionado anteriormente, que também designa a tecelagem de palavras escritas em forma, em composição, em texto. Se o revisor perceber isso, fica muito fácil de revisar um texto que é literário e tem conexão com outros textos
Aqui trazemos, novamente, para iluminar nosso argumento, o pensador Roland Barthes, que, já mencionamos anteriormente, sugere em O Prazer do Texto (1975) que “o texto é um pano” (76), . Virgílio, em Eneida, afirma que tanto a linguagem quanto as vestimentas (vestido e tapeçaria) identificavam uma nação. E é bom também mencionar que antiga produção de textos envolvia têxteis, que, principalmente trabalhados ou “tecidos” por mulheres, preservavam e perpetuavam as tradições de criação de mitos e narrativas em desenhos de tecidos.
Parece, então, que podemos dizer, neste contexto, que o revisor ao continuar em sua contemplação, passando os olhos nas obras literárias que fizeram parte de sua história, que se misturaram, que foram companhia, que conversaram, está encontrando o que desejava, recebeu a resposta que precisava. Assim, que ele mergulha no texto, tem o descanso que pedia, seu olhar detém-se num livro de contos, ele sorri, seu lado criativo está sentindo-se acolhido nas páginas daquela obra bem tecida. Este revisor imaginário recorda o primeiro encontro, a sensação de lar, de pertencimento. Toma nas mãos aquela obra em sua frente e relê o texto: “A infinita fiadeira”, de Mia Couto. E aqui também perceberá fazer uma relação entre o revisor e o texto literário, texto escrito por um dos grandes autores da literatura em língua portuguesa nos dias atuais.
O conto “A infinita fiadeira” nos oferece a história de uma aranha que não parava de fazer teias, mas que não dava importância às devidas funções, dizia fazer teia por arte.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. tudo sem fim nem finalidade. todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas destraiçoeiras funções. COUTO, M, p. 51)
Os pais conversavam com a filha sobre seu comportamento, até porque eles estavam recebendo queixas do aranhal. Diziam que a aranha havia apanhado doença de outras criaturas. Pensaram que talvez arranjando um namorado a aranha fosse “curada”, não funcionou. A família procurou, então, o Deus dos bichos e pediram que a filha fosse transformada em humana. Assim foi feito. Quando a aranha chegou ao mundo dos humanos foi questionada a respeito do que fazia, e ela respondeu: faço arte.
E os humano se entreolharam intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memoria, em que alguns se ocupavam de tais produtivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses poucos rentáveis produtos-chamados de obras de arte-tinham sido gentilmente transmutados em bichos. Aranhas, ao que parece. (Mia Couto, 2004, p. 56)
Podemos inferir que o texto (conto) de Mia Couto nos lembra que a tecelagem foi usada para significar, para dar sinal, comunicar, dar vida e os tecelões, como escritores, eram nada menos que criadores de cultura.. Por meio da tecelagem, as mulheres passaram do reino do semiótico para o simbólico, como vimos também no texto de Marina Colssanti. Tanto o mundo dos fios quanto o mundo das palavras (que também tecem “panos”) produzem uma textura, uma teia de inter-relações, interações e elementos que adquirem complexidade ao se entrelaçarem em um desenho. Aqui sugerimos que esta seria a conexão ideal entre o revisor e o autor do texto.
“A infinita fiadeira “ pode também ser lido como a bela arte de tecer que às vezes encontra-se desprezada pelos seres (humanos ou não) sobrecarregados por outras preocupações. Talvez podemos dizer que o conto nos convida a pensar sobre a situação da arte na nossa era. Também pode questionar sobre o papel do fiador, ou da fiadeira, a tecelã, em suma , do artista, no mundo de hoje, um mundo que sofre pela violência e pela intolerância de um modo geral. Mas o poeta, o contador de historia, tece para embelezar o mundo, para diminuir a dor e a opressão. Como o próprio autor fala em seu livro O fio da Missanga . “A missanga, todas a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo.” (COUTO, 2004, p. 57). Neste contexto percebemos também que há uma relação com o revisor que precisa ir mais além do signo, das palavras, das regras, das normas e sensibilizar-se com a linguagem criativa.
Ao sabor das metáforas o autor vai contanto e divertindo o leitor ao mesmo tempo que sugere várias reflexões sobre o escrever, o “texere”, o fazer arte. e, nesse caso, com certo tom fabular muitíssimo bem trabalhado. Para o revisor, é muito importante sentir todo o gosto do texto, ou o “prazer do texto” como diz Bathes.
Poderíamos prosseguir, observando outros contos do autor moçambicano, bem como inúmeras obras que podem ser lidos como “meta-textos” ou textos sobre textos que nos ajudam a conectarmos também com o papel do revisor. que nos convida a refletir sobre o dialogo entre o tecelã e o observador, entre o falante e o ouvinte e poderíamos acrescentar, o autor e o revisor. Gostaríamos apenas de mencionar brevemente mais um conto de Mia Couto “O Peixe e o Homem”, uma historia curto de jeito fantástica, que pode oferecer uma reflexão sobre sobre regras, vida normal, razão, normalidade, ou sobre a normalização que se espera do mundo. Ao levar o peixe a passear e a ouvir o peixe em vez de pregar ao peixe como fazia Santo Antonio, o vizinho do narrador é considerado excêntrico ou, mais que isso, louco. “Jossinaldo era, nos gerais, tido por enjeitado: o coitado desfrutava o pensamento. A cabeça do fulano, diziam, cabia toda num chapéu.” (COUTO, M. 2001, p. 1). Quando o vizinho fica doente, o narrador vai ter que assumir o papel de passear com o peixe, por súplica de Jossinaldo: “Fiquei vacilando, enquanto desfilava em mim o sem- número de explicações de Jossinaldo e seus descostumes.”(Idem, p. 1) Ele acaba aceitando o trabalho, pois diz ele “Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas. O que interessa não é a língua materna, mas aquela que falamos mesmo antes de nascer.” (idem, 2) Ao fim, já com o peixe, o narrador conclui “Dentro de mim, vão nascendo palavras líquidas, num idioma que desconheço e me vai ocupando todo inteiro.”. Este conto fantástico nos sugere muitas reflexões, sobre a vida, sobre o texto, sobre estar aberto para aprender ou, como diz o poeta Belchior, “deixar sempre de lado a certeza e começar tudo de novo com paixão.” . Assim é a sabedoria, ignorar as certezas, estar aberto para aprender novas palavras, novos textos, novos livros, novas culturas e novos mundos. Pensamos que o revisor de texto deve estar sempre ciente disso.
VIII CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho propusemos uma breve reflexão sobre o papel do revisor de texto, seja ele literário ou não. Procuramos argumentar que a tarefa do revisor é complexa e não pode ser facilmente definida nem delimitada. O certo é que o revisor precisa dar uma atenção total a seu trabalho, conhecendo muito bem o idioma em que o texto está escrito, as regras, as metodologias e muito mais que isso: o revisor deve estar atento ao contexto em que o trabalho se insere. Discutimos brevemente a função de um revisor de um modo geral e culminamos com o papel do revisor de texto literário, trazendo teóricos , como Barthes, entre outros para dialogarmos com seus pensamentos. Ao revisar, precisamos estar sempre atentos, sabendo que estamos dando uma segunda olhada em sua tecitura bem como ideias e opiniões.
Quando o texto é literário precisamos cuidar para não destruir a criação, mas ajudar o autor a lapidar o texto. Como revisores, podemos adicionar, cortar, mover ou alterar informações para tornar suas ideias mais claras, precisas, mais interessantes, convincentes e, quando for o caso, esteticamente mais atraentes.
Logicamente corrigir quaisquer problemas de gramática, pontuação e estrutura da frase, entre outros papéis, não é algo que está fora de moda e até num texto literário estas possibilidades não estão descartadas. O objetivo é aprimorar ou melhorar seu estilo de escrita, seu modo de dizer, sua comunicação. Transformar um trabalho escrito em um texto polido e maduro exige esforço e cuidado muito grande. Exige também preparação , muita leitura e muita apreciação a obras literárias. Acreditamos que, como toda a profissão, o revisor precisa estar sempre se atualizando em todos os aspectos, dedicando seu tempo a pesquisas e leituras.
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. The Pleasure of the Text. Trans. Richard Miller. New York: Farrar, Straus, and Giroux, 1975.
______Théorie du texte. , Directeur d’Etudes à l’Ecole pratique des hautes études,1974.disponivel em em https://www.psychaanalyse.com/pdf/THEORIE_DU_TEXTE_ROLAND_BARTH
COLASSANTI, Marina A Moça Tecelã. Rio: Global, 2008.
COSTA, Fernando Nogueira da Cidadania e Cultura – blog (2018, da UNICAMP. Acessível em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2018/01/25/texto-literario-e-texto-nao- %C3%BAdos%20na%20organiza%C3%A7%C3%A3o%20da%20express%C3%A3o.,
COUTO, Mia “ A infinita fiadeira” em Fios de Miçanga. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
COUTO, “O Homem e o peixe” em Fios de Miçanga. Sâo Paulo: Cia das Letras. 2004.
JUHL, P.D ‘The Appeal to the Text: What Are We Appealing to’ in K. M. Newton, Twenty_century Literary theory (pp 57 – 60) N York: Palgrave McMillan, 1997.
MALTA, Luiz Roberto. O Manual do Revisor, teoria da revisão. S Paulo: WVC, 2000
MONTEIRO, M. O papel do revisor de texto . acessível em https://www.keimelion.com.br/2011/07/o-papel-do-revisor-de-textos.html#:~:text=O%20papel%20do%20revisor%20%C3%A9,autor%20no%20processo%20de%20escrita.
MOSSOP, Brian Revising and Editing for Translators, London and N York: Routledge, 2020.
ROCHA, Harrison da. Um novo paradigma de revisão de texto: discurso, gênero e multimodalidade. Brasília, 2012.
[1] Graduada em Letras (UNIR) com pós-gradução em Revisão de texto (PUC-MG). Servidora pública do município de Porto Velho.
[2] Doutor em Letras, com pós doutorados em Estudos de Tradução e em Literatura Caribenha. Professor aposentado da UNIR, coordenador do Centro de Idiomas da Faculdade Católica de Rondônia.
[3] (acessível em https://mundoescrito.com.br/entrevista-carlos-alberto-faraco/)
[i] (acessível em https://mundoescrito.com.br/entrevista-carlos-alberto-faraco/.