O USO DO BLOCKCHAIN COMO FERRAMENTA NA PRESERVAÇÃO DE PROVAS DIGITAIS

BLOCKCHAIN ​​AS A TOOL IN PRESERVING DIGITAL EVIDENCE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412160949


Albefredo Melo de Souza Junior[1]
Naymê Araújo de Souza[2]


Resumo

A era digital, marcada pela abundância de dados, demanda soluções inovadoras para preservar a confiabilidade das evidências digitais. A fragilidade de dados diante de manipulações exige o desenvolvimento de ferramentas robustas para garantir a justiça nos processos. Em vista disso, o presente trabalho objetivou analisar a utilização do blockchain na preservação de provas digitais, aprofundando-se, inicialmente, nos conceitos básicos e nas suas características, como imutabilidade, transparência e descentralização. Em seguida, foi discutido o seu poder probatório na preservação de provas eletrônicas, bem como a importância da integridade na implementação desta tecnologia. Para isso, usou-se a metodologia de natureza qualitativa e o método científico dedutivo, abrangendo artigos científicos, legislação e jurisprudência nacional, a fim de que responder a seguinte questão: como garantir a preservação segura e verificável de evidências eletrônicas utilizando a tecnologia blockchain? Como conclusão, tem-se que a tecnologia blockchain possui um grande potencial para revolucionar o sistema jurídico, principalmente no que diz respeito à gestão de provas digitais. No entanto, para que essa tecnologia seja plenamente aproveitada, é fundamental que haja um desenvolvimento de um marco regulatório específico sobre o tema.

Palavras-chave: blockchain. provas digitais. tecnologia. imutabilidade. sistema jurídico.

Abstract:

The digital age, marked by the abundance of data, demands innovative solutions to preserve the reliability of digital evidence. The fragility of data in the face of manipulation requires the development of robust tools to ensure justice in processes. In view of this, this paper aims to analyze the use of blockchain in the preservation of digital evidence, initially delving into the basic concepts and its characteristics, such as immutability, transparency and decentralization. Then, its probative power in the preservation of electronic evidence will be discussed, as well as the importance of integrity in the implementation of this technology. For this, the qualitative methodology and the deductive scientific method were used, covering scientific articles, legislation and national jurisprudence, in order to answer the following question: how to ensure the safe and verifiable preservation of electronic evidence using blockchain technology? In conclusion, it is clear that blockchain technology has great potential to revolutionize the legal system, especially with regard to the management of digital evidence. However, for this technology to be fully utilized, it is essential that a specific regulatory framework be developed on the subject.

Keywords: blockchain. digital evidence. technology. immutability. legal system.

Introdução

Em um mundo em constante mudança, onde a inovação é a força motriz, vivemos muitas transformações devido aos avanços tecnológicos. Tais avanços culminaram na existência de inúmeras espécies de provas digitais, como documentos eletrônicos, mensagens de e-mail, registros de atividades online e publicações em redes sociais, de modo que a garantia da confiabilidade dessas evidências torna-se um elemento crucial para o funcionamento justo e eficiente do nosso ordenamento jurídico.

No entanto, a natureza volátil e intangível das provas digitais as torna vulneráveis a alterações, fraudes e manipulações. Isso gera incertezas e desafios no sistema judicial, pois torna difícil garantir a confiabilidade das provas e a busca pela verdade. Nesse contexto, o blockchain se revela como um meio eficaz para a preservação de dados e provas digitais, devido à sua segurança e autenticidade, assim como pela sua capacidade de manter registros de forma segura, inalterável e imutável, garantindo que os dados armazenados permaneçam íntegros e confiáveis.

A tecnologia blockchain, com suas características únicas de segurança, imutabilidade e transparência, surge como uma solução potencialmente revolucionária para esses desafios.  Para tanto, a problemática do tema busca compreender os pormenores que delimitam o uso do blockchain como instrumento de preservação das provas digitais, isto é, de como é possível garantir a preservação segura, imutável e verificável das evidências eletrônicas utilizando esta tecnologia?

Com o intuito de responder aos questionamentos, pretende-se, inicialmente, compreender as conceituações sobre o blockchain, posteriormente, objetiva-se analisar qual o poder dessa inovação tecnológica na preservação da integridade das provas digitais e, por fim, demonstrar a discussão sobre a integração desse recurso no sistema jurídico brasileiro. Assim, a construção do presente trabalho segue a metodologia qualitativa com o método científico dedutivo, por meio da técnica de pesquisa bibliográfica, pautada numa análise criteriosa de artigos científicos, legislação nacional e jurisprudências relevantes que possuam dados que comprovam, forneçam e validam as informações necessárias para alcançar os objetivos deste estudo.

  1. Blockchain: definição e características

A história do blockchain teve início em 1991, quando os pesquisadores Stuart Haber e W. Scott Stornetta conceberam a ideia de uma rede de blocos criptografados para garantir a integridade e a autenticidade de documentos digitais. Essa inovação lançou as bases para o desenvolvimento da tecnologia que revolucionaria a forma como interagimos com dados digitais, sendo posteriormente reconhecida por Satoshi Nakamoto, em seu manuscrito sobre o Bitcoin (Oliveira, 2024).

Lançado em 2008, o Bitcoin foi a primeira aplicação prática do blockchain. Ao utilizar o blockchain para registrar de forma segura e transparente todas as transações entre seus usuários, sem a necessidade de um banco central, esse tipo de tecnologia criptografada visa proteger os dados para validar as transações, funcionando como um livro contábil digital distribuído, onde cada participante da rede possui uma cópia idêntica e atualizada do histórico de transações. Assim, qualquer tentativa de alteração seria detectada por todos os membros da rede (Fernandes, 2019).

Partindo desse contexto, a expressão “blockchain”, em sua essência, pode ser definida como uma estrutura de dados que utiliza a criptografia para criar um registro digital imutável. Essa característica garante a segurança e a transparência das informações registradas e reflete a natureza sequencial e interligada dos registros, estabelecendo um ambiente de confiança descentralizado e seguro (Almeida; Ferreira, 2020).

Sobre o tema, Pastore e Fonseca (2022) elencam cinco conceituações, das quais a blockchain funciona como um grande livro digital, onde cada registro é criptografado e interligado aos demais, o que faz com que todas as transações sejam registradas de forma permanente e segura. Além disso, é um sistema que permite que diferentes pessoas interajam diretamente e em tempo real, construindo confiança entre elas.

Não obstante, asseveram os autores que esse tipo de tecnologia serve também como um registro confiável para diversos tipos de dados, como músicas, filmes ou patentes, onde a própria mídia não precisa estar armazenada na blockchain, mas apenas informações sobre ela, como um código único, que a identifica de forma exclusiva. Possui ainda um protocolo de consenso para definir qual página será adicionada e qual será descartada. Por fim, destaca o hash (código único) como uma importante funcionalidade do sistema para conectar os blocos e garantir que nenhuma informação seja alterada.

Daí se extrai que a tecnologia Blockchain oferece um nível de segurança e confiabilidade graças à sua natureza descentralizada, imutável e transparente. Para tanto, possui como características que a diferenciam de sistemas tradicionais, a descentralização, a imutabilidade, o não repúdio, a transparência e auditabilidade, a anonimidade e a autonomia:

Descentralização: Adescentralização de sistemas de informação trazem diversos benefícios. O fato da informação estar armazenada em vários dispositivos faz com que o sistema seja redundante, resiliente a falhas e menos propenso a ataques cibernéticos comuns em redes centralizadas.

Imutabilidade: Uma tentativa de alterar registros passados é frustrada pois, devido ao fato dos registros serem distribuídos entre todos os nós da rede, essa ação precisa passar pelo mecanismo de consenso para ser verificado e aprovado por todos os demais participantes. Além disso, a estrutura de dados adotada em Blockchain faz com que todo o histórico de informações possa ser rapidamente checado, de forma que a menor alteração é imediatamente percebida.

Não repúdio: Blockchain exige que todo registro seja assinado digitalmente pelo dispositivo emissor da informação. Quando em um contexto de tokenização, é inegável afirmar que os dois nós realizaram uma transação, devido à presença das assinaturas de ambas as partes.

Transparência/Auditabilidade: Na rede descentralizada criada via Blockchain, todos os nós da rede compartilham as tarefas de verificação e armazenamento dos registros e transações, de forma que essas informações são públicas e auditáveis para os participantes da rede.

Anonimidade: A rede possui identificadores internos (como número da carteira, no caso de criptomoedas), de forma que os integrantes da rede não precisam compartilhar informações acerca de si mesmos para participarem. Ainda assim, devido à publicidade dos registros e a existência de informação externa, é possível quebrar a anonimidade de pessoas em alguns casos, sendo necessário o uso de outras técnicas caso se deseje garantir a anonimidade.

Autonomia da rede: Uma rede descentralizada que usa Blockchain e Smart Contracts é capaz de operar de forma autônoma, emitindo, verificando e armazenando transações e demais informações automaticamente (Arão; Yudi, 2023, p. 3-4).

Ou seja, ao invés de um único ponto de controle, a informação é distribuída por diversos dispositivos na rede, sem a necessidade de intervenção humana. Isso torna o sistema mais resistente a ataques, pois a falha de um único dispositivo não compromete todo o sistema. Ademais, uma vez que um dado é registrado na Blockchain, é praticamente impossível alterá-lo.

De igual modo, muito embora a identidade dos participantes seja mantida em sigilo através de identificadores únicos, todos os registros são públicos e podem ser verificados por qualquer participante da rede, o que faz com que a assinatura digital garanta que nenhuma das partes envolvidas em uma transação possa negar sua participação e aumenta a confiança e a transparência.

Em vista desses pilares que sustentam essa inovação tecnológica, há de se convir que o blockchain representa uma mudança paradigmática na forma como interagimos com a informação eletrônica. Ao surgir como uma solução para garantir a integridade de documentos digitais, essa ferramenta oferece um alto nível de segurança e confiança nas relações digitais, democratizando o acesso a serviços financeiros e outros recursos, de tal maneira que a contínua evolução dessa tecnologia indica um futuro promissor, onde a blockchain será cada vez mais integrada ao nosso cotidiano.

2. O poder da blockchain na preservação da integridade das provas digitais

No mundo digital contemporâneo, o uso de dados eletrônicos são cada vez mais frequentes, o que torna a segurança e a integridade das provas digitais uma preocupação central em diversos âmbitos, especialmente no contexto jurídico, o que por sua vez, exige o desenvolvimento de mecanismos robustos para garantir a sua autenticidade e evitar a possibilidade de adulteração.

Acerca dessa fragilidade, Badaró (2021) pontua que a natureza intangível das provas digitais as torna altamente vulneráveis a alterações e manipulações. Isto é, diferentemente das provas materiais, que podem ser examinadas diretamente pelos sentidos, a falta de rigor técnico na coleta e preservação das provas digitais pode resultar na sua exclusão do processo judicial, em prejuízo da busca pela verdade.

Face a tal problemática, a blockchain, como afirmado em tópico anterior, emerge como uma solução inovadora, oferecendo um registro descentralizado e imutável de dados. A capacidade da blockchain de permitir que os usuários mantenham seu estado digital de forma nativa tem o potencial de desencadear uma nova onda de inovação. Isto porque oferece um mecanismo seguro que resulta na integridade e a confidencialidade dos dados e que torna as informações mais resistentes a ataques e manipulações (Pastore; da Fonseca, 2022).

Para Araújo (2023), a utilização do Blockchain no registro de vestígios digitais traz diversos benefícios. Ao criar um registro imutável e criptografado para cada vestígio, o blockchain facilita a identificação de possíveis manipulações, desde a coleta até a apresentação em juízo, fazendo com que seja possível identificar qualquer interferência indevida. Dessa forma, o Blockchain fortalece o valor probatório dos vestígios digitais, aumentando a confiabilidade na sua utilização em processos judiciais.

Por sua vez, Hermeiro (2023) destaca que a blockchain revoluciona a forma como as provas digitais são armazenadas e gerenciadas ao proporcionar um ambiente seguro e transparente para o armazenamento de dados. A transparência do referido sistema permite que qualquer pessoa verifique a integridade dos dados armazenados, o que torna as provas digitais mais confiáveis e robustas e fortalece a sua validade em processos judiciais.

Um exemplo prático dessa aplicação é o caso de crimes virtuais, como a difusão de informações falsas. A simples captura de tela de uma publicação em uma rede social pode ser facilmente manipulada, o que comprometeria a sua validade como prova. No entanto, ao fazer o registro em um blockchain, é possível garantir a sua autenticidade e impedir qualquer tipo de alteração posterior, de modo que a preservar a integridade das informações capturadas em um processo judicial (Almeida; Ferreira, 2020).

Ora, se por um lado, a prova digital apresenta a facilidade com que pode ser manipulada ao ponto de torna suscetível a fraudes e questionamentos quanto à sua autenticidade; por outro, a utilização de ferramentas e técnicas adequadas, como a assinatura digital e a criptografia, como o recurso blockchain, servem justamente para garantir a integridade dos dados e reforçar a segurança e a confiabilidade das provas digitais. Esta mesma perspectiva, inclusive, é trazida pelo autor Assis (2022, p. 162), senão vejamos:

O estudo do blockchain como meio de prova me permite alcançar a conclusão de que a extração de prova do mundo real se torna muito mais segura e confiável do que a própria ata notarial, especialmente porque dispensa intermediários humanos. Se na ata notarial há um viés interpretativo do fato capturado pelo tabelião – ainda este se encontre imbuído da vontade de não emanar qualquer juízo de valor e procure não fazê-lo – na extração via blockchain haverá apenas o magistrado como destinatário e manipulador da prova, único destinado à sua interpretação, sem compartilhar o ato de exame e descrição da prova com o tabelião.

Em suma, apesar de a fragilidade das provas digitais, devido à sua natureza intangível e à facilidade de manipulação, representar um desafio significativo para o sistema jurídico, o uso do blockchain, com suas características de imutabilidade e transparência, oferece um mecanismo robusto para preservar a integridade das evidências digitais, de forma a fortalecer o seu valor probatório e aumentar a confiança na sua utilização em processos judiciais.

3. A integração do blockchain no sistema jurídico brasileiro

É certo que com a informatização do processo judicial, por meio da Lei nº 11.419/2006, a implementação de sistemas eletrônicos em processos judiciais tornou-se uma realidade. Apesar de, a princípio, a inovação parecer ter sido introduzida de maneira cautelosa, a referida legislação trouxe em seu art. 11, que documentos eletrônicos com assinatura digital válida possuem o mesmo valor legal dos originais (Brasil, 2006). Assim. um documento produzido e armazenado digitalmente, desde que sua origem e autoria sejam devidamente comprovadas por meio de assinatura digital, é considerado tão legítimo quanto um documento físico assinado à mão.

Contudo, o tangenciamento de questões importantes sobre provas digitais mesmo quando do advento do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) resultou em lacunas significativas no que diz respeito à produção e à valoração das provas digitais. A falta de uma regulamentação específica sobre a matéria e a ausência de conhecimento técnico por parte dos operadores do Direito contribuem para a insegurança jurídica e para o risco de utilização de provas falsas em processos judiciais (Pastore, 2020).

De forma tradicional, as capturas de tela são amplamente utilizadas como meio de prova por advogados devido à sua facilidade de obtenção. Através de plataformas especializadas, é possível extrair provas eletrônicas e registrá-las em uma cadeia de blocos, garantindo a imutabilidade e a integridade dos dados. Cada bloco possui um código único (hash) que se altera com qualquer modificação, tornando a falsificação praticamente impossível (Assis, 2022).

No entanto, ainda reverbera a ausência de uma legislação específica sobre o tema. Antecipando, ainda que de forma sucinta, possíveis questionamentos, há de constatar, com rigor, que a Lei nº 13.105/2015, Código de Processo Civil – CPC, traz em seu bojo dispositivos importantes para a compreensão da produção de provas no processo civil brasileiro e que visam garantir a segurança e a confiabilidade dos processos eletrônicos.  À título exemplificativo, o art. 195 do regulamenta que o registro dos atos processuais seja realizado em padrões abertos que atendam a requisitos rigorosos de autenticidade, integridade, temporalidade e não repúdio. Já para os casos de processos sigilosos, a confidencialidade dos dados é um requisito adicional e que também deve ser preservada.

 Nesse mesmo passo, o art. 369 da referida legislação infraconstitucional prevê que as partes a liberdade de utilizar todos os meios legais e moralmente legítimos para provar os fatos alegados, buscando evitar que o julgamento seja baseado em provas insuficientes ou incompletas (Brasil, 2015). Além disso, não enumera taxativamente os meios de prova, dando ao juiz a possibilidade de admitir qualquer tipo de prova que seja útil à elucidação dos fatos, desde que lícita e relevante:

(…) no que pese não possuir disposição normativa expressa, verifica-se que é possível a utilização de documentos registrados em blockchain como provas atípicas, nos termos do art. 369 do CPC, uma vez que o próprio judiciário já vem as aceitando, conforme se extrai das decisões ora apresentadas, o que demonstra que tal ferramenta poderá futuramente ser utilizada nos mais diversos casos levados ao judiciário. Ademais, problemas relacionados a autoria, autenticidade, registro do tempo e do lugar em que a prova foi produzida  poderão  ser  solucionados  com  o  uso  dessa tecnologia,   culminando   na   produção   de   provas   mais   confiáveis,   lícitas   e   por consequência decisões mais justas. Sendo assim, a tecnologia blockchain apresenta-se como mais uma ferramenta a ser utilizada para atestar a veracidade das provas eletrônicas, contudo, novamente repise-se que, a sua utilização não impede que o judiciário realize a perícia técnica nos equipamentos de produção e armazenamento dos documentos (Cardoso, 2023).

Em complemento, o art. 411 elenca em sua redação os critérios para que um documento seja considerado autêntico. Dentre as formas de reconhecimento estão a certificação de autenticidade da assinatura por meio de tabelião, a ausência de impugnação da parte contra quem o documento foi produzido, além de outros meios de reconhecimento, inclusive eletrônicos, desde que sejam previstos em lei (Brasil, 2015).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o art. 428 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a presunção de veracidade que se atribui a documentos particulares nos processos judiciais, estabelece duas hipóteses de cessação da fé da prova documental: i) em caso de impugnação à autenticidade, desde que comprovada a sua afirmação, a fé do documento é suspensa ou ainda, ii) quando documento é assinado em branco e foi preenchido de forma diferente do que foi acordado entre as partes (Brasil, 2015), o que se coaduna com o disposto no art. 225 do Código Civil, que prevê a força probante das reproduções visuais e sonoras (fotos, vídeos, gravações), desde que não impugnadas.

A jurisprudência também caminha no mesmo sentido. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o caso do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 828054 – RN (2023/0189615-0), entendeu que a simples apresentação de prints de WhatsApp, sem o uso de ferramentas forenses específicas não é suficiente para atender a integridade das mensagens, o que levou à inadmissibilidade da prova. Além de destacar a necessidade do uso de ferramentas forenses específicas para a extração de dados de dispositivos móveis, o Ministro Relator Joel Ilan Paciornik conclui que as provas digitais obtidas de forma irregular não possuem o valor probatório necessário para embasar uma condenação (Brasil, 2024).

Outro julgado refere-se a uma ação declaratória de inexistência de débito contra o Banco S.A oriunda do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, onde a autora alegava que contratos de empréstimo foram realizados sem sua autorização. A Segunda Câmara Cível, em sede de Apelação Cível nº 0861794-23.2022.8.20.5001, manteve a decisão do juízo de 1º grau, reafirmando a fragilidade das provas apresentadas pelo banco face a vulnerabilidade da tecnologia utilizada e a necessidade de proteger o consumidor, uma vez que no contexto da assinatura eletrônica, a biometria facial, embora seja uma forma de identificação biométrica, necessita de assinatura eletrônica baseada em certificados digitais, que vincule a identidade do signatário ao documento de forma criptográfica. A sua ausência, como no caso em questão, pode comprometer a segurança e a autenticidade do documento (Rio Grande do Norte, 2023).

Perceba que a inclusão dos meios eletrônicos de certificação demonstra a preocupação do operador do Direito em adaptar-se às novas tecnologias ao permitir a utilização de documentos digitais nos processos judiciais. Além disso, ao não limitar taxativamente os meios de prova, a legislação brasileira permite a utilização de qualquer método válido para a formação da prova, inclusive o blockchain. Esse meio de extração de provas se encaixa perfeitamente nesse contexto justamente por oferecer um mecanismo altamente seguro e confiável para a preservação de dados, como já reafirmado pela jurisprudência. Neste viés, cita-se as seguintes considerações sobre a validade e a aceitação de provas obtidas através da tecnologia blockchain em processos judiciais:

É lógico concluir que a aceitação da prova extraída via blockchain está também ao cargo da parte a quem o documento eletrônico é oposto. Por outra via, não me parece tão lógico deduzir que a mera irresignação é suficiente para desconstituição da prova. Toda impugnação deve seguir a regra tradicional do ônus probatório, neste caso, conforme art. 373, II, do CPC, sendo a parte prejudicada responsável pela prova de corrupção do documento extraído via blockchain – afinal, pensar diversamente seria impor um ônus de prova negativa. A par de tais considerações, tenho que a extração da prova via blockchain não se desalinha dos métodos típicos tradicionais de prova, mesmo porque, em termos materiais, não se diferencia da extração via ata notarial. A mera intermediação de fidedignidade exarada por um tabelião é facilmente eliminada da cadeia de custódia por um sistema muito mais confiável e robusto, a blockchain (ASSIS, p. 163-164).

Como visto, a responsabilidade de aceitar uma prova extraída via blockchain não recai apenas sobre o juiz, mas também sobre a parte que a contesta, a qual deve o apresentar provas que corroborem sua afirmação, conforme o artigo 373, II do CPC. Por sua natureza imutável e transparente, a prova extraída via blockchain depende da análise da parte contrária, que tem o ônus de apresentar provas concretas de eventual alegação sobre a sua adulteração.

Em suma, embora a estrutura legal ainda esteja evoluindo para acomodar totalmente a tecnologia blockchain, o crescente reconhecimento do potencial desse recurso por tribunais e legisladores é um sinal positivo. À medida que a profissão jurídica continua a se adaptar à era digital, é imperativo abordar os desafios de acessibilidade, interoperabilidade e a necessidade de conhecimento especializado, já que a integração desse tipo de recurso pode aumentar significativamente a confiabilidade e a integridade dos procedimentos legais.

Considerações Finais

Ao aprofundarmos no conceito e nas características fundamentais do blockchain, restou constatado a sua capacidade de fornecer um registro de dados seguro, imutável e transparente. Essa confiabilidade inerente torna esse tipo de tecnologia uma solução atraente para abordar os desafios associados à volatilidade e vulnerabilidade de evidências digitais no sistema legal.

No entanto, verificou-se também que, apesar de a implementação deste recurso em estruturas legais se encontrar em seus estágios iniciais, as descobertas deste estudo confirmam a hipótese de que o blockchain pode servir como uma ferramenta robusta para garantir a autenticidade e a confiabilidade das provas digitais. Ainda, é salutar que, o uso dessa tecnologia, ao criar um registro à prova de adulteração, garante a autenticidade e integridade dos dados, aumentando assim seu valor probatório.

Em última análise, a integração do blockchain no sistema jurídico brasileiro depende da capacidade dos profissionais em entender e utilizar efetivamente essa ferramenta inovadora, pois conquanto a lei forneça uma estrutura, a integração desse tipo de tecnologia no processo probatório ainda clama pela criação de um marco regulatório mais preciso e abrangente, que contemple tanto a admissibilidade e o peso das provas digitais quanto os procedimentos para sua coleta, armazenamento e apresentação em juízo.

Apesar dos desafios, as oportunidades oferecidas pela tecnologia blockchain são inegáveis, pois na medida em que o cenário legal continua a evoluir na era virtual, esse tipo de ferramenta encontra-se apta para contribuir com a maneira como coletamos, armazenamos e apresentamos as provas eletrônicas, considerando que as suas aplicações potenciais prometem agilizar processos legais e aumentar a confiança na admissibilidade de provas digitais.

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[1] Advogado. Professor efetivo da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Membro do Núcleo de Direito, Tecnologia e Inovação – LAWin/UEA. Mestre em Direito (UniLaSalle/RS).

[2] Graduanda do Curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.