SLEEP DEPRIVATION AND SUSCEPTIBILITY TO INFECTIONS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202413122034
Sérgio Eduardo Miranda Cipriano1
Henrique Lima de Sousa2
RESUMO
A insônia é uma das queixas mais comuns entre os indivíduos com doenças psiquiátricas, incluindo adultos com transtornos depressivos e ansiosos. Ela não é apenas um problema de saúde mental, mas também contribui de forma independente para o risco de doenças infecciosas e inflamatórias, bem como para a mortalidade por muitas causas. Assim, este estudo tem como objetivo investigar a relação entre a privação de sono e a suscetibilidade a infecções. A metodologia utilizada foi uma revisão de literatura, que envolveu a busca de materiais bibliográficos em diversas bases de dados, como Scielo, PubMed e Google Scholar. Foram encontradas 12.100 publicações, das quais 12.086 foram excluídas, restando 13 publicações incluídas no presente estudo – 12 artigos e uma tese de doutorado. No final, observou-se uma relação significativa e notável entre o sono e o sistema imunitário, com a privação do sono afetando negativamente a função do sistema imune, tornando os insones mais vulneráveis a condições infecciosas e estados pró-inflamatórios.
Palavras-chave: Doenças infecciosas. Saúde Pública. Sistema Imune.
ABSTRACT
Insomnia is one of the most common complaints among individuals with psychiatric illnesses, including adults with depressive and anxiety disorders. Insomnia is not only a mental health problem, but also contributes independently to the risk of infectious and inflammatory diseases, as well as mortality from many causes. Therefore, this study aims to investigate the relationship between sleep deprivation and susceptibility to infections. The methodology used was a literature review, which involved searching for bibliographic materials in various databases, such as Scielo, PubMed and Google Scholar. A total of 12,100 publications were found, of which 12,086 were excluded, leaving 13 publications included in this study – 12 articles and one doctoral thesis. In the end, a significant and notable relationship between sleep and the immune system was observed, with sleep deprivation negatively affecting immune system function, making insomniacs more vulnerable to infectious conditions and pro-inflammatory states.
Keywords: Infectious Diseases. Public Health. Immune System.
1 INTRODUÇÃO
O sono é um processo fisiológico que promove a homeostase do organismo humano, diminui o limiar de excitação e a resposta a estímulos externos. É um sistema composto por duas etapas, sendo estas a do sono de movimentos rápidos dos olhos (REM) e a do sono não-REM (NREM), que se subdivide em três estágios. O sono não-REM relaciona-se à liberação de hormônios e integridade do sistema imunológico, enquanto o sono REM está relacionado com o aumento do fluxo sanguíneo e estabilidade da memória (COIMBRA et al., 2022).
O sono é responsável por regular diversos processos fisiológicos, inclusive garantir o bom funcionamento do sistema imune, sendo considerado essencial na manutenção da saúde. Fernandes et al., (2020) ressaltam que o sono é um fenômeno comportamental e fisiológico, essencial para a homeostase. Na sociedade moderna, tem-se percebido uma redução na duração do sono, de quase 9 horas na década de 1960 para menos de 7 horas atualmente; e da qualidade do sono devido a rotinas de trabalho prolongadas, situações estressantes e presença de distúrbios do sono, alterando a sua qualidade. Tem-se verificado que a duração inadequada do sono possui forte ligação com o desenvolvimento de hipertensão arterial, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, além de demonstrar ligação entre a homeostase do sono e as funções do sistema imunológico.
Sousa et al., (2020) destacam que reduzir o tempo de sono para menos de seis horas por dia diminui a atividade fagocítica e da NADPH oxidase dos neutrófilos, indicando uma resposta inata prejudicada contra infecções bacterianas. Os distúrbios do sono surgem como um agente modulador crítico do sistema imunológico devido às rápidas e estressantes transformações pelas quais a sociedade vem passando. A privação de sono tem sido associada ao aumento dos níveis de glicocorticóides, uma característica clássica da resposta ao estresse, e é uma ferramenta útil para estudar o impacto do estresse associado aos distúrbios do sono na fisiologia do sistema imunológico. Paralelamente à liberação de glicocorticóides, a privação de sono também tem sido relacionada à atrofia do timo, um fenômeno associado à apoptose induzida por níveis de glicocorticóides de timócitos duplo-positivos (DP).
O aumento nos níveis de circulação de algumas citocinas está associado ao início do sono, sendo que os valores de pico acontecem 2,5 horas depois do início do sono. O movimento circadiano das citocinas pró-inflamatórias pode, parcialmente, explicar as intensidades noturnas das doenças inflamatórias e imunológicas, como por exemplo artrite reumatoide e asma. O sono e o sistema circadiano controlam os processos imunológicos de maneira que a sustentação dessa influência é uma comunicação bidirecional entre o sistema imunológico e o sistema nervoso central, mediada por sinais compartilhados, como hormônios, neurotransmissores e citocinas; e inervações diretas do sistema nervoso autônomo e sistema imunológico. As citocinas têm demonstrado que podem agir de maneira autócrina, parácrina e endócrina, fazendo parte da liberação de óxido nítrico, prostaglandinas e adenosina durante a resposta inflamatória. Destaca-se que o sono pode atuar na formação de células de memória imunológica por servir como influenciador na configuração da resposta imunológica adaptativa (SANTANA et al., 2021).
Desta maneira, o presente estudo tem como objetivo verificar a relação entre a privação do sono e a suscetibilidade a infecções.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Ciclos do sono
O ciclo vigília e sono é basicamente controlado pela ação conjunta dos sistemas circadianos e homeostáticos. Geralmente, ambos os sistemas atuam em conjunto para adaptar o organismo às demandas do dia a dia e para separar funções corporais incompatíveis no tempo. Possíveis alterações que possam acontecer durante o ciclo normal de sono-vigília interferem tanto na atividade mental e física, quanto na função cardiovascular, regulação da temperatura e nos parâmetros imunológicos, como, por exemplo, na quantidade de leucócitos, proliferação, função e produção de citocinas (COIMBRA et al., 2022).
Existem duas fases principais no sono, sendo a fase do sono de movimentos oculares não rápidos (NREM) e a fase do sono de movimentos oculares rápidos (REM). Nos indivíduos, a fase do sono NREM era subdivida em quatro estágios (estágios 1-4), que mais recentemente foi definido como três estágios (N1, N2, N3). No sono NREM ocorre relaxamento muscular com manutenção do tônus basal, podendo ser confirmado no EEG progressivo aumento das ondas lentas do estágio I para o estágio III. O sono REM é a forma ativa do sono, comumente associada a sonhos; é mais fácil despertar a pessoa por estimulo sensorial do que durante o sono de ondas lentas e os indivíduos, geralmente, despertam ao amanhecer durante episódios de sono REM; o tônus muscular é bastante diminuído, chegando a ter atonia muscular, indicativo de inibição das áreas de controle da medula espinhal; apesar de existir inibição dos músculos periféricos, irregulares movimentos musculares podem acontecer. É um tipo de sono chamado de paradoxal, pois a pessoa pode estar dormindo apesar da grande atividade cerebral (LIMA; CARMO; MATOS, 2020).
Com a idade e a condição fisiológica de cada pessoa pode ocorrer variabilidade nos padrões do sono. Do recém-nascido ao idoso ocorre redução da eficiência do processo do sono. No recém-nascido o sono ocorre de maneira irregular durante o dia e à noite; já no primeiro ano de vida é possível verificar aumento do tempo de vigília diurno. Crianças em idade escolar, geralmente o sono possui duração de 10 a 12 horas, sendo comum ocorrer pesadelos. Na adolescência o sono costuma durar de 9 a 10 horas, com alterações nos hábitos de sono, como atrasar na hora de se deitar. Na idade adulta, é possível verificar variações de 6 a 8 horas de sono. A sincronização do ciclo sono-vigília é de responsabilidade de um neuro-hormônio conhecido como melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina). A estimulação de liberação desse neuro-hormônio é incentivada na escuridão e inibida na luminosidade, sendo percebido pico máximo de melatonina nas primeiras horas de sono, com decréscimo na segunda metade (YEH, 2023).
2.2 O sono e a suscetibilidade a infecções
O sono é um processo fisiológico que apresenta características recuperativas e regulatórias. A resposta do sistema imunológico é regulada por três eventos fisiológicos, como vigília, sono sem movimento rápido dos olhos (NREM) ou sono com movimento rápido dos olhos (REM). Vários patógenos atacam constantemente os organismos vivos e o sistema imunológico, que é composto por complexas redes de componentes físicos e bioquímicos, que mantém o organismo existente (ASIF; IQBAL; NAZIR, 2017).
A citocina imunorreguladora, ou seja, a interleucina-1 (IL-1), um ator-chave na regulação do sono, tem níveis associados à propensão ao sono no cérebro, induzida pelo dipeptídeo muramil e pelos peptidoglicanos relacionados ao Fator S. Portanto, é conveniente que as citocinas reguladas pelo sono afetem o sistema imunológico. De maneira semelhante, os mediadores inflamatórios aumentam devido à constante perda de sono que altera os processos e o comportamento do sistema nervoso central durante o processo imunológico (FERNANDES et al., 2020).
Zou et al., (2017) destacaram que a redução do sono possui um papel significativo no processo inflamatório e na resistência à insulina e isso talvez se justifique pelo aumento das citocinas inflamatórias plasmáticas com a ativação da inflamação celular. Essas alterações puderam ser observadas mesmo após uma noite de privação de sono. A existência de inflamação crônica de baixo grau pode estar associada à resistência à insulina e precede o aparecimento de diabetes tipo 2 em adultos. Assim, dormir bem o suficiente desempenha um papel importante na manutenção da saúde metabólica. Além disso, os pacientes com insônia costumam tomar sedativos-hipnóticos, antipsicóticos, antidepressivos ou ansiolíticos e a longa duração anormal do sono e o potencial aumento do apetite associados a esses medicamentos também podem causar resistência à insulina e alto risco de ganho de peso.
Tem-se sugerido que a privação do sono REM envolve alterações na modulação do sistema imunológico e pode aumentar a produção de citocinas e células pró-inflamatórias que participam da resposta imune inata. Em um estudo utilizando endomicroscopia confocal e microscopia eletrônica de varredura, foi recentemente relatado que a privação do sono REM induz alterações na mucosa gástrica mostrando as fases iniciais da resposta inflamatória aguda. Embora os efeitos da privação de sono na integridade da barreira intestinal tenham sido pouco explorados, foi relatado que a privação de sono leva à translocação de patógenos para os gânglios linfáticos e outros tecidos que, normalmente, não são colonizados por eles (IBARRA-CORONADO et al., 2017).
A perda de sono ativa a inflamação e a sinalização inflamatória, e os distúrbios do sono autorrelatados – ou seja, queixas subjetivas de sono não-reparador – estão associados ao aumento da inflamação. Acredita-se que esses níveis elevados de inflamação contribuam para o envelhecimento biológico. Na verdade, o envelhecimento natural está associado ao aumento dos marcadores de inflamação; fenótipos secretores pró-inflamatórios e senescência celular são elementos críticos nas patologias relacionadas ao envelhecimento, incluindo doenças crônicas como câncer, doenças cardiovasculares, demência, artrite, osteoporose, sarcopenia e comprometimento imunológico. Dado o potencial papel mecanicista do sono como fator comportamental que contribui para o envelhecimento celular, começou-se a examinar a associação entre distúrbios do sono e marcadores de envelhecimento celular e verificou-se que a má qualidade do sono está associada ao menor comprimento dos telômeros dos leucócitos, independentemente da idade, IMC, raça e renda. Além disso, entre as mulheres que possuíam queixas de sono não-reparador cronicamente, a qualidade do sono previu menor comprimento dos telômeros de leucócitos (IRWIN; OPP, 2017).
3 METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste estudo foi a revisão de literatura sobre a privação do sono e a suscetibilidade a infecções. A delimitação da pesquisa foi pautada em uma questão norteadora, sendo esta: existe relação entre a privação do sono e a suscetibilidade a infecções? Na busca de respostas para essa pergunta norteadora, realizou-se pesquisas de material bibliográfico em alguns bancos de dados, como Scielo, PubMed e Google Acadêmico.
Para realizar a busca do material na língua portuguesa, foram utilizados os descritores “sono”, “sistema imunológico” e “imunidade”. Para a busca na língua inglesa, utilizou-se os descritores “sleep”, “immune system” e “immunity”. Para a seleção do material bibliográfica, estabeleceu-se alguns critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram: material publicado a partir do ano de 2017, estarem disponíveis gratuitamente, estarem publicados na íntegra, que se referissem diretamente ao tema e material publicado em duplicidade. Os critérios de exclusão foram: resumos expandidos, monografias de graduação e trabalhos provenientes de fontes duvidosas.
Foram encontrados um total de 12.100 publicações, sendo excluídas 12.086, permanecendo e fazendo parte do presente estudo 13 publicações, dentre estas doze artigos e uma tese de doutorado.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram selecionados para este estudo um total de 12 artigos e 01 tese de doutorado, publicados nos idiomas português e/ou inglês, sendo estes categorizados conforme autoria, ano de publicação, objetivo, metodologia utilizada e resultados alcançados, conforme apresentação do Quadro 1.
Quadro 1: Demonstração dos artigos selecionados para este estudo conforme autoria, ano de publicação, objetivo, metodologia utilizada e resultados alcançados
AUTOR/ANO | OBJETIVO | RESULTADOS |
Asif, N. et al. (2017) | Discutir a resposta imunológica humana contra várias infecções durante o sono, o efeito imunorregulador do sono juntamente com a privação do sono e o papel das citocinas na regulação do sono. | O sistema imunológico do corpo humano é alterado pela liberação de imunomoduladores na resposta a infecções, conforme relatado por vários pesquisadores. As razões e mecanismos básicos da maioria das redes de sono deficientes e da liberação de moduladores pró-inflamatórios ainda são incertos. |
Ibarra-Coronado, E. G. et al. (2017) | Investigar se a privação de sono e o estresse induzem a desregulação da mucosa duodenal durante a infecção aguda por Triquinela espiralis. | Os resultados do presente estudo sustentam a teoria de que o sono é um processo fundamental capaz de modular a resposta imune das mucosas, principalmente aquela gerada contra o parasita Triquinela espiralis. |
Irwin, M. R.; Op, M. R. (2017) | Compreender as relações recíprocas entre o sono e o sistema imunológico inato, considerando o papel do sono na regulação noturna da dinâmica da biologia inflamatória. | Juntas, as interações entre o sono e os mecanismos da biologia inflamatória sublinham as implicações dos distúrbios do sono para o risco de doenças inflamatórias e fornecem um mapa para orientar o desenvolvimento de tratamentos que modulam a inflamação, melhoram o sono e promovem a saúde do sono. |
Zou, S. et al. (2017) | Explorar o efeito do Jiao-Tai-Wan no sono em ratos resistentes à obesidade com privação parcial crônica do sono e esclarecer seu possível mecanismo. | A administração de Jiao-Tai-Wan aumentou significativamente o tempo total de sono e o tempo total de sono de ondas lentas em ratos resistentes a obesidade com privação parcial crônica do sono. Além disso, o tratamento com Jiao-Tai-Wan reverteu o aumento dos marcadores de inflamação sistêmica e resistência à insulina causados pela perda de sono. |
Besedovsky, L. et al. (2019) | Realizar uma revisão de literatura sobre a interferência do sono no sistema autoimune | O sono afeta vários parâmetros imunológicos, está associado a um risco reduzido de infecção e pode melhorar o resultado da infecção e as respostas à vacinação. A indução de uma constelação hormonal que apoia as funções imunológicas é um mecanismo provável subjacente aos efeitos de suporte imunológico do sono. |
Cruz, M. M. et al. (2020) | Verificar as contribuições do relógio circadiano e do sono no contexto da infecção por SARS-CoV-2. | As ligações potenciais únicas entre o SARS-CoV-2, os ritmos circadianos e o sono foram revistas e sugerem a possibilidade de que ambos os processos homeostáticos possam modificar significativamente a susceptibilidade à infecção, bem como a manifestação clínica global da doença. |
Fernandes, E. R. et al. (2020) | Avaliar o impacto dos distúrbios do sono induzidos pelo estresse na imunidade do hospedeiro. | Os dados demonstram que a ativação anormal do eixo hipotálamo hipófise-adrenal induzida por movimento rápido dos olhos aumenta a suscetibilidade do hospedeiro à infecção. |
Lima, A. M. C. et al. (2020) | Descrever os fatores que estão associados a interrupção do sono em pacientes não sedados na unidade de terapia intensiva. | Ruídos, iluminação excessiva e padrões emocionais como a ansiedade e o medo são as maiores causas de interrupção do sono. |
Sousa, M. E. P. et al. (2020) | Estudar o impacto do estresse induzido por privação do sono na biologia celular iNKT. | Embora a privação do sono tenha prejudicado a atividade das células NK esplênicas contra células tumorais, não afetou a citotoxicidade específica das células iNKT. Assim, nosso estudo mostra que o estresse induzido por privação do sono não prejudicou as respostas das células iNKT a um antígeno cognato. |
Santana, T. P. et al. (2021) | Descrever o papel do sono no sistema imunológico em relação distúrbios do sono e terapêuticas. | O sono pode afetar o sistema imunológico podendo acarretar prejuízo na vida de pessoas e assim fazendo-se necessário a busca por terapêuticas farmacológicas para o resto da vida. |
Vainer, A. M. et al. (2021) | Realizar uma revisão de literatura a respeito da melatonina e o sistema imune | Uma função muito importante da melatonina é a capacidade de estimulação direta do sistema imunológico que o faz participar ativamente de respostas inflamatórias. Ainda no contexto inflamatório, esse hormônio é capaz de atuar protegendo os leucócitos contra a apoptose, pois eleva a expressão de Bcl-2. |
Coimbra, C. O. et al. (2022) | Revisão de literatura sobre a relação entre sono e sistema imunológico. | A privação do sono provoca perda da integridade do sistema imune, com imunossupressão, diminuição da ação de células NK, de células T auxiliares e da ação fagocítica. Além disso, indivíduos que sofrem de insônia apresentam aumento de citocinas pró-inflamatórias, levando a um processo inflamatório. |
Yeh, M. S. L. (2023) | Investigar o padrão de sono em mulheres com TEPT, vítimas de violência sexual, e sua associação com marcadores inflamatórios | O aumento das citocinas pró-inflamatórias estava associado com a gravidade da insônia, fragmentação do sono e diminuição do sono profundo, sugerindo a associação desses imunomoduladores com os distúrbios do sono no TEPT. |
Fonte: pesquisa realizada pelo residente (2024)
Neste estudo foi possível verificar que existe uma ligação entre o sono e o sistema imune, uma vez que se verificou, através da literatura consultada, alterações as quais ocorrem no sistema imunológico e modificam o sono (COIMBRA et al., 2022; SANTANA et al., 2021; ASIF et al., 2017; Yeh, 2023; Cruz et al., 2020). Vainer et al., (2021) acrescentam que a regulação do sono é controlada pelo ciclo circadiano, sendo que o sono é responsável por vários processos fisiológicos, o que inclui o bom funcionamento do sistema imune, onde a melatonina, hormônio não-esteroidal que regula o ritmo circadiano, consegue atuar protegendo os leucócitos contra a apoptose por elevar a expressão de Bcl-2. É um hormônio que não possui atuação somente sobre SNC, mas sim influenciando vários órgãos e sistemas.
Quando ocorre diminuição na secreção de melatonina, provocada pela privação do sono, ocorre perda do ritmo de secreção de cortisol, podendo modificar a integridade do sistema imune, o que favorece infecções e doenças inflamatórias (COIMBRA et al., 2022). Asif et al., (2017) corroboram afirmando que com a privação do sono ocorre redução da ação das células naturais killer (NK), diminuição do número de células T auxiliares CD3 e CD4. Possíveis causas que contribuem para a privação do sono foi citada por Lima; Carmo; Matos (2020), dentre estas estão fatores ambientais, iluminação, grande quantidade de ruídos e padrões emocionais, como ansiedade e medo.
Quando uma pessoa está sob um processo de estresse, essa situação estimula o eixo HPA e induz a liberação de cortisol e, consequentemente, a imunossupressão. O eixo HPA possui a função de despertar as pessoas por meio da estimulação de neurônios do locus coeruleus. Além disso, o estresse ativa o sistema simpático que possui a função de reduzir as respostas antivirais e aumentar genes pró-inflamatórios (SANTANA et al., 2021). No estudo realizado por Sousa et al., (2020) para estudar o impacto do estresse induzido por privação do sono na biologia celular iNKT, os autores verificaram que quando ocorre limitação do sono para menos de 6 horas por dia, ocorre a diminuição da atividade fagocítica e NADPH oxidase dos neutrófilos, demonstrando uma resposta inata deficiente contra bactérias. Observou-se, ainda, redução do peso do timo durante a privação do sono, além da redução do número total de células. Besedoysky et al., (2019) verificaram prejuízo à resposta imune a novos antígenos com a diminuição no número de células T naive.
No estudo de Irwin; Opp (2017), os autores verificaram que curtos períodos de restrição do sono levam ao aumento de interleucina-6 (IL-6), TNF, interleucina-1 (IL-1) e interleucina 17 (IL-17), que continuam com aumento mesmo após a recuperação de uma noite de sono. Além do mais, a duração curta do sono está relacionada ao crescimento do risco de mortalidade devido a elevada carga inflamatória, mediada por elevados níveis de proteína C reativa (PCR), IL-6 e TNF, demonstrando relação direta entre a privação do sono e elevados níveis de citocinas inflamatórias. Para Fernandes et al., (2020) tanto o sono possui efeito regulatório na imunidade quanto a imunidade no sono, pois ocorre um aumento de IL-1 e TNF-a, que induzem o aumento do sono N-REM. Outro fator é que os problemas com o sono têm sido bastante associados a uma ativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal que, por sua vez, libera mais glicocorticoides, fazendo efeito imunossupressor.
No estudo de Zou et al., (2017), os autores evidenciaram essa relação entre a privação do sono e a inflamação e descreveram a fisiopatologia da perda do sono e sua relação com a obesidade e a resistência à insulina, demonstrando o papel das citocinas inflamatórias plasmáticas na gênese do diabetes tipo 2 (DM-2). Neste estudo, os autores verificaram também a existência de imunossupressão e sua relação com a perda de sono, ao constatarem que essa ligação também se associa a distúrbios gastrointestinais. Em consonância com estes autores, Ibarra-Coronado et al., (2017) colocaram que o sistema imune realiza a manutenção da mucosa intestinal e, em casos de perda de sono, verificaram que ocorre uma migração de patógenos para os linfonodos e outros tecidos e isso acontece devido a alteração na integridade da barreira.
Santana et al., (2021) destacam que a perda do sono induz a alterações no funcionamento do corpo humano, que, por consequência, promovem o surgimento de doenças e citaram que essas alterações incluem a redução da atividade metabólica em algumas partes do cérebro (por exemplo, tálamo e hipotálamo), aumento da atividade neuroendócrina e do estresse, redução da imunidade e alteração no padrão do sono durante alguma patologia importante (como câncer e doenças cardiovasculares). Assim, Cruz et al., (2020) ressaltaram em seu estudo que a implementação de medidas de sono saudável como estratégia de proteção contra infecções e a detecção precoce de pacientes com risco de doença mais grave (tal como trabalhadores do turno noturno ou pacientes com apneia obstrutiva do sono), pode permitir uma melhor implementação de medidas de apoio e levar a melhores resultados.
5 CONCLUSÃO
Através desta revisão de literatura foi possível verificar a relação entre a privação do sono e a suscetibilidade a infecções, uma vez que os estudos analisados demonstraram evidências de um elo regulatório mútuo, especialmente na fase N-REM, e influência sonogênica de componentes do sistema de defesa autoimune, como TNF e IL-1.
Fica evidente a importância do sono para o bom funcionamento da resposta imune inata e adaptativa, mostrando redução de células T naive, crescimento de citocinas inflamatórias, aumento do cortisol, redução da ação das células NK, diminuição no número de células T auxiliares (CD3 e CD4) e diminuição da aptidão fagocitária de neutrófilos.
Assim, verificou-se a grande e notável relação que existe entre o sono e o sistema imunológico, posto que o sono insuficiente pode interferir negativamente no funcionamento do sistema imunológico, deixando pessoas insones mais vulneráveis a quadros infecciosos e em situações pró-inflamatória.
REFERÊNCIAS
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1Residente em Psiquiatria pela Universidade Federal do Tocantins-UFT Campus Palmas-TO. e-mail: sergioemcipriano@hotmail.com
2Preceptor do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Mestre em Saúde da Família (PROFSAUDE/UNIFAP). e-mail: henriquelimas.psiq@gmail.com