TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR: UMA REVISÃO DE LITERATURA

EXTRAPULMONARY TUBERCULOSIS: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412071759


Felinto Cardoso Pereira;
Orientadora: Geovana Murta Gomes


Resumo

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa com registros muito antigos na história da civilização e tem um curso natural já bem descrito na medicina. É uma infecção que acomete principalmente o trato respiratório, mas pode afetar outros órgãos do corpo, inclusive simultaneamente. Quando a TB ocorre em outros sistemas de órgãos além dos pulmões, ela é chamada de TB extrapulmonar (TBEP). São descritas várias formas de TBEP na literatura, todas com maior incidência em indivíduos com o sistema imunológico comprometido. O diagnóstico das formas de TBEP depende da identificação do agente etiológico em amostras dos tecidos infectados e se tornou mais simples com o advento dos testes de amplificação dos ácidos nucleicos (NAATs). As drogas para tratamento da TB incluem medicações bactericídas e bacteriostáticas em regime de tratamento diretamente observado e regular por período prolongado. É necessário fortalecimento da APS em todos os âmbitos para um adequado controle da TB – maior oferta de acesso a tecnologias que facilitam e tornam o diagnóstico mais rápido e maior empoderamento em saúde da população acerca da prevenção e maior adesão ao tratamento.

Palavras-chave: Tuberculose; Tuberculose extrapulmonar; Formas clínicas.

Abstract

Tuberculosis (TB) is an infectious disease with very ancient records in the history of civilization and has a natural course that is well described in medicine. It is an infection that mainly affects the respiratory tract, but can affect other organs of the body, even simultaneously. When TB occurs in organ systems other than the lungs, it is called extrapulmonary TB (EPTB). Various forms of EBTB are described in the literature, all with a higher incidence in individuals with a compromised immune system. The diagnosis of forms of EPTB depends on the identification of the etiological agent in infected tissue samples and has become simpler with the advent of nucleic acid amplification tests (NAATs). Drugs for treating TB include bactericidal and bacteriostatic drugs in a directly offered and regular treatment regimen for a prolonged period. It is necessary to strengthen PHC in all areas for adequate control of TB – greater access to technologies that facilitate and make diagnosis faster and greater empowerment in the population’s health regarding prevention and greater adherence to treatment.

Keywords: Tuberculosis; Extrapulmonary tuberculosis; Clinical forms.

Introdução

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa com registros muito antigos na história da civilização e tem um curso natural já bem descrito na medicina. Estima-se que a TB tenha surgido há cerca de 70.000 anos no continente Africano (SILVA, 2023). Ainda na atualidade, a TB tem muita relevância epidemiológica sendo uma grande preocupação de saúde pública mundialmente, especialmente nos países em desenvolvimento (BRASIL, 2019). É uma infecção que acomete principalmente o trato respiratório, mas pode afetar outros órgãos do corpo, inclusive simultaneamente (PEREIRA, 2008). Geralmente a infecção ocorre por meio do contato próximo com indivíduos infectados denominados bacilíferos, levando os bacilos aos pulmões através da via aérea, causando a TB pulmonar. Embora a TB pulmonar seja a mais prevalente, a TB também pode apresentar-se em outros sistemas mais raramente, em pacientes imunocompetentes (DE MORAIS NEVES, 2023). Quando a TB ocorre em outros órgãos além dos pulmões, ela é chamada de TB extrapulmonar (TBEP).

Qualquer uma das sete espécies que integram o complexo Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae pode causar a TB. O M. tuberculosis é transmitido por via aérea, de uma pessoa com TB pulmonar ou laríngea, que elimina bacilos no ambiente (caso fonte), por exalação de aerossóis provenientes da tosse, fala ou espirro (BRASIL, 2017; BRASIL 2011). As gotículas exaladas rapidamente secam, transformando-se em partículas menores (<5-10 μm de diâmetro chamados núcleos de Wells), contendo um a dois bacilos, que podem manter-se em suspensão no ar por muitas horas e são capazes de alcançar os alvéolos, onde podem se multiplicar e provocar a chamada primo-infecção (BRASIL 2019). Outras vias de transmissão (contato com pele e placentária, por exemplo) são raras e desprovidas de importância epidemiológica, além disso, os bacilos que se depositam em objetos e utensílios (fômites) dificilmente se dispersam em aerossóis não tendo papel na transmissão da doença (BRASIL, 2011; COSTA 2013).

A tuberculose primária, que se manifesta imediatamente após a infecção, é frequentemente observada em crianças e em indivíduos com condições imunossupressoras. Essa forma da doença tende a ser severa, embora apresente uma baixa transmissibilidade. Em diferentes situações, o sistema imunológico pode controlar a infecção, pelo menos de maneira temporária (COSTA, 2013). Os bacilos podem permanecer em estado latente (denominada infecção latente por M. tuberculosis – ILTB) por longos períodos, podendo reativar-se posteriormente e resultar na tuberculose pós-primária também chamada de secundária (OLIVA, 2019).

Estima-se que aproximadamente 10% das pessoas infectadas pelo M. tuberculosis desenvolvam a doença, sendo 5% nos dois primeiros anos após a infecção e 5% ao longo da vida, caso não recebam o tratamento adequado (BRASIL, 2011). O HIV é o principal fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose, mas outros elementos significativos são: determinados grupos populacionais (pessoas vivendo em situação de rua, pessoas privadas de liberdade e indígenas), o intervalo entre a infecção e o surgimento da tuberculose ativa (com maior risco nos primeiros dois anos após a exposição), a faixa etária (lactentes e idosos), além da presença de determinadas condições clínicas, como doenças ou tratamentos imunossupressores (HARGREAVES, 2011).

Anualmente, cerca de 10 milhões de indivíduos desenvolvem tuberculose em todo o mundo, resultando em aproximadamente 1,5 milhões de mortes associadas à doença. Aproximadamente 3,0% da carga global de tuberculose concentram-se nas Américas representando 268 mil novos casos estimados, que ficam concentrados em países como Brasil (33,0%), Peru (14,0%), México (9,0%) e Haiti (8,0%), que apresentam a maior carga da doença (BRASIL, 2017; WHO 2015).

Uma vez que um indivíduo é infectado pelo M. tuberculosis não há garantia de imunidade, e episódios de reinfecção da doença podem ocorrer. A tuberculose pulmonar é a forma mais comum, afetando 80% dos casos, sendo frequentemente associada à formação de cavidades. Embora tenham ocorrido avanços significativos nos últimos anos em relação ao controle da doença, o Brasil ainda precisa avançar nas metas estabelecidas pela Estratégia pelo Fim da Tuberculose até 2035. Caso houvesse melhora gradual nos indicadores relacionados ao coeficiente de incidência da doença a incidência de novos casos de tuberculose seria de 20,7 por 100 mil habitantes em 2035, o que ainda estaria acima da meta de menos de 10 casos por 100 mil habitantes (BRASIL 2019).

A tuberculose extrapulmonar tem ocorrido com alguma frequência no Brasil, mesmo após a introdução da vacina BCG, podendo atingir vários órgãos. Acomete especialmente indivíduos imunodeficientes como crianças, adolescentes e pessoas vivendo com HIV. É responsável por quadros clínicos variados, geralmente graves, principalmente no sistema nervoso central. Além disso, tem um diagnóstico é difícil, pois muitas vezes, nessas formas, a baciloscopia é negativa (OLIVA, 2019).

Portanto, este trabalho tem o objetivo de realizar uma revisão narrativa acerca da tuberculose extrapulmonar destacando a importância dos diagnósticos diferenciais e a relevância do papel do médico de Família e Comunidade (MFC) no reconhecimento e manejo de condições complexas e raras, sublinhando a importância da formação continuada.

Desenvolvimento

Metodologia

Trata-se de revisão narrativa da literatura. Foi realizada uma busca por artigos publicados nas bases de dados Google Acadêmico e NationalLibrary of Medicine (PubMed), utilizando os descritores “Tuberculose” e “Tuberculose extrapulmonar” e “Formas clínicas”. Os critérios de inclusão foram publicações em português e/ou inglês disponíveis gratuitamente na íntegra entre artigos originais e de revisão, além da relevância temática. Foram excluídos livros, comentários, cartas ao leitor e artigos que disponibilizaram apenas resumo. Também foram utilizadas publicações de autoridades relevantes sobre o tema. Ao final foram selecionadas 26 publicações para a confecção do presente trabalho.

Fisiopatologia

Para ocorrer a transmissão do Mycobacterium tuberculosis o microrganismo deve se dispersar no ar ambiente num processo de aerossolização do microrganismo, resultante da tosse de um indivíduo infectado,  este processo permite a inalação das gotículas por um novo hospedeiro (COSTA, 2013) Após a inalação das gotículas, o Mycobacterium tuberculosis é fagocitado no trato respiratório inferior por células do sistema imune inato, macrófagos alveolares e células dendríticas. Posteriormente, inicia-se uma resposta inflamatória local com recrutamento adicional de monócitos e linfócitos. Embora o Mycobacterium tuberculosis não seja considerado um patógeno intracelular obrigatório, sua prevalência se observa predominantemente no interior de macrófagos, células abundantes nos granulomas, forma de resposta tissular à infecção (CAPONE 2006; COSTA, 2013).

A contenção eficaz do MTB está diretamente relacionada à resposta imunológica adaptativa do tipo celular. Neste contexto, há uma resposta do tipo TH1, na qual as células T e os macrófagos colaboram na formação de granulomas. A função do granuloma é conter o crescimento e a disseminação do MTB, sendo uma estrutura encontrada em indivíduos imunocompetentes (QUEIROZ 2008). Contido no granuloma, o MTB não é aerossolizado e os indivíduos passam a apresentar uma forma latente de tuberculose, de modo que não são infectantes. Esses pacientes podem apresentar resultados positivos para exames complementares como testes tuberculínicos (TT) e de liberação de interferon-gama, mas em sua maioria apresenta radiografias torácicas normais (COSTA, 2013).

Uma vez fagocitado por macrófagos, o MTB fica enclausurado em fagossomas, onde, em condições normais, essas estruturas são capazes de erradicá-lo por meio da fusão com lisossomos e da acidificação do fagolisossoma. No entanto, o MTB demonstra uma notável capacidade de sobrevivência e replicação, à medida que expressa genes adaptativos, burlando o ambiente hostil do fagossoma, hipóxico e acidificado. Assim, o reconhecimento e a resposta imunológica realizada pelos macrófagos desencadeiam uma disputa dinâmica entre o sistema imunológico e a capacidade de evasão do patógeno, dando início à resposta imune adaptativa com a ativação das células T CD4 (COSTA, 2013).

O granuloma é um núcleo necrótico acelular central, rodeado por macrófagos que por sua vez é rodeado por linfocíticos de células T CD4 e CD8 e células B, e podem ter uma borda fibrótica periférica. É a estrutura histopatológica característica da tuberculose e surge no local de infecção do Mycobacterium tuberculosis e sua formação é de significativa importância no controle e contenção da infecção. Apesar de representar uma resposta do organismo para limitar a disseminação do MTB, o granuloma também proporciona um espaço para a persistência de M. tuberculosis a longo prazo. Além disso, pode diminuir a eficácia de drogas para o tratamento da TB, uma vez que apresenta um caráter seletivamente permeável (QUEIROZ, 2008).

No granuloma, o MTB tende a permanecer contido por décadas, permanecendo a infecção latente por longos períodos até ser reativada, levando ao desenvolvimento de uma forma clinicamente sintomática e contagiosa da doença, conhecida como tuberculose ativa ou pós-primária (CAPONE, 2006).

Diagnóstico

Apesar dos avanços nos métodos diagnósticos ao longo do tempo e da frequente utilização de técnicas bacteriológicas pelos médicos, a confirmação ainda exige associação entre achados clínicos compatíveis, achados radiológicos e indicadores da presença de M. tuberculosis (QUEIROZ, 2008).

As principais formas de apresentação são a forma primária, a pós-primária e a miliar. Os sinais, sintomas e os resultados dos exames complementares dependem do tipo de apresentação da TB. Sintomas largamente conhecidos como febre vespertina, tosse persistente e sudorese noturna além de emagrecimento, podem ocorrer em qualquer uma das apresentações (QUEIROZ, 2008).

No Brasil, toda pessoa que procura a unidade de saúde devido à tosse prolongada (mais de três semanas) deve ter a TB incluída na sua investigação diagnóstica. A febre vespertina costuma não ter calafrios e ser baixa. Nos casos em que a tosse é produtiva, a expectoração pode incluir sangue (BRASIL, 2019). A sudorese noturna e a anorexia são comuns. Além disso, o exame físico evidencia emagrecimento e fácies de doença crônica. A ausculta pulmonar pode apresentar redução do murmúrio vesicular, sopro anfórico ou mesmo não ser alterada (BRASIL, 2019).

A radiografia de tórax deve ser realizada em toda suspeita de tuberculose, inclusive extra-pulmonar, pois apresenta alterações em 85% dos casos, sendo os achados mais comuns linfonodomegalias, atelectasias, opacidades parenquimatosas e derrame pleural. A pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) possui baixa sensibilidade, entre 40 e 60%. A prova tuberculínca (PPD) ou teste de Mantoux é usado para triagem, não conclui o diagnóstico, mas revela o contato do paciente ou contactante com o bacilo ou cepa vacinal (BMJ, 2023).

Atualmente têm ganhado espaço testes moleculares rápidos como o GeneXpert MTB/RIF. Através desse teste liberado para uso em 2010 e já implementado ao Sistema Único de Saúde (SUS), é possível detectar o MTB e determinar se há resistência à rifampicina ou não. É uma técnica que emprega reação em cadeia da polimerase, apresentando sensibilidade de 89% e especificidade de 99% para tuberculose (SILVA, et al., 2018). Sendo um teste de grande utilidade na prática clínica, que pode ser utilizado em vários tipos de amostra, o que o torna útil também nos casos de suspeita de TB extrapulmonar (WHO, 2022; BMJ, 2023). 

Outro teste desenvolvido recentemente para a investigação de TB é o IGRA (interferon gamma release assay ). É um teste que detecta interferon-gama liberado pelas células T quando exposto a antígenos do M. tuberculosis, sendo uma alternativa mais específica e que apresenta também vantagens logísticas como o fato de serem realizados em uma única visita, com os resultados disponíveis em 24 horas. Assim como o PPD, o IGRA não diferencia infecção latente de ativa e seu uso é sugerido no contexto dos pacientes imunossuprimidos, mais propensos a ter um resultado falso-negativo no PPD (SAÚDE, 2022).

Abaixo descreveremos com mais detalhes algumas formas de tuberculose extrapulmonar.

Formas clínicas

Ganglionar

A forma ganglionar é a segunda forma mais comum de tuberculose extrapulmonar em pessoas não infectadas pelo HIV, ficando atrás somente da TB pleural. Também é a forma mais frequente de tuberculose extrapulmonar em pessoas vivendo com HIV e em crianças, sendo mais comum abaixo dos 40 anos. Durante a evolução da doença, os linfonodos acometidos aumentam de volume de forma crônica, se tornam aderentes aos planos superficial e profundo e tendem a coalescer. Cursa com aumento, indolor e assimétrico das cadeias ganglionares cervicais anterior e posterior, além da supraclavicular. Quando a TB extrapulmonar apresenta-se na forma ganglionar isoladamente, tem seu diagnóstico mais dificultado uma vez que não tem uma apresentação típica e que faz diagnóstico diferencial com síndromes que cursam com linfadenomegalia crônicas como linfomas (MAIA, 2023; BRASIL 2019).

A TB ganglionar tem seu diagnóstico feito através de biópsia ou por punção aspirativa da massa ganglionar com análise histopatológica da amostra, sendo completamente diferente do diagnóstico de TB pulmonar. O tratamento é longo e realizado em regime ambulatorial, entretanto, no Brasil, é adotada a estratégia de tratamento diretamente observado, visto que o tratamento inadequado pode induzir a resistência aos antimicrobianos, o que é uma questão muito importante do ponto de vista de se saúde pública, já que se trata de uma doença infecciosa com grande prevalência no Brasil (BRASIL, 2019; PEREIRA, 2008; WHO, 2023).

Na Atenção Primária à Saúde (APS), o reconhecimento e manejo adequado da tuberculose ganglionar são essenciais, uma vez que há grande semelhança clínica com outras patologias graves como o linfoma e a APS é, na maioria das vezes, o primeiro serviço de assistência médica que o usuário busca, sendo a suspeita diagnóstica, investigação e tratamento competências da APS (BRASIL, 2011).

Pleural

É a forma mais comum de tuberculose extrapulmonar em pessoas não infectadas pelo HIV e atinge a pleura por contiguidade com o processo parenquimatoso.  Acredita-se também na possibilidade de disseminação hematogênica visto que há também apresentação bilateral do derrame, com menor frequência (QUEIROZ, 2008).

A TB pleural manifesta-se com sintomas típicos da TB pulmonar, somados à dor torácica do tipo pleurítica, de evolução variável. Com a evolução do derrame pleural, pode acontecer também dispneia de intensidade variável, além de sintomas constitucionais como a febre. Geralmente o derrame é unilateral e de volume moderado ou grande (QUEIROZ, 2008).

 Exames de imagem como TC e radiografia de tórax revelam a presença de derrame pleural com ou sem lesões parenquimatosas. A TC de tórax é um exame rápido que pode diferenciar doença pleural e parenquimatosa, derrame e espessamento pleural, além de ser útil para orientar a toracocentese em derrames septados ou com pequenos volumes de líquido (LOPES, 2006). A confirmação diagnóstica requer toracocentese e análise do líquido do derrame pleural. A análise revela níveis de glicose quase sempre maiores que 60mg/ml, podendo estar mais baixo caso haja empiema, todavia a glicose é influenciada pelos níveis de glicemia e não deve ser parâmetro para dar o diagnóstico. O líquido do derrame pleural é geralmente amarelo turvo não hemorrágico (COSTA, 2013).

Classicamente são utilizados os critérios de Light para a análise dos parâmetros do líquido pleural: proteínas do líquido pleural/proteína sérica> 0,5 (exsudato); desidrogenase lática (LDH) do liquido pleural/LDH sérica > 0,5; LDH do líquido pleural> 2/3 do limite superior do normal sérico (QUEIROZ, 2008). Além disso, métodos como a cultura ou GeneXPERT da amostra também podem ser realizados com vantagem de também poderem abarcar o teste de sensibilidade. A (ADA) adenosina deaminase é uma enzima que encontra-se elevada no líquido do derrame pleural na TB pleural e tem sensibilidade e especificidade de cerca de 90 %, além de ser um exame de fácil execução e baixo custo. Caso o nível de (ADA) seja muito baixo, a TB pleural é improvável (BMJ, 2023).

TB óssea

O diagnóstico de TB óssea é frequentemente retardado, pois a sintomatologia tem evolução insidiosa e sintomas constitucionais geralmente não estão presentes. O bacilo chega aos ossos por via hematogênica como em outras osteomielites, entretanto, a disseminação pode ocorrer também por via linfática pela contaminação de estruturas ósseas como na espondilite, que pode acontecer a partir da tuberculose pleural. Da mesma forma, a artrite tuberculosa ocorre por extensão do processo inflamatório para a articulação, ou também por via hematogênica (FERREIRA, 2023; MELLO, 2014; SEBBEN, 2012).

A tuberculose óssea geralmente é bem localizada, sendo as vértebras e epífises dos ossos longos os locais mais acometidos. As articulações do joelho e do quadril são as mais afetadas. A sintomatologia local inclui dor óssea e aumento do volume articular (quando há artrite) ambos de evolução insidiosa e lentamente progressiva quanto a intensidade. Nos casos de artrite pode ocorrer derrame articular, geralmente sem sinais flogísticos associados. Com a evolução do quadro pode ocorrer a formação de abscessos frios – insensíveis à palpação – com a sinóvia, que podem evoluir para fistulização cutânea (FERREIRA, 2023).

Havendo suspeita de TB óssea faz-se necessário o uso de exames de imagem como TC e ressonância nuclear magnética (RNM), principalmente nos casos de envolvimento da coluna vertebral. Os achados radiológicos são variados e incluem áreas de osteoporose, distensão capsular e aumento de partes moles, imagens líticas, destruição óssea subcondral e até destruição da articulação com fusão óssea (LOPES, 2006).

A confirmação diagnóstica microbiológica de TB também é essencial e pode ser feita com artrocentese do líquido sinovial (em casos de artrite com derrame articular), punção dos abscessos frios ou biopsia guiada por TC nos casos de TB vertebral. Pode ser realizado o BAAR das amostras, cultura ou GeneXPERT, sendo o último o método mais sensível. Quanto à artrite, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a artrite séptica e artrite reumatóide entre outras doenças autoimunes (BMJ, 2023).

Na espondilite, pode haver a formação de abscesso paravertebral, sendo as vértebras lombares altas as mais acometidas. Com a evolução do processo o bacilo destrói a porção anterior do corpo vertebral, a vértebra tende a encunhar-se, sendo acompanhada pelo restante da coluna, caracterizando o mal de Pott.  O acometimento das vértebras geralmente não atinge mais de duas delas, diferentemente do comprometimento neoplásico metastático da coluna. O diagnóstico diferencial deve ser feito com processos neoplásicos, principalmente metastáticos (MELLO, 2014).

Genitourinária

A TB Geniturinária pode ter um tempo de latência de até 20 anos da primo-infecção até as manifestações clínicas, que geralmente não incluem sintomas constitucionais, sendo seu diagnostico muitas vezes retardado. Tende a acometer indivíduos com idade média de 45 anos. A forma de disseminação é linfo-hematogênica com o bacilo implantando-se no córtex renal, avançando até as pirâmides, sistema coletor, cálices, pelves, ureteres até chegar à bexiga (NAPOLI, 2011; COSTA 2020).

As manifestações clínicas são de evolução insidiosa, sendo mais evidentes quando há comprometimento da bexiga e comumente incluem disúria e polaciúria. Outros sintomas como hematúria e urgência acontecem quando há doença avançada, e dor lombar quando há distensão da cápsula Gleason. Em caso de TB genital, pode se manifestar como uma massa escrotal em homens ou dor pélvica dismenorreia e infertilidade nas mulheres, sendo raras as manifestações constitucionais como febre e perda ponderal, estando a febre presente em menos de 5% dos casos. O acometimento do parênquima renal pode levar à necrose da papila renal (SAKIYAMA, 2023; NAPOLI, 2011).

O achado mais comum nos exames complementares é a piúria com cultura negativa. O EAS pode mostrar desde leucocitúria discreta, até piúria maciça. A baciloscopia não é um exame para a elucidação visto que há presença de micobactérias saprófitas nos genitais e sistema urinário (NAPOLI, 2011; QUEIROZ, 2008). A confirmação bacteriológica pode ser feita por cultura de urina no meio de Lowenstein-Jensen ou é possível lançar mão dos testes de amplificação dos ácidos nucléicos (NAATs). Caso haja hematúria maciça, deve-se realizar uma cistoscopia para afastar outros diagnósticos diferenciais como neoplasias vesicais. Outros diagnósticos diferenciais incluem: cálculos, cistite intersticial e neoplasias prostáticas (BMJ, 2023).

Sistema Nervoso Central

O SNC pode ser acometido por duas formas de TB: a meningoencefalite e o tuberculoma intracraniano, sendo a menigoencefalite responsável por 70 a 80% dos casos. Trata-se de uma forma grave de TB, a qual teve sua incidência reduzida após a introdução da vacinação, ficando atualmente quase que restrita a indivíduos imunodeprimidos. A TB no SNC é cinco vezes mais frequente em pessoas convivendo com HIV do que em pessoas sem o vírus, especialmente em pessoas na fase AIDS (QUEIROZ, 2008).

Sintomas constitucionais como febre, anorexia e astenia podem estar presentes, geralmente com início insidioso. Os sintomas específicos incluem cefaléia, confusão mental, redução do nível de consciêcia e alterações do comportamento. Quando há acometimento do encéfalo podem surgir náuseas, vômitos e convulsões, além de alterações visuais e disartria. Ao exame físico podem ser positivos os sinais de Kernig e Brudzisnki, além da possibilidade de comprometimento de pares cranianos e alterações cerebelares (QUEIROZ, 2008; BMJ, 2023; BRASIL, 2011).

Na suspeita clínica, exames de imagem do crânio são solicitados, além de ser procedida à punção liquórica, sendo os seguintes parâmetros do líquor cefalorraquidiano analisados: celularidade com diferencial, glicose, proteína, esfregaço e cultura de BAAR, NAAT, coloração de Gram e cultura bacteriana (BMJ, 2023; LOPES 2006). Usualmente, na TB do SNC, a análise do líquor revela hiperproteinorraquia, predomínio de linfócitos na celularidade e glicose reduzida – características de meningite asséptica. A confirmação diagnóstica é feita com cultura, entretanto, este método é positivo em cerca de 15% dos casos e exige um tempo prolongado para obtenção dos resultados. Diante da gravidade do quadro e urgência para instituir uma conduta, as técnicas NAAT têm mostrado maior utilidade, visto que são mais rápidas e de fácil realização com a mesma amostra. (QUEIROZ, 2008; BMJ, 2023).

Tratamento

O tratamento da TB extrapulmonar é longo e compartilha os mesmos princípios do tratamento da TB pulmonar, com algumas exceções. A estratégia para tratamento chama-se tratamento diretamente observado (TDO) e tem o objetivo de garantir que o paciente tome as medicações de forma correta, evitando abandono de tratamento e surgimento de bacilos resistentes à quimioterapia. Além disso, são realizadas consultas e exames de seguimento ao longo dos meses, sendo os objetivos do tratamento curar clinicamente o paciente, evitar recidivas e transmissão de TB para outros indivíduos (BRASIL,2011).    

O tratamento é composto por duas fases: intensiva e de manutenção. A primeira objetiva reduzir rapidamente o número de bacilos e eliminar os bacilos com resistência natural a alguma droga, sendo utilizados medicamentos com alto poder bactericida. A segunda fase tem o objetivo de eliminar os bacilos latentes e reduzir a possibilidade de recidiva. No Brasil, o esquema básico é composto por quatro drogas em doses fixas na fase intensiva e duas drogas na fase de manutenção. (WHO, 2022; BMJ, 2023; BRASIL, 2019)

Na fase intensiva, o tratamento envolve isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol, por 2 meses. São feitos testes de suscetibilidade às drogas entre a fase intensiva e de manutenção, caso o bacilo seja sensível, inicia-se a fase manutenção com isoniazida e rifampicina por mais 4 meses, totalizando 6 meses de tratamento. Para os casos de TB do SNC e osteoarticular, a fase intensiva é feita com as mesmas drogas e pelo mesmo período de 2 meses, mas a fase manutenção se estende por 10 meses, totalizando 12 meses de tratamento (BMJ, 2023; BRASIL, 2019).

Nos casos de coexistência entre TB no SNC ou ostearticular com qualquer outra forma, deve-se utilizar o esquema de 12 meses de duração do tratamento. Além disso, a corticoterapia está indicada para atenuar a resposta inflamatória nos casos de TB meningoencefálica por 4 a 8 semanas com dexametasona ou prednisolona e subsequente redução gradual da dose (BRASIL, 2019).

Conclusão

Apesar de ser uma doença antiga, com prevenção e tratamento já estabelecidos, a tuberculose ainda é uma patologia muito comum na prática clínica, especialmente de médicos generalistas. O controle e interrupção da cadeia de transmissão são de interesse público, assim como a mitigação das sequelas e dos custos que as formas extrapulmonares podem trazer, especialmente quando seu diagnóstico é tardio. Desse modo, é muito importante que os profissionais e a população sejam munidos com as informações a respeito da doença, visando promoção, prevenção, maior adesão ao tratamento e menor taxa de abandono de tratamento. Ademais, tendo em vista o quadro clínico muitas vezes grave e diagnóstico difícil da tuberculose extrapulmonar faz-se especialmente importante munir os atores do cuidado de informações acerca desse tema em específico.

Além de conhecimento, é necessário também maior oferta de acesso a tecnologias que facilitam e tornam o diagnóstico mais rápido, como os NAATs, que especialmente no contexto de TB extrapulmonar são de grande utilidade por terem resultados rápidos, de simples interpretação e serem realizados com quase todo tipo de amostra de tecido.

Referências:

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18) PEREIRA, João Cláudio Barroso et al. Tuberculose disseminada–Caso clínico e discussão. Revista Portuguesa de Pneumologia (English Edition), v. 14, n. 4, 2008.

19) QUEIROZ, Edna Maria de et al. Tuberculose extrapulmonar: aspectos clínicos e terapêuticos em indivíduos com e sem infecção pelo HIV. 2008. Tese de Doutorado.

20) SAKIYAMA, Mariana Delariva et al. TUBERCULOSE RENAL: UM RELATO DE CASO. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 27, p. 103667, 2023.

21) SEBBEN, André Luís et al. Tuberculose de articulação coxofemoral: a propósito de um caso. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 58, p. 15-17, 2012.

22) SAÚDE, Ministério. Relatório de recomendação Ampliação de uso do Teste de Liberação de Interferon-gama (IGRA) para detecção de infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis em pacientes com doenças inflamatórias imunomediadas ou receptores de transplantes de órgãos sólidos. 2022.

23) SILVA, Simone de Araújo; ANDRADE, Leonardo Guimarães. LINHA HISTÓRICA DA TUBERCULOSE E O AVANÇO DE SEU TRATAMENTO ATÉ OS DIAS ATUAIS. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 4, p. 1864-1879, 2023.

24) WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION . Global tuberculosis report 2023. Geneva: WHO, 2023.

25) WHO, WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO End TB Strategy. WHO Document Production Services, Geneva, Switzerland, 2015.

26) WHO, World Health Organization. Who – consolidated guidelines on tuberculosis: module 5: management of tuberculosis in children and adolescents. 2022.