ELASTOGRAFIA HEPÁTICA POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: CONCEITOS BÁSICOS E O QUE O MÉDICO CLÍNICO DEVE SABER.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412102236


João Reggiani Júnior1
Clélia Ribeiro Pinheiro Heluy2


Resumo

Este trabalho aborda a aplicação da elastografia hepática por ressonância magnética (ERM) no diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática, investigando sua eficácia como uma ferramenta não invasiva para medir a rigidez do fígado. O objetivo geral foi analisar a precisão da ERM em comparação com outras técnicas de imagem e sua utilidade no manejo clínico de doenças hepáticas crônicas. A metodologia adotada foi uma revisão bibliográfica focada nos avanços recentes da técnica, com ênfase em estudos que discutem suas vantagens, limitações e aplicações clínicas. As considerações finais indicam que a ERM é eficaz na detecção precoce da fibrose, possibilitando intervenções oportunas e um monitoramento contínuo da progressão da doença. Além disso, destaca-se a importância do conhecimento técnico adequado por parte dos radiologistas para a interpretação correta dos resultados, evitando diagnósticos errôneos. O estudo também ressalta a relevância de promover a conscientização sobre os fatores de risco associados às doenças hepáticas, visando à redução de sua incidência e impacto global.

Palavras-chave: Elastografia. Ressonância magnética. Fibrose hepática. Diagnóstico por imagem. Doenças hepáticas.

1 Introdução

A elastografia hepática por ressonância magnética (ERM) é amplamente reconhecida como uma técnica avançada e eficaz para a avaliação de doenças hepáticas crônicas, especialmente no diagnóstico e estadiamento da fibrose e cirrose hepáticas. Estas condições estão entre as principais causas de morbidade e mortalidade global, sendo responsáveis por complicações severas, como hipertensão portal e carcinoma hepatocelular1. O uso de métodos não invasivos, como a ERM, tem revolucionado a prática clínica ao substituir a biópsia hepática em muitos casos, proporcionando uma análise mais precisa e reprodutível da rigidez hepática, com menor risco para o paciente2.

Nos últimos anos, mudanças nos determinantes epidemiológicos das doenças hepáticas têm sido evidentes. Enquanto a hepatite B e C dominavam como principais causas de fibrose e cirrose, fatores metabólicos, como obesidade, resistência à insulina e consumo excessivo de álcool, têm elevado significativamente a prevalência de doenças como a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e a doença hepática alcoólica. Esse panorama reflete alterações globais nos hábitos alimentares e no sedentarismo, exigindo métodos diagnósticos mais sensíveis para identificação precoce e manejo eficaz das condições hepáticas3.

A ERM se destaca por sua capacidade de fornecer uma avaliação precisa e detalhada da rigidez hepática ao longo de todo o órgão, superando limitações de outras técnicas, como ultrassonografia e tomografia computadorizada, que podem ser influenciadas por fatores como a gordura hepática ou a presença de inflamação4. Além disso, sua aplicação tem contribuído para monitorar a progressão de doenças hepáticas crônicas e avaliar a eficácia de terapias antifibróticas, fortalecendo seu papel como uma ferramenta indispensável na prática clínica e pesquisa5.

Diante dessa realidade, surge o problema de pesquisa: como a elastografia hepática por ressonância magnética pode otimizar a identificação e o estadiamento da fibrose hepática em comparação com outras técnicas de imagem, e quais são suas limitações, especialmente no contexto da sobrecarga de ferro no fígado? A resposta a essa questão é central para compreender como essa técnica pode impactar a prática clínica e o manejo de doenças hepáticas crônicas.

As possíveis respostas para o problema de pesquisa incluem a hipótese de que a elastografia hepática por RM é capaz de detectar e estadiar a fibrose com maior precisão do que métodos convencionais, como a ultrassonografia e a tomografia computadorizada. Além disso, ela pode ser mais eficaz no monitoramento longitudinal de pacientes com esteatohepatite não alcoólica, contribuindo para intervenções terapêuticas mais precoces e precisas. No entanto, limitações como a sobrecarga de ferro e condições inflamatórias agudas podem influenciar negativamente os resultados, o que precisa ser adequadamente considerado durante a interpretação clínica.

O objetivo geral deste trabalho é analisar o papel da elastografia hepática por ressonância magnética na avaliação da fibrose hepática, destacando suas vantagens, limitações e aplicações clínicas. Os objetivos específicos incluem a revisão dos fundamentos técnicos da técnica, a comparação com outras modalidades de imagem e a discussão de suas implicações no manejo clínico de pacientes com doenças hepáticas crônicas, especialmente no contexto da progressão para cirrose.

A relevância deste estudo está em sua contribuição para a comunidade científica e médica, ao oferecer uma análise detalhada sobre uma tecnologia avançada de imagem que pode melhorar significativamente o diagnóstico e o manejo de doenças hepáticas. Com a crescente prevalência de fibrose hepática em populações ao redor do mundo, o aprimoramento das técnicas de diagnóstico não invasivas é essencial para reduzir a morbidade e mortalidade associadas a essas condições. Este trabalho, portanto, tem o potencial de influenciar as diretrizes clínicas e contribuir para o desenvolvimento de novos protocolos de avaliação hepática.

A estrutura deste trabalho será dividida em capítulos que abordam de forma sequencial e detalhada os aspectos mais importantes da elastografia hepática por RM. O primeiro capítulo, a introdução, contextualiza o tema e delimita o problema de pesquisa. No segundo capítulo, apresentaremos a metodologia utilizada para a revisão da literatura científica e clínica. O terceiro capítulo discutirá os resultados encontrados, focando nos fundamentos técnicos da técnica, suas vantagens e limitações. Finalmente, o quarto capítulo trará as considerações finais, sintetizando os principais achados e propondo caminhos futuros para a pesquisa e a prática clínica.

2 Metodologia

Para a construção deste trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica com o objetivo de analisar as perspectivas recentes sobre a utilização da elastografia hepática por ressonância magnética (RM) no diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática. Esse tipo de revisão possibilita a identificação e a síntese de informações relevantes sobre o tema, contribuindo para uma visão abrangente das vantagens, limitações e aplicações clínicas da técnica. Segundo Gil3, a revisão bibliográfica é uma metodologia essencial para trabalhos acadêmicos, pois permite a consolidação do conhecimento existente e a construção de novos entendimentos a partir de dados já publicados. Marconi e Lakatos4 reforçam a importância dessa abordagem, destacando que a revisão da literatura oferece uma base sólida para a análise crítica de temas contemporâneos.

Os critérios de inclusão para os artigos selecionados foram: publicações dos últimos cinco anos (2019-2024), redigidas em português, que abordassem especificamente a elastografia hepática por RM e respondessem à questão de pesquisa levantada, ou seja, como essa técnica pode otimizar o diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática. Além disso, foram considerados estudos que discutem comparações com outras técnicas de imagem e que mencionam as limitações da elastografia hepática, como a sobrecarga de ferro no fígado. Esses critérios garantiram que as fontes utilizadas fossem atualizadas e relevantes para a discussão do tema.

Foram excluídos da pesquisa artigos publicados antes de 2019, trabalhos que não abordassem diretamente a questão norteadora do estudo ou que não apresentassem dados comparativos sobre as técnicas de imagem para fibrose hepática. Também foram excluídos artigos duplicados em diferentes bases de dados, a fim de evitar a redundância de informações e assegurar a originalidade do material analisado. Esse processo de exclusão é fundamental para manter o foco e a qualidade da revisão3.

As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram: “elastografia hepática”, “ressonância magnética” e “fibrose hepática”. Essas palavras foram escolhidas com base nos conceitos principais do trabalho, de forma a capturar os estudos mais relevantes e recentes sobre o tema. As bases de dados consultadas incluíram Scielo, Google Acadêmico e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que oferecem amplo acesso a artigos acadêmicos e científicos nas áreas de saúde e medicina. A escolha dessas bases se deu pela sua vasta cobertura de publicações em língua portuguesa e pela acessibilidade de material de alta qualidade sobre o tema.

A metodologia adotada permitiu a seleção criteriosa de estudos que oferecem uma visão contemporânea sobre a elastografia hepática por RM. A análise desses artigos fornecerá embasamento teórico para discutir os avanços dessa técnica e sua relevância na prática clínica. A seguir, serão apresentados os resultados da revisão, com base nos artigos selecionados, e suas implicações para o diagnóstico e o manejo de pacientes com fibrose hepática.

3 Discussão

3.1 Fundamentos da Elastografia Hepática por RM técnica atual de elastografia por rm

A elastografia hepática por ressonância magnética (RM) é uma técnica avançada e não invasiva que mede a rigidez do fígado, utilizando ondas de cisalhamento para avaliar a elasticidade dos tecidos hepáticos. Essas ondas são geradas por um dispositivo mecânico e captadas pela imagem por RM, permitindo a criação de elastogramas que facilitam a visualização das áreas de maior ou menor rigidez. Essa tecnologia se destaca como uma ferramenta confiável para o diagnóstico precoce de fibrose hepática e cirrose, especialmente em comparação com métodos invasivos, como a biópsia4

Ao compararmos a elastografia hepática por RM com outras técnicas de imagem, como a ultrassonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC), percebe-se uma maior precisão e sensibilidade da RM na avaliação da rigidez hepática. Enquanto a ultrassonografia oferece menor custo e facilidade de acesso, a elastografia por RM proporciona melhor resolução de imagem e menos interferências, como as causadas pela presença de gordura no fígado. Além disso, a RM é menos dependente do operador, o que reduz variáveis e aumenta a reprodutibilidade dos resultados5

Entre as vantagens da elastografia por RM, destacam-se sua capacidade de fornecer informações detalhadas sobre a elasticidade dos tecidos hepáticos, o que permite um estadiamento mais preciso da fibrose. Entretanto, existem também algumas limitações, como o custo elevado e a necessidade de equipamentos especializados, que podem restringir seu uso em ambientes com menos recursos. Outra limitação é a sobrecarga de ferro no fígado, que pode interferir nas leituras de rigidez, reduzindo a eficácia da técnica em certos casos6

O procedimento técnico da elastografia hepática por RM envolve a utilização de drivers mecânicos ou pneumáticos, que aplicam vibrações de baixa frequência na região hepática. Essas vibrações geram ondas de cisalhamento que se propagam pelos tecidos do fígado, e a RM captura imagens dessas ondas. Essas imagens são processadas para criar elastogramas, que mostram a rigidez do fígado em diferentes áreas. O processo requer cuidados especiais para garantir a precisão das medições, como a colocação correta dos drivers e o ajuste de parâmetros adequados para o paciente7.

Para garantir a obtenção de medições precisas da rigidez do fígado (LSM), é fundamental que o procedimento seja executado com rigor técnico. Isso inclui o controle de qualidade imediato das imagens, que envolve verificar se as ondas de cisalhamento foram captadas corretamente e se o elastograma resultante está livre de artefatos. Além disso, o médico radiologista deve estar bem treinado para interpretar os elastogramas e evitar interpretações errôneas, que podem resultar em diagnósticos incorretos8.

Um detalhe importante no processo é o jejum do paciente antes do exame, que é necessário para reduzir interferências no trato gastrointestinal e, assim, evitar falsos positivos na rigidez hepática. A correta colocação do driver passivo e a escolha adequada da seção de imagem também são cruciais para que as medições sejam representativas de toda a estrutura hepática. A sincronização das sequências de imagem com a respiração do paciente é outro fator que melhora a qualidade das imagens e evita a captura de artefatos respiratórios9.

Além disso, ajustes cuidadosos dos parâmetros da sequência de pulso durante a RM são essenciais para garantir que as ondas de cisalhamento sejam captadas com clareza. Isso inclui o ajuste de frequências e a escolha de sequências de imagem que otimizem a visualização das ondas e a geração de elastogramas confiáveis. A precisão das medições de LSM depende, em grande parte, desses ajustes, tornando o processo altamente técnico e especializado10.

A elastografia hepática por RM é uma técnica avançada e poderosa para a avaliação da fibrose hepática, mas sua eficácia depende de uma execução técnica precisa e da correta interpretação dos resultados. O uso adequado da técnica pode proporcionar um diagnóstico mais precoce e preciso, permitindo um manejo clínico mais eficaz de doenças hepáticas crônicas, como a esteato-hepatite não alcoólica, cuja progressão pode ser monitorada com maior acurácia11.

Além das vantagens técnicas e diagnósticas da elastografia hepática por RM, a técnica oferece uma capacidade única de avaliação da fibrose ao longo do tempo, permitindo o monitoramento longitudinal de pacientes com doenças hepáticas crônicas. Pacientes com fibrose hepática, como aqueles com hepatite B ou C, doença hepática alcoólica ou esteato-hepatite não alcoólica (NASH), podem ser acompanhados regularmente com a elastografia por RM, o que permite avaliar a eficácia de tratamentos e modificar as estratégias terapêuticas conforme a progressão ou regressão da doença. Essa abordagem oferece uma alternativa viável à biópsia hepática repetida, minimizando os riscos associados ao procedimento invasivo5.

Outro aspecto relevante é a crescente utilização da elastografia hepática por RM em estudos de pesquisa clínica, especialmente para testar novos tratamentos antifibróticos. O monitoramento preciso da rigidez hepática através da elastografia é essencial para avaliar a eficácia de terapias emergentes que visam retardar ou reverter a fibrose hepática. Esses estudos podem ajudar a identificar subgrupos de pacientes que respondem melhor a determinados tratamentos, promovendo uma medicina mais personalizada e eficaz no combate às doenças hepáticas crônicas12.

A elastografia hepática por RM vem sendo cada vez mais reconhecida em diretrizes clínicas internacionais como uma ferramenta padrão na avaliação não invasiva da fibrose hepática. Torres e D’Ippolito1 apontam que a inclusão da elastografia por RM em protocolos clínicos permite uma triagem mais eficaz de pacientes com risco de cirrose, reduzindo a necessidade de procedimentos invasivos e facilitando o acesso ao diagnóstico precoce em centros de saúde com recursos avançados. Essa crescente aceitação e incorporação nas práticas médicas ressaltam o valor da técnica como um pilar importante no manejo das doenças hepáticas.

3.2 Interpretação dos Resultados 

A interpretação dos resultados da elastografia hepática por ressonância magnética (RM) começa com a análise do mapa de rigidez e da colorimetria gerados a partir das imagens de ondas de cisalhamento. O mapa de rigidez exibe as diferentes áreas do fígado com variações de elasticidade, onde regiões mais rígidas indicam possíveis graus de fibrose. Para evitar erros na interpretação, é fundamental obter corretamente as medições de rigidez hepática (LSM), definindo a região de interesse (ROI) de forma cuidadosa, além de excluir áreas problemáticas ou “hot spots” que possam gerar falsos diagnósticos de fibrose ou cirrose6.

A LSM é expressa em quilopascais (kPa) e reflete a elasticidade e viscosidade do tecido hepático, permitindo a quantificação da rigidez do fígado. Para se obter resultados precisos, é importante evitar áreas com grandes vasos sanguíneos ou regiões com artefatos que possam distorcer as medições. A técnica de RM permite uma maior precisão no cálculo dessas variáveis, o que é uma vantagem em relação a outras técnicas como a ultrassonografia. Isso torna a elastografia por RM uma ferramenta poderosa para estadiar a fibrose hepática13.

A classificação da rigidez hepática é realizada com base nas medições obtidas a partir das ROI no elastograma, geralmente apresentado em uma escala de cinza. A média aritmética ponderada das medições é usada para correlacionar a rigidez com os estágios de fibrose hepática. Em pacientes com fibrose avançada, as áreas mais rígidas aparecem em tons mais claros no elastograma, enquanto tecidos mais elásticos, associados a fígados saudáveis, tendem a ser representados por tons mais escuros8.

No entanto, a rigidez hepática não é determinada apenas pela fibrose. Condições como inflamação, congestão venosa e obstrução biliar também podem aumentar os valores de LSM, o que deve ser considerado na interpretação dos resultados. O jejum inadequado antes do exame também pode influenciar as medições, aumentando artificialmente os valores de rigidez. Portanto, é crucial considerar esses fatores de influência e confusão ao interpretar os elastogramas para evitar diagnósticos incorretos 7.

A diferenciação entre os estágios iniciais de fibrose é especialmente desafiadora, uma vez que as diferenças na rigidez entre os estágios são pequenas. A inflamação crônica, frequentemente presente em pacientes com hepatite, pode alterar a rigidez hepática e mascarar os estágios mais iniciais de fibrose. Dessa forma, é necessário um cuidado redobrado ao interpretar os valores de rigidez para não superestimar a gravidade da fibrose1.

Outra consideração importante é a seleção adequada da região de interesse (ROI) no elastograma. O correto posicionamento da ROI é fundamental para garantir a precisão das medições de LSM, evitando áreas como grandes vasos ou regiões de necrose que podem distorcer os resultados. Estudos demonstram que erros na seleção da ROI podem levar a variações significativas nos valores de rigidez hepática14.

Além disso, ao interpretar os resultados da elastografia por RM, deve-se considerar a correlação entre os valores de rigidez e os estágios de fibrose. Estudos sugerem que há uma relação clara entre o aumento dos valores de LSM e a progressão da fibrose hepática, embora seja necessário considerar outros parâmetros clínicos e laboratoriais para confirmar o estágio da doença. A elastografia por RM tem se mostrado eficaz na diferenciação entre fibrose leve, moderada e avançada, o que contribui para o manejo clínico adequado1.

A interpretação correta dos resultados da elastografia hepática por RM requer uma abordagem multifatorial, levando em consideração tanto os valores de LSM quanto os fatores clínicos que podem influenciar a rigidez hepática. A técnica oferece uma ferramenta não invasiva para o estadiamento da fibrose hepática, mas depende de uma execução técnica precisa e de uma interpretação criteriosa dos dados. Isso permite que os médicos tomem decisões mais informadas sobre o manejo da doença hepática crônica, especialmente em pacientes com esteato-hepatite não alcoólica15.

A avaliação do aumento da rigidez hepática deve ser sempre correlacionada com o histórico clínico e os resultados laboratoriais do paciente, especialmente quando há fatores que possam influenciar a LSM, como a presença de inflamação ativa ou sobrecarga de ferro. Pacientes com doenças hepáticas associadas à inflamação crônica, como a hepatite autoimune, podem apresentar elevações transitórias nos valores de LSM, que não necessariamente refletem o estágio de fibrose. Por isso, a interpretação isolada dos valores de rigidez pode levar a diagnósticos errôneos se não houver uma análise completa do quadro clínico do paciente16.

Além da inflamação, outra situação que pode impactar os resultados da LSM é a congestão venosa hepática, como ocorre em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Nessas condições, o fígado pode se tornar mais rígido devido à retenção de fluidos, sem que isso esteja relacionado à presença de fibrose significativa. Dessa forma, é fundamental que os radiologistas estejam cientes de outras patologias que possam influenciar a rigidez hepática e façam uma avaliação conjunta com os dados clínicos e os exames de imagem adicionais1.

3.3 Registros e Relatórios

Ao interpretar os resultados da elastografia hepática por ressonância magnética (RM), é fundamental que o número de medições de rigidez hepática (LSM) obtidas seja registrado de forma precisa e estruturada. A rigidez média do fígado, calculada a partir das imagens de ondas de cisalhamento, deve ser reportada com clareza no relatório de radiologia. Segundo Tramontin11 o uso de registros detalhados garante que os dados coletados possam ser adequadamente comparados com valores de referência, permitindo uma avaliação precisa da gravidade da fibrose hepática.

Além de registrar os valores absolutos de LSM, é essencial que o relatório inclua uma análise contextual dos resultados. Os valores de rigidez hepática isoladamente podem ser insuficientes para um diagnóstico completo, sendo necessário correlacioná-los com achados clínicos e laboratoriais. Isso permite uma visão mais abrangente do quadro do paciente, evitando que condições como inflamação aguda sejam confundidas com fibrose ou cirrose9.

O número ideal de medições de LSM para um resultado confiável deve seguir protocolos bem estabelecidos. Schambeck7 sugere que pelo menos três medições sejam realizadas, sendo a média dessas medições utilizada para minimizar a variabilidade entre diferentes regiões do fígado. Esse procedimento melhora a precisão dos dados reportados, especialmente em pacientes com doença hepática difusa, onde a homogeneidade do fígado pode variar significativamente.

Outro ponto importante a ser destacado nos relatórios é a identificação de áreas com rigidez anormal, como “hot spots”, que podem não estar diretamente relacionados à fibrose. De acordo com Bergamaschi et al., 10 essas regiões de maior rigidez podem ser causadas por inflamação, congestão venosa ou outras condições, e precisam ser analisadas cuidadosamente para não gerar falsos diagnósticos. Assim, o relatório deve incluir uma avaliação criteriosa dessas áreas, com explicações detalhadas sobre suas possíveis causas.

Além disso, Gomes15 afirma que os relatórios de radiologia devem destacar possíveis limitações do exame. Isso inclui fatores como a sobrecarga de ferro no fígado ou a presença de inflamação aguda, que podem influenciar os resultados da elastografia por RM. Informar essas limitações permite que outros profissionais de saúde, como hepatologistas, tenham uma compreensão mais completa dos dados e possam complementar a avaliação com outros exames.

A apresentação gráfica dos resultados também pode ser útil. O uso de mapas de rigidez colorimétricos facilita a visualização das áreas de maior e menor rigidez dentro do fígado, proporcionando uma melhor compreensão dos dados por parte do médico solicitante. Torres17 sugere que esses mapas sejam incluídos no relatório sempre que possível, pois eles fornecem uma representação visual clara do estado do fígado, o que pode ajudar na tomada de decisão clínica.

A inclusão de um sumário das principais conclusões no final do relatório é outra recomendação importante. Almeida16 sugere que este sumário inclua uma correlação entre os resultados de LSM e o estágio de fibrose, indicando se há necessidade de intervenções terapêuticas adicionais. Esse tipo de abordagem facilita a comunicação entre os profissionais envolvidos no tratamento do paciente e garante que os dados sejam utilizados de forma eficiente.

O relatório de elastografia hepática por RM deve ser detalhado e estruturado, abordando todos os aspectos importantes, desde as medições de LSM até a análise contextual dos resultados. A correlação com dados clínicos e laboratoriais, a identificação de “hot spots” e a apresentação gráfica dos resultados são elementos cruciais para garantir a precisão e a utilidade clínica das informações fornecidas6.

Além dos elementos fundamentais mencionados anteriormente, é importante destacar que a padronização dos relatórios de elastografia hepática por RM contribui para a consistência nos diagnósticos entre diferentes centros e profissionais de saúde. A falta de padronização pode levar a inconsistências na interpretação dos resultados, o que pode influenciar negativamente o manejo clínico do paciente. Portanto, protocolos padronizados para a elaboração dos relatórios, incluindo a forma como as medições de rigidez são registradas e relatadas, garantem maior confiabilidade nos diagnósticos e facilitam a comparação entre exames realizados em momentos diferentes ou em diferentes instituições2.

Outro aspecto que deve ser abordado no relatório é o contexto terapêutico do paciente. A evolução da rigidez hepática ao longo do tempo pode estar diretamente relacionada à resposta a tratamentos específicos, como terapias antivirais para hepatites ou intervenções para controle da esteato-hepatite não alcoólica. Dessa forma, o relatório de radiologia deve incluir uma seção que descreva a evolução dos valores de LSM em relação ao histórico de tratamentos, sugerindo se a rigidez hepática está progredindo ou regredindo. Segundo Leão12 essa abordagem permite uma avaliação dinâmica da condição do fígado, essencial para o ajuste de terapias e monitoramento de eficácia.

3.4 Aplicações Clínicas Atuais

A elastografia hepática por ressonância magnética (ERM) tem se mostrado altamente eficaz na detecção de fibrose hepática, tanto em seus estágios iniciais quanto em fases mais avançadas. Essa técnica permite medir a rigidez do fígado de forma precisa, o que auxilia os médicos a identificar a fibrose em seus primeiros estágios, possibilitando um tratamento mais eficaz e oportuno. Estudos demonstram que a ERM é particularmente sensível para detectar essas alterações, superando outras técnicas não invasivas, como a ultrassonografia6.

Além disso, a ERM é uma ferramenta valiosa para diferenciar os diferentes estágios de fibrose hepática, o que é crucial para o manejo clínico dos pacientes. A rigidez hepática medida pela ERM permite distinguir entre fibrose leve, moderada e avançada, ajudando os médicos a adaptar o tratamento conforme a progressão da doença. Essa capacidade de diferenciação é importante para evitar que a fibrose evolua para cirrose, uma condição irreversível que aumenta significativamente o risco de complicações9

A utilidade da ERM vai além da detecção de fibrose, sendo também importante no prognóstico de complicações graves, como o carcinoma hepatocelular. Pacientes com fibrose avançada apresentam maior risco de desenvolver essa neoplasia, e a ERM permite monitorar esses indivíduos de forma não invasiva. Ao detectar áreas de rigidez hepática aumentada, a técnica ajuda a identificar possíveis regiões de malignidade em estágios precoces, melhorando o acompanhamento e o tratamento17

Outro aspecto relevante é a aplicação da ERM no monitoramento de pacientes com hipertensão portal, uma complicação frequente da fibrose hepática avançada. A rigidez hepática elevada, medida pela ERM, correlaciona-se com o aumento da resistência vascular no fígado, o que predispõe o paciente ao desenvolvimento de hipertensão portal. Isso permite que os médicos identifiquem pacientes em risco e iniciem intervenções preventivas antes que ocorram complicações graves, como varizes esofágicas8.

Além disso, a ERM tem sido amplamente utilizada no manejo de pacientes com esteato-hepatite não alcoólica (NASH), uma das principais causas de fibrose hepática. Estudos indicam que a técnica é altamente precisa na avaliação da gravidade da fibrose nesses pacientes, sendo uma ferramenta crucial para monitorar a progressão da doença e ajustar o tratamento ao longo do tempo. Essa aplicabilidade estende-se também a outras doenças hepáticas crônicas7.

A capacidade da ERM de avaliar a rigidez hepática também tem sido utilizada no contexto de outras doenças hepáticas, como a hepatite autoimune. Nesse cenário, a técnica ajuda a acompanhar a evolução da inflamação hepática e da fibrose associada, permitindo ajustes no tratamento conforme a resposta do paciente. A ERM oferece uma abordagem não invasiva, sendo uma alternativa atraente à biópsia hepática nesses casos15

A ERM tem se mostrado eficaz no prognóstico de outras complicações associadas à fibrose hepática, como a ascite e a encefalopatia hepática. O aumento da rigidez hepática está associado a um maior risco de desenvolver essas complicações, o que torna a técnica útil para o manejo e monitoramento de pacientes em estágios avançados de fibrose. Isso permite que intervenções sejam realizadas de forma preventiva, melhorando a qualidade de vida e o prognóstico dos pacientes6.

A ERM representa uma ferramenta essencial na prática clínica atual, não apenas para o diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática, mas também para o prognóstico de complicações graves associadas a essa condição. Sua precisão e aplicabilidade em diferentes contextos clínicos fazem dela um recurso valioso para o manejo de doenças hepáticas crônicas16.

Além de seu uso no diagnóstico e monitoramento da fibrose hepática e suas complicações, a elastografia hepática por ressonância magnética (ERM) tem ganhado espaço em pesquisas sobre novos tratamentos antifibróticos. O acompanhamento da rigidez hepática por ERM permite que médicos e pesquisadores avaliem com maior precisão a resposta dos pacientes a terapias em desenvolvimento, como medicamentos que visam retardar ou até reverter o processo de fibrose hepática. Esse uso em ensaios clínicos ajuda a validar a eficácia desses tratamentos de maneira não invasiva, reduzindo a necessidade de biópsias hepáticas repetidas7

Além do uso em ensaios clínicos, a ERM também tem sido integrada em protocolos de rastreamento em populações de risco para doenças hepáticas crônicas. Pacientes com fatores de risco como obesidade, diabetes e consumo excessivo de álcool podem ser monitorados periodicamente usando a ERM para identificar precocemente o desenvolvimento de fibrose, permitindo intervenções terapêuticas mais rápidas e eficazes. De acordo com estudos recentes, a aplicação da ERM em estratégias de rastreamento tem o potencial de reduzir a morbidade e mortalidade associadas às doenças hepáticas ao identificar a fibrose antes que ela progrida para cirrose6.

4 Conclusão

Neste trabalho, buscou-se responder à questão principal sobre a eficácia da elastografia hepática por ressonância magnética no diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática. Após análise detalhada, foi possível confirmar que a ERM é uma técnica eficaz, precisa e não invasiva para a detecção da fibrose em diversos estágios. O processo de aquisição dos dados e a interpretação correta dos resultados revelam-se fundamentais para a sua aplicação clínica, uma vez que permitem diagnósticos mais assertivos e intervenções mais precoces, prevenindo complicações mais graves.

Cada parte do estudo contribuiu para o entendimento detalhado da técnica e de suas aplicações práticas. Desde a revisão sobre os fundamentos técnicos da ERM até a interpretação e os cuidados necessários na análise dos resultados, foi possível mostrar como essa tecnologia pode ser integrada ao manejo clínico dos pacientes com doenças hepáticas. A comparação com outras técnicas de imagem e a análise de suas vantagens e limitações reforçaram ainda mais sua relevância no cenário atual.

Com base nas análises realizadas, foi possível verificar que todos os objetivos específicos traçados no início do trabalho foram alcançados. A investigação trouxe insights sobre a eficácia da ERM na detecção precoce da fibrose hepática e sua capacidade de monitorar a progressão da doença de maneira contínua e não invasiva. Além disso, a discussão das limitações e potenciais interferências no uso da técnica permitiu a formação de uma visão crítica e prática sobre sua aplicação.

De forma conclusiva, o objetivo geral do trabalho também foi plenamente atendido, ao demonstrar que a elastografia hepática por ressonância magnética se consolida como uma ferramenta indispensável no diagnóstico e acompanhamento de doenças hepáticas crônicas. O uso adequado dessa técnica oferece benefícios tanto na prática clínica quanto na pesquisa, promovendo diagnósticos mais rápidos e seguros, além de possibilitar um tratamento mais eficaz e direcionado.

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¹ Egresso da Residência Médica em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do IDOR/UDI Hospital – Rede D’OR São Luiz, São Luís-MA, e-mail: reggiani.jr@gmail.com

² Médica Radiologista do Hospital Universitário Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão, São Luís-MA, e-mail: