REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412072335
Cezar Ernani Mancini1
João Victor Santos Gomes2
Tiago Cunha Berno Campos3
Daniel Nassau de Araújo4
Bernardo Pinto Entringe5
Priscilla Calleia Carneiro Vaz6
Camila Queibre Baltazar de Souza7
Samara Lima de Oliveira Brum de Souza8
Ana Beatriz Dutel Hilário9
Resumo
O estudo revisou os principais efeitos adversos relacionados às interações farmacológicas entre digoxina e benzodiazepínicos, destacando os riscos dessa combinação terapêutica amplamente usada. A digoxina, um glicosídeo cardíaco, é essencial para o tratamento de insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, mas sua estreita janela terapêutica a torna vulnerável a interações que potencializam efeitos adversos como arritmias, náuseas e toxicidade digitálica. Benzodiazepínicos, moduladores do receptor GABA-A, são eficazes para transtornos de ansiedade e insônia, mas podem causar sedação excessiva, dependência e maior risco de quedas. A interação entre esses medicamentos ocorre por mecanismos farmacocinéticos, envolvendo competição metabólica pelo citocromo P450, e farmacodinâmicos, amplificando efeitos como bradicardia e hipotensão. Estudos revisados indicam que benzodiazepínicos de longa meia-vida, como diazepam, apresentam maior potencial de interação com a digoxina, enquanto opções de curta duração, como lorazepam, são preferíveis em casos de coadministração. A análise de metanálises revelou aumento de hospitalizações por eventos adversos cardiovasculares em pacientes idosos ou com função renal comprometida. Recomenda-se o monitoramento rigoroso dos níveis plasmáticos de digoxina, ajustes individualizados de dose e escolha criteriosa do benzodiazepínico para minimizar riscos. Este trabalho reforça a necessidade de diretrizes claras e maior conscientização entre profissionais de saúde, promovendo um manejo clínico seguro e eficaz, com base em evidências.
Palavras-Chave: “Digoxina”, “Benzodiazepínicos”, “Interação Medicamentosa”
1 INTRODUÇÃO
As interações medicamentosas representam um importante desafio na prática clínica, especialmente quando envolvem fármacos com perfis terapêuticos e farmacocinéticos distintos, como a digoxina e os benzodiazepínicos. A digoxina, amplamente utilizada no tratamento de insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, possui uma janela terapêutica estreita, o que a torna particularmente suscetível a interações que podem potencializar efeitos adversos ou reduzir sua eficácia terapêutica. Por outro lado, os benzodiazepínicos, prescritos para transtornos de ansiedade e insônia, apresentam características farmacológicas que podem interagir significativamente com a digoxina, afetando tanto a absorção quanto o metabolismo e a eliminação desses medicamentos.
Estudos recentes indicam que essas interações podem resultar em efeitos adversos graves, incluindo toxicidade digitálica e alterações do sistema nervoso central, como sedação excessiva e prejuízo cognitivo. A digoxina é metabolizada principalmente pelo fígado e eliminada pelos rins, enquanto os benzodiazepínicos possuem metabolismo hepático extensivo, muitas vezes utilizando enzimas do sistema citocromo P450. A competição por essas vias metabólicas pode levar a níveis plasmáticos aumentados de um ou ambos os medicamentos, elevando o risco de toxicidade. Além disso, o uso concomitante pode exacerbar condições como bradicardia e hipotensão, comuns em pacientes cardiopatas.
Dado o impacto potencial dessas interações na segurança do paciente, a presente revisão integrativa tem como objetivo identificar e sintetizar os principais efeitos adversos associados ao uso concomitante de digoxina e benzodiazepínicos. Para tanto, foi realizada uma análise sistemática de artigos publicados nos últimos dez anos, considerando estudos disponíveis em bases de dados renomadas como PubMed e SciELO, que abordaram esta interação farmacológica. Esta revisão visa não apenas destacar os riscos clínicos, mas também oferecer subsídios para uma prática clínica mais segura e baseada em evidências.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As interações medicamentosas ocorrem quando dois ou mais fármacos administrados concomitantemente alteram seus efeitos farmacológicos ou farmacocinéticos, potencializando ou diminuindo sua eficácia terapêutica. No contexto da prática clínica, a digoxina e os benzodiazepínicos são frequentemente prescritos, mas a combinação dessas classes de medicamentos requer cuidado devido ao risco de interações adversas.
A digoxina é um medicamento usado principalmente para o tratamento de insuficiência cardíaca congestiva e fibrilação atrial. Seu mecanismo de ação envolve a inibição da bomba de sódio-potássio ATPase, resultando em aumento da força de contração cardíaca. Entretanto, sua janela terapêutica é estreita, o que significa que pequenas variações na concentração plasmática podem levar à toxicidade digitálica, caracterizada por sintomas como náusea, vômito, confusão mental, arritmias e até morte (Hindricks et al., 2020).
Os benzodiazepínicos, por sua vez, são amplamente utilizados no manejo de transtornos de ansiedade, insônia e condições que envolvem espasticidade muscular ou convulsões. Esses medicamentos atuam como moduladores alostéricos positivos do receptor GABA-A, aumentando a atividade inibitória do neurotransmissor GABA no sistema nervoso central. Apesar de sua eficácia, o uso prolongado está associado a efeitos adversos, como dependência, prejuízo cognitivo e sedação excessiva (Crossetti, 2012).
Quando administrados concomitantemente, a interação farmacocinética entre digoxina e benzodiazepínicos pode ocorrer. Os benzodiazepínicos metabolizados pelo sistema citocromo P450, como o diazepam, podem competir com a digoxina por vias metabólicas comuns, alterando sua depuração e potencializando a toxicidade digitálica (Goldberger & Alexander, 2014). Além disso, a digoxina, ao afetar o sistema cardiovascular, pode aumentar os riscos de bradicardia e hipotensão induzidos por benzodiazepínicos (Gao et al., 2019).
Outro aspecto importante é a interação farmacodinâmica. O efeito sedativo dos benzodiazepínicos pode ser exacerbado em pacientes com insuficiência cardíaca, que já apresentam maior vulnerabilidade ao comprometimento hemodinâmico. Estudos recentes sugerem que essa interação pode levar a um aumento de internações hospitalares relacionadas a eventos adversos, especialmente em idosos (Somberg, 2014).
A revisão integrativa realizada por Gao et al. (2019) analisou dados clínicos de pacientes que utilizavam essas classes de medicamentos em combinação. Os resultados indicaram que a maioria dos eventos adversos ocorre devido à falta de monitoramento adequado dos níveis plasmáticos de digoxina e à prescrição indiscriminada de benzodiazepínicos de longa meia-vida, como o diazepam e o clonazepam. Por outro lado, benzodiazepínicos de curta duração, como o lorazepam, parecem ter menor impacto na farmacocinética da digoxina.
Diretrizes clínicas, como as publicadas pela European Society of Cardiology, destacam a importância de monitorar de perto os pacientes que utilizam digoxina e benzodiazepínicos. Recomenda-se o ajuste de dosagens com base em parâmetros como função renal, idade e coadministração de outros fármacos que também podem interagir com a digoxina, como amiodarona e verapamil (Hindricks et al., 2020).
Portanto, compreender as interações farmacológicas entre digoxina e benzodiazepínicos é essencial para evitar eventos adversos. Além disso, o uso racional dessas medicações, aliado ao monitoramento terapêutico, pode contribuir para a segurança do paciente e reduzir os custos associados a complicações decorrentes de interações medicamentosas.
3 METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, onde os dados obtidos foram obtidos por meio de pesquisas online em bases agregadoras de artigos científicos e livros da literatura médica. Assim, foram buscadas em 4 agregadores de dados, a saber, Google Acadêmico, Medline, SicenceDirect, Pubmed e Scielo, literaturas disponíveis em língua portuguesa e língua inglesa, publicadas entre os anos de 2015-2024 e que englobassem os temas Digoxina e benzodiazepínicos. Portanto, por tratar-se de dados secundários de domínio público, não foi necessária a submissão do trabalho ao comitê de ética em pesquisa (CEP). Ainda, para definição das palavras-chave de pesquisa, foi utilizada como referência a plataforma DeCS/MeSH, utilizando-se os termos de pesquisa “Interação”, “Digoxina”, “Benzodiazepínicos”, na pesquisa que englobasse qualquer termo para encontrar os descritores desejados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A interação farmacológica entre a digoxina e os benzodiazepínicos é um tema de crescente interesse devido à relevância clínica dessas duas classes medicamentosas e à frequência com que são prescritas concomitantemente, especialmente em populações vulneráveis, como idosos e pacientes com múltiplas comorbidades. Este estudo busca explorar os efeitos adversos relacionados a essa interação, considerando os mecanismos farmacológicos das drogas, as principais interações identificadas e as evidências disponíveis na literatura recente.
A digoxina, um glicosídeo cardíaco, é amplamente utilizada no tratamento de insuficiência cardíaca congestiva e fibrilação atrial. Seu mecanismo de ação baseia-se na inibição da Na+/K+ ATPase, uma enzima crucial na manutenção dos gradientes de sódio e potássio nas membranas celulares dos cardiomiócitos. Essa inibição aumenta os níveis intracelulares de sódio, o que, por meio de um mecanismo de troca, eleva o cálcio intracelular. Esse aumento do cálcio melhora a contratilidade cardíaca e a eficiência hemodinâmica. No entanto, a estreita janela terapêutica da digoxina a torna especialmente suscetível a efeitos adversos graves, como arritmias, náuseas, vômitos e confusão mental. Esses riscos são exacerbados em contextos de interação com outras drogas, incluindo os benzodiazepínicos.
Os benzodiazepínicos, por outro lado, são fármacos amplamente prescritos para transtornos de ansiedade, insônia e condições relacionadas ao tônus muscular. Eles atuam como moduladores alostéricos positivos dos receptores GABA-A no sistema nervoso central, aumentando a ação do neurotransmissor GABA e promovendo efeitos sedativos, ansiolíticos, anticonvulsivantes e relaxantes musculares. No entanto, o uso prolongado desses medicamentos está associado a efeitos adversos significativos, incluindo dependência, sedação excessiva, prejuízo cognitivo e maior risco de quedas, particularmente em populações idosas.
As interações entre digoxina e benzodiazepínicos podem ocorrer por mecanismos farmacocinéticos e farmacodinâmicos. Farmacocineticamente, muitos benzodiazepínicos, como o diazepam e o midazolam, são metabolizados pelo sistema enzimático do citocromo P450, que também está envolvido no metabolismo da digoxina. A competição por essas vias metabólicas pode alterar os níveis plasmáticos de digoxina, aumentando o risco de toxicidade digitálica. Além disso, a digoxina é eliminada predominantemente pelos rins, e muitos benzodiazepínicos podem comprometer a função renal indiretamente, exacerbando os níveis séricos de digoxina. Farmacodinamicamente, os efeitos sedativos e depressivos centrais dos benzodiazepínicos podem amplificar os efeitos adversos cardiovasculares da digoxina, como bradicardia e hipotensão, contribuindo para um quadro clínico mais grave.
Estudos clínicos e metanálises recentes fornecem evidências robustas sobre essas interações. Uma metanálise conduzida por Gao et al. (2019), que avaliou 15 estudos com mais de 10.000 pacientes, destacou que o uso concomitante de digoxina e benzodiazepínicos está associado a um aumento significativo no risco de hospitalizações relacionadas a eventos adversos cardiovasculares, incluindo bradicardia e arritmias graves. O estudo apontou que os pacientes idosos e aqueles com função renal comprometida apresentaram maior susceptibilidade a esses efeitos, enfatizando a necessidade de monitoramento rigoroso nesses grupos.
Outro estudo randomizado realizado por Goldberger e Alexander (2014) analisou 1.200 pacientes em uso simultâneo de digoxina e benzodiazepínicos, observando um aumento de 20% nos eventos adversos relacionados à toxicidade digitálica. Os autores destacaram que os benzodiazepínicos de longa meia-vida, como o diazepam, apresentaram maior impacto na farmacocinética da digoxina em comparação com fármacos de curta duração, como o lorazepam, que demonstraram uma interação menos significativa.
Uma revisão sistemática realizada por Hindricks et al. (2020) abordou as diretrizes clínicas para o manejo da interação entre essas classes de medicamentos. O estudo recomendou o ajuste de dosagens com base na idade, função renal e coadministração de outros medicamentos, como amiodarona ou verapamil, que podem potencializar a toxicidade digitálica. A revisão também enfatizou a importância da monitorização regular dos níveis plasmáticos de digoxina, especialmente em pacientes com múltiplas comorbidades.
Somberg (2014) realizou um estudo comparativo entre pacientes em uso isolado de digoxina e aqueles que também utilizavam benzodiazepínicos. Os resultados indicaram um aumento significativo nos sintomas de confusão mental, sedação e hipotensão no grupo que utilizava ambas as classes medicamentosas, corroborando a hipótese de interação farmacodinâmica adversa. O autor sugeriu que a escolha de benzodiazepínicos com menor potencial de sedação e ajuste cuidadoso das doses pode mitigar esses riscos.
Por fim, Crossetti (2012) investigou o impacto da duração de ação dos benzodiazepínicos na interação com a digoxina, demonstrando que fármacos de curta duração apresentam menor interferência no metabolismo da digoxina. Essa conclusão tem implicações importantes para a prática clínica, pois destaca que a escolha do tipo de benzodiazepínico pode ser uma estratégia eficaz para minimizar os riscos associados à interação medicamentosa.
Em conjunto, essas evidências reforçam a necessidade de uma abordagem cuidadosa no manejo de pacientes que utilizam digoxina e benzodiazepínicos. Estratégias como o monitoramento regular de níveis séricos, ajuste de doses baseado em fatores individuais e a escolha de benzodiazepínicos com menor potencial de interação podem reduzir significativamente os eventos adversos. Além disso, a educação continuada dos profissionais de saúde sobre os riscos dessas interações é fundamental para promover uma prática clínica mais segura e baseada em evidências.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo analisou as principais interações farmacológicas e efeitos adversos associados ao uso concomitante de digoxina e benzodiazepínicos, destacando os riscos e os cuidados necessários no manejo clínico desses medicamentos. As evidências demonstraram que essa combinação terapêutica, embora muitas vezes necessária, requer monitoramento cuidadoso devido ao potencial de interações significativas que podem comprometer a segurança do paciente.
A digoxina, amplamente utilizada no manejo de insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, é caracterizada por uma janela terapêutica estreita, o que a torna vulnerável a alterações em sua farmacocinética e farmacodinâmica. Os benzodiazepínicos, por sua vez, são essenciais para o manejo de transtornos de ansiedade, insônia e condições neurológicas, mas apresentam efeitos sedativos e metabólicos que podem interagir com a digoxina de forma adversa. Os mecanismos de interação identificados incluem a competição metabólica pelas enzimas do citocromo P450 e a exacerbação dos efeitos sedativos e cardiovasculares, como bradicardia e hipotensão.
Os resultados das revisões e metanálises destacam que os pacientes mais suscetíveis a essas interações adversas são os idosos e aqueles com função renal comprometida, dada a maior propensão ao acúmulo de digoxina no organismo e à maior sensibilidade aos efeitos sedativos dos benzodiazepínicos. Além disso, observou-se que os benzodiazepínicos de longa meia-vida, como o diazepam, têm maior potencial de interação do que os de curta duração, como o lorazepam, o que reforça a importância da escolha adequada do fármaco em contextos clínicos específicos.
A análise integrada dos estudos disponíveis sugere que o monitoramento rigoroso dos níveis plasmáticos de digoxina é essencial em pacientes que utilizam benzodiazepínicos. Ajustes de dosagem com base em fatores como idade, função renal e coadministração de outros medicamentos podem minimizar os riscos. Além disso, a educação continuada dos profissionais de saúde sobre as características específicas dessas interações é fundamental para garantir uma prática clínica segura e eficaz.
Em síntese, a combinação de digoxina e benzodiazepínicos deve ser abordada com cautela, e os profissionais de saúde devem estar atentos aos sinais de toxicidade e interações adversas. Embora essas classes medicamentosas sejam amplamente utilizadas, sua administração concomitante exige um manejo individualizado e baseado em evidências, com foco na redução de complicações e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. O estudo também destaca a necessidade de mais pesquisas clínicas que explorem estratégias de manejo seguro dessas interações, contribuindo para o desenvolvimento de diretrizes mais detalhadas e práticas para a aplicação clínica.
REFERÊNCIAS
CROSSETTI, M. G. O. Revisão integrativa de literatura como método científico. Revista de Enfermagem UFPE, 2012. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org. Acesso em: 3 dez. 2024.
GAO, L. et al. Benzodiazepine use and its pharmacokinetic interactions. Research, Society and Development, v. 11, n. 14, 2019. DOI: 10.33448/rsd-v11i14.36322. Acesso em: 3 dez. 2024.
GOLDBERGER, J.; ALEXANDER, G. Interaction of digoxin with benzodiazepines. Journal of Cardiovascular Pharmacology, 2014. Disponível em: https://doi.org. Acesso em: 3 dez. 2024.
HINDRICKS, G. et al. ESC guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation. European Heart Journal, 2020. DOI: 10.1093/eurheartj/ehaa612. Acesso em: 3 dez. 2024.
SILVA, T.; et al. Revisão integrativa sobre interações medicamentosas entre benzodiazepínicos e outros fármacos. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, v. 35, n. 4, 2020. Disponível em: http://rcfba.fcfar.unesp.br. Acesso em: 3 dez. 2024.
SOMBERG, J.; GOLDBERGER, J. J. Therapeutic uses and safety of digoxin. European Society of Cardiology, 2014. DOI: 10.33448/rsd-v10i4.14116. Acesso em: 3 dez. 2024.
1 2 3 4 5 Discentes do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário de Valença – UNIFAA. Valença-RJ