REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412181433
Alexandre da Silva Mota1
Anderson Bentes de Lima2
Resumo
Introdução: O acesso intraósseo (AIO) constitui uma técnica crucial em emergências pediátrica, particularmente quando o acesso vascular tradicional se mostra difícil. A simulação emerge como uma ferramenta pedagógica promissora para o ensino do AIO, permitindo a prática em cenários realísticos e seguros. Método: A presente revisão integrativa buscou identificar e analisar evidências sobre a eficácia da simulação no ensino e prática do AIO pediátrico. A busca abrangeu as bases de dados Medline, Scopus e PubMed, no período de 2019 a 2024, utilizando termos relacionados a “intraósseo”, “simulador” e “pediatria”. Foram selecionados artigos completos em português, inglês e espanhol. Resultados e Discussões: Os estudos analisados demonstram que a simulação promove melhorias significativas na proficiência dos profissionais de saúde em relação ao AIO. Observa-se aumento na taxa de sucesso da inserção, redução no tempo do procedimento e maior autoconfiança dos participantes. A efetividade da simulação foi verificada em diferentes contextos, como na Índia e nas Filipinas, reforçando sua aplicabilidade em cenários diversos. A repetição frequente das simulações também se mostrou crucial para a consolidação das habilidades. Conclusão: A simulação se configura como uma estratégia educacional valiosa para o ensino do acesso intraósseo em emergências pediátricas. A técnica permite a prática deliberada, o feedback imediato e a aprendizagem a partir dos erros em um ambiente controlado e seguro. Para maximizar a efetividade do treinamento, recomenda-se a repetição regular das simulações, a escolha criteriosa do simulador e a integração de diferentes métodos de ensino, como aulas teóricas e estações de habilidades. A disseminação da simulação como ferramenta pedagógica e a avaliação rigorosa de seus impactos contribuirão para a melhoria da qualidade da assistência em saúde.
Palavras-chave: Simulação. Acesso Intraósseo. Pediatria.
1. INTRODUÇÃO
O acesso intraósseo (AIO) é uma técnica essencial para a administração de fluidos e medicamentos em emergência pediátrica. Em condições críticas, como choque hipovolêmico, choque séptico, parada cardiorrespiratória e desidratação intensa, a obtenção de acesso vascular periférico pode ser difícil e demorada (SCRIVENS et al., 2019).
As diretrizes internacionais atuais de ressuscitação em neonatologia recomendam o uso de educação médica baseada em simulação para melhorar a segurança e a saúde do paciente, especialmente em cenários de emergência pré-hospitalares (por exemplo, ressuscitação de recém-nascidos fora do hospital, parto prematuro). A implementação de uma linha de infusão intraóssea na ressuscitação de recém-nascidos é uma habilidade de alta acuidade e baixa ocorrência (EIFINGER; DORWEILER; WEGNER, 2023).
Segundo Almeida e Guinsburg (2022), quando os profissionais não estão habilitados a cateterizar a veia umbilical ou quando não é possível por esta via, uma alternativa para acessar a circulação venosa central é a via AIO. Nesse caso, é necessário material adequado e profissional capacitado a realizar o procedimento.
O pouco conhecimento, a falta de uma educação continuada e a inexistência de protocolos urgência / emergência pré-hospitalar e intra-hospitalar são alguns problemas citados por FONSECA; SILVA; SANTOS (2019) sobre as dificuldades para obtenção de AIO em casos de emergência.
E conforme SILVA et al. (2019), no que tange à aquisição de conhecimento teórico prático de forma repetitiva e avaliada por profissionais, por meio do feedback, os simuladores low-tech e high-tech e modelos de treinamento experimentais são capazes de desenvolver as habilidades clínicas processuais e preparar o estudante de medicina para enfrentar as situações reais, com grau de confiança e destreza manual mais desenvolvidas, em relação à prática isolada da teoria.
Em um artigo de revisão, FLATO; GUIMARÃES, (2011) conclui que a Educação Baseada em simulação (EBS) em urgência e emergência deve ser uma ferramenta para treinamento de profissionais de saúde, com o objetivo de avaliar, mensurar e desenvolver habilidades técnicas e não técnicas comportamentais, liderança, trabalhos em equipe em ambiente controlado o mais próximo da vida real.
Diante do exposto, o objetivo desta Revisão Integrativa é identificar e avaliar a eficácia dos diferentes métodos de Simulação em AIO e identificar possíveis lacunas no conhecimento atual.
2. MÉTODO
2.1. Tipo de estudo e questão norteadora
Esta revisão integrativa teve como objetivo identificar e analisar as evidências disponíveis sobre o uso de simuladores no ensino e na prática do acesso intraósseo pediátrico. Para isso, foram seguidas as seis etapas propostas por Mendes, Silveira e Galvão (2008): 1) identificação do tema ou questão de pesquisa; 2) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos; 3) definição das informações a ser extraídas dos estudos selecionados; 4) avaliação dos estudos incluídos; 5) interpretação dos resultados; e 6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento.
A questão norteadora foi definida como: A simulação é uma estratégia educacional válida para o ensino do acesso intraósseo em emergências pediátricas?
2.2. Fonte de dados
A seleção da amostra ocorreu por acesso às bases de dados Medline Complete (BVS), Scopus e PubMed, sem determinar um campo específico de busca (article title; abstract; keywords), mas optando por pesquisar em todos os campos – “all fields” (Quadro 1).
Quadro 1 – Estratégia de busca
Base de dados | Combinações booleanas |
PubMed | (“intraosseous”[All Fields] OR “intraósseo”[All Fields] OR”intraóssea”[All Fields]) AND (“simulator”[All Fields] OR “simulation”[All Fields] OR “Simulador”[All Fields] OR “simulação”[All Fields]) AND (“pediatrics”[All Fields] OR “pediatric”[All Fields] OR “pediátrica”[All Fields] OR”pediatria”[All Fields] OR “pediátrico”[All Fields]) |
Scopus | (intraosseous OR intraosseo OR intraossea) AND ( pediatric OR pediátrica OR pediatria OR pediatrics ) AND ( simulation OR simulator OR simulador OR simulação ) |
Medline | (intraósseo OR intraóssea OR intraosseous) AND (pediátrico OR pediátrica OR pediatria OR pediatrics OR pediatric) AND (simulação OR simulador OR simulation OR simulator) |
2.3. Coleta e organização dos dados
Adotou-se como critérios de inclusão: artigos completos com resumos e que respondiam à pergunta da pesquisa; nos idiomas português, inglês e espanhol; publicados em periódicos nacionais e internacionais; indexados nas bases de dados referidas; no período de 2019 a 2024. Todos os registros decorrentes das bases de dados (n=133) foram organizados, por gerenciador de referências Zotero, em pastas nomeadas com as bases de dados de onde os artigos foram selecionados. Esse procedimento possibilitou eliminar os artigos sem texto completo disponível (n=49), fora do período definido e idioma (n=45), as duplicatas (n=14), assim como, após a leitura do título e do resumo, os que não preenchiam os critérios de inclusão (n=8) e finalmente os que não correspondia a questão norteadora (n=13). Dessa forma, a amostra final se ateve a quatro artigos (Figura 1).
Figura 1 – Fluxograma de constituição da amostra, adaptado do PRISMA (“PRISMA 2020 flow diagram”, 2020)
Para análise do corpus de artigos, empregaram-se instrumentos que compuseram a Figura 1, com os seguintes dados extraídos: sobrenome dos autores; ano; objetivo; país; cenário onde ocorreu o estudo; idioma do artigo; objetivo; metodologia, simulação/simulador utilizado, e resultados.
2.4. Aspectos éticos
Por se tratar de pesquisa de revisão, realizada exclusivamente com artigos científicos que respeitam os princípios éticos nacionais e internacionais, este estudo ficou dispensados de registros e avaliações pelo sistema CEP/CONEP, conforme disposto na Resolução no 510, de 07/04/2016, Art. 1o, Parágrafo único, Alínea VI (NACIONAL, 2016).
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1. Resultados
A partir dos 4 artigos selecionados, verificou-se que todos (100%) estão relacionados à área da medicina, com predomínio da língua inglesa (75%), seguida da língua espanhola (25%). Todas as publicações (100%) são internacionais, relativa aos países: Estados Unidos da América (25%), França (25%), Filipinas (25%) e India (25%). No Quadro 2, a lista com a síntese dos artigos para serem utilizados para análise.
Quadro 2 – Síntese dos principais achados sobre o tema
Autor/Ano | Objetivo | Metodologia | Simulação/Simulador | Resultados |
Ahluwalia et al. (2021) | Avaliar a eficácia de um currículo baseado em simulação para melhorar a autoeficácia, o conhecimento e as habilidades de residentes indianos de medicina de emergência em cuidados pediátricos | Estudo de coorte prospectivo com pré e pós-teste | Simulação de cenários de emergência pediátrica, incluindo habilidades de acesso intraósseo com o uso demanequins | Após o treinamento, os residentes demonstraram um aumento de 19% na maestria do acesso intraósseo |
Gardner Yelton et al. (2022) | Avaliar um currículo de choque pediátrico, utilizando a simulação como avaliação para os alunos e melhorar o conforto e conhecimento sobre o reconhecimento do choque e o manejo de fluidos, incluindo a colocação de acesso intraósseo | Estudo de coorte prospectivo | Simulador de média fidelidade com uso de manequim | A confiança na colocação de acesso intraósseo aumentou significativamente (P < 0,01) após a intervenção |
Ghazali et al. (2019) | Demonstrar o efeito do treinamento com simulações imersivas repetidas a cada 6 semanas em comparação com a cada 6 meses na melhoria do desempenho de equipes multidisciplinares, avaliando o desempenho da equipe no acesso intraósseo | Ensaio clínico randomizado e controlado com dois grupos | Simulações imersivas em Manequim de alta fidelidade | As pontuações de desempenho aumentaram significativamente ao longo do período de estudo no grupo experimental (P = 0,008 para acesso intraósseo) |
Moon et al. (2022) | Comparar a competência processual de estudantes de medicina treinados com simuladores de tarefas e cadáveres preservados em diferentes procedimentos, incluindo a infusão intraóssea | Estudo randomizado com grupo con-trole | Simulador de tarefa imitando uma tíbia proximal com uma cobertura semelhante à carne | Os estudantes treinados com cadáveres preservados apresentaram competência processual significativamente maior em comparação com os estudantes treinados com simuladores de tarefas na infusão intraóssea |
3.2. Discussão
Os estudos incluídos nesta revisão demonstram a utilização da simulação como ferramenta pedagógica no ensino do AIO em cenários de emergência pediátrica.
Os resultados dos estudos indicam que o treinamento baseado em simulação melhora significativamente a proficiência dos profissionais de saúde em relação ao AIO, incluindo a taxa de sucesso na inserção, o tempo de realização do procedimento e a autoconfiança dos participantes.
A pesquisa de Ahluwalia et al. (2021) demonstra a viabilidade e a efetividade da implementação de um currículo baseado em simulação para residentes de medicina de emergência na Índia. O programa, que incluía aulas teóricas, estações de habilidades processuais e simulações de cenários de emergência pediátrica, resultou em melhorias significativas na autoeficácia, no conhecimento e nas habilidades dos participantes.
Gardner Yelton et al. (2022) também avaliaram um currículo de choque pediátrico utilizando simulação em Manila, Filipinas, e encontraram resultados promissores em termos de aumento da confiança e do desempenho dos residentes. Este estudo destaca o potencial da simulação para fortalecer a capacitação de profissionais de saúde em países de baixa renda, onde o acesso a treinamentos tradicionais pode ser limitado.
Ghazali et al. (2019) observaram que a repetição frequente das simulações, a cada 6 semanas, resultou em escores de desempenho significativamente mais altos em comparação com a repetição a cada 6 meses. Este estudo reforça a importância da prática regular para a consolidação das habilidades e a manutenção da competência.
Embora os simuladores de tarefas sejam amplamente utilizados, o estudo de Moon et al. (2022) sugere que o treinamento com cadáveres preservados pode ser mais eficaz para o desenvolvimento da competência em procedimentos como a infusão intraóssea. Os autores atribuem essa diferença ao realismo proporcionado pelos cadáveres, que reproduzem com maior fidelidade a anatomia e a resistência dos tecidos humanos. No entanto, é importante reconhecer que o uso de cadáveres pode ter implicações éticas e logísticas que devem ser cuidadosamente consideradas. Por outro lado, requisitos tais como realismo e alta fidelidade podem ser norteadores para criação de simuladores através técnicas adaptadas de Design thinking como proposto por SIVANATHAN et al., (2022).
3.3. Limitações do estudo
Apesar do grande número de pesquisas coletadas a partir da estratégia de busca em todos os campos, verificou-se escassez de pesquisas correspondentes a questão norteadora em AIO pediátrico. Esse fato impediu comparar a questão norteadora para outros tipos de simuladores.
4. CONCLUSÃO
Em conclusão, os estudos analisados nesta revisão fornecem evidências consistentes de que a simulação é uma estratégia educacional válida para o ensino do acesso intraósseo em emergências pediátricas. A simulação permite a prática deliberada, o feedback imediato e a aprendizagem por meio de erros em um ambiente seguro e controlado. A repetição regular das simulações, a escolha do simulador adequado e a integração de diferentes métodos de ensino, como aulas teóricas e estações de habilidades, contribuem para maximizar a efetividade do treinamento. A implementação de programas de simulação em diferentes contextos e a avaliação rigorosa de seus impactos são essenciais para garantir a disseminação dessa ferramenta pedagógica e a melhoria da qualidade da assistência em saúde.
REFERÊNCIAS
SCRIVENS, A. et al. Use of Intraosseous Needles in Neonates: A Systematic Review. Neonatology (Basel, Switzerland), v. 116, n. 4, p. 305–314, 2019.
EIFINGER, F.; DORWEILER, B.; WEGNER, M. The development of a newborn intraosseous infusion simulator for neonatal resuscitation training for emergency medical services. Resuscitation Plus, v. 15, p. 100454, set. 2023.
ALMEIDA, M.; GUINSBURG, R. Reanimação do recém-nascido ≥34 semanas em sala de parto: diretrizes 2022 da Sociedade Brasileira de Pediatria. [s.l.] Sociedade Brasileira de Pediatria, 2022.
FONSECA, I. C.; SILVA, A. C.; SANTOS, S. S. PERCEPÇÃO SOBRE AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO ENFERMEIRO PARA OBTENÇÃO DA PUNÇÃO INTRAÓSSEA EM CASOS DE EMERGÊNCIA. Disponível em: <https://doity.com.br/anais/congressodeurgenciaeemergenciadonordeste2018/trabalho/54455> . Acesso em: 14 dez. 2023.
SILVA, L. L. D. et al. Modelos de treinamento de cateterismo vesical feminino e sua importância para a prática médica: uma revisão integrativa da literatura. Interdisciplinary Journal of Health Education, v. 4, n. 01-Feb, p. 42–48, 2019.
FLATO, U. A. P.; GUIMARÃES, H. P. Educação baseada em simulação em medicina de urgência e emergência: a arte imita a vida. 2011.
MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. D. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto – Enfermagem, v. 17, n. 4, p. 758–764, dez. 2008.
PRISMA 2020 flow diagram. Disponível em: <https://www.prisma-statement.org/prisma2020-flow-diagram>. Acesso em: 17 dez. 2024.
NACIONAL, I. RESOLUÇÃO Nº 510, DE 7 DE ABRIL DE 2016 – Imprensa Nacional. Disponível em: <https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/22917581>. Acesso em: 17 dez. 2024.
AHLUWALIA, T. et al. Feasible and effective use of a simulation-based curriculum for postgraduate emergency medicine trainees in India to improve learner self-efficacy, knowledge, and skills. International Journal of Emergency Medicine, v. 14, n. 1, p. 42, 27 jul. 2021.
GARDNER YELTON, S. E. et al. Implementation and evaluation of a shock curriculum using simulation in Manila, Philippines: a prospective cohort study. BMC Med Educ, v. 22, n. 1, p. 606–606, ago. 2022.
GHAZALI, D. A. et al. Immersive simulation training at 6-week intervals for 1 year and multidisciplinary team performance scores: A randomized controlled trial of simulation training for life-threatening pediatric emergencies. Emergencias, v. 31, n. 6, p. 391–398, 2019.
MOON, M. B. et al. Emergency Critical Skills Training for Pre-clinical Physician Assistant Students: Mixed Method Comparison of Training Method. Medical Science Educator, v. 32, n. 4, p. 837–845, ago. 2022.
SIVANATHAN, M. et al. Development of Simple and Advanced Adult Proximal TibiaSimulators for a Decentralized Simulation-Based Education Model to Teach Paramedics-inTraining the Intraosseous Infusion Procedure. Cureus, v. 14, n. 10, p. e30929, out. 2022.
1 Discente do Curso de pós-Graduação Strictu Sensu Mestrado Profissional em Pesquisa e Cirurgia
Experimental (CIPE) da Universidade Estadual do Pará (UEPA), e-mail: alexandre.mota@misofonia.org
2 Docente do Curso de pós-Graduação Strictu Sensu Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental
(CIPE) da Universidade Estadual do Pará (UEPA). Doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e-mail: andersonbentes@uepa.br