GERENCIAMENTO EFICIENTE NA COLETA DE HEMOCULTURAS: PRÁTICAS DE STEWARDSHIP DIANTE DA ESCASSEZ DE FRASCOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411301420


Fabiane Noemi Souza dos Santos¹; Richardson Lemos de Oliveira²; Luana Rodovalho Constantino³; Larihssa Mendes Torres Correa⁴; Fabrício Glauber Suzano Maciel⁵; Nathalia de Medeiros Santos Tenório Corrêa⁶; Hayane Cristina Duarte Gonçalves⁷; Daiane Bello Manhães Cerqueira⁸; Daiana Meneguelli Leal⁹; Victor Pereira de Souza¹⁰.


RESUMO

Este estudo investiga a implementação de práticas de stewardship para garantir um gerenciamento eficiente na coleta de hemoculturas em um contexto de escassez de frascos. A hipótese central é que estratégias como priorização de coletas, capacitação técnica e monitoramento contínuo podem otimizar o uso dos frascos disponíveis, melhorando a eficiência diagnóstica e reduzindo desperdícios sem comprometer a segurança dos pacientes. O objetivo da pesquisa é analisar e propor estratégias baseadas em stewardship para minimizar os impactos da escassez de frascos nos serviços de saúde, identificando os desafios operacionais e avaliando o impacto das práticas propostas sobre os desfechos clínicos e operacionais. A justificativa para a pesquisa reside na importância de garantir a continuidade da qualidade do cuidado em meio a essa crise, que afeta diretamente o diagnóstico e tratamento de infecções graves. A revisão de literatura qualitativa foi realizada a partir de estudos sobre gerenciamento de hemoculturas, antimicrobial stewardship, escassez de recursos e suas implicações clínicas. A busca foi feita nas bases de dados Google Acadêmico, Science Direct e SciELO, assegurando acesso a artigos de alta qualidade e relevância. A pesquisa contribui para o desenvolvimento de um modelo eficiente e sustentável de manejo de recursos em situações de escassez, promovendo otimização e segurança no cuidado aos pacientes.

Palavras-chave: Stewardship, hemoculturas, escassez de recursos.

INTRODUÇÃO

De acordo com a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (2024), a coleta de hemoculturas é uma prática essencial no diagnóstico de infecções bacterianas e fúngicas, sendo crucial para a instituição de terapias antimicrobianas eficazes e direcionadas. Contudo, a recente escassez global de frascos de hemocultura, causada pela redução na disponibilidade de insumos plásticos, evidenciada pela comunicação da empresa Becton Dickinson (BD), apresenta um grave desafio para os sistemas de saúde. O problema, que se intensificará nos meses de agosto e setembro de 2024, compromete a capacidade de diagnóstico microbiológico, especialmente em pacientes críticos e imunossuprimidos. Essa crise torna ainda mais urgente a implementação de práticas estratégicas de stewardship para otimizar os recursos disponíveis, mitigar desperdícios e preservar a qualidade da assistência à saúde.

O problema de pesquisa centra-se na investigação de como práticas de stewardship podem ser implementadas para garantir um gerenciamento eficiente na coleta de hemoculturas em um contexto de escassez de frascos. Diante dessa questão, levanta-se a hipótese de que a adoção de estratégias como priorização de coletas, capacitação técnica e monitoramento contínuo pode otimizar o uso dos frascos disponíveis, garantindo maior eficiência diagnóstica e redução de desperdícios, sem comprometer a segurança dos pacientes.

O objetivo da pesquisa é analisar e propor estratégias de gerenciamento eficiente na coleta de hemoculturas, baseadas em práticas de stewardship, com vistas a minimizar os impactos da escassez de frascos nos serviços de saúde. Adicionalmente, busca-se identificar os principais desafios operacionais relacionados a essa crise e avaliar o impacto das práticas propostas sobre os desfechos clínicos e operacionais.

A justificativa para esse estudo reside na criticidade da situação, que afeta diretamente o diagnóstico e o tratamento de infecções graves, essenciais para a saúde pública. A escassez de frascos de hemocultura compromete não apenas a qualidade do cuidado prestado, mas também sobrecarrega os serviços de saúde em termos financeiros e operacionais. Práticas de stewardship, como as recomendadas por entidades científicas renomadas, oferecem uma resposta temporária e estratégica para reduzir os impactos negativos da crise. O desenvolvimento de soluções eficazes nesse contexto é vital para garantir que os serviços de saúde continuem oferecendo assistência de qualidade, mesmo diante de adversidades. Assim, esta pesquisa busca contribuir para a construção de um modelo eficiente e sustentável de manejo de recursos em situações de escassez, promovendo tanto a otimização operacional quanto a segurança do paciente.

A revisão de literatura qualitativa foi realizada com o intuito de construir um embasamento teórico robusto sobre os temas principais da pesquisa, incluindo gerenciamento de hemoculturas, antimicrobial stewardship, escassez de recursos, práticas de saúde e impacto clínico. Esses conceitos foram analisados a partir de estudos e publicações científicas que abordam as práticas e desafios no gerenciamento de hemoculturas, a crise da escassez de frascos e as implicações do uso racional de antimicrobianos nos serviços de saúde.

A busca dos materiais foi realizada em três bases de dados científicas amplamente reconhecidas: Google Acadêmico, Science Direct e SciELO. Essas plataformas foram escolhidas devido à sua ampla cobertura e à qualidade dos artigos e estudos disponíveis. A pesquisa se concentrou em artigos revisados por pares e dissertações.

PRÁTICAS DE STEWARDSHIP

O Programa Stewardship, conforme descrito por importantes organizações como a Sociedade de Doenças Infecciosas da América (IDSA), a Sociedade para Epidemiologia da Saúde da América (SHEA) e a Sociedade de Doenças Infecciosas Pediátricas (PIDS), refere-se a uma série de intervenções coordenadas destinadas a otimizar o uso de antimicrobianos. O objetivo é garantir a escolha do regime terapêutico mais apropriado, considerando fatores como dose, duração do tratamento e via de administração (Castro, 2019).

Em 2001, Dale Gerding introduziu o conceito de “Antimicrobial Stewardship Program”, que pode ser entendido como um esforço interdisciplinar integrado para maximizar a eficácia e eficiência dos antimicrobianos por meio de estratégias estabelecidas. Essas ações buscam resultados concretos em termos de benefícios clínicos, econômicos e ambientais. Entre as estratégias desse programa estão auditorias com feedback, protocolos de restrição de uso, ajuste da duração da terapia, escalonamento e descalonamento, além de campanhas educativas contínuas para os profissionais envolvidos (Castro, 2019).

Os benefícios do programa são amplos, incluindo melhores desfechos clínicos, redução de eventos adversos – como infecções por Clostridium difficile –, uso direcionado com base em testes de suscetibilidade antimicrobiana e maior eficiência na utilização de recursos hospitalares. Um exemplo notável é o programa escocês de gestão antimicrobiana, coordenado por um fórum multidisciplinar, que conseguiu reduzir significativamente a incidência de infecção por Clostridium difficile e diminuir a prescrição de antibióticos de amplo espectro (Castro, 2019).

O sucesso da implementação do Programa Stewardship depende de uma liderança clara, do apoio financeiro das instituições e de uma abordagem multidisciplinar. Estudos mostram que, além de economias financeiras, a aplicação do programa melhora indicadores assistenciais e a segurança do paciente. A avaliação contínua de suas intervenções, incluindo auditorias e feedbacks aos profissionais de saúde, é essencial para identificar lacunas e aprimorar os resultados alcançados (Castro, 2019).

No Brasil, a aplicação do programa ainda é limitada, especialmente no Sistema Único de Saúde, com maior predominância em instituições privadas e de pesquisa. Entretanto, experiências locais demonstram que o modelo pode ser adaptado com sucesso, destacando resultados promissores na racionalização do uso de antimicrobianos, redução de custos e melhoria nos desfechos clínicos. Assim, o Programa Stewardship se apresenta como uma ferramenta indispensável para a gestão responsável de antimicrobianos, promovendo maior eficiência no enfrentamento de desafios globais como a resistência bacteriana.

GESTÃO EFICIENTE NA COLETA DE HEMOCULTURAS

A gestão eficiente na coleta de hemoculturas é essencial na segurança do paciente e na qualidade dos cuidados de saúde, destacando-se como uma prioridade na agenda da saúde global. A padronização e otimização desses processos são fundamentais para minimizar erros e promover melhores resultados clínicos. Quando bem administrada, a coleta de hemoculturas fornece diagnósticos precisos que orientam tratamentos antimicrobianos adequados, contribuindo para a redução de infecções e da resistência a antimicrobianos (Sobrinho, 2011).

A coleta adequada de hemoculturas exige técnicas rigorosas e adesão a protocolos estabelecidos, com o objetivo de evitar contaminações. Entretanto, estudos apontam que apenas uma pequena parcela das amostras é coletada antes do início da antibioticoterapia, revelando falhas no diagnóstico microbiológico precoce. Essas deficiências impactam negativamente o manejo clínico, aumentam os custos hospitalares e levam ao uso desnecessário de antibióticos de amplo espectro  (Sobrinho, 2011).

Erros na coleta podem resultar em diagnósticos equivocados e tratamentos inadequados, intensificando a resistência bacteriana e o risco de eventos adversos. Para evitar esses problemas, é crucial adotar práticas seguras, embasadas em evidências, como o uso de listas de verificação, protocolos padronizados e treinamentos regulares das equipes de saúde. Tais medidas reduzem significativamente a ocorrência de erros e favorecem desfechos clínicos mais positivos  (Sobrinho, 2011).

Nesse contexto, os programas de gerenciamento de antimicrobianos, conhecidos como Antimicrobial Stewardship Programs (ASPs), surgem como uma estratégia eficaz para enfrentar a resistência antimicrobiana. Esses programas promovem o uso racional de antibióticos e incluem ações como a implementação de testes automatizados para diagnóstico microbiológico precoce, o monitoramento terapêutico com auditorias regulares e a capacitação das equipes sobre boas práticas de coleta e uso de antimicrobianos. Hospitais que implementam ASPs com sucesso conseguem reduzir os custos com antibióticos e a incidência de resistência bacteriana. Além disso, a integração interdisciplinar entre médicos, farmacêuticos e microbiologistas é essencial para o manejo adequado de antimicrobianos (Alves; Bregolin, 2023).

Em regiões de baixa e média renda, desafios como a escassez de profissionais capacitados, a limitação de recursos financeiros e barreiras culturais dificultam a adoção de práticas avançadas. Contudo, soluções viáveis incluem o investimento em infraestrutura e treinamento, a criação de sistemas de notificação que promovam uma cultura de segurança e o engajamento político para a implementação de legislações que incentivem práticas mais seguras e o uso racional de medicamentos. Assim, a gestão eficiente na coleta de hemoculturas é um pilar essencial para a melhoria dos cuidados de saúde. Integrada a estratégias como os ASPs, essa abordagem possibilita diagnósticos mais precisos, tratamentos mais eficazes e redução de custos. A segurança do paciente e a sustentabilidade dos sistemas de saúde dependem de esforços coordenados, interdisciplinares e adaptados às especificidades de cada realidade local (Sobrinho, 2011).

CONCLUSÃO

A pesquisa realizada aborda um problema de grande relevância para a saúde pública: como implementar práticas de stewardship para garantir um gerenciamento eficiente na coleta de hemoculturas, especialmente em um contexto de escassez de frascos. Assim, conclui-se que estratégias como priorização de coletas, capacitação técnica e monitoramento contínuo são fundamentais para otimizar o uso dos recursos disponíveis, assegurando maior eficiência diagnóstica e redução de desperdícios, sem comprometer a segurança do paciente.

O estudo corroborou a hipótese de que a implementação de práticas baseadas em programas de stewardship pode melhorar significativamente os desfechos clínicos e operacionais, ao garantir o uso racional de antimicrobianos e otimizar a coleta de hemoculturas. A gestão eficiente desses processos é fundamental não apenas para reduzir a resistência bacteriana e os custos hospitalares, mas também para aprimorar a qualidade do atendimento e a segurança dos pacientes.

Identificou-se que, embora os programas de stewardship sejam eficazes na gestão de antimicrobianos, existem desafios significativos, especialmente em contextos de baixa e média renda, como a falta de capacitação profissional e a escassez de infraestrutura. No entanto, soluções como o investimento em treinamento, infraestrutura e sistemas de notificação podem mitigar essas dificuldades, garantindo que as práticas de stewardship sejam adequadamente implementadas.

Portanto, a pesquisa demonstra que a integração de práticas de stewardship com a gestão da coleta de hemoculturas é uma estratégia eficaz para enfrentar os desafios globais da resistência antimicrobiana e escassez de recursos. A adoção dessas práticas, apoiada por um esforço interdisciplinar e adaptada às realidades locais, é essencial para alcançar melhores resultados clínicos, operacionais e econômicos, promovendo a sustentabilidade e a segurança no sistema de saúde.

Referências

ALVES, Thalia; BREGOLIN, Michel. INTRODUÇÃO/OBJETIVO. Moderadores: Ana Fonseca, p. 194, 2023.

CASTRO, Keine Monteiro. Gestão de antimicrobianos pelo programa Stewardship em um hospital publico de ensino: análise da implantação. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas). Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2019.

MENEZES, Rochele Mosmann. Stewardship Brasil: avaliação nacional dos programas de gerenciamento do uso de antimicrobianos em unidade de terapia intensiva adulto dos hospitais brasileiros. 2021. Dissertação (Mestrado em promoção da saúde). Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Santa Cruz do Sul, 2021.

SOBRINHO, Sandra Hilda et al. Equipe de enfermagem em unidade de transplante de medula óssea: o cuidar de si para promoção da saúde. 2012. Dissertação (Mestrado em enfermagem). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2011.

Sociedade Brasileira de Análises Clínicas . Interrupção de fornecimento dos frascos de hemocultura (BACTEC™) da marca BD (Becton Dickinson). Comunicado conjunto. Disponível em: https://www.sbac.org.br/wp-content/uploads/2024/08/Desabastecimento-Frasco-de-Hemocultura-BD-1.pdf. Acesso em: 26 nov. 2024.


¹Mestranda no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e Controle do Câncer (PPGCAN/INCA). E-mail: fabianenoemi1993@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-1950-2753.
²Doutorando em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Instituição: Universidade de São Paulo (USP). E-mail: pesquisador.richardson@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4523-2337.
³Mestre em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). E-mail: lrconstantino@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2363-5557.
⁴Mestranda no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e Controle do Câncer (PPGCAN/INCA). E-mail: larihssa.mtcenf@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-009-7153-8741.
⁵Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UERJ – PPGEnf UERJ. E-mail: fabriciomaciel.riosaude@gmail.com. ORCID: 0009-0001-0113-9800.
⁶Mestranda no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e Controle do Câncer (PPGCAN/INCA). E-mail: nathalia.santos@huemackenzie.org.br. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-7733-3471.
⁷Pós-graduada em Oncologia Clínica, pós-graduanda em Navegação de Pacientes- Ensino Einstein. E-mail: hayanecdgoncalves@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8839-3712.
⁸Pós-graduada em Oncologia Clínica. Cursando pós-graduação em Navegação de Enfermagem Oncológica. ORCID: 0009-0004-5745-887X.
⁹Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e Controle do Câncer (PPGCAN/INCA). E-mail: daiana.mene@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-0596-8144.
¹⁰Enfermeiro especialista em Oncologia (UERJ). E-mail: victorsouzajj@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-2459-5680.