ELETROESTIMULAÇÃO TRANSCUTÂNEA NO TRATAMENTO DA DISMENORREIA PRIMÁRIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA EFICÁCIA ANALGÉSICA 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202412071607


Fernando Luiz Silva Filho1; Thiago Marques Brito2; Raquel Lira Lustosa Carvalho3; Alfredo Manoel Ramiro Basto de Barros Costa4; Júlia Maria da Silva Pereira5; Beatriz Barbosa Pires6; Marina Flora Santana Ataide7; Renata Fernandes Fialho Cantarelli8; Pedro Cantarelli Primo de Carvalho9; Jessica Harlen Ferreira Batista10; Jarmila Rosado Lender11; Luiz Flávio Teixeira Rêgo12; Ana Paula Fernandes da Silva13.


RESUMO 

INTRODUÇÃO: A dismenorreia primária é uma condição comum em mulheres em idade reprodutiva, caracterizada por dor menstrual causada por altos níveis de prostaglandinas. Embora o manejo com AINEs e anticoncepcionais seja eficaz, apresenta limitações devido a efeitos adversos. O TENS surge como alternativa não invasiva para modular a dor, utilizando impulsos elétricos baseados na Teoria das Comportas e na liberação de opioides endógenos, mas faltam estudos robustos, padronizando sua aplicação. METODOLOGIA: Foi conduzida uma revisão sistemática segundo as diretrizes PRISMA, abrangendo estudos publicados entre 2010 e 2023. Incluíram-se ensaios clínicos e estudos comparativos com mulheres de 18 a 45 anos, avaliando o TENS em comparação com placebo, AINEs, anticoncepcionais e outras terapias. As buscas foram realizadas em bases de dados relevantes e complementadas por revisão de referências. RESULTADOS: Uma análise de 20 ECRs mostrou que a TENS de alta e baixa frequência é prejudicada em relação ao placebo (DM −1,39 e −2,04, respectivamente), mas com evidências de baixa certeza devido à heterogeneidade dos estudos. Não houve diferenças significativas entre alta e baixa frequência ou frente a outras terapias, como acupressão e paracetamol. CONCLUSÃO: O TENS é uma alternativa promissora e acessível para o manejo da dor na dismenorreia primária, com potencial para beneficiar mulheres que buscam opções não farmacológicas. Contudo, a baixa qualidade das evidências disponíveis, associada à falta de padronização nos parâmetros de aplicação e à escassez de dados sobre segurança, limita a aplicação dessa abordagem. Estudos futuros com delineamentos consistentes, são essenciais para estabelecer diretrizes confiáveis. 

Palavras-chave: Dismenorreia. Terapêutica. Manejo da Dor. Segurança.

1. INTRODUÇÃO 

A dismenorreia primária é uma condição ginecológica comum, caracterizada por dor pélvica de intensidade variável que ocorre durante o ciclo menstrual e afeta substancialmente a qualidade de vida de mulheres em idade reprodutiva. Esta dor, tipicamente associada ao primeiro ou segundo dia do fluxo menstrual, é atribuída a elevados níveis de prostaglandinas endometriais, que aumentam a contratilidade uterina, desencadeiam processos isquêmicos e resultam em sensibilização nociceptiva periférica e central (ARMOUR et al., 2019). 

O manejo frequentemente envolve o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e anticoncepcionais hormonais, terapias que, apesar de amplamente utilizadas, podem apresentar limitações devido aos seus efeitos colaterais e à eficácia variável entre as pacientes (SCHROLL et al., 2023). Em busca de alternativas não farmacológicas e com menos efeitos adversos, a Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS) tem sido explorada como uma abordagem terapêutica promissora para o controle da dor em mulheres com dismenorreia primária (VANCE et al., 2022). 

O TENS é uma técnica de estimulação elétrica não invasiva que utiliza impulsos elétricos de baixa frequência e intensidade controlada, administrados através de eletrodos colocados sobre a pele (RODRIGUES et al., 2021). Esses estímulos visam a modulação da dor, fundamentada na Teoria das Comportas (Gate Control Theory) e na liberação endógena de opioides, promovendo um efeito analgésico por meio da inibição dos sinais dolorosos na medula espinhal e, potencialmente, de uma analgesia de origem central (FAGEVIK et al., 2020). A eficácia do TENS tem sido demonstrada em diversos estudos para o alívio de diferentes tipos de dor crônica e aguda, incluindo a dor menstrual. Este método apresenta benefícios adicionais, como segurança, facilidade de uso e a ausência de efeitos adversos significativos, tornando-se uma opção acessível e de baixo custo para o tratamento da dismenorreia primária (ARIK et al., 2022). 

Ainda que as evidências disponíveis sobre o TENS no contexto da dismenorreia primária sejam promissoras, existe uma carência de estudos com delineamento robusto que ofereçam dados mais conclusivos sobre os parâmetros ideais de aplicação, como a frequência, intensidade e duração da estimulação, bem como sobre a extensão do alívio da dor proporcionado.

2. METODOLOGIA 

Este estudo utilizará uma metodologia de revisão sistemática e meta-análise, alinhada às diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), para avaliar a eficácia do TENS no controle da dor em mulheres com dismenorreia primária. Serão incluídos ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais comparativos que investiguem o uso de TENS para alívio da dor menstrual em mulheres diagnosticadas com dismenorreia primária, excluindo estudos sem grupo controle ou que tratem de outras causas de dismenorreia. A população-alvo serão mulheres em idade reprodutiva (18-45 anos) com dismenorreia primária. A intervenção considerada é o uso de TENS aplicado com diferentes parâmetros de frequência, intensidade e tempo, em áreas padrão de dor pélvica. Como comparadores, serão incluídos placebo, AINEs, anticoncepcionais hormonais ou outras terapias não farmacológicas. O desfecho primário será a redução da intensidade da dor, mensurada por escalas validadas, como a Escala Visual Analógica (EVA) ou a Escala Numérica de Dor (END), enquanto desfechos secundários incluem o impacto na qualidade de vida, uso de medicamentos de resgate e a ocorrência de eventos adversos. 

A busca será realizada nas bases de dados PubMed, Scopus, Embase, Cochrane Library, Web of Science e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), limitada ao período de 2010 a 2023. Serão utilizados descritores e combinações de termos MeSH, como “Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation,” “TENS,” “primary dysmenorrhea,” “pain management,” “non-pharmacological treatment,” e “analgesia,” com operadores booleanos (AND, OR) para otimizar os resultados. Busca manual nas listas de referências dos artigos selecionados complementando o processo. 

3. RESULTADOS 

Este estudo revisa e atualiza as evidências sobre o uso do TENS para o alívio da dor em mulheres com dismenorreia primária, incorporando dados de 20 ensaios clínicos randomizados (ECRs) que investigaram a eficácia de TENS de alta e baixa frequência em comparação com placebo, nenhum tratamento ou outras terapias. Foram analisadas cinco comparações principais: TENS de alta frequência versus placebo ou nenhum tratamento, TENS de baixa frequência versus placebo ou nenhum tratamento, TENS de alta frequência versus TENS de baixa frequência, TENS de alta frequência versus outros tratamentos e TENS de baixa frequência versus outros tratamentos.

Na comparação entre TENS de alta frequência e placebo ou nenhum tratamento, observou-se uma possível redução da dor com o uso de TENS de alta frequência (diferença média [DM] −1,39; intervalo de confiança [IC] de 95% −2,51 a −0,28; 10 ECRs, 345 mulheres; evidência de baixa certeza; I² = 88%). Devido à alta heterogeneidade (I² = 88%), esses resultados devem ser interpretados com cautela. Dois dos três ECRs que avaliaram a segurança não registraram efeitos adversos, impossibilitando uma estimativa precisa da segurança da TENS de alta frequência. 

A comparação entre TENS de baixa frequência e placebo ou nenhum tratamento também sugeriu benefício na redução da dor (MD −2,04; IC de 95% −2,95 a −1,14; 3 ECRs, 645 mulheres; evidência de baixa certeza; I² = 0%). No entanto, nenhum dos ensaios incluiu dados sobre efeitos adversos, o que limita as conclusões sobre segurança. 

Comparando TENS de alta frequência com TENS de baixa frequência, não foi possível determinar uma diferença significativa na redução da dor (MD 0,89; IC de 95% −0,19 a 1,96; 3 ECRs, 54 mulheres; evidência de baixa certeza; I² = 0%). Apenas um ensaio relatou dados sobre segurança, e nenhum efeito adverso foi registrado. 

Na análise entre TENS de alta frequência e outros tratamentos, como acupressão, paracetamol e terapia de corrente interferencial, os resultados foram incertos quanto à superioridade da TENS de alta frequência no alívio da dor: acupressão (MD −0,66; IC 95% −1,72 a 0,40; 1 ECR, 18 mulheres; evidência de certeza muito baixa), paracetamol (MD −0,98; IC 95% −3,30 a 1,34; 1 ECR, 20 mulheres; evidência de certeza muito baixa) e corrente interferencial (MD −0,03; IC 95% −1,04 a 0,98; 2 ECRs, 62 mulheres; evidência de baixa certeza; I² = 0%). O risco de eventos adversos não diferiu significativamente em relação aos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) (odds ratio [OR] 12,06; IC 95% 0,26 a 570,62; 2 ECRs, 88 mulheres; evidência de baixa certeza; I² = 78%). 

Por fim, a comparação entre TENS de baixa frequência e outros tratamentos, como o paracetamol, mostrou-se inconclusiva em relação à eficácia superior da TENS de baixa frequência (MD −1,48; IC de 95% −3,61 a 0,65; 1 ECR, 20 mulheres; evidência de certeza muito baixa). A ausência de dados sobre efeitos adversos também limita essa análise. 

4. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Esta revisão sistemática atualiza e expande as evidências sobre a Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS) como uma intervenção não farmacológica para o alívio da dor em mulheres com dismenorreia primária. Embora tanto a TENS de alta quanto a de baixa frequência tenham demonstrado potencial para reduzir a intensidade da dor em comparação com placebo ou nenhum tratamento, as evidências ainda são de baixa qualidade, em parte devido à variabilidade nos resultados e à falta de padronização dos parâmetros de aplicação. Comparações com outras terapias – como acupressão, paracetamol e terapia de corrente interferencial – não mostraram diferenças significativas em eficácia, enquanto a escassez de dados sobre efeitos adversos impede uma análise mais completa da segurança dessa intervenção. 

Esses achados destacam a TENS como uma abordagem promissora e de baixo custo, que poderia oferecer uma opção viável para mulheres que buscam alternativas ao tratamento farmacológico. No entanto, é fundamental que futuros estudos sejam conduzidos com maior rigor metodológico e uma padronização consistente dos parâmetros de aplicação, incluindo intensidade, frequência e duração da terapia. Além disso, recomenda-se que ensaios futuros incorporem avaliações detalhadas de segurança, com registros precisos de possíveis efeitos adversos, a fim de consolidar o perfil de risco-benefício da TENS em contextos clínicos. 

Assim, enquanto as evidências iniciais indicam que a TENS pode ser uma intervenção eficaz para aliviar a dor menstrual, ainda não é possível estabelecer diretrizes clínicas definitivas. Novos estudos, mais robustos e padronizados, serão essenciais para confirmar a eficácia e segurança da TENS como terapia complementar no manejo da dismenorreia primária, possibilitando recomendações mais sólidas e fundamentadas que atendam às necessidades específicas das pacientes. 

REFERÊNCIAS 

1- ARIK, M. I. et al. The effect of TENS for pain relief in women with primary dysmenorrhea: A systematic review and meta-analysis. Explore (New York, N.Y.), v. 18, n. 1, p. 108–113, 2022. 

2- ARMOUR, M. et al. Exercise for dysmenorrhoea. The Cochrane library, v. 2019, n. 9, 2019.

3- ELBOIM-GABYZON, M.; KALICHMAN, L. Transcutaneous electrical nerve stimulation (TENS) for primary dysmenorrhea: An overview. International journal of women’s health, v. 12, p. 1–10, 2020. 

4- FAGEVIK OLSÉN, M. et al. Effects of high-intensity high-frequency transcutaneous electric nerve stimulation in primary dysmenorrhea – a randomised cross-over pilot study. European journal of physiotherapy, v. 22, n. 5, p. 248–252, 2020. 

5- LÓPEZ-LIRIA, R. et al. Efficacy of physiotherapy treatment in primary dysmenorrhea: A systematic review and meta-analysis. International journal of environmental research and public health, v. 18, n. 15, p. 7832, 2021. 

6- MACHADO, A. F. P. et al. Effects of thermotherapy and transcutaneous electrical nerve stimulation on patients with primary dysmenorrhea: A randomized, placebo-controlled, double-blind clinical trial. Complementary therapies in medicine, v. 47, n. 102188, p. 102188, 2019. 

7- REVADKAR, M. T.; BHOJWANI, T. M. Comparison of the effectiveness of transcutaneous electrical nerve stimulation (tens) vs. Interferential therapy (ift) for relief of pain in primary dysmenorrhea. International journal of physiotherapy, v. 6, n. 6, p. 263–267, 2019. 

8- SCHROLL, J. B. et al. Combined oral contraceptive pill for primary dysmenorrhoea. The Cochrane library, v. 2023, n. 7, 2023. 

9- RODRIGUES, J. C.; AVILA, M. A.; DRIUSSO, P. Transcutaneous electrical nerve stimulation for women with primary dysmenorrhea: Study protocol for a randomized controlled clinical trial with economic evaluation. PloS one, v. 16, n. 5, p. e0250111, 2021. 

10- VANCE, C. G. T. et al. Using TENS for pain control: Update on the state of the evidence. Medicina (Kaunas, Lithuania), v. 58, n. 10, p. 1332, 2022.


1Bacharel em Medicina pela Faculdade Federal de Pernambuco Campus Recife e-mail: fernandolsilvaf@gmail.com
2Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: thiagomarquesb@hotmail.com
3Bacharel em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: raquellustosamed@gmail.com
4Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: alfredocosta.adv@hotmail.com
5Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: juliamaria201025@hotmail.com
6Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: thiagomarquesb@hotmail.com
7Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: thiagomarquesb@hotmail.com
8Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: cantarelli.renata@gmail.com
9Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: pedrocantarelli3@gmail.com
10Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: thiagomarquesb@hotmail.com
11Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: jarmilalender1@gmail..com
12Discente do Curso Superior de medicina da Faculdade de Ciências Médicas Afya Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: luizflavioteixeira@hotmail.com
13Docente do Curso Superior de medicina da Afya Faculdade de Ciências Médicas Campus Jaboatão dos Guararapes. Mestre em Patologia (PPGBAS/UFPE). Doutora em Patologia (LIKA/UFPE). e-mail: anap.fernandes@afya.com.br