PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE DENGUE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO DISTRITO FEDERAL EM 2023 E 2024

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202412201110


Railson Cavalcante Silva
Orientador: Dr. Fabrício Nunes da Paz


RESUMO

O Brasil vivenciou uma explosão nos casos de dengue em 2024, sobretudo do Distrito Federal (DF), o estado com maior coeficiente de incidência. Por conseguinte, aumentaram também os casos graves e os óbitos, em todas as faixas etárias. A criança com dengue, por sua vez, pode apresentar um quadro infeccioso inespecífico ou grave com piora súbita. Os óbitos, contudo, em sua maioria, são evitáveis, inclusive pelo conhecimento do perfil epidemiológico dessa doença. Este estudo tem, portanto, como objetivo principal analisar o perfil epidemiológico dos casos de dengue na população pediátrica e adolescente do DF no período de 2023 a 2024, a fim de aventar correlações com fatores determinantes de saúde pública e propor intervenções preventivas, assistenciais e de vigilância. Para isso realizou-se um estudo observacional do tipo ecológico, cujos dados populacionais foram extraídos a partir do TABNET – DATASUS e submetidos a análise estatística com teste do qui-quadrado, considerando-se o p-valor significativo menor que 0,005, e à composição de gráficos e tabelas. Além disso, procedeu-se revisão de informes técnicos e boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), do Ministério da Saúde brasileiro e da Organização Mundial da Saúde, disponíveis em suas plataformas on-line. A partir disso, verificou-se que o perfil epidemiológico dos casos de dengue na população pediátrica e adolescente do Distrito Federal no período de 2023 a 2024 demonstrou-se relativamente em consonância com os achados nacionais, apesar de proporções alarmantemente maiores de casos nessa Unidade da Federação. Não foi possível, contudo, avaliar com maior precisão, um dos principais determinantes de saúde pública nos casos de dengue que é a vigilância epidemiológica por meio da geolocalização, haja visto a subnotificação de casos com especificação do município ou região de saúde de residência do paciente, ponto-chave de proposta de intervenção elencado por esse trabalho. 

Palavras-chave: dengue; pandemia; vigilância epidemiológica.

ABSTRACT

Brazil experienced an explosion in dengue cases in 2024, especially in the Federal District (DF), the state with the highest incidence rate. Consequently, severe cases and deaths also increased in all age groups. Children with dengue, in turn, may present a nonspecific or severe infectious condition with sudden worsening. However, most deaths are preventable, including by understanding the epidemiological profile of this disease. Therefore, this study’s main objective is to analyze the epidemiological profile of dengue cases in the pediatric and adolescent population of the DF in the period from 2023 to 2024, in order to suggest correlations with public health determinants and propose preventive, care, and surveillance interventions. For this purpose, an observational ecological study was carried out, whose population data were extracted from TABNET – DATASUS and submitted to statistical analysis with the chi-square test, considering a significant p-value less than 0.005, and the composition of graphs and tables. In addition, a review of technical reports and epidemiological bulletins from the State Health Department of the Federal District (SES-DF), the Brazilian Ministry of Health and the World Health Organization, available on their online platforms, was carried out. From this, it was found that the epidemiological profile of dengue cases in the pediatric and adolescent population of the Federal District in the period from 2023 to 2024 was relatively in line with national findings, despite alarmingly higher proportions of cases in this Federation Unit. It was not possible, however, to assess with greater precision one of the main determinants of public health in dengue cases, which is epidemiological surveillance through geolocation, given the underreporting of cases with specification of the municipality or health region of the patient’s residence, a key point of the intervention proposal listed by this work. 

Keywords: dengue fever; pandemics; epidemiological monitoring.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dengue é o arbovírus com o maior número de casos na Região das Américas, com epidemias registradas a cada 3 a 5 anos. No Brasil, a dengue é considerada uma endemia, que apesar de registrar casos durante todo o ano, tem um padrão sazonal coincidente com os meses quentes e chuvosos, quando pode tornar-se epidemia, geralmente ocasionada pela introdução/reintrodução dos diferentes sorotipos (BRASIL, 2024 a). Até hoje, são conhecidos quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 (BRASIL, 2024 b).

Em 2023, observou-se aumento de casos de dengue na Região das Américas e especificamente no Brasil. Alguns fatores elencados como contribuintes para isso incluem: as mudanças climáticas, com aumento das temperaturas e pluviosidade que favorecem a proliferação do mosquito, a introdução e/ou circulação de um ou mais sorotipos do vírus no país e o crescimento populacional desordenado associado a fragilidades nos serviços de infraestrutura e saneamento básico. Todas essas situações relacionam-se à elevada infestação pelo mosquito vetor do vírus da dengue, Aedes aegypti (BRASIL, 2024 b).

E ainda não existe ainda tratamento específico para a dengue. Contudo, em março de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) efetuou o registro da Vacina dengue (atenuada), fabricada pela empresa IDT Biologika e fornecida pela Takeda Pharma LTDA. Desde então, os serviços de vacinação privados passaram a oferecer o imunizante enquanto o produtor submetia a vacina ao processo de incorporação de novas tecnologias no SUS. A sua incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi aprovada nesta comissão em 21 de dezembro de 2023 (BRASIL, 2024 b).  

Após análises epidemiológicas, demográficas e de custo-benefício, em 2024, o Ministério da Saúde (MS) indicou a vacina dengue para crianças e adolescentes de 10 anos a 14 anos, 11 meses e 29 dias de idade, independentemente de infecção prévia por esse vírus.  O esquema vacinal recomendado consiste na administração de duas doses, com intervalo de três meses (BRASIL, 2024 b). 

Portanto, a incorporação da vacina dengue no SUS, em conjunto com as demais ações de controle e prevenção do agravo, pode contribuir para a redução da incidência, hospitalizações e mortes pela doença no Brasil, cujo impacto na saúde pública é elevado, devido aos gastos com a assistência aos pacientes e com mortes prematuras dessa população-alvo (BRASIL, 2024 b).

Na criança, quando é sintomática, a dengue pode se apresentar como um quadro infeccioso inespecífico, principalmente em menores de 2 anos de idade, manifestando sintomas como choro persistente, irritabilidade, adinamia, sonolência, recusa de alimentos e líquidos, vômitos, diarreia. Geralmente o agravamento é súbito e o quadro grave pode ser a primeira manifestação, de maneira que o choque se inicia rapidamente e tem duração breve, podendo levar ao óbito entre 12 a 24 horas por serem menos capazes que adultos de compensar o extravasamento capilar, ou evoluir com recuperação rápida com ressuscitação volêmica adequada (BRASIL, 2024 a). 

Os óbitos são, portanto, geralmente em pacientes com quadro grave, ou que tiveram o quadro agravado por tratamento inadequado. Contudo, em sua maioria, são evitáveis com aplicação de medidas de baixa densidade tecnológica, baseadas na preparação dos serviços de saúde, principalmente durante epidemias, para acolher, triar, classificar e tratar adequadamente e com prioridade os casos com sinais de alarme e graves (BRASIL, 2024 a). Aprimorar essas medidas ainda é imprescindível, visto que há expressiva parcela de crianças não abrangidas na população-alvo da vacinação contra a dengue definida pelo MS. E para prevenir é preciso conhecer e atualizar sobre como está se comportando a dengue nesta nova epidemia, ou seja, seu perfil epidemiológico.

2 OBJETIVOS

Este estudo tem por objetivo principal analisar o perfil epidemiológico dos casos de dengue na população pediátrica e adolescente do Distrito Federal no período de 2023 a 2024, a fim de aventar correlações com fatores determinantes de saúde pública e propor intervenções preventivas, assistenciais e de vigilância.

3 MÉTODOS

O presente trabalho trata-se de um estudo observacional do tipo ecológico, cujos dados populacionais foram extraídos a partir do TABNET – DATASUS no campo de informações sobre Doenças e Agravos de Notificação (SINAN): Dengue, na data de 21 de julho de 2024. Aqueles relativos a sexo e idade em branco ou ignorados não foram considerados para este estudo.

Por se tratar de dados já consolidados de domínio público, provenientes da rotina de vigilância das arboviroses, não é necessário a submissão ao comitê de ética em pesquisa, em acordo com a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.  

Os dados coletados foram então tabulados em uma planilha virtual do software Microsoft Excel onde foram organizados, submetidos a análise estatística com teste do qui-quadrado, considerando-se o p-valor significativo menor que 0,005, e à composição de gráficos e tabelas.

Além disso, procedeu-se revisão de informes técnicos e boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), do Ministério da Saúde brasileiro e da Organização Mundial da Saúde, disponíveis em suas plataformas on-line para conceituação e discussão dos resultados encontrados.

4 RESULTADOS

4.1 Definições

As definições dos casos de dengue de acordo com a OMS, e adotadas pelo MS são:

a) Suspeito: pessoa que resida em ou tenha viajado para área de casos de dengue (ou presença de Aedes aegypti) nos últimos 14 dias que apresente febre entre dois a sete dias associada a duas ou mais das seguintes manifestações: náuseas, vômitos, exantema, mialgias, artralgias, cefaleia, dor retro-orbital, petéquias, prova do laço positiva e leucopenia; ou criança sem foco de infecção aparente.

b) Suspeito com sinais de alarme: aquele que, no período de defervescência da febre, apresenta um ou mais dos seguintes sinais de alarme: dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural e/ou lipotimia; hepatomegalia >2 cm abaixo do rebordo costal; sangramento de mucosa; letargia e/ou irritabilidade; aumento progressivo do hematócrito.

c) Suspeito de dengue grave: uma ou mais das seguintes condições: choque ou desconforto respiratório, sangramento grave, comprometimento grave de órgãos.

d) Confirmado:
I. Por critério laboratorial (sorológico ou antígeno)
II. Epidemiológico: na impossibilidade de realização de confirmação laboratorial, considera-se a confirmação por vínculo epidemiológico com um caso confirmado laboratorialmente, após avaliação da distribuição espacial dos casos confirmados.

e) Óbito por dengue: caso suspeito ou confirmado que morreu em consequência da doença, mesmo que na concomitância de outras comorbidades.

4.2 Critérios de internação hospitalar

a) Presença de sinais de alarme ou de choque, sangramento grave ou comprometimento grave de órgão;

b) Recusa à ingestão de alimentos e líquidos;

c) Comprometimento respiratório;

d) Impossibilidade de seguimento ou retorno à unidade de saúde por condições clínicas ou sociais;

e) Comorbidades descompensadas ou de difícil controle;

f) Outras situações a critério clínico.

4.3 Dados extraídos do DATASUS

A fim de verificar a influência da quantidade de habitantes nos achados deste trabalho, na própria plataforma DATASUS, verificou-se a projeção populacional disponível, de 0 a 14 anos, no distrito federal nos anos de 2023 e 2024. Encontrou-se uma variação estimada de 0,006% (824.929 para 820.086 habitantes, respectivamente). Portanto, diante de espaço de tempo restrito a menos de dois anos e pequena oscilação populacional, desconsiderou-se a interferência da densidade demográfica para a construção das informações a seguir.

Para fins de cálculo de taxa de incidência de casos, por região de saúde, utilizou-se como denominador de quantidade de habitantes na faixa etária de zero a dezenove anos, as últimas informações do Relatório Anual de Gestão (RAG) da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) disponibilizadas, que permitiram a estratificação populacional por faixa etária. No momento da confecção deste trabalho, eram as de 2021. Ao consultar os casos prováveis de dengue nos anos de 2023 e 2024, nessa faixa etária, por região de saúde de residência, no DATASUS, notou-se que a maioria (aproximadamente 99%) dos casos foi notificado no “Distrito Federal”, provavelmente subestimando os dados verdadeiros por região. Os cálculos de taxas de incidência foram então agrupados na Tabela 1, onde verifica-se que a região de saúde Sudoeste foi a que teve maior taxa de incidência, sendo também a mais populosa.

Conforme disposto na Tabela 2, observa-se que que o aumento substancial (próximo a 700%) em casos suspeitos de dengue do ano de 2023 para 2024. Contudo, não foi demonstrado diferença estatisticamente significativa no aumento proporcional de casos de dengue com sinais de alarme, dengue grave, hospitalizações e óbitos. A análise da taxa de letalidade também pode ter sido prejudicada, e não foi numericamente relevante a divisão por faixa etária, calculando-se apenas a taxa de letalidade geral, que apesar de aparentemente menor em 2024, não teve valor de p significante em relação a 2023.

Ao subdividir essa análise por sexo, inicialmente nota-se que no ano de 2024 ocorreu um aumento significativo na frequência de casos suspeitos de dengue entre crianças e adolescentes do sexo masculino. Além disso, em 2024 houve uma redução significativa na diferença da frequência de casos de dengue com sinais de alarme entre crianças e adolescentes do sexo masculino.  Essas informações estão pormenorizadas na Tabela 3, a seguir.

Procedeu-se também a estratificação desses dados por idade. Para otimizar a interpretação, representou-se os achados em gráficos, conforme a seguir. Percebe-se nos Gráficos 1 e 2 que a frequência de casos suspeitos de dengue predominou na faixa etária entre 15 e 19 anos, em ambos os anos. O p-valor calculado para a diferença da frequência idade x sexo foi < 0,001 para ambos os anos.

Já nos gráficos 3 e 4 nota-se que a predominância dos casos de dengue com sinais de alarme foi nas faixas etárias de 5-9 e 10-14 anos, em ambos os anos. Não houve diferença significativa entre as frequências por faixa etária em 2023 (p-valor = 0,654), contudo, em 2024 o p-valor para a comparação de frequência por idade foi menor que 0,001.

Pelo fato de não ter ocorrido óbito nas faixas etárias representadas em 2023, no Gráfico 5, a análise estatística não foi possível. Entretanto, o Gráfico 6 mostra a predominância de óbitos nas faixas etárias de 5-9 e 10-14 anos em 2024, não havendo, contudo, diferença estatística significante (p-valor = 0,255).

Por fim, os Gráficos 7 e 8 mostram que as faixas etárias também de 5-9 e 10-14 anos foram as mais submetidas a internação em 2023 e 2024, valores de p = 0,003 e < 0,001, respectivamente.

Ao comparar os quadros de dengue de acordo com a classificação e com os casos de hospitalização, conforme disposto na Tabela 2, fica evidente que em 2023 houve significativamente mais detecções do sorotipo DENV-2. Em 2024, o total de detecções, as hospitalizações e aqueles com classificação do quadro de dengue como grave ou com sinais de alarme estiveram significativamente mais relacionados também ao sorotipo DENV-2.

Vale ressaltar que houve apenas dois casos de detecção do DENV-3 em 2024, e em 2023 não houve casos relatados de DENV-3, portanto, não permitindo a comparação. Além disso, para otimizar a comparação estatística aumentando-se a frequência observada de casos, aglutinou-se as variáveis: sexo, faixa etária e classificação como dengue grave ou com sinais de alarme.

5 DISCUSSÃO

O Brasil vivenciou uma explosão nos casos de dengue em 2024, sobretudo do Distrito Federal (DF), que foi o estado com maior coeficiente de incidência, com 9.638,1 casos por 100 mil habitantes, enquanto Minas Gerais e Paraná ficaram em segundo e terceiro lugar, com 8.059,0 casos por 100 mil habitantes e 5.520,6 casos por 100 mil habitantes, respectivamente (BRASIL, 2024 c). Portanto, é compatível com a franca repercussão na população de crianças e adolescentes do DF observada neste trabalho.

De acordo com os dados encontrados no DATASUS, no Distrito Federal, enquanto de 2021 a 2024 o número de casos prováveis de dengue na população geral variou entre 18.655, 72.691, 42.167 e 279.569, respectivamente, por ano. Já no Brasil, essa variação foi de 531.336, 1.394.532, 1.508.936 e 6.432.823 casos, para o mesmo período. Para a faixa etária deste estudo, de zero a dezenove anos, no Distrito Federal, a evolução da incidência de casos se deu entre 4.152, 16.763, 8.171 e 64.185 casos. Enquanto isso, no Brasil, para essa faixa etária, nesse período, a distribuição de casos foi de 136.888, 348.281, 385.374 e 1.524.726, por ano, respectivamente. 

No Brasil, até a vigésima sexta semana epidemiológica, houve aumento em 344,5% na quantidade de casos de dengue quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Seguindo essa tendência, houve aumento também em 341% nos casos de dengue grave, em 305% nos casos de dengue com sinais de alarme e em 327% nos óbitos relacionados (BRASIL, 2024 c). Enquanto isso, no DF, percebeu-se de maneira alarmante o aumento em 1.046,2% nos casos prováveis, 7.600% nos casos de dengue grave, 3.570% dos casos de dengue com sinais de alarme e 41.500% dos óbitos relacionados à dengue, no mesmo período (SES/DF, 2024 a). 

Consequentemente, o aumento em todos esses indicadores, sobrecarrega a assistência à saúde e pode dificultar o acesso dos pacientes com sinais de alarme ou graves, favorecendo complicações e óbitos relacionados. Nesses tempos de crise, visando favorecer o atendimento daqueles já infectados, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recomenda a readequação dos serviços assistenciais à saúde principalmente com organização da triagem e fluxo de pacientes para evitar a superlotação (OPAS/OMS, 2024).

Contudo, conforme representado na Tabela 1, não houve variação proporcional significativa na faixa etária de zero aos dezenove anos entre os anos de 2023 e 2024 no DF. Apesar disso, as informações dispostas na Tabela 3 mostram predomínio significativo dos casos suspeitos entre crianças e adolescentes em 2024.

No DF, a frequência de manifestação dessa arbovirose na população geral se sobressaiu entre as mulheres (54,6%) e apresentou tendência crescente até os 29 anos de idade (SES/DF, 2024 a). Neste estudo, contudo, ficou claro o predomínio de casos entre meninos.

Os gráficos demonstraram que a frequência de casos suspeitos de dengue predominou na faixa etária entre 15 e 19 anos tanto em 2023 quanto em 2024. Ainda mostram que os casos com sinais de alarme prevaleceram significativamente entre 5 a 14 anos de idade apenas em 2024, apesar dessa faixa etária ter liderado as internações em ambos os anos. Não houve, contudo, diferença significativa entre os registros de óbitos estratificados por idade. O padrão desses gráficos também se mostra relativamente crescente das frequências de casos de suspeita, de sinais de alarme e hospitalização até os 9 anos de idade.

A despeito desses achados, o Boletim Epidemiológico brasileiro de julho de 2024 traz uma tendência estável do coeficiente de incidência dos casos suspeitos entre todas as faixas etárias desta presente análise (BRASIL, 2024 c).

Na população brasileira, as maiores taxas de letalidade estão naquelas crianças menores de 1 ano e com incremento gradativo a partir dos 50 anos de idade (BRASIL, 2024 c). Nesse estudo, entretanto, diante de uma quantidade relativamente pequena de óbitos registrados, a análise da taxa de letalidade pode ter sido prejudicada, e não foi numericamente relevante a divisão por faixa etária, calculando-se apenas a taxa de letalidade geral, que apesar de aparentemente menor em 2024, não teve valor de p significante em relação a 2023. Por isso, a monitorização dos desfechos por faixa etária mostra-se de extrema importância inclusive para monitoramento da adequação da assistência à saúde, visto que as crianças menores têm alto risco de se complicar, mas também têm melhores chances de responderem ao tratamento adequado.

Em 2024, os quatro sorotipos do vírus da dengue foram detectados no Brasil, sendo DENV-1 e DENV-2 os mais prevalentes, sendo os únicos que se manifestaram no DF, em consonância com este presente estudo, que além disso, evidenciou em 2024 mais detecções, hospitalizações e quadros de dengue com sinais de alarme ou grave relacionados ao DENV-2 (BRASIL, 2024 c).

Muitos casos ainda não são notificados ou tabulados discriminando a região de saúde de residência do paciente, dados esses ainda mais subestimados entre crianças na faixa etária deste estudo, ao se comparar com o informado pela SES a respeito da população geral do DF. Apesar disso, a frequência de casos suspeitos e óbitos na população geral e nessa faixa etária foi maior na região de saúde Sudoeste (SES/DF, 2024 a).

Conforme as mais recentes recomendações da OPAS/OMS, em 2024, uma das medidas mais eficazes para se reduzir os casos de dengue é a prevenção e controle do mosquito Aedes aegypti. Para isso é necessário: a eliminação de criadouros do vetor, otimizar os serviços de coleta de resíduos sólidos (possíveis criadouros), aplicar medidas de controle de criadouros por meio de métodos físicos, biológicos e/ou químicos e definir as áreas de alto risco de transmissão, a fim de priorizar aquelas onde há concentração de pessoas. 

Diante disso, a SES/DF elaborou o Plano de Enfrentamento, que estipulou ações estratégicas de: coordenação de saúde; vigilância entomo-epidemiológica; assistenciais, por meio de fortalecimento da Estratégia de Saúde da Família, das portas de emergência, da informação da população para adequada utilização dos serviços de saúde; comunicação, mobilização e educação em saúde; e apoio governamental (SES/DF, 2024 b). Contudo, a notificação de casos com rigor ao informar a área de saúde de residência do paciente ficou claramente aquém do desejado durante uma das piores pandemias de dengue do país e do DF.

Vale destacar a influência da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE/DF), composta por uma população de 1.612.503 nos 33 municípios goianos e mineiros, além dos 3.015.268 habitantes da capital federal. Isso porque nos últimos anos houve aumento na quantidade de atendimentos nas unidades de saúde do DF de pacientes com sintomas de dengue que são residentes de municípios da RIDE, principalmente do estado de Goiás. Isso pode, em parte, ter influenciado na geolocalização das pessoas afetadas, não sendo possível identificar como moradoras de determinada região de saúde específica do DF, caso sejam moradores de Goiás e Minas Gerais.

6 CONCLUSÃO

Verificou-se neste estudo que o perfil epidemiológico dos casos de dengue na população pediátrica e adolescente do Distrito Federal no período de 2023 a 2024 demonstrou-se relativamente em consonância com os achados nacionais, apesar de proporções alarmantemente maiores de casos nessa Unidade da Federação.

Não foi possível, contudo, avaliar com maior precisão, um dos principais determinantes de saúde pública nos casos de dengue, que é a vigilância epidemiológica por meio da geolocalização, haja visto a subnotificação de casos com especificação do município ou região de saúde de residência do paciente. 

Portanto, em acordo com as propostas de ações estratégicas, elenca-se a necessidade de reforçar a adequada notificação da região de saúde do paciente, visando fortalecer as ações de vigilância epidemiológica. Com isso, consequentemente otimizar o controle entomológico direcionado e o investimento de recursos assistenciais, visto que a população pediátrica demanda profissionais e insumos específicos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. Brasília, 2024 a.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento do Programa Nacional de Imunizações. Informe Técnico Operacional da Estratégia de Vacinação Contra a Dengue em 2024. Brasília, 2024 b. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças Transmissíveis. Boletim Epidemiológico. Volume 55, Nº 11, 4 Jul. 2024. Brasília, 2024 c. 

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Subsecretaria de Vigilância à Saúde. Boletim Epidemiológico Ano 19, nº 30, julho de 2024. Monitoramento dos casos de dengue até a Semana Epidemiológica 30 de 2024 no Distrito Federal. Brasília, 2024 a.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Plano de enfrentamento da dengue e outras arboviroses (2024-2027). Brasília, 2024 b.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS/OMS). Atualização Epidemiológica: Aumento de casos de dengue na Região das Américas. 18 de junho de 2024.