CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS AD III CANDANGO: UMA REFLEXÃO SOBRE OS DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO SERVIÇO NA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

PSYCHOSOCIAL CARE CENTER – CAPS AD III CANDANGO: A REFLECTION ON THE CHALLENGES AND POTENTIAL OF THE SERVICE IN PSYCHOSOCIAL CARE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412151038


Tatiane Figueiredo Simões Versiani
Jovane Belarmino Cordeiro
Orientadora: Andressa de França Alves Ferrari


RESUMO

Este artigo reflete a inserção do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD III) Candango, situado no Setor Comercial Sul (SCS) de Brasília; os desafios e potencialidades que surgem de sua permanência em um ambiente urbano complexo. Os CAPS desempenham um papel essencial na Reforma Psiquiátrica Brasileira, servindo como alternativas aos hospitais psiquiátricos. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), criada pela portaria 3.088 de 2011, visa promover a saúde mental e o atendimento a indivíduos com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Os CAPS são classificados em diferentes tipos, o CAPS AD III oferece atendimento contínuo, incluindo suporte a situações de crise e é composto por uma equipe multiprofissional que atua sob uma abordagem interdisciplinar. Este estudo busca refletir sobre o cuidado psicossocial no CAPS AD III, contextualizando os olhares sociais sobre a unidade, analisando seu território de referência, e considerando o atendimento à população em situação de rua no cenário pós-pandêmico. O Setor Comercial Sul é uma área de significativa importância econômica e social, caracterizada por uma alta concentração de estabelecimentos comerciais e serviços, mas também marcada por questões sociais complexas, como o consumo de drogas e a presença de pessoas em situação de rua. Ademais, a pandemia de COVID-19 intensificou essas problemáticas, resultando em um aumento do número de pessoas em situação de vulnerabilidade e gerando uma reação por parte dos comerciantes locais, que manifestaram a intenção de fechar o CAPS devido a preocupações sobre a segurança e o impacto econômico em suas atividades. O artigo pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada do papel do CAPS na promoção da saúde mental e na dinâmica do Setor Comercial Sul – SCS.

Palavras-chave: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Saúde Mental. Setor Comercial Sul (SCS). Reforma Psiquiátrica Brasileira. População em Situação de Rua. 

1 Introdução  

Os CAPS compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que foi instituída pela portaria 3.088 de 23 de dezembro de 2011 do Ministério da Saúde, e é parte integrante do Sistema Único de Saúde – SUS. Sua finalidade é a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.

Abrangendo desde a atenção básica até a atenção especializada, foram definidos pela RAPS os seguintes níveis de atenção: Atenção Básica (conformados pelas Unidades de Atenção Primária à Saúde); Atenção Psicossocial Especializada; Atenção de Urgência e Emergência; Atenção Residencial de Caráter Transitório; Atenção Hospitalar e Atenção de Reabilitação Psicossocial. 

Os CAPS compõem a RAPS por meio do nível de Atenção Psicossocial Especializada e desempenham um papel essencial no movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) porque concretizam os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, oferecendo cuidados em saúde mental humanizados, integralizados à comunidade, e com foco na autonomia, inclusão e desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais, sendo caracterizados como substitutivos aos hospitais psiquiátricos. São regulamentados pela portaria nº 336/2002, do Ministério da Saúde, que considera a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial à saúde mental.

São classificados em três tipos (CAPS I, II e III), conforme o porte do município, a região atendida, a estrutura disponível e o horário de funcionamento (COSTA, PHA et al). 

O CAPS I tem como Público-alvo: Pessoas com transtornos mentais graves e/ou persistentes, que necessitam de atendimento em nível básico, mas com certa complexidade. Atende casos mais leves de transtornos mentais, como os que não demandam intervenção psiquiátrica intensiva. Geralmente, o CAPS I atende uma população de pequeno porte, servindo uma cidade ou uma região menor, com menos recursos e menos complexidade em seu funcionamento.

O CAPS II tem como Público-alvo: Pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, mas que não requerem hospitalização ou internações prolongadas. O atendimento é destinado a um público que necessita de acompanhamento regular, mas com necessidades menos urgentes ou agudas em comparação ao CAPS III. Oferece uma gama mais ampla de serviços, incluindo acompanhamento terapêutico, consultas psiquiátricas, terapias de grupo, atividades de reabilitação psicossocial e apoio à família. É um centro que oferece cuidados ambulatoriais com maior complexidade que o CAPS I. Normalmente atende a um número maior de pessoas do que o CAPS I, abrangendo uma região ou município de médio porte.

Os CAPS III oferecem atendimento 24 horas, todos os dias da semana, incluindo leitos de acolhimento noturno para situações de crise. Além disso, alguns CAPS são especializados no atendimento a públicos específicos, como o CAPS i, voltado para crianças e adolescentes, e o CAPS ad, focado no atendimento a pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas. 

Os CAPS são constituídos por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza atendimento às pessoas com sofrimento mental grave e persistente, incluindo aqueles decorrentes do uso de álcool e outras drogas, prioritariamente em sua área de abrangência territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial.

Atualmente, a distribuição dos CAPS no território do DF é heterogênea, pois não há serviços de todas as modalidades (CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II, CAPS AD II, CAPS AD III) nas sete Regiões de Saúde. As Regiões de Saúde (SRS) possuem Superintendências que são responsáveis por gerir as políticas e ações de saúde, em todos os níveis de atenção, na sua área de abrangência, tendo como eixo coordenador a Atenção Primária à Saúde, além de fortalecer a governança do Sistema Único de Saúde na região.

A presença do CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sul de Brasília (SCS), desde a sua transferência até os dias atuais, tem ocasionado dissonância entre os diferentes atores que habitam este território. 

O Setor Comercial Sul (SCS) de Brasília é uma área de grande importância para a cidade, tanto em termos econômicos quanto sociais. Localizado no coração do Plano Piloto, o SCS é conhecido por concentrar uma grande quantidade de estabelecimentos comerciais, serviços, escritórios, instituições financeiras e órgãos públicos. Este setor é um dos mais antigos e tradicionais da Capital Federal, tendo sido planejado pelo urbanista Lúcio Costa.

Outra característica do SCS é de ser uma região da cidade conhecida pelo intenso consumo de crack e pela presença de usuários de drogas. No SCS, como em muitas áreas urbanas, a questão das pessoas em situação de rua é uma realidade complexa e variável. A quantidade exata de pessoas nessa situação pode variar ao longo do tempo devido a diversos fatores, incluindo políticas públicas, condições econômicas, surtos epidemiológicos e sazonalidade.

Pós pandemia da COVID – 19, por exemplo, pode-se perceber um aumento exponencial do quantitativo de pessoas em situação de rua no SCS, onde está localizado o CAPS ad (Metrópoles, 2022). Outro fator importante neste período foi a intensificação do movimento por parte dos comerciantes do SCS de fechar o CAPS ad Candango como se pode constatar na fala de um frequentador do local: “a presença das pessoas naquele espaço afastam os fregueses das lojas” (Brasil de Fato, 2020). 

A inserção do CAPS AD III Candango no Setor Comercial Sul expõe a complexidade de se oferecer serviços de saúde mental em um ambiente urbano diversificado, onde os interesses econômicos, sociais e de segurança frequentemente entram em conflito, mas também oferece oportunidades únicas para o desenvolvimento de abordagens inovadoras e integradas de cuidado em saúde mental.

Diante desse contexto, este artigo tem como Objetivo Geral: Refletir sobre como se dá o cuidado no viés psicossocial em um CAPS AD III à luz de sua inserção no território e como Objetivos Específicos: Contextualizar quais são os olhares sociais em relação ao CAPS ad no SCS; Analisar o território de referência da unidade e os desdobramentos da sua permanência no SCS; Refletir o cuidado prestado à população em situação de rua em contexto pós pandêmico; Documentar a história do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas  CAPS Ad III Candango desde da origem até os momentos atuais. 

Tendo em vista estes objetivos o artigo norteou-se pela seguinte pergunta de pesquisa: Quais os desafios e potencialidades do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas – CAPS AD III Candango, localizado no centro urbano de Brasília? 

2 Metodologia

O presente estudo consiste em uma análise documental com uma abordagem qualitativa. De acordo com Junior, Oliveira, Santos e Schnekenberg (2021), essa abordagem envolve métodos e técnicas específicas para a seleção, coleta, exame e interpretação dos dados presentes em diversos tipos de documentos. Para os autores, a análise documental pode abranger uma ampla gama de fontes e tipos de documentos, não se limitando apenas a textos escritos. Ao utilizar fontes primárias, ou seja, materiais que ainda não passaram por um tratamento analítico, a definição de documentos se expande para incluir leis, fotos, vídeos e jornais, entre outros. Os documentos analisados podem ser tanto atuais quanto antigos, fornecendo informações valiosas para a contextualização histórica e sociocultural de um lugar ou grupo de pessoas em um período específico. Por essa razão, Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) destacam que a análise documental é amplamente utilizada nas ciências sociais e humanas.

Nesta pesquisa, todos os documentos analisados são de natureza pública e estão disponíveis à comunidade (domínio público). De acordo com a resolução do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), esses documentos estão isentos de apreciação ética, uma vez que não envolvem dados pessoais ou informações sensíveis. A resolução pertinente que dispensa a apreciação ética nesses casos é a Resolução CNS-MS n.º 510, de 2016. 

As fontes documentais utilizadas incluem: matérias jornalísticas em portais de notícias, o portal Scribd que é uma biblioteca de documentos digitais, documentos disponibilizados em órgãos públicos do poder legislativo, executivo, relatórios institucionais, relatórios anuais do CAPS AD III Candango, atas de reuniões, planos de ação, legislações específicas: Leis e regulamentos relacionados à saúde mental e ao funcionamento dos CAPS, trabalhos científicos já realizados com este tema.

De acordo com a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), foram solicitados a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal documentos públicos que visam garantir a transparência e o direito da sociedade à informação por meio do sítio https://www.participa.df.gov.br. 

O pedido teve os seguintes questionamentos: Inauguração do CAPS ad III Candango no SCS, Renovação de Contrato de Aluguel, Porque da escolha do serviço no SCS, Solicitação de retirada do serviço do SCS e Importância de permanência do serviço no SCS. A referida lei estabelece que qualquer cidadão pode requisitar informações sobre atos, contratos e dados relacionados à administração pública. As solicitações foram realizadas de acordo com os procedimentos legais.

A escolha dos documentos foi guiada por critérios de inclusão, a saber: relevância ao tema a ser explorado, período de tempo que compreende do início de funcionamento do CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sul (2014) até os dias atuais (2024) e, acesso público dos documentos. Foram excluídos os documentos que estivessem fora do Escopo Temporal; documentos que não se enquadrem no período de análise definido e irrelevantes; documentos que não abordam diretamente o CAPS AD III Candango ou que sejam focados em áreas não relacionadas, como outros serviços de saúde mental.

A coleta de dados foi realizada por meio da identificação e seleção dos documentos relevantes pelos autores, sendo a pesquisa desses documentos realizada por meio de portais de busca na internet referidos anteriormente. Dentro da amplitude temporal de aproximadamente 10 anos conseguimos selecionar um total de 17 documentos que abordavam, de forma direta ou indireta, a inserção e a permanência do CAPS ad III Candango no SCS.

A análise do conteúdo seguiu os procedimentos estruturando-se em três etapas principais: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos dados. (O que é pesquisa documental. Bibliografia Prof. Lydio Machado Bandeira de Mello Faculdade de Direito Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 3 de junho de 2021. Disponível em: https://biblio.direito.ufmg.br/?p=5114. Acesso em: 01/09/2024).  (Colocar no final, na parte da Bibliografia)

Na fase de pré-análise, o material foi reunido e lido de forma a proporcionar uma compreensão inicial e uma familiarização com o conteúdo, permitindo a identificação das primeiras impressões. Essa abordagem facilitou o desenvolvimento da etapa exploratória, na qual o material foi organizado e categorizado. Nessa fase, foram destacados os temas de maior relevância, bem como o contexto a ser explorado no estudo.

Para facilitar a análise dos documentos e dos outros dados coletados, agrupamos as informações em blocos. Durante o processo, optamos por extrair dos documentos selecionados as temáticas relacionadas com a inserção e permanência do CAPS ad do Setor Comercial Sul. Para examinar os desafios e potencialidades do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas – CAPS AD III Candango foi necessário contextualizá-lo nos aspectos históricos, políticos e conceituais. Para tanto, foi tecida uma breve história da saúde mental no mundo e no Brasil, juntamente com a evolução das tecnologias substitutivas de tratamento, o que veio acompanhado pelo desenvolvimento da cidadania e de alguns aspectos sobre as políticas públicas sobre o tratamento de usuários de drogas no Brasil.

A seguir, foi analisado o território de referência do serviço, para, enfim, realizar procedimentos de síntese e expansão dos significados das categorias, junto de sua interpretação para atingir os objetivos do estudo.

3 Resultados e Discussões 

3.1 – Contextualização da Saúde Mental no Mundo e no Brasil e Política Pública sobre drogas.

Segundo Amarante (2007), após a Segunda Guerra, a sociedade começou a observar os hospícios e percebeu que as condições de vida dos pacientes psiquiátricos eram semelhantes às dos campos de concentração, evidenciando uma total ausência de dignidade humana. Observou-se que as instituições psiquiátricas não apenas falhavam em aliviar o sofrimento mental das pessoas, mas frequentemente o aumentavam, ao mesmo tempo em que facilitavam a violação de seus direitos individuais e humanos. Foi nesse contexto que surgiram as primeiras experiências de reformas psiquiátricas. 

Com a crescente contestação das bases da psiquiatria e do modelo dos hospitalocêntrico a partir de movimentos surgidos ao redor do mundo, a psiquiatria democrática italiana (implementada por Basaglia e Rotelli na década de 70, na Itália) começa a exercer influência no Brasil. 

De acordo com Pires e Santos (2021), no Brasil, o movimento da Reforma Psiquiátrica teve como cenário um ambiente de contestação ao regime militar e a busca pela redemocratização. Nesse sentido, o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), em associação com familiares e pacientes, além de representantes da população, iniciaram uma frente contra a exclusão social e a violência das instituições psiquiátricas brasileiras, questionando arduamente o modelo de tratamento até então imposto às pessoas com transtornos mentais. A luta antimanicomial que se instalou no país envolveu a luta pelos direitos humanos, objetivando o fim das instituições totais e o modelo que levava à estigmatização e o agravamento do sofrimento mental.

Focando no cuidado em liberdade, a Reforma Psiquiátrica buscou integrar novos conhecimentos ao campo da saúde mental, estabelecendo a clínica psicossocial. Essa abordagem amplia a perspectiva tradicionalmente biomédica, promovendo uma prática multiprofissional, considerando também o sujeito como ser atuante, capaz de tomar decisões e dar direções acerca do seu próprio tratamento. A abordagem psicossocial não apenas visaria a melhora da saúde mental dos pacientes, mas também promoveria sua inserção social e comunitária, reconhecendo-os como sujeitos de direitos (IPEA, 2018).

Com a implementação da Lei n° 10.216/2001, o cuidado em saúde mental oferecido pelo SUS passou, na maioria dos casos, a ser realizado em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, com ênfase nos CAPS, serviços que oferecem cuidados em saúde mental, atividades coletivas e ações comunitárias, como atividades de lazer, cultura, entre outras (Brasil, 2005). A partir de 2011, institui-se a RAPS, em que o CAPS atua como principal equipamento, sendo agora articulado com outros pontos de atenção da rede (Brasil, 2011). 

A partir de 2003, em relação ao cuidado para pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas, foram criados os CAPS ad, serviços estratégicos para a atenção a usuários de álcool e outras drogas, seguindo os mesmos princípios e mesmas articulações das demais modalidades de CAPS (IPEA, 2018). Nesses serviços, preconiza-se igualmente o tratamento em liberdade, bem como a atenção integral e intersetorial de pacientes (Brasil, 2011).

Juntamente com a Atenção Psicossocial, a Redução de Danos é uma abordagem de saúde pública que busca minimizar os impactos negativos associados ao uso de álcool e outras drogas, sem necessariamente exigir abstinência. No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), essa estratégia foi implementada para oferecer cuidados mais inclusivos e eficazes, respeitando a autonomia dos usuários e considerando as realidades de cada indivíduo. 

Essa abordagem reforça o compromisso do sistema de saúde com uma assistência humanizada e integral, reconhecendo a complexidade do consumo de substâncias e buscando soluções que respeitem o contexto social, cultural e psicológico dos usuários. 

Essa política é considerada uma evolução importante no cuidado de saúde pública, pois oferece um caminho viável para pessoas que não desejam ou não conseguem interromper o uso de substâncias, mas que podem reduzir os danos associados, promovendo um suporte contínuo e menos estigmatizante.

As ações de redução de danos constituem um conjunto de medidas de saúde pública voltadas para minimizar as consequências adversas do uso de drogas. O princípio fundamental que orienta [a RD] é o respeito à lei e a liberdade de escolha, à medida que os estudos e a experiência dos serviços demonstram que muitos usuários, por vezes, não conseguem ou não querem deixar de usar drogas e, mesmo esses, precisam ter o risco de infecção pelo HIV e hepatite minimizados. (Brasil, 2001a, p.12).

3.2 – O CAPS ad III Candango e sua inserção no território.

O Centro de. Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas – CAPS ad III Candango foi transferido para o Setor Comercial Sul (SCS), Quadra 5 e inaugurado neste local no dia 03/12/2014, a mudança foi vista como um marco na reestruturação da Saúde Mental e do próprio Setor Comercial Sul. Inaugurado CAPs 24 horas no Setor Comercial Sul Centro de Atenção Psicossocial atenderá usuários de drogas e álcool; expectativa é que local contribua para revitalização da área (Portal Notícias Agência Brasília, 2014). 

Em falas trazidas nesta reportagem, gestores da Secretaria de Estado de Saúde do DF e representantes dos comerciantes foram unânimes em destacar a importância da localização do CAPS Candango.

“A gente veio para cá fazer a diferença para melhor nesta área”, prometeu a então gerente do CAPS ad III Candango a época. “A gente se aproxima dos usuários que estão em situação de rua, que dificilmente vão aos serviços”, completou o Diretor de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde do DF. Portal Notícias Agência Brasília. Brasília, 2014. Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2014/12/04/inaugurado-caps-24-horas-no-setor-comercial-sul/. Acesso em: 14 set. 2024 

Após a coleta de dados temos os documentos listados cronologicamente conforme a tabela 1 a seguir:

Documento:Descrição:Fonte:
Portal da Internet Agência Brasília – Notícias Oficiais do Governo do Distrito FederalInauguração do Centro de Atenção Psicossocial CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sulhttps://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2014/12/04/inaugurado-caps-24-horas-no-setor-comercial-sul/
Ofício n.110/2020 – GAB/PRESIDÊNCIA – Associação Comercial do Distrito Federal ACDFMedidas para Proteger o Setor Comercial Sul –  Retirada do CAPS ad IIILei de acesso à Informação
Ofício Nº 2843/2020 – SES/GABResposta ao Ofício 110 –  ACDF Permanência  do CAPSLei de acesso à Informação
CARTA  PÚBLICAPela permanência do CAPS ad III CANDANGO no SETOR COMERCIAL SULhttps://pt.scribd.com/document/474593232/CARTA-PU-BLICA-CAPS-AD-III-Candango
Memória de Reunião entre o Governo do Distrito Federal e Representações do Setor Comercial SulOrienta que a reunião tem por objetivo discutir o projeto de revitalização do Setor Comercial Sul, denominado VIVA CENTROLei de acesso à Informação
Ofício N° 189 Da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal – Fecomércio-DFSolicitação de Retirada do CAPS ad Candango do Setor Comercial SulLei de acesso à Informação
NOTAS TAQUIGRÁFICAS 63ª Sessão Extraordinária Remota – CLDFEm sessão extraordinária remota da Câmara Legislativa do Distrito Federal parlamentares protestaram contra a  possibilidade de transferência do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do  Setor Comercial Sul (SCS) para outro localhttps://www.cl.df.gov.br/-/distritais-protestam-contra-retirada-do-caps-do-setor-comercial-sul
Ofício  Nº 58/2020-GAB DEP. ARLETE SAMPAIO Câmara Legislativa do Distrito Federal – CLDFFrente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental solicita ao Secretário de Estado de Saúde do DF a renovação do aluguel, para manutenção do CAPS ad III Candango no Setor Comercial SulLei de acesso à Informação
Notícia Portal da Internet Brasil de FatoComerciantes pressionam para fechar centro que oferece assistência psicossocial no DF https://www.brasildefato.com.br/2020/09/01/comerciantes-pressionam-para-fechar-centro-que-oferece-assistencia-psicossocial-no-df
Ofício Nº 6170/2020 – SES/GAB Resposta Ofício N° 189 – Fecomércio Permanência do CAPSLei de acesso à Informação
Ofício Nº 2/2021 CLDF GAB DEP JÚLIA LUCYSolicitação de Estudo para transferência do Centro de Atenção PsicossocialLei de acesso à Informação
Ofício Nº 258/2021 CLDF GAB DEP. JÚLIA LUCYSolicitação de Providências Setor Comercial SulLei de acesso à Informação
Portal Oficial da CLDFAudiência debate desafios da Revitalização do Setor Comercial Sul                   https://www.cl.df.gov.br/-/audi-c3-aancia-debate-desafios-da-revitaliza-c3-a7-c3-a3o-do-setor-comercial-sul
Notícia Portal da Internet MetrópolesPandemia faz população em Situação de Rua quadruplicar no DFhttps://www.metropoles.com/distrito-federal/pandemia-faz-populacao-em-situacao-de-rua-quadruplicar-no-df
Notícia Portal da Internet MPDFTMPDFT e comerciantes do SCS debatem situação da população de rua da regiãohttps://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/comunicacao-menu/sala-de-imprensa/noticias/noticias-2022/13926-mpdft-e-comerciantes-do-scs-debatem-situacao-da-populacao-de-rua-da-regiao


Notícia Portal da Internet Jornal de Bsb
Setor Comercial Sul Sofre com a saída dos negócios e 9.000 pessoas perdem o empregohttps://jornaldebrasilia.com.br/brasilia/setor-comercial-sul-sofre-com-a-saida-dos-negocios-e-9-000-pessoas-perdem-o-emprego/

ela 1.

Conforme mencionado, inicialmente buscamos coletar os documentos que, ao mesmo tempo, refletissem e concretizassem de maneira ampla o fenômeno da inserção e permanência do CAPS ad III Candango no ambiente urbano do SCS e o reunimos em Blocos. Foram eles: 1) Inauguração do CAPS ad no Setor Comercial Sul, 2) Retirada do CAPS ad III Candango do Setor Comercial Sul, 3) Revitalização do Setor Comercial Sul, 4) Retirada do CAPS ad III Candango para Revitalização do SCS; 5) População em Situação de Rua; 6) População em Situação de Rua/Fechamento do Comércio/Uso de Drogas, 7) Apoio/Permanência do CAPS ad III no SCS – Serviço certo no lugar certo.

Tal panorama está ilustrado na Figura 1. 

Fonte: Autores

3.3) Mais que nomes, significados: De CAPS ad III Rodoviária para Candango no Setor Comercial Sul.

O CAPS ad III Rodoviária foi o primeiro nesta modalidade na cidade de Brasília, foi criado no dia 31 de agosto de 2011, por meio do lançamento do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas do Ministério da Saúde. O serviço era localizado no antigo Edifício do Touring (Setor de Diversões Sul), chamado de CAPS AD III Rodoviária, com funcionamento ininterrupto, leitos de Acolhimento Integral, tendo a capacidade de prestar assistência 24h aos casos com necessidades mais graves promovendo a integralidade da assistência em regime de clínica dia e clínica noite. (Portal SES/DF, 2013).

Em conjunto com a inauguração do CAPS AD III Rodoviária, foi criado também um outro dispositivo da Rede de Atenção Psicossocial vinculado a este Serviço, a Unidade de Acolhimento (UA).

As Unidades de Acolhimento são serviços residenciais de caráter transitório, com tempo máximo de 06 meses, que tem como objetivo oferecer acolhimento e cuidados contínuos de saúde, e devem estar vinculados aos CAPS (BRASIL, 2012). Contudo, apesar de várias tentativas de instalação da UA na região central de Brasília, não houve aceitação da população, com diversas ameaças caso se efetivasse, o que inviabilizou sua criação e instalação.

Segundo a reflexão de Safatle (2021) podemos entender a resistência à instalação das Unidades de Acolhimento (UA) na região central de Brasília como parte de um fenômeno mais amplo, relacionado ao impacto do neoliberalismo nas subjetividades coletivas e à construção de uma economia moral. De acordo com o autor, as condições econômicas e as dinâmicas de poder na sociedade neoliberal influenciam profundamente o sofrimento psíquico dos indivíduos e das coletividades. Essa perspectiva pode ser aplicada para compreender as motivações sociais e psicológicas por trás da rejeição da população local às Unidades de Acolhimento. Mais adiante este entendimento será melhor explicitado quando falarmos sobre a população em situação de rua.

Em abril de 2014, devido a extensão da Rodoviária do Plano Piloto, o CAPS foi transferido de maneira provisória para um Edifício na 714 Norte, onde funcionava o CAPS AD infantil. No mesmo ano, a equipe multidisciplinar do CAPS AD III participou do Projeto Tenda Viva, iniciativa da Casa Civil do Distrito Federal, realizada pelas Secretarias de Desenvolvimento Social, Secretaria de Saúde e Secretaria de Justiça nas imediações do Setor Comercial Sul. As ações foram pautadas devido ao aumento da demanda da população em situação de rua e/ou usuária de álcool e outras drogas no SCS, e tinha como objetivo ofertar serviços públicos de assistência social e saúde a aproximadamente 250 pessoas (UMBRASIL, 2014).

O projeto Tenda Viva possibilitou o reconhecimento do território e aproximação do serviço de assistência à saúde a centenas de usuários de álcool e outras drogas que viviam em situação de extrema vulnerabilidade no SCS, além da comunidade que pertencia a este espaço. Desta forma, a necessidade de instalação de um CAPS nesta localidade, contextualizou a transferência do CAPS para a sua atual localização (Setor Comercial Sul, Quadra 5) e ganhou o nome de referência de CAPS AD III Candango (permanecendo com o nome oficial de CAPS AD III Rodoviária).

A decisão de mudança do nome ocorreu na inauguração em assembleia entre trabalhadores e usuários do serviço.

O termo Candango tem sua origem para descrever o operário que trabalhava na construção de Brasília se chamava candango. A designação era pejorativa. O dicionário explica que a palavra nasceu na África. Era como os escravos se referiam aos portugueses que traficavam pessoas — gente ruim, ordinária, perversa.

No começo, candangos eram os nordestinos, a maior parte da mão de obra braçal. Depois passou a denominar os pioneiros que chegaram nos primórdios da capital. Por fim, se tornou sinônimo de brasiliense. Com muito orgulho sim, senhor. Squarisi, Dad. Candango: origem. Correio Braziliense, Brasília,14/05/2020. Disponível em: https://blogs.correiobraziliense.com.br/dad/candango-origem/>. Acesso em: 21 de Setembro de 2024.

Para um serviço que estava se (re)construindo com a proposta de ser inserido em um local estratégico, em contexto onde parte do seu público seria de pessoas em situação de vulnerabilidade ou em situação de exclusão social, soa adequado um nome com simbologia de esperança. 

Importante ressaltar a fala de um representante dos Comerciantes no evento de inauguração do então CAPS ad III Candango: “Tenho um restaurante no Setor Comercial há 39 anos, acredito que a decisão de dar prioridade ao CAPS na área foi acertada. “O pontapé inicial foi dado. A revitalização do Setor Comercial já é uma coisa verdadeira, devido à magnitude da obra [do CAPS].” (Portal Notícias Agência Brasília, 2014). 

3.4) Um território em disputa: tentativas de retirada do CAPS ad III Candango do Setor Comercial Sul

A pandemia de COVID-19 causou profundos impactos em todo o mundo, e no Brasil, os efeitos foram sentidos em diversas áreas da sociedade. Desde a economia até a saúde pública, a crise sanitária expôs e, em muitos casos, aprofundou desigualdades preexistentes, ao mesmo tempo em que forçou adaptações em praticamente todos os setores. 

Na pesquisa foram selecionados documentos, reportagens e referências sobre movimentos para a retirada do CAPS ad III Candango do Setor Comercial Sul, de forma mais significativa aproximadamente dois meses após o início da Pandemia do Coronavírus no Brasil. 

O primeiro que merece destaque é um ofício da Associação Comercial do Distrito Federal – ACDF dirigido ao Governador do Distrito Federal, solicitando medidas específicas em resposta aos desafios impostos pela pandemia de COVID-19, com foco em problemas relacionados ao Setor Comercial Sul (SCS). O objetivo principal é pedir ações para garantir a ordem pública, a segurança e a saúde da população, especialmente em relação aos moradores de rua e ao tráfico de drogas. Secretaria de Estado de Saúde. Medidas para Proteger o SCS. Ofício n.110/2020- GAB/PRESIDÊNCIA-ACDF. Brasília-DF, 29 de abril de 2020. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024. 

No documento da Associação Comercial do Distrito Federal ACDF com o assunto: Medidas para Proteger o Setor Comercial Sul constatou-se elementos sobre o tensionamento existente entre o Serviço de Saúde Pública do CAPS ad III Candango e parte da comunidade de comerciantes do SCS. Para melhor compreensão vamos reproduzir em partes o documento:

5) Nota-se, por exemplo, que a aglomeração dessas pessoas em estado de vulnerabilidade está diretamente relacionada ao trabalho desempenhado do CENTRO DE ATENÇÃO PESSOAL – CAPS, localizado no SCS, o qual deveria, nesse momento crítico e de possibilidade de contágio em massa, ser paralisado. As atividades do CAPS estimulam e reforçam a presença, inclusive, de um largo número de traficantes, o que tem aumentado muito nesse período.

6. O tráfico ilícito de entorpecentes é, em Brasília, um tema cercado de polêmicas, uma vez que existe, na Capital do País, sólida relação entre as drogas e a criminalidade presenciada em nosso cotidiano. Os comerciantes de drogas não temem qualquer censura e realizam as vendas nas ruas do SCS, na porta da CAPS e, até, em frente aos Postos Policiais da área. Oferecem químicas ilegais, como é amplamente sabido e divulgado, aos moradores de rua, ostensivamente e sem qualquer receio. 

E por fim o documento solicitava ao Governador as seguintes providências:

a) O fechamento urgente e imediato do CAPS no SCS.

b) Que o CAPS seja reaberto e execute suas atividades em local afastado do centro de Brasília– DF.

c) Que seja determinada a proibição de aglomerações de moradores de rua e viciados no SCS, principalmente, nas quadras 4 e 5.

d) Que seja realizado o aumento do policiamento ostensivo e repressivo para coibir o tráfico de drogas no SCS.

e) Que a população seja aconselhada a não oferecer donativos nas ruas de Brasília, sendo instruída a fazê-lo para os órgãos competentes indicados pelo GDF. (Ofício n.110/2020- GAB/PRESIDÊNCIA-ACDF, 2020 ACDF – Associação Comercial do DF. Fernando Brites – Presidente.) 

A visão dos comerciantes sobre a população em situação de rua no Setor Comercial Sul pode ser analisada a partir de diversas perspectivas, abrangendo aspectos sociais, econômicos e de segurança. Muitos comerciantes relatam que a presença de pessoas em situação de rua pode afastar clientes, resultando em uma redução das vendas. 

Como mencionado, quando falamos da rejeição da população que inviabilizou a criação e instalação da Unidade de Acolhimento. No neoliberalismo, o sofrimento psíquico é individualizado e responsabilizado ao sujeito, sendo considerado “principalmente uma falta de moral” (SAFATLE, 2021, pp.18). Isso se alinha a uma lógica que ignora as condições estruturais que geram esse sofrimento e tende a culpar o indivíduo por sua situação. Assim, estabelece-se um modelo econômico em que as justificativas deixam de ser fundamentadas em bases conceituais e passam a ser sustentadas por crenças ético-morais. 

Nessa concepção, propõe-se que o indivíduo seja inteiramente responsável por sua própria vida e pelos riscos que dela decorrem, promovendo sua autonomia em relação ao Estado. Isso implica na rejeição da intervenção estatal, fazendo com que o indivíduo recorra exclusivamente a seus próprios recursos para enfrentar seus desafios (Oliveira, 2022).

O que nos parece é que quando os comerciantes relatam que a presença desses indivíduos (população em situação de rua) afasta os clientes, estamos diante de uma visão que desconsidera as condições sociais e estruturais que colocam tais indivíduos naquela situação. Este entendimento não consegue perceber a pobreza e a marginalização como consequências de um sistema econômico que exclui e precariza. A visão neoliberal naturaliza a pobreza e a marginalização, culpabilizando o sujeito, sem refletir sobre as causas estruturais que geram essa realidade.

No teor do documento obtido pode-se perceber que há repulsa quanto a presença da população em situação de rua na região baseada em um padrão neoliberal de eficiência econômica, no qual as vendas e o consumo devem ser priorizados em detrimento das condições de vida de outros indivíduos. O sofrimento psíquico da população em situação de rua, associado à desigualdade e exclusão social, é invisibilizado, enquanto a lógica econômica do comércio prioriza o sucesso financeiro e a “limpeza” do ambiente.

Ainda sobre a retirada do CAPS ad outros dois documentos de relevância foram encontrados desta feita trata-se de Ofícios do Gabinete de Deputada Distrital da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), datados de janeiro e abril de 2021. Os dois documentos são endereçados ao Secretário de Estado de Saúde do Distrito Federal. No primeiro cujo assunto: Estudo para transferência do Centro de Atenção Psicossocial, no texto a parlamentar afirma que:

Verifica-se que o crescimento da população em situação de rua foi intensificado após a instalação do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS na região. Câmara Legislativa do Distrito Federal Gabinete da Deputada Júlia Lucy – GAB. 23. Solicitação de Estudo para transferência do Centro de Atenção Psicossocial. OFÍCIO Nº 2/2021-GAB DEP. Júlia Lucy. Brasília, 08 de janeiro de 2021. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024

No outro Ofício a Deputada diz ainda:

Encaminhamos fotos anexas para ilustrar e exemplificar o tamanho do problema enfrentado pelos usuários do Setor Comercial Sul, uma vez que alguns moradores em situação de rua se instalaram, de forma muito precária, nas proximidades do CAPS-AD, e têm promovido aglomerações. Nesse sentido, é preciso resgatar a sensação de segurança do local, promover a sua utilização racional e cuidar para que as pessoas em situação de rua sejam destinadas a abrigos e possam resgatar a dignidade e se protegerem da exposição ao coronavírus. Câmara Legislativa do Distrito Federal Gabinete da Deputada Júlia Lucy – GAB. 23. Solicitação de Providências Setor Comercial Sul. OFÍCIO Nº 258/2021-GAB DEP. JÚLIA LUCY. Brasília, 20 de abril de 2021. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024

Possível perceber pontos comuns nas falas tanto de comerciantes quanto da representante do povo sobre a sensação de insegurança, aumento de pessoas em situação de rua no SCS e associações, como por exemplo: o trabalho do CAPS ad incentiva aglomerações e atraem as pessoas em situação de rua.

3.5) A Revitalização do Setor Comercial Sul: dimensões simbólicas e práticas

Nesta mesma época, ou seja, meados de 2020, outro ator governamental ganha destaque: A Administração Regional do Plano Piloto do Distrito Federal. O tema revitalização que, como mencionado anteriormente, está presente desde a chegada do CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sul ressurge em reuniões coordenadas pela Administração do Plano Piloto.

Surge o questionamento porque o Setor Comercial Sul precisa de revitalização? 

O Setor Comercial Sul (SCS) está situado em uma das áreas mais valorizadas da capital federal, com mais de 150 mil pessoas transitando diariamente (Portal Agência Brasília, 2023). 

Localizado entre os eixos W e W3, que o delimitam de norte a sul, e as vias S2 e S3, que o definem de leste a oeste, o SCS é composto por seis quadras, numeradas de 1 a 6, distribuídas entre o Eixo W e a Via W3. Essas quadras são interligadas por um grande corredor de pedestres, pontilhado por praças que promovem encontros e pausas durante o dia. A região é servida por três importantes pontos de transporte: as próprias bordas do SCS, a Via W3 Sul, e a Galeria dos Estados no Eixo W. A proximidade da Rodoviária do Plano Piloto, principal hub de transporte do DF, reforça o papel do SCS como um espaço dinâmico e vibrante, com um intenso fluxo de pessoas, atividades e cultura. (ABREU, 2023, p. 21).

Tradicionalmente, o Setor Comercial Sul (SCS) foi um dos principais pólos empresariais de Brasília, abrigando grandes empreendimentos nas primeiras décadas da cidade. O desenvolvimento das demais quadras fortaleceu ainda mais a região, porém, as mudanças sociais ao longo do tempo resultaram no afastamento de negócios, culminando em um período de decadência. Atualmente, há um esforço para revitalizar e recuperar o prestígio do SCS.

Essa mesma dinâmica que tornava o SCS singular também contribuiu para sua degradação. O crescimento de Brasília, aliado à localização estratégica do setor, atraiu um grande número de pessoas, mas também favoreceu a presença de atividades informais, como flanelinhas, vendedores ambulantes e até grupos marginalizados, como usuários de drogas e pessoas em situação de rua. À noite, a área esvazia-se, tornando-se propensa a ações de criminosos, como traficantes. 

Um exemplo emblemático da deterioração é o surgimento da maior cracolândia de Brasília, o “Beco/Buraco do Rato”, na Quadra 5, onde se encontra atualmente o CAPS ad III Candango. Em 2018, a Polícia Militar registrava até 12 ocorrências diárias na região (Correio Braziliense, 2018). 

Com a expansão de modernos complexos empresariais fora do SCS, oferecendo infraestrutura superior, como segurança e estacionamento privativo (shopping centers), a competição por investimentos afastou ainda mais empresas do Setor Comercial Sul. O valor dos imóveis na região caiu, e a falta de investimentos privados deixou o Estado como o único agente capaz de revitalizar a área, seja por meio de reformas estruturais ou parcerias com a sociedade civil. (VARGAS; CASTILHO, 2015).

No documento “Memória de Reunião entre o Governo do Distrito Federal e Representações do Setor Comercial Sul”, a administradora Regional do Plano Piloto, orienta que a reunião tem por objetivo discutir o projeto de revitalização do SCS, denominado VIVA CENTRO”. A reunião teve os seguintes participantes: Representantes do Governo: Administração Regional do Plano Piloto, Secretaria de Desenvolvimento Social, Secretaria do Empreendedorismo, Secretaria de Saúde, Secretaria de Segurança Pública, Organizações da Sociedade Civil: FECOMERCIO, Associação Comercial do DF, Prefeitura Comunitária do Setor Comercial Sul, Administradores dos edifícios do SCS, Proprietários de Estabelecimentos Comerciais (Restaurante Coisas da Terra e Restaurante Hug), Instituto No Setor. Neste ponto podemos compreender que houve por parte da Administração Regional do Plano Piloto um esforço para coordenar reuniões técnicas com diversos atores do SCS (incluído a Secretária de Estado de Saúde) sobre as possibilidades de projetos de revitalização. 

O documento traz ainda a informação de que o Projeto VIVA CENTRO tem uma configuração dividida em 05 eixos. A dinâmica da reunião visa ouvir as demandas mais urgentes e imediatas colocadas pela Sociedade. Os órgãos de governo se manifestaram pela pertinência e por fim, serão dados os encaminhamentos. Secretaria de Estado de Saúde. Memória de Reunião entre o Governo do Distrito Federal e Representações do Setor Comercial Sul. Brasília-DF, 05 de agosto de 2020. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024.

Sobre o projeto Viva Centro encontramos a seguinte notícia, em setembro de 2021:  

GDF fará novos estudos para prosseguir com revitalização do Setor Comercial Sul Projeto foi barrado pelo Ipahn. O Instituto pediu mais estudos sobre a iniciativa Viva Centro. Um dos objetivos da proposta é tornar até 30% da região comercial em moradias. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu parecer contrário nessa quinta-feira (2/8), ao projeto Viva Centro, cujo objetivo é revitalizar áreas centrais da capital federal. Com a posição do instituto, a iniciativa fica parada. A principal proposta do Viva Centro para o Setor Comercial Sul (SCS) é separar até 30% do local para uso residencial. 

A matéria ainda traz a seguinte informação:

“A iniciativa divide opiniões. O Viva Centro é apoiado por entidades representativas do comércio que, inclusive, têm sede no SCS, como a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF) e o Sindivarejista. No entanto, para o professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, um verdadeiro diagnóstico dos efeitos do projeto envolve não apenas levantamento da área, mas programas governamentais posteriores à instalação de residências na região. “Não basta colocar as pessoas em uma sala de escritório, é preciso pensar em como elas vão viver no SCS em termos de desenvolvimento humano”, adverte. GDF fará novos estudos para prosseguir com revitalização do Setor Comercial Sul. Correio Braziliense, Brasília, 03/09/2021. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/09/4947429-gdf-fara-novos-estudos-para-prosseguir-com-revitalizacao-do-setor-comercial-sul.html/>. Acesso em: 21 de Setembro de 2024.

Após essa data, ou seja, setembro de 2021 no presente estudo não foram encontrados documentos com os desdobramentos do projeto Viva Centro que poderiam impactar diretamente na permanência do CAPS ad III Candango no SCS. 

3.6)   Revitalização do Setor Comercial Sul e a Retirada do CAPS ad III Candango, existe correlação?

Na linha do tempo da trajetória da inserção do CAPS ad III Candango no Centro Urbano de Brasília chegamos à data de outubro de 2021. Neste momento os documentos encontrados sinalizam para um outro entendimento, ou nova estratégia, em que alguns comerciantes e também a já mencionada deputada distrital da Câmara Legislativa do DF, que a retirada do CAPS ad III Candango “para um local mais adequado” é a solução/pode contribuir para a revitalização do Setor Comercial Sul. 

Destaca-se Ofício da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF) endereçado ao Secretário de Saúde do Distrito Federal. O teor do documento não difere em sua essência dos anteriormente citados neste trabalho. Ofício n.189/2020- FECOMÉRCIO/DF/PRES. Brasília-DF, 10 de agosto de 2020. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024. 

E no Portal Oficial da CLDF encontramos audiência pública com o título: “Os desafios para revitalizar o Setor Comercial Sul (SCS)”. 

Na audiência pública transmitida pela TV Câmara Distrital e pelo canal da Casa no YouTube. A mediadora, deputada Júlia Lucy (Novo), disse que há um “descontentamento” da população com a gestão naquela área (SCS), que ela considera “um espaço central e estratégico, além de vitrine para os visitantes”. A parlamentar defendeu o direito dos usuários ao usufruto deste espaço de forma segura, ao acrescentar que a área é um ativo que deve ser explorado economicamente. 

Atendimento Psicossocial

Aos representantes da Secretaria de Saúde (SES) do DF, Lucy cobrou esclarecimentos sobre o funcionamento do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS) III, inclusive sobre a possibilidade de transferência desse equipamento público localizado no SCS. Em resposta, o secretário adjunto de Assistência à Saúde da SES, Fernando Erick Moreira, disse que o CAPS III foi habilitado tecnicamente para o atendimento desde sua instalação, em 2014, contemplando também acesso para ambulância.

Ele enfatizou que o objetivo do equipamento é ir até as pessoas em situação de vulnerabilidade, e não o contrário. “Não queremos gerar soluções de descontinuidade a pessoas em situações muito precárias”, salientou. Portal da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Brasília, 27/10/2021. Disponível em: <https://www.cl.df.gov.br/-/audi-c3-aancia-debate-desafios-da-revitaliza-c3-a7-c3-a3o-do-setor-comercial-sul>. Acesso em: 05 de outubro de 2024. 

Na audiência pública proposta pela Deputada Distrital sobre a gestão e o uso de espaços públicos no Setor Comercial Sul (SCS), em Brasília, foi trazida à tona questões de segurança, exploração econômica e atendimento social. É possível identificar dois pontos principais que merecem reflexão: 1) A Gestão de Espaços Públicos; e 2) O Papel dos Equipamentos Públicos de Saúde no Espaço Urbano. 

A menção ao CAPS ad III e sua possível transferência dá visibilidade ao conflito entre a valorização econômica do espaço e a necessidade de atender pessoas em situação de vulnerabilidade. O secretário adjunto de Saúde destacou que o foco do CAPS III é justamente atender quem mais precisa, especialmente as populações marginalizadas.

Mover equipamentos como o CAPS para longe dessas áreas pode resultar em barreiras de acesso para quem mais depende desses serviços. A fala do secretário sugere que o equipamento deve se adaptar ao território e suas realidades, o que reforça a importância da manutenção de serviços essenciais em locais estratégicos.

Mais uma vez foi demonstrada a tensão entre diferentes objetivos na gestão de espaços urbanos: revitalização econômica, segurança pública e inclusão social. Isso exige uma abordagem integrada, que envolva todos os setores da sociedade em um diálogo transparente. Além disso, é essencial lembrar que a valorização de um espaço não pode ser medida apenas por seu potencial econômico, mas também por sua capacidade de gerar bem-estar para todos, especialmente para aqueles que mais precisam.

Embora a revitalização da área seja vista como uma estratégia para promover segurança e atratividade econômica, a transferência do CAPS ad III pode comprometer o acesso das populações mais necessitadas aos serviços de saúde psicossocial essenciais.

É fundamental que as ações de revitalização considerem a inclusão social como um pilar essencial, buscando uma gestão que integre a segurança, a exploração econômica e o bem-estar de todos os cidadãos, sem deixar de lado o compromisso com aqueles que mais dependem dos serviços públicos de saúde.

3.7) População em Situação de Rua, quais as representações no SCS? 

Aqui falaremos do protagonismo que a população em situação de rua do Setor Comercial Sul possui neste território específico. Como ressaltado quando falamos sobre a revitalização, o SCS é uma região central da cidade, conhecida pelo intenso consumo de substâncias psicoativas e pela presença constante de usuários de drogas. 

A questão das pessoas em situação de rua é um dos desafios mais complexos e persistentes enfrentados por áreas urbanas no Brasil e no mundo. No SCS, assim como em outras cidades, a realidade das pessoas que vivem nas ruas é moldada por uma combinação de fatores sociais, econômicos e políticos. 

A falta de políticas públicas adequadas é um dos principais fatores que contribuem para o aumento das pessoas em situação de rua. Em muitas cidades, a escassez de programas de habitação popular e de reintegração social faz com que um número crescente de pessoas seja forçada a viver em condições precárias. Além disso, o acesso limitado a serviços de saúde, especialmente à saúde mental e ao tratamento de dependências, intensifica o problema.

Muitas das pessoas em situação de rua enfrentam problemas de saúde mental ou são vítimas de abuso de substâncias, o que os impede de acessar oportunidades de trabalho e moradia estável. A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais essa situação, deixando muitos sem meios de sustento e ampliando a desigualdade social. Dada a complexidade desse cenário, as soluções exigem uma abordagem multidimensional. 

Queremos crer que mesmo que o Governo do Distrito Federal não tivesse tomado a decisão de transferir e inaugurar o CAPS Ad III ano de 2014 no SCS este serviço seria essencial para o cuidado em saúde mental neste território especialmente para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, em situação de rua.

Mesmo antes da instalação do CAPS, o SCS já era conhecido na cidade de Brasília como uma região onde, se encontra uma população em situação de vulnerabilidade e usuários de drogas. O exemplo mais marcante é o já citado “Beco/Buraco do Rato”, a maior cracolândia de Brasília, localizado mais especificamente na Galeria Nova Ouvidor, Quadra 5.

Em 2014 quando o CAPS ad III Candango foi transferido para o Setor Comercial Sul, apesar de boa receptividade nos parece que a expectativa criada em alguns comerciantes era que o serviço de saúde mental de alguma forma iria solucionar a questão das pessoas em situação de rua usuárias de drogas da região contribuindo assim para a revitalização do SCS.  

A lógica que mais se assemelha com essa concepção é a da intervenção do Estado Higienista, que busca “limpar” as ruas das pessoas em situação de rua por meio de abordagens punitivas e muitas vezes desumanas, o que contribui para a estigmatização e marginalização dessas pessoas. Em muitas cidades, há uma combinação de políticas de repressão à pobreza e políticas de saúde que priorizam a “normalização” da população, ignorando a complexidade das causas do fenômeno da rua, que envolvem questões econômicas, sociais e psicológicas.

No campo da saúde mental, isso se traduz em práticas que podem desconsiderar a singularidade de cada caso, priorizando intervenções que busquem, por exemplo, “regular” os comportamentos ou “encaixar” os indivíduos em padrões considerados socialmente aceitáveis, sem ouvir suas próprias demandas. Essa abordagem pode gerar mais sofrimento, em vez de promover o cuidado efetivo (Foucault, 2008). 

Em maio de 2022 houve reunião entre o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT e comerciantes do SCS para debater a situação da população de rua da região. Mais uma vez os representantes dos comerciantes ressaltaram que o poder público não está coibindo a aglomeração de moradores na área, principalmente usuários de drogas. Os empresários reivindicam ainda a remoção do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps AD) do setor, ou que o atendimento da população seja realizado de forma “pulverizada”, de forma a evitar a convergência de um grande número de pessoas (Portal MPDFT, 2022).

Este documento suscitou o interesse nos pesquisadores em verificar o perfil dos pacientes atendidos no CAPS ad III Candango do Setor Comercial Sul em dados obtidos em questão em uma entrevista realizada com Carla Freitas – Gerente do CAPS ad Candango – Setor Comercial Sul – Brasília no ano de 2024 queríamos destacar a seguinte informação: 

O CAPS atende atualmente cerca de 1.104 pessoas, destas 57,5% estão em situação de rua (Observatório da Reforma Psiquiátrica, 2024). 

3.8) População em Situação de Rua, Fechamento do Comércio e o Fenômeno do Uso de Drogas

A realidade da População em Situação de Rua no SCS pós pandemia parece não diferir do contexto anterior. Os olhares sociais em relação ao CAPS ad parecem permanecer os mesmos. Em recente matéria jornalística disponível no Portal da Internet Jornal de Brasília (2024) encontramos reportagem em que a situação do SCS é descrita da seguinte forma:

O Setor Comercial Sul (SCS) enfrenta uma crise econômica e social, marcada pelo fechamento de mais de 1.000 comércios e a perda de 9.000 empregos, devido à insegurança causada pela presença de pessoas em situação de rua. Segundo Fernando Brites, presidente da Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF), esse aumento de moradores de rua agravou a insegurança, levando empresários a abandonarem o local. Outro fator atrativo a população em situação de rua, segundo o presidente da Associação é a presença do Centro de Atenção Psicossocial, que se encontra ali desde o governo Rollemberg, aberto para todo o público, mas usado principalmente pelas pessoas que se abrigam em suas redondezas. “Aumentou o número de moradores de rua e aumentou a insegurança. Se você for fazer uma pesquisa no setor comercial sul e no setor produtivo, ninguém quer o CAPS ali”, disse. CAPS, ou Centro de Atenção Psicossocial, é um aparelho do Estado voltado ao tratamento de dependentes químicos. (Jornal de Brasília, 2024).

Paulo Amarante, um dos principais estudiosos da Reforma Psiquiátrica e das políticas de saúde mental no Brasil, enfatiza a importância dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) como uma estratégia essencial para a inclusão e cuidado de populações vulneráveis. Argumenta que os CAPS AD representam uma ruptura com os modelos tradicionais e excludentes de tratamento psiquiátrico, propondo um cuidado que leva em conta a complexidade social, econômica e cultural dos indivíduos.

Segundo Amarante (2007), a função dos CAPS AD vai além do tratamento dos transtornos por uso de substâncias. Esses centros oferecem um espaço seguro para que indivíduos em situação de vulnerabilidade, especialmente aqueles em situação de rua, possam encontrar acolhimento, apoio psicossocial e caminhos para a reinserção social. Ele destaca que, para muitos desses usuários, o CAPS AD é o único lugar onde podem acessar cuidados de saúde, apoio psicossocial e assistência social, pois muitas vezes são excluídos de outras esferas de atendimento devido ao estigma associado ao uso de substâncias e à condição de rua. 

 3.9) Apoio/Permanência do CAPS ad III no SCS. 

Apesar de o período pandémico representar o auge do tensionamento entre parte da sociedade com a permanência do CAPS ad no SCS encontramos na foto acima ocorrida em 07/07/2017, um ato feito pelo Caps ad Candango com a participação de pacientes, familiares, servidores, outros caps e parceiros como resposta à matéria veiculada pelo jornal Alô do dia 04/07/2017, onde foi pontuado que os comerciantes e empresário locais estavam exigindo a saída do Caps ad do Setor Comercial Sul. 

Neste tópico estão reunidas as principais respostas encontradas aos documentos dos movimentos pela retirada do CAPS ad III Candango do Setor Comercial Sul.

Em um deles vemos a chamada: ‘Pela permanência do CAPS ad III CANDANGO no SETOR COMERCIAL SUL: SERVIÇO CERTO PORQUE ESTÁ NO LUGAR CERTO’. Este é o título da CARTA PÚBLICA datada de agosto de 2020, documento este elaborado pelo movimento Pró Saúde Mental e assinada por 24 Coletivos da sociedade do DF, a mesma defende a permanência do CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sul (SCS) de Brasília, destacando a importância do serviço para a saúde mental e a assistência a pessoas vulneráveis na região. 

A carta ainda solicita o fortalecimento do CAPS e a integração de políticas públicas para apoiar a população vulnerável. Propõe a manutenção do CAPS no SCS e sugere a criação de novas estruturas e recursos para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), além de reforçar a necessidade de políticas públicas no território onde as pessoas vivem. A carta é apoiada por diversas entidades e movimentos que defendem a importância do CAPS e criticam a proposta de sua remoção.

Em agosto de 2020 na 63ª Sessão Extraordinária Remota CLDF – Notas Taquigráficas. Os deputados Distritais ressaltam que é imprescindível o CAPS ad permanecer no SCS. 

O Caps naquela localização é fundamental. Há muita resistência a aparelhos públicos fundamentais em espaços comerciais e residenciais. Os Parlamentares que estão aqui, que representam os setores comerciais e também a comunidade, têm que se preocupar com a importância dos serviços públicos e ter essa sensibilidade. O Centro de Atendimento Psicossocial é fundamental no atendimento e na atenção à saúde mental, na nossa cidade. E aquela é uma região prioritária para atendimento. (CLDF, 2020).

Neste outro documento a Frente Parlamentar em defesa da Saúde da Câmara Legislativa do Distrito Federal solicita a Renovação do Aluguel do CAPS ad III Candango ao Secretário de Estado de Saúde do DF. OFÍCIO Nº 58/2020-GAB DEP. ARLETE SAMPAIO. Brasília-DF, 17 de agosto de 2020. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024. 

Descrevemos a seguir importante documento que tramitou na Secretaria de Estado de Saúde do DF com o posicionamento tanto de seus dirigentes como de seu corpo técnico representado pela Diretoria de Saúde Mental sobre os questionamentos feitos por comerciantes e a Deputada Distrital sobre a importância da permanência do CAPS ad III Candango no Setor Comercial Sul. 

O CAPS AD III Candango é o único serviço nesta modalidade da Região de Saúde Central, contando com uma grande área de abrangência. Em quase 9 anos de funcionamento, a Unidade faz aproximadamente 37.000 atendimentos anualmente, realizando, em média, 3.100 atendimentos por mês em períodos anteriores à pandemia. Ressaltamos que, seguindo as recomendações sanitárias do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde, esta Diretoria emitiu Circular orientando os serviços de saúde mental da Atenção Secundária, que suspendessem a realização de atendimentos de grupo, para evitar aglomerações, mantendo os acolhimentos, atendimentos agendados e intervenções em crise. Por fim, o atual estado de calamidade pública devido à pandemia de COVID-19, em que se somam ameaças à integridade física e emocional da população, e sendo esperadas reações emocionais intensas e de gravidade compatível ao momento traumático experienciado, ressalta ainda mais o caráter essencial dos serviços de saúde mental. Segundo índices de países previamente atingidos pela pandemia, houve um aumento significativos dos casos de uso nocivo de álcool, depressão, ansiedade e suicídio, fomentados pelo contexto do evento traumático que vivemos. 

Destarte, reiteramos que o CAPS foi instalado naquela localidade por se tratar de uma região central e para atender a uma população vulnerável já existente no setor, e que, diante da incontestável relevância do CAPS AD III Candango para a Região de Saúde Central e para a Rede de Atenção Psicossocial do Distrito Federal, e diante das incansáveis tentativas de retirada do CAPS do SCS, com a justificativa de que a população em situação de rua é resultante do serviço, cabe questionar qual seria o lugar adequado para se assistir à demanda da população de rua senão no local em que estes se encontram e como esta Secretaria de Saúde irá executar políticas públicas de saúde para a população dependente do SUS, em locais de difícil acesso a elas.  DESPACHO SES/SAIS/COASIS/DISSAM. Brasília-DF, 13 de agosto de 2020. Obtido via Lei de Acesso à Informação, Protocolo LAI-017672/2024, data do acesso, 27 de setembro de 2024.

Os documentos encontrados pelos pesquisadores no presente estudo trazem uma defesa contundente da permanência do CAPS AD III Candango no Setor Comercial Sul (SCS), embasada em argumentos técnicos, sociais e de saúde pública. Como principais pontos podemos destacar: 1) A Importância Estratégica da Localização do CAPS AD III no SCS, com centralidade e acessibilidade: 2) A importante manifestação de defesa de Entidades e Movimentos Sociais com mobilização de 24 coletivos e a elaboração de uma carta pública que demonstram a ampla articulação da sociedade civil em favor da permanência do CAPS no SCS. A carta não só defende a permanência do CAPS, mas também propõe a ampliação de recursos e serviços voltados à saúde mental. 3) Dados Técnicos e o Papel do CAPS na Saúde Pública. A documentação apresentada pela Secretaria de Saúde do DF e pela Diretoria de Saúde Mental reforça o papel essencial do CAPS AD III, especialmente em um contexto de aumento de casos de sofrimento mental e uso problemático de substâncias, exacerbados pela pandemia. 4) Resposta às Críticas de Comerciantes e da Deputada Distrital sobre a questão recorrente de que o CAPS atrai a população em situação de rua. Este argumento é refutado, pois a população vulnerável já estava no território: O CAPS não cria a vulnerabilidade; ele atende a uma necessidade já existente. Surge então o questionamento a quem pertence o espaço público? E por fim 5) Reflexão sobre Políticas Públicas e Justiça Social. O debate sobre a permanência do CAPS AD III no SCS transcende a questão local, refletindo um dilema maior sobre a gestão urbana e a inclusão social. A exclusão de equipamentos públicos de áreas centrais reforça a segregação social, enquanto a manutenção do CAPS no SCS sinaliza um compromisso com a justiça social e a equidade no acesso à saúde.

A permanência do CAPS AD III Candango no SCS é defendida com base em sua importância estratégica para a saúde mental e a inclusão social de populações vulneráveis. A retirada do serviço da região poderia comprometer o atendimento a milhares de pessoas, além de reforçar barreiras de acesso à saúde. O debate em torno dessa questão revela a necessidade de priorizar políticas públicas que integrem a saúde, a justiça social e o direito à cidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi documentada a história do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas CAPS Ad III Candango desde da origem até os momentos atuais. Compreendemos aqui os desafios e potencialidades do serviço na atenção psicossocial e sua inserção no território do Setor Comercial Sul. 

Constatamos que apesar de poucas forças contrárias à permanência do CAPS ad III Candango no SCS, estas representam segmentos da sociedade com acesso a relativo poder e influência no governo. Tal situação representa ameaça constante e pode ocasionar retrocessos na efetivação da Reforma Psiquiátrica Brasileira com a transferência ou fechamento do serviço de saúde mental para outra localidade. Por esta razão, importa que haja literatura científica que discuta tal processo à luz do território, e principalmente o impacto na assistência a pessoas com necessidades decorrentes do uso de drogas.

Entendemos que a defesa da Reforma Psiquiátrica passa, necessariamente, pela análise e entendimento das contradições e dos obstáculos que não apenas estrangulam e tolhem seu desenvolvimento, como, no presente momento, a colocam em xeque, junto dos avanços que trouxe consigo e da própria conquista que ela representa. 

A relevância do CAPS AD III Candango vai além do simples atendimento; ele está estrategicamente localizado para servir uma população que necessita desse apoio em sua própria localidade. A tentativa de realocar o serviço sem considerar as necessidades da população local gera questionamentos sobre a adequação de tais medidas e sobre a responsabilidade do poder público na oferta de serviços de saúde mental acessíveis.

Na experiência do CAPS ad III Candango do cuidado em saúde mental o que parece coexistir é um embate entre pelo dois paradigmas: Ações do Estado/parte da sociedade civil que entendem serem necessárias ações enérgicas de cunho higienista com a população em situação de vulnerabilidade, sendo aceitável abordagens e formas de tratamento mesmo que involuntárias/compulsórias por meio de exclusão e isolamento social em um modelo pautado na guerra às drogas e de abstinência; e, de outra parte, alguns setores de saúde pública e movimentos, coletivos sociais que entendem e defendem formas de tratamento de saúde e cuidados por meio de estratégias de Redução de Danos, garantia de direitos humanos e cidadania.

O CAPS AD III Candango desempenha um papel fundamental na Rede de Atenção Psicossocial da do DF, ao abordar a presença do CAPS AD III Candango no contexto da revitalização urbana do Setor Comercial Sul, o artigo oferece uma visão sobre como serviços de saúde mental podem coexistir com iniciativas de desenvolvimento urbano.

A presença do CAPS AD III Candango no Setor Comercial Sul de Brasília reflete o desafio contínuo e a relevância de oferecer cuidados psicossociais em ambientes urbanos diversificados e economicamente ativos. A convivência entre um centro de saúde mental e uma área tradicionalmente comercial tem gerado tensões, principalmente pela presença de usuários em situação de rua e de pessoas em crise, aspectos que muitos comerciantes apontam como fatores que impactam as atividades do comércio local.

Por tudo o que foi abordado, pode-se concluir que o CAPS AD III pode ser considerado como uma referência no universo de saúde mental. Isto tendo em vista, principalmente sua localização, no Setor Comercial Sul. O SCS é um cenário arquitetônico que possibilita o trânsito de uma diversidade de personagens. A convivência entre um centro de saúde mental e uma área tradicionalmente comercial tem gerado tensões, principalmente pela presença de usuários em situação de rua e de pessoas em crise, aspectos que muitos comerciantes apontam como fatores que impactam as atividades do comércio local

Entretanto, é justamente em cenários como este que o CAPS AD III pode se destacar pela sua contribuição essencial à Reforma Psiquiátrica e aos princípios da Rede de Atenção Psicossocial, ao buscar soluções que transcendem os tratamentos tradicionais e ofertam abordagens humanizadas. Portanto, apesar das dificuldades, a inserção do CAPS AD III Candango no Setor Comercial Sul representa uma oportunidade única para a construção de um modelo integrado de atenção psicossocial. 

5 Referências Bibliográficas 

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