IMUNOMODULAÇÃO E TERAPIA ANTINEOPLÁSICA A PARTIR DE COMPOSTOS BIOATIVOS DE COGUMELOS: CONTRIBUIÇÕES À CIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202412190108


Leticia Norbie Loureno de Andrade1, Karla Soares Pereira Almeida2, Iuri Rodrigues Nogueira3, Italo da Silva Lobão4, Ana Clara Menezes de Santana5, Kelly Raphaelle de Luna Aguiar Nascimento6, José Valdemir do Nascimento7


RESUMO

Introdução – Os cogumelos são fungos com grande importância econômica e biomédica. Além de serem ricos em nutrientes, eles podem auxiliar no tratamento de diabetes, obesidade e hipertensão, e oferecer benefícios para a saúde mental e no tratamento antineoplásico. Objetivos – O objetivo deste estudo foi descrever de forma ampla os componentes bioativos de fungos com importância no tratamento antineoplásico. Métodos – O presente trabalho é uma revisão integrativa de base de dados como PUBMED, Google acadêmico e SciELO a fim de compreender como esses compostos bioativos funcionam como adjuvante em terapias antineoplásicas, complementando tratamentos convencionais como quimioterapia e radioterapia. Resultados e discussão – Os artigos aqui discutidos, de maneira ampla, abordam sobre a importância de elementos bioquímicos presentes em fungos como Trametes versicolor, Ganoderma lucidum, Cordyceps sinensis e Agaricus blazei. Conclusão – Dessa forma, o processo de desenvolvimento científico-teórico sobre imunomodulação e terapia antineoplásica relacionadas aos compostos bioativos de cogumelos não pode estagnar e é de suma importância que pesquisas nesse tema sejam desenvolvidas, a fim de ampliar o arcabouço teórico.

Palavras-chave: cogumelos, fungos, fitoterapia, tumor, neoplasias.

ABSTRACT

Introduction – Mushrooms are fungi with great economic and biomedical importance. In addition to being rich in nutrients, they can help treat diabetes, obesity and hypertension, and offer benefits for mental and antineoplastic treatment. Objectives – The objective of this study was to broadly describe the bioactive components of fungi that are important in antineoplastic treatment. Methods – The present work is an integrative review of databases such as PUBMED, Google Scholar and SciELO in order to understand how these bioactive compounds function as an adjuvant in antineoplastic therapies, complementing conventional treatments such as chemotherapy and radiotherapy. Results and discussion – The articles discussed here, broadly, address the importance of biochemical elements present in fungi such as Trametes versicolor, Ganoderma lucidum, Cordyceps sinensis and Agaricus blazei. Conclusion – Therefore, the process of scientific-theoretical development on immunomodulation and antineoplastic therapy related to bioactive compounds from mushrooms cannot stagnate and it is extremely important that research on this topic is developed in order to improve the theoretical framework.

Keywords: mushrooms, fungi, herbal medicine, tumor, neoplasms.

INTRODUÇÃO

Cogumelos são fungos que despertam grande interesse econômico e biomédico cosmopolita. Alguns gêneros e espécies ganham aplicabilidades culinárias, agrícolas e de saúde em todo o globo, embora variem entre os diversos países e seus hábitos culturais (de Melo et al, 2020; Seabra, 2015).

As descrições dos métodos de cultivo, para algumas espécies comestíveis, como as do gênero Agaricus spp, Lentinula spp, Pleurotus spp, são positivas, porque podem ser cultivadas em substratos inutilizados, como folhas de cana-de-açúcar em regiões tropicais e temperadas. (Crispim, de Souza Estevam, de Souza Santos, 2021). Em razão da facilidade de cultura e benefícios, os cogumelos podem contribuir às biogeocenoses na manutenção do ambiente e reaproveitamento de rejeitos (Crispim, de Souza Estevam, de Souza Santos, 2021).

A composição nutricional de alguns cogumelos possibilita incrementações culinárias para os humanos. Fortes evidências também sugerem a utilização em terapias para grupos de risco, como diabéticos, obesos e hipertensos (de Melo et al, 2020, Crispim, de Souza Estevam, de Souza Santos, 2021).

Alguns cogumelos, possuem repercussões neurogênicas e gastrointestinais, na redução da ansiedade e aumento da motilidade do trato gastrointestinal (de Oliveira, Ladeira Garbaccio, 2017), contribuindo para a redução do perfil de adoecimento dessas populações (Seabra, 2015).

Ainda que existam cerca de 15 mil espécies conhecidas pela ciência, grande parte demonstra sabor e texturas desagradáveis, sendo impróprios para o consumo. Entretanto, algumas espécies e gêneros de cogumelos adquirem aplicabilidade terapêutica por serem ricos em sais minerais, fibras, vitaminas, polissacarídeos e elementos antioxidantes, que por sua vez, desempenham papéis antitumorais por reduzirem a quantidade de elétrons desempareados (de Melo et al, 2020; Seabra, 2015).

O cogumelo Reishi (Ganoderma lucidium), embora não seja comestível, possui alto teor de polissacarídeos, esteróis e triterpenos, por isso desempenham função antioxidante, podendo ser eficaz como coadjuvantes no processo de renovação celular e combate à patógenos (de Melo et al, 2020; Seabra, 2015).

Outras aplicações para os cogumelos, incluem a extração de seus princípios bioativos e sua implementação na terapia antineoplásica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de revisão literária de cunho narrativo delineado por meio de fontes secundárias de dados, enfatizando-se as utilizações terapêuticas dos cogumelos em diversas esferas na área da saúde, inclusive na terapia antitumoral. Os materiais que serviram de base a esta pesquisa estavam disponíveis à livre consulta em fontes indexadas de bases de dados. Primeiramente, realizou-se uma pesquisa de literatura nas bases de dados do Google acadêmico e Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e a seleção de artigos se deu por meio da utilização dos operadores booleanos “and”, “or” acrescidos das palavras-chave: “cogumelos”, “terapêutica”, “ciência”. Os artigos escolhidos foram selecionados a partir dos títulos e resumos e não foi feita nenhuma delimitação quanto ao ano de publicação, os que não abordavam o tema foram descartados.

Tendo em vista que o tema é de ampla discussão, apenas os cogumelos mais referenciados na literatura científica são descritos, sendo os fungos abordados: Trametes versicolor, Ganoderma lucidum, Cordyceps Sinensis e Agaricus blazei. A análise de dados foi estabelecida a partir dos aspectos de maior relevância clínica, observando-se as aplicabilidades de utilização desses cogumelos na medicina preventiva e curativa, acrescido da exploração biomédica limitada, a baixa disseminação das informações sobre os princípios ativos dos cogumelos e seus efeitos benéficos e tóxicos.

Este trabalho se configura como uma ferramenta para promoção, compreensão e conscientização sobre o potencial terapêutico dos cogumelos, contribuindo assim para aprimorar as práticas de cuidados de saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os cogumelos são organismos eucariotos ausentes de clorofila e pertencentes ao grande reino fungi, que possuem estrutura característica que varia em tamanho, forma e coloração em razão do gênero e espécie. A figura 1 ilustra a estrutura anatômica simplificada de um cogumelo. Os micélios formam toda sua estrutura reprodutora. Entretanto, a porção inferior do píleo tem grande papel na formação de esporos (figura 1).

Sua importância fitoterápica, ainda que pouco presente no contexto brasileiro atual, possui raízes intrínsecas à história oriental. As utilizações eram baseadas no empirismo e tinham papéis no manejo de enfermidades importantes, como a reversão de arritmias cardíacas, gastrites, úlceras pépticas, câncer e outras patologias (de Melo, et al, 2020). Atualmente, com a evolução da biomedicina, avançaram os conhecimentos da toxicologia de alguns cogumelos e também o descobrimento de propriedades ativas, que são úteis na terapêutica e ganham aplicações médicas.

Figura 1 – estrutura simplificada dos cogumelos

Fonte: elaboração própria, 2024.

Existe uma variedade importante de cogumelos que desempenham papel crucial como coadjuvantes na terapia antitumoral em vários órgãos-alvos. Esses cogumelos são de interesse à pesquisa clínica.

Trametes versicolor.

Alguns autores evidenciam o papel imunomodulador e antitumoral de alguns gêneros de cogumelos, ressaltando sua importância no tratamento antineoplásico (Cui & Chisti, 2003). Existem dois compostos bioativos importantes para a terapêutica antitumoral extraídos de micélios de Trametes versicolor. O Polissacaropeptídeo (PSP) e o Polissacarídeo-Krestin (PSK).

PSP e PSK pesam aproximadamente 100 kDa e possuem pequenas variações na constituição de seus sacarídeos. São polissacaropeptídeos formados por ligações covalentes O glicosídicas (Habtemariam , 2020).

Ainda que PSK e PSP não sejam estruturalmente muito distintos, são bioquimicamente complexos. São constituídos, em sua simplicidade, por ligações β-1,4 e cadeias β-1,3 e β-1,6, ligadas a aminoácidos terminais (Habtemariam, 2020; Cuj & Chisti, 2003). Ambos despertam atenção biomédica por desempenharem função celular e imunomoduladora empregada como coadjuvante no tratamento de uma gama enorme de tipos de câncer registrado por meio de ensaios clínicos e in vitro (Cuj & Chisti, 2003; Lowenthal , 2023; Habtemariam, 2020).

Lowenthal, Taylor & Gidden (2023) investigaram a capacidade dos compostos induzirem a apoptose celular através de citometria de fluxo. Suas conclusões evidenciam que os princípios ativos evocaram uma resposta suicida sutil de células cancerosas epiteliais.

Aparentemente, esses efeitos são mediados pela indução de proteínas da família das caspases, responsáveis pela morte celular autoinduzida (Habtemariam, 2020). Esses resultados não foram encontrados em células neoplásicas de cólon, evidenciando uma limitação da terapia com PSK.

Um estudo menciona a ausência de efeitos citotóxicos para células epiteliais não cancerosas (Lowenthal, 2023), o que pode representar um aspecto promissor na terapia anti-melanoma. Os progressos na terapia antitumoral com PSK, e PSP a partir de Tr. versicolor, representam avanços para a saúde, por exibirem baixas taxas de reações adversas mesmo em administração prolongada e aumentam a supressão de genes associados à resistência à morte celular (figura 2) (Habtemariam, 2020; Cuj & Chisti, 2003).

A coadministração de PSK com fármacos antitumorais, como o agente, 5-fluorouracil (5-FU), é uma potente terapia contra o câncer. Um dos mecanismos refere-se à redução da formação de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs). Esses elementos são danosos porque possuem elétrons não emparelhados, que se ligam a estruturas celulares e causam o chamado dano oxidativo. EROs estão superexpressos em idosos devido aos processos fisiológicos de senescência e senilidade e também em casos patológicos como tumores ou inflamação através da ativação de fosfolipases (A2).

O mecanismo bioquímico de redução de EROs parece ser mediado pela indução de glutationa peroxidase e Superóxido Dismutase (SOD), a partir da terapia de coadministração de antineoplásicos com os polissacaropeptídeos, PSP e PSK, auxiliando na redução do estresse oxidativo e consequente redução do tumor (figura 2) (Lowenthal , 2023, Cuj & Chisti, 2003, Habtemariam 2020).

Habtemariam (2020) descreve que compostos ativos também paralisem o ciclo celular, a depender da dose, inibindo a mitose em alguns tipos celulares.

Os compostos ativos de Tr. versicolor, tem atividade pró-inflamatória, promovendo modificações para cima, nas atividades de células imunológicas, como linfócitos Th2, NK, monócitos e macrófagos de animais em ensaios clínicos e in vitro. Elas são reguladas pelo quantitativo de citocinas, como histamina, prostaglandinas E2 (PGe2), imunoglobulina G (IgG), interferon (IFN) ɣ, fator de necrose tumoral (TNF) α e interleucina (IL) – 6, (figura 2) sendo supostamente útil no combate a infecções ou prevenção de infecções em pós operatório (Lowenthal, 2023, Cuj & Chisti, 2003, Habtemariam, 2020).

Ressalta-se que a utilização de Tr. versicolor deve ser minuciosamente estudada em casos de hipersensibilidade ou doenças autoimunes, em razão da capacidade de exacerbação dos efeitos imunológicos. Um contraponto da utilização de PSK e PSP refere-se ao fato de alguns trabalhos descrevem que citocinas pró-inflamatórias como PGe2, desempenham papel oncogênico

Figura 2 – diagrama de efeitos referenciados em literatura de Polissacaropeptídeos PSP e PSK de Trametes versicolor.

Fonte: elaboração própria, 2024.

O manuscrito de Habtemariam (2020) relatou um ensaio de grande porte envolvendo a utilização de PSK (3g/dia) como coadjuvante no tratamento de câncer estomacal. Os resultados evidenciaram sobrevida com diminuição dos índices de reincidência neoplásica em três anos.

Apesar dos resultados encontrados em pesquisas clínicas e in vitro, as conclusões para utilização humana de PSK e PSP como auxiliadores na terapia antineoplásica não são consenso para todos os autores (Lowenthal , 2023; Habtemariam, 2020, Cuj & Chisti, 2003). As justificativas são que os ensaios clínicos, ainda que bem idealizados, permanecem inconclusivos.

Ganoderma lucidum.

Assim como Tr. versicolor, outros cogumelos também possuem atividade imunomoduladora e antineoplásica, sendo também úteis como coadjuvantes na terapia antitumoral ou como imunomoduladores importantes para a terapêutica clínica. Nesse aspecto, cogumelos como Ganoderma lucidum, ganham aplicabilidades bioquímicas. Nahata (2013), destaca esse fungo como um cogumelo com diversos benefícios à saúde e outros autores evidenciam que seus compostos ativos podem ser encontrados em várias partes do cogumelo (González, Atienza, Montoro & Sorian, 2020).

Extratos de micélios de Ga. lucidum possuem uma riqueza de Polissacarídeos de Ganoderna Lucidum (GLP) hidrofílicos e triterpenos insolúveis em água, que são seus principais compostos bioativos que possuem atividade imunomoduladora e anti tumoral (Sohretoglu & Huang, 2018; Nahata, 2013; González, Atienza, Montoro & Sorian, 2020).

A hidroafinidade e hidrofobicidade destes dois compostos, são as principais barreiras para a completa imunoproteção pós-exposição quimioterápica, em razão da sua divergência e concentração bioquímica (González, Atienza, Montoro & Sorian, 2020). A completa caracterização estrutural biológica dos compostos ativos deve ser um elemento fundamental para os estudos de propriedades ativas.

O estudo de Sohretoglu & Huang (2018) evidenciou que o GLP desempenhou atividade citostática. O mecanismo bioquímico parece ser modulado pela ativação de Proteína Cinase B (PKB), que reduz em níveis importantes, a atividade de mTOR. Essa enzima possui atividade crucial coordenando o anabolismo celular a partir da sinalização da biodisponibilidade de Fatores de Crescimento Semelhantes à Insulina (IGFs) e nutrientes (figura 3).

A inibição de mTOR, aumenta a capacidade de autofagia celular através da indução da ativação de DR3. O mecanismo parece ser dose-dependente (Sohretoglu & Huang, 2018).

Nahata (2013) demonstrou que o cogumelo possui atividade antiandrogênica, fundamental na regressão de Hiperplasia Benigna de Próstata (HBP), aparentemente pela inibição da enzima 5-alfa-redutase. Curiosamente, esta inibição é provocada por β-sitosterol, um fitoesterol encontrado no cogumelo.

Os princípios ativos de Ga. lucidum também parecem demonstrar excelente capacidade de induzir o sistema imunológico. O estudo de Nahata (2013) destaca que indivíduos comprometidos imunologicamente por quimioterápicos, evidenciaram uma melhora considerável nos índices de linfócitos TCD4+ após a administração de GLP, o que melhora o imunocomprometimento por radioterapia, por exemplo (González, Atienza, Montoro & Sorian, 2020).

As descrições de imunomodulação para os extratos de Ga. lucidum são evidenciadas no estudo clínico não controlado de Soo (1994). Neste caso, haviam quatro indivíduos com marcadores hepáticos elevados (AST e ALT e bilirrubina). Após três meses de administração de 6g de extratos de Ga. lucidum diários, os valores dos biomarcadores voltaram-se para a taxa de normalidade.

Ga. lucidum demonstra aumento da atividade de SOD, auxiliando na redução do dano oxidativo causado mediante a criação de EROs (González, Atienza, Montoro & Sorian, 2020).

Interações medicamentosas surpreendentes na biologia humana podem ser visualizadas. Verapamil, apesar do efeito primário na inibição de canais de cálcio, e consequente utilização hemodinâmica, resulta também na aparente inibição de glicoproteína P, enzima super-expressa em células cancerosas. Nesse sentido, entende-se empiricamente que verapamil inibe transporte de xenobióticos para o espaço extracelular, repercutindo no aumento da eficácia terapêutica de antineoplásicos. Aparentemente o verapamil também resulta no bloqueio da secreção de insulina, podendo privar de açúcar as células neoplásicas em constante mitose marcadas pelo fenômeno Warburg.

Cordyceps sinensis.

O fungo parasita Cordyceps é valorizado há muito tempo na medicina tradicional chinesa (MTC) devido às suas propriedades farmacológicas. O gênero Cordyceps é o mais diverso da família Clavicipitaceae, com mais de 400 espécies descritas, todas parasitas específicas de lagartas de insetos entre elas, o Cordyceps sinensis se destaca por sua documentação histórica e uso médico, datando desde o final dos anos 1400 por médicos tibetanos (Chen et al., 2013).

Esse fungo é encontrado abundantemente na natureza e é conhecido por suas diversas atividades biológicas, sendo amplamente utilizado como tônico e suplemento de saúde, especialmente para idosos na China e outros países asiáticos. Vários constituintes bioativos, como cordicepina, polissacarídeos, ergosterol, manitol e adenosina, foram extraídos da espécie, com ações farmacológicas relatadas incluindo efeitos antitumorais, hepatoprotetores, anti-inflamatórios, antioxidantes, nefroprotetores e antiapoptóticos (Liu et al., 2015).

Cordyceps sinensis são reconhecidos por suas propriedades imunomoduladoras, ajudando a fortalecer o sistema imunológico ao ativar componentes essenciais da resposta imunológica. A maioria das informações sobre o efeito do Cordyceps no sistema imunológico deriva de estudos em câncer onde mostraram que diferentes componentes isolados dos cogumelos parecem exibir respostas imunes semelhantes com estimulação dependente da dose de interferon-gama (IFN-γ), uma molécula crucial na defesa imunológica que atua como citocina, ativando células fagocíticas que destroem agentes invasores (Targino et al., 2022). Os polissacarídeos extraídos do cogumelo Cordyceps sinensis fazem parte destes componentes isolados e têm sido amplamente testados quanto à sua atividade no sistema imunológico.

Além disso, a interleucina 12 (IL-12) também é estimulada pela presença desses polissacarídeos. A IL-12 desempenha um papel importante na estimulação da produção de interferon, contribuindo ainda mais para a resposta imunológica (Targino et al., 2022).

Entre as principais ações farmacológicas de ação antitumoral destaca-se os nucleosídeos e os polissacarídeos presentes no Cordyceps sinensis, sendo os nucleosídeos componentes ativos importantes e usados como marcadores químicos para o controle de qualidade. Esses nucleosídeos são fundamentais no desenvolvimento de medicamentos para câncer e doenças infecciosas, sendo amplamente utilizados em terapias anticâncer e antivirais. A cordicepina, um nucleosídeo isolado do Cordyceps militaris cultivado, trouxe foco adicional para os nucleosídeos no Cordyceps. Mais de dez nucleosídeos e seus compostos relacionados foram isolados do C. sinensis, e muitos estudiosos têm investigado seus efeitos farmacológicos, resultando em várias descobertas importantes (Liu et al., 2015).

Os polissacarídeos de Cordyceps, divididos em extracelulares e intracelulares, mostraram uma ampla gama de bioatividades em estudos experimentais, incluindo efeitos antitumorais, antivirais, imunopotenciadores, hipoglicemiantes, hipocolesterolemiantes e antioxidantes. A atividade farmacológica dos polissacarídeos está correlacionada com suas características, como o peso molecular, que influencia diretamente a atividade antitumoral. No entanto, apesar de suas propriedades benéficas, a aplicação dos polissacarídeos de Cordyceps tem sido limitada devido ao suprimento restrito (Liu et al., 2015).

Agaricus blazei.

Agaricus blazei Murill (AbM) é um cogumelo edível da classe Basidiomycetes. Na medicina tradicional, o AbM tem sido usado para tratar diversas doenças, como câncer, hepatite crônica, diabetes, arteriosclerose e hiperlipidemia. Os esporos de AbM foram direcionados ao Japão na década de 1960, para cultivo e pesquisa comercial. Desde então, vários estudos científicos têm se concentrado, sobretudo, nos atributos imunomoduladores do AbM e suas capacidades de tratar infecções e câncer (Hetland et al., 2008).

As características imunomoduladoras de AbM são bem estabelecidas. O cogumelo estimula o sistema imunológico, promovendo efeitos anti-infecciosos e antitumorais, observados em modelos de camundongos e possivelmente em humanos (Hetland et al., 2008). As moléculas ativas que exercem maior influência nessa regulação imunológica são os β-glucanos (Bertollo et al., 2022). Ademais, o AbM diminui os efeitos colaterais da quimioterapia em pacientes com câncer que recebem o AbM como complemento da terapia. Entretanto, a origem do cogumelo e do método de fabricação do extrato interferem na eficácia dos extratos de AbM que torna-se então altamente variável (Hetland et al., 2008).

Os mecanismos apoptóticos mediados por caspases, a fragmentação do DNA, a inibição da via de sinalização do NF-kB e o dano mitótico causado pela diminuição da atividade da telomerase são alguns dos efeitos específicos realizados pelo cogumelo Agaricus blazei que devem ser ressaltados. (Bertollo et al., 2022).

De acordo com Yu, Kan, Shu, Lu, Sun-Hwang e Wang (2009), em um estudo recente, os efeitos de A. blazei no crescimento do câncer de próstata foram examinados e verificaram que o A. blazei impediu a proliferação de células de câncer de próstata tanto dependentes quanto independentes de andrógenos, principalmente na forma de caldo.

O caldo do A. blazei provocou vazamento de lactato desidrogenase em três tipos diferentes de células neoplásicas malignas e intensificou a atividade da caspase 3 e a desagregação do DNA nas células PC3. As células PC3 são células que procedem de metástase óssea de câncer de próstata humano que são independentes de andrógenos. Outrossim, o caldo ampliou a expressão de proteínas relacionadas à apoptose nessas células PC3. A suplementação oral com o caldo de A. blazei, que contém uma alta proporção de β-glucano, diminuiu consideravelmente a expansão do tumor em camundongos demasiadamente imunodeficientes com tumores PC3 transplantados, sem causar efeitos colaterais (Yu et al., 2009).

O crescimento de células positivas para antígeno nuclear e a densidade de microvasos tumorais diminuíram nos tumores de camundongos tratados (Yu et al., 2009). Neste contexto, há indícios para o desempenho de vários componentes e mecanismos ativos, incluindo a supressão do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). A supressão impede a formação de novos vasos sanguíneos e, consequentemente, impede a formação dos tumores (Bertollo et al., 2022).

As informações atuais fundamentam a necessidade de pesquisas adicionais sobre AbM, tanto na intervenção de infecções bacterianas complicadas e de resistência a antimicrobianos como na terapia adicional e adjuvante no tratamento do câncer (Hetland et al., 2008). Ao considerar o compilado de compostos ativos já reconhecidos e os possíveis mecanismos biológicos identificados, é justificável sugerir que o potencial terapêutico da espécie A. blazei vem de uma combinação complexa de mecanismos que contribuem para uma abordagem terapêutica anticancerígena e antimetastática eficaz, que envolve uma variedade de processos fisiopatológicos (Bertollo et al., 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, analisou-se o papel de compostos bioativos de cogumelos na imunomodulação e terapia antineoplásica. Os cogumelos são constituídos de uma rica composição nutricional e existem em cerca de 15 mil espécies, sendo utilizados há muitas décadas por culturas antigas, incluindo indígenas, asiáticos e povos europeus primitivos, e tendo um papel imunomodulador evidenciado a partir da década de 80. A aplicabilidade terapêutica deve-se à constituição destes por vitaminas, fibras, sais minerais, polissacarídeos e elementos antioxidantes, que são úteis em terapias de comorbidades como diabetes, hipertensão e obesidade, bem como em tratamento coadjuvante para ansiedade e disfunções gastrintestinais por seus componentes imunomoduladores.

Além disso, vale ressaltar o papel antitumoral desses fungos que, de maneira geral, tem capacidade de reduzir a quantidade de elétrons desemparelhados. Contudo, conforme a especificidade da espécie e do gênero pertencente, algumas funções terapêuticas ganham destaque. Nessa perspectiva, em primeira análise, o gênero Trametes versicolor possui dois compostos bioativos importantes, o polissacaropeptídeo (PSP) e o polissacarídeo-Krestin (PSK), que apontam para um efeito de indução de proteínas da família das caspases, responsáveis pela morte celular autoinduzida, bem como a redução de espécies reativas de oxigênio (EROs), mostrando potencial na terapia antitumoral pela baixa reação adversa apresentada quando consideradas longas administrações.

Ademais, o gênero Ganoderma lucidum tem em sua composição polissacarídeos hidrofílicos e triterpenos insolúveis em água, que conseguem formar barreiras de imunoproteção à exposição quimioterápica, além de atividade citostática e atividade antiandrogênica, fundamental na regressão de Hiperplasia Benigna de Próstata (HBP), aparentemente pela inibição da enzima 5-alfa-redutase.

Já o gênero Cordyceps sinensis, possui alta aplicabilidade em fortalecer o sistema imune, haja vista a ativação de componentes essenciais da resposta imunológica, destacando-se estimulação dependente da dose de interferon-gama (IFN-γ). Dessa forma, entre as principais ações farmacológicas, destacam-se os nucleosídeos, usados como marcadores químicos para o controle de qualidade. Estes são fundamentais no desenvolvimento de medicamentos para câncer e doenças infecciosas, sendo amplamente utilizados em terapias anticâncer e antivirais.

Outro gênero relevante é o Agaricus blazei, que possui componentes bem estabelecidos por promover efeitos anti-infecciosos e antitumorais e, consequentemente, diminuir os efeitos colaterais da quimioterapia em pacientes. Nesse sentido, o caldo de A. blazei provocou vazamento de lactato desidrogenase em três tipos diferentes de células neoplásicas malignas e intensificou a atividade da caspase 3 e a desagregação do DNA nas células PC3.

Conclui-se que os compostos ativos de cogumelos demonstram funções primordiais em terapias de imunomodulação e antineoplásica pela combinação complexa de mecanismos que modulam processos fisiopatológicos. Hodiernamente, há a expansão de estudos acerca do conhecimento da toxicologia de algumas espécies mas, em contrapartida, o avanço substancial em caracterizar a relevância de propriedades ativas destes fungos. Para isso, configura-se como uma atinada terapia alternativa no manejo de comorbidades, bem como para introdução de práticas eficazes no prognóstico do indivíduo.

AGRADECIMENTOS

Às fontes citadas, por construírem o arcabouço teórico e científico que foi objeto de elaboração deste manuscrito.

REFERÊNCIAS

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1Graduanda em Medicina Instituição: Universidade Estadual de Roraima

2Graduanda em Medicina Instituição: Universidade Estadual de Roraima

3Graduando em Enfermagem Instituição: Universidade Federal de Roraima

4Graduando em Medicina Instituição: Universidade Estadual de Roraima

5Graduanda em Medicina Instituição: Universidade Estadual de Roraima

6Graduanda em Medicina Instituição: Universidade Estadual de Roraima

7Mestre em Ciências da Saúde Instituição: Universidade Estadual de Roraima