MULTI FAMÍLIA EM CASOS DE TRISAL: UM ESTUDO SOBRE OS DIREITOS CÔNJUGES E DOS FILHOS EM DISSOLUÇÕES DE UNIÃO ESTÁVEL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412030864


João Lucas Soares Almeida1
João Vitor Bolsoni Pezzin2
Orientadora: Prof.ª Aline Pereira dos Santos Amaro Correia3


RESUMO: O presente estudo trata sobre a condição jurídica dos trisais no Brasil, analisando os direitos de pais e filhos na dissolução de uniões estáveis e propondo a adaptação das normas jurídicas para incluir relações poliafetivas, com fundamento na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002. Com metodologia qualitativa, a pesquisa aponta distinções nos direitos em dissoluções de casais monogâmicos e trisais, destacando a necessidade de regulamentação específica para assegurar proteção e equidade, conforme sugerido por Dias et al. (2019). Conclui-se, que é fundamental que o ordenamento jurídico brasileiro contemple essa nova configuração familiar para de garantir proteção legal e equidade para os trisais.

Palavras-chave: Trisal. Proteção jurídica. Família.

ABSTRACT: This study deals with the legal status of three-parent couples in Brazil, analyzing the rights of parents and children in the dissolution of stable unions and proposing the adaptation of legal norms to include polyamorous relationships, based on the 1988 Federal Constitution and the 2002 Civil Code. Using a qualitative methodology, the research points out distinctions in the rights of monogamous and tristate couples, highlighting the need for specific regulations to ensure protection and equity, as suggested by Dias et al. (2019). The conclusion is that it is essential for the Brazilian legal system to take this new family configuration into account in order to guarantee legal protection and equity for trilateral couples.

Keywords: Trisal. Legal protection. Family.

1.  INTRODUÇÃO

A noção de família tem se transformado significativamente em resposta às mudanças sociais e culturais, desafiando o modelo tradicional fundamentado no matrimônio e na descendência. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 marcaram avanços importantes ao expandir o conceito de família além do casamento formal. Além disso, essas legislações reconhecem uniões estáveis e permitem a formalização de laços afetivos, independentemente do gênero dos envolvidos. Conforme dispõe o artigo 1.723, do Código Civil (2002):

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (Código Civil Brasileiro. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

Contudo, essa abrangência ainda enfrenta desafios na incorporação de novas formas de relacionamento, especialmente as uniões poliafetivas, como é o caso dos trisais. Nesses relacionamentos, três pessoas formam uma união estável com laços afetivos e convivência familiar, o que levanta questões sobre o reconhecimento e a regulação jurídica dessas uniões. A ausência de um marco legal específico para as famílias poliafetivas gera insegurança jurídica, especialmente no que tange aos direitos patrimoniais, à guarda de filhos e ao direito de herança.

Diante desse cenário, tem sido comum que famílias formadas por trisais busquem respaldo legal em figuras jurídicas existentes, como a multiparentalidade, conforme destaca Hollanda (2023):

Nas estruturas familiares tradicionais, a filiação é muitas vezes presumida com base em laços biológicos ou conjugais. No entanto, os casos de multiparentalidade requerem uma abordagem mais sutil, onde a paternidade legal pode ser estabelecida por meio de conexão biológica, adoção, tecnologia de reprodução assistida ou paternidade de fato (Hollanda, 2023).

Esse conceito permite que crianças sejam registradas com mais de um pai ou mãe, garantindo direitos à filiação e criando uma proteção mínima para os vínculos afetivos construídos nessas relações. No entanto, essas soluções são limitadas e muitas vezes dependem da interpretação judicial, o que demonstra a necessidade de uma regulamentação mais clara e abrangente (Brasil, 1988; Brasil; 2002; Dias et al. 2019).

A pesquisa justifica-se pela necessidade de o Direito de Família acompanhar as transformações sociais e reconhecer novas configurações familiares, como as relações poliafetivas. Trisais, por exemplo, apresentam vínculos e demandas específicas que ainda carecem de regulamentação, exigindo adaptações na legislação para assegurar direitos adequados a esses relacionamentos.

Este estudo, em suma, baseou-se em uma revisão de literatura, com procedimentos metodológicos sustentados pelo método dedutivo e pela coleta de dados bibliográficos em fontes diversificadas. A análise dos dados seguiu uma abordagem qualitativa, buscando interpretar de forma abrangente as informações coletadas e oferecer uma compreensão detalhada das demandas jurídicas dos trisais.

2.  CONCEITO DE TRISAL

A letra da música “A Maçã”, de Raul Seixas, lançada em 1975, propõe uma visão de amor libertário ao afirmar que “Além de dois, existem mais”. Tal perspectiva do artista antecipa a ideia sobre as relações poliafetivas ou o poliamor, conforme informa Guimarães (2019), que essas são parte de uma realidade social. A seu respeito argumenta que:

Poliamor ou Poliafetividade, simplificadamente, é a plena consciência de que podemos amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ou ainda, uma relação que se afirma ser possível não somente se relacionar, mas também, optar pelo relacionamento fixo, responsável e consensual entre todos os seus membros. No conceito da expressão Poliamor, observa-se que a mesma é uma palavra híbrida, com combinações do grego poli, que significa vários ou muitos, e amor, que vem do latim e significa sentimento de afeição. O Poliamor é, acima de tudo, uma filosofia do afeto, de aceitação mútua e direta, celebrando a realidade da natureza humana (Guimarães, 2019, p. 30).

As relações poliafetivas baseiam-se em regras que priorizam a confiança e o afeto, refletindo a complexidade das interações humanas e seus aspectos psicoemocionais. Os pilares dessas relações incluem consentimento, honestidade, transparência, lealdade, igualdade e responsabilidade afetiva entre os parceiros. Essas relações podem ser classificadas em diferentes tipos, como a relação em grupo, a rede de relacionamentos interconectados e a dinâmica entre um parceiro poliamoroso e outro monogâmico.

Na relação em grupo, todos os parceiros compartilham vínculos afetivos diretos entre si. Por outro lado, a rede de relacionamentos, conforme apontam Viegas e Ceolin (2018), envolve conexões distintas, nas quais cada parceiro mantém seus próprios relacionamentos, sem necessariamente se envolverem entre si. Na configuração mono/poli, há um parceiro que adota uma abordagem poliamorosa, enquanto o outro se mantém na monogamia, permitindo que cada um explore suas preferências afetivas.

Dentro da poliafetividade, as relações podem ser fechadas ou abertas, dependendo do acordo entre os envolvidos. Existem diversas configurações, como

triângulos ou uniões trisais, além da dinâmica em formato V, onde um parceiro atua como pivô entre dois outros. A configuração em T envolve três pessoas, mas apenas duas delas têm um relacionamento mais próximo, enquanto a terceira é um membro adicional, conforme discutido por Viegas e Ceolin (2018) e Strapazzon (2021).

Outro exemplo é a família poliafetiva em quarteto, que reúne quatro pessoas, ou as quadras em N, que consistem em duas mulheres bissexuais e dois homens que não se relacionam entre si. Essas variações demonstram que as formações poliamorosas são diversas e não seguem uma única regra, evidenciando a flexibilidade e a pluralidade das relações afetivas na contemporaneidade (Viegas; Ceolin, 2018; Strapazzon, 2021).

A respeito do poliamorismo ou poliafetividade vê-se o entendimento de Santiago (2015), onde este expressa que:

Quanto às relações de poliamor, elas se caracterizam como uma forma de relacionamento em que é possível, válido e compensatório manter simultaneamente, relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais de uma pessoa, em geral por longos períodos de tempo (Santiago, 2015, págs. 13/14).

É fundamental entender a diferença entre união poliafetiva e poligamia, pois essas duas formas de relacionamento possuem características distintas. No poliamor, a poliafetividade é central, e não é necessário ter a intenção de formar uma entidade familiar. Para que exista uma entidade familiar composta por mais de duas pessoas, é essencial que haja compartilhamento de objetivos e afetividade, priorizando a honestidade e a boa-fé. Além disso, a poliafetividade e a polifidelidade são comuns na maioria dessas relações.

Embora o poliamor se assemelhe à poligamia, Viegas e Ceolin (2018) e Strapazzon (2021) destacam que as duas práticas são diferentes. Na poligamia, um dos parceiros pode não saber da existência dos outros, resultando em relações clandestinas e famílias paralelas. Em contraste, o poliamor é baseado em transparência e consentimento mútuo, garantindo que todos os envolvidos estejam cientes das interações e vínculos afetivos.

A poligamia refere-se ao casamento simultâneo de uma pessoa com várias outras, enquanto a bigamia é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro. Embora a poligamia possa ocorrer e ser desaprovada socialmente, o casamento simultâneo é considerado um crime segundo a legislação. Por outro lado, o poliamor

não é classificado como crime, pois representa uma escolha consensual entre os indivíduos. No entanto, é necessário um tratamento legal diferenciado para as famílias poliamorosas, a fim de garantir direitos e proteção adequados.

Para compreender a união poliafetiva, é importante observar que essas relações formam um núcleo familiar em que todos os participantes compartilham sentimentos, afeto e amor. A poligamia, por sua vez, limita-se ao conceito de casamentos simultâneos, desconsiderando as nuances emocionais que caracterizam as uniões poliafetivas. A respeito do conceito e entendimento da poliafetividade ou poliamor, tem-se que:

[…] o poliamor é uma identidade relacional capaz de dar origem a uma ou várias famílias, que têm o condão de constituir uniões estáveis e matrimônios, devendo, o Estado, garantir a mesma proteção normativa tanto para a família monogâmica quanto para a família poliamorosa. (Santiago, 2015, p. 14).

Logo, o poliamor constitui uma realidade em que se formam famílias, apresentando estruturas e necessidades de regulamentação semelhantes às de outros tipos de família. Essa modalidade familiar reflete a liberdade das pessoas em escolher seus parceiros, sejam eles únicos ou múltiplos, para constituir um núcleo familiar. De acordo com Dias (2013) e Strapazzon (2021), essa liberdade garante o direito à formação de relações conjugais e familiares, abrangendo uniões heterossexuais, homoafetivas e poliafetivas, com ênfase nos valores de afeto, solidariedade, boa-fé e colaboração mútua.

As relações poliafetivas não devem ser avaliadas apenas sob um prisma moral ou religioso, conforme argumenta Dias (2016). A existência de famílias poliafetivas é inegável, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo, e elas consistem em entidades familiares com parceiros e filhos que possuem direitos legais. Portanto, é essencial que o Direito de Família incorpore essas novas configurações, garantindo que os direitos e deveres das pessoas nessas relações sejam adequadamente reconhecidos e protegidos.

A afetividade é um elemento central para a aceitação e compreensão da diversidade nas formas de entidades familiares, como afirmam Strapazzon (2021) e Dias (2022). Esse aspecto está intrinsicamente ligado à dignidade, liberdade e igualdade, que fundamentam a constituição de uma família, independentemente de sua forma — heterossexual, homoafetiva, união estável ou poliafetiva. Assim, é

fundamental investigar a situação jurídica das entidades familiares poliafetivas, com foco em casos específicos, como os trisais, para promover um tratamento justo e equitativo no âmbito do Direito de Família.

3.  A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO RELACIONAMENTO A TRÊS

A evolução histórica da instituição familiar reflete um complexo conjunto de transformações sociais, culturais e jurídicas. Desde sua origem, a família se configurou como uma estrutura fundamental para a organização da sociedade, tendo suas bases estabelecidas a partir da necessidade de sobrevivência e da manutenção da espécie.

Lobo (2008) argumenta que as primeiras formas de agrupamento familiar eram grupais, sendo que, com o tempo, passaram a ser organizadas em estruturas monogâmicas, onde surgiram restrições ao comportamento sexual, especialmente em relação às mulheres. As modificações na organização familiar visavam garantir a filiação, a propriedade e a herança, fatores que, segundo Fitzgerald, Moreno e Thompson (2022), moldaram as interações sociais e as dinâmicas afetivas ao longo da história.

Historicamente, a família esteve intimamente ligada à concepção de uma entidade sacralizada e indissolúvel, predominantemente pautada pelo patriarcado, em que o homem detinha o domínio sobre a mulher e os filhos. Essa configuração hierárquica e heteronormativa, sustentada por normas sociais e religiosas, estabeleceu o casamento formal e a monogamia como os padrões ideais.

No entanto, a poligamia, embora muitas vezes vista como uma exceção, também existia em diversas culturas. Dias (2016) ressalta que a organização familiar foi historicamente influenciada não apenas por regras sociais, mas também por questões religiosas e econômicas, que moldaram os laços familiares e as relações interpessoais.

As transformações sociais ocorridas a partir do final do século XVIII e durante o século XIX provocaram discussões sobre a natureza do casamento, trazendo à tona a ideia de que a união deveria ser baseada no amor, embora ainda predominassem casamentos arranjados e por conveniência.

As uniões extramatrimoniais enfrentaram forte resistência e seus filhos eram frequentemente estigmatizados. Com a ascensão do capitalismo e a redução da

influência da Igreja na esfera estatal, o conceito de família começou a passar por mudanças significativas, questionando os papéis tradicionais atribuídos a homens e mulheres.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 marcou um avanço significativo na reconfiguração do conceito de família no Brasil, ao estabelecer que a família é a base da sociedade e deve ser protegida pelo Estado em seu art. 226, § 3º, garantindo a proteção legal a diversas formas de união, incluindo a união estável.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (Brasil, 1998).

Já o Código Civil de 2002, em seu art. 1.723, reforçou essa perspectiva ao reconhecer a união estável como uma entidade familiar, promovendo uma visão plural da família que não se restringe aos laços biológicos, mas considera também os vínculos afetivos e as relações construídas entre as pessoas.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente (Brasil, 2002).

Nas últimas décadas, o debate acerca das relações poliafetivas emergiu como uma resposta às novas configurações familiares contemporâneas, que desafiam o modelo tradicional monogâmico. A partir desse contexto, a afetividade passou a ser vista como um elemento central para a identificação e reconhecimento das entidades familiares, conforme argumenta Dias (2013).

A legitimação de novas formas de família, incluindo as poliafetivas, exige que o Direito se adeque às realidades sociais atuais, buscando garantir direitos e evitar injustiças a essas configurações familiares. No mais, as famílias poliafetivas, que incluem arranjos como os trisais, apresentam um desafio significativo para o sistema jurídico.

Portanto, a necessidade de regulamentação específica é urgente, considerando a falta de reconhecimento legal adequado e a necessidade de proteção dos direitos dos indivíduos envolvidos. Assim, o estudo e a análise das relações poliafetivas são fundamentais para o avanço do Direito de Família, que deve evoluir para incluir e proteger a diversidade das formas de convivência familiar na sociedade contemporânea.

4.  FONTES APLICÁVEIS DO DIREITO BRASILEIRO AOS TRISAIS

À medida que as estruturas familiares se diversificam, torna-se essencial que o direito acompanhe essas mudanças. Novas formas de entidades familiares estão emergindo e requerem a proteção legal proporcionada pelo Estado, similarmente aos modelos familiares tradicionalmente reconhecidos no sistema jurídico brasileiro. No Brasil, a evolução jurídica inclui o reconhecimento das uniões homoafetivas pela jurisprudência, bem como a aceitação das uniões estáveis e das famílias monoparentais como entidades familiares, que agora recebem proteção legal conforme estabelecido no Artigo 226 da Constituição Federal:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (Brasil, 1998).

As relações a três, ou trisais, enfrentam desafios únicos no contexto jurídico, principalmente devido à falta de legislação específica que as reconheça. Por isso, a compreensão das fontes do direito aplicáveis a essas relações é crucial para garantir proteção e reconhecimento legal aos envolvidos.

A Constituição Brasileira de 1988 é a lei máxima do país e estabelece fundamentos sobre os direitos e garantias fundamentais, incluindo o direito à liberdade, à igualdade e à segurança. Embora a Constituição não mencione especificamente relações poliafetivas, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser interpretado de forma a apoiar o reconhecimento de arranjos familiares não tradicionais. Essa interpretação é essencial para promover a inclusão e proteção de todas as formas de família, independentemente de sua configuração, conforme considera o entendimento de Piovesan (2020):

Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como unidade e como sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial, que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular (Piosevan, pág. 87, 2020).

Segundo Dias (2019) a inclusão de trisais sob a proteção constitucional não exigiria uma mudança na lei, mas sim uma interpretação mais abrangente e inclusiva dos princípios já estabelecidos. A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana deveria se estender para garantir que todas as pessoas, independentemente do formato de suas relações familiares, desfrutem de igualdade de oportunidades e de tratamento perante a lei. No que diz respeito à aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, Dias (2019) ressalta:

Ainda se esforça o legislador em não emprestar efeitos jurídicos às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar, chamando-as de concubinato (CC 1.727). No entanto, pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional leva a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um – ou, pior, a ambos os relacionamentos -, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel. Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro. Essa solução, que ainda predomina na doutrina e é aceita pela jurisprudência, além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética, se afasta do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana (Dias, pag. 44, 2019).

Desse modo, Dias (2029) ainda destaca:

[…] com o nome de poliamor, relações entre mais de duas pessoas vêm buscando reconhecimento. Ainda que exista o impedimento para o casamento, vem sendo formalizadas, por escritura pública, relacionamentos poliafetivos, em que os integrantes assumem deveres pessoais e de natureza patrimonial. Ainda que muito se discuta sobre a eficácia destes instrumentos, não se pode negar efeitos jurídicos a tais manifestações de vontade (Dias, pg. 44, 2020).

Esta perspectiva é reforçada por decisões recentes em tribunais superiores, que começam a reconhecer a necessidade de adaptar a interpretação das leis à realidade social contemporânea, que é cada vez mais plural e diversificada. Ainda que não haja uma legislação específica que trate diretamente das relações poliafetivas, essas interpretações judiciais são fundamentais para preencher as lacunas legais e proporcionar um ambiente mais seguro e justo para indivíduos envolvidos em trisais.

A Constituição Federal de 1988 também estabelece em seu Artigo 227 o dever do Estado de assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, incluindo o direito à convivência familiar, o que pode ser especialmente relevante em casos de dissolução de trisais onde crianças estejam envolvidas. Conforme dispõe a Carta Magna de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). (Brasil, 1988).

Este artigo pode ser utilizado para defender arranjos de guarda e visitação que respeitem os vínculos afetivos estabelecidos entre as crianças e todos os adultos responsáveis, independentemente da configuração familiar tradicional.

Ora, o conceito de “família natural”, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), refere-se à unidade composta pelos pais e seus descendentes, relacionado à família biológica. Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). (Brasil, 2009).

No entanto, a Constituição Federal e o ECA asseguram o direito à convivência familiar além da biologia (DIAS, 2019). O ECA menciona também a “família extensa”, que inclui parentes próximos com vínculos de afinidade e afeto.

Na prática, a Justiça frequentemente busca parentes apenas após a mãe declarar sua incapacidade de cuidar da criança, resultando em longos processos de destituição do poder familiar e a permanência das crianças em abrigos. Dias (2021) vê a família extensa como uma forma de família substituta, mas as dificuldades legais frequentemente levam crianças a ficarem institucionalizadas, contrariando a

proteção integral que a Constituição assegura, pois viver com avós ou tios não oferece a segurança de uma adoção formal.

Além da Constituição, o Código Civil Brasileiro de 2002 oferece uma estrutura legal que, embora não reconheça explicitamente as relações poliafetivas, pode ser interpretada de forma a proteger os direitos dos indivíduos envolvidos em trisais. Conforme aponta Pereira (2021), o Código Civil, em seus artigos sobre união estável (art. 1.723, CC 2002) e comunhão de bens (art. 1.667, CC 2002), pode ser aplicado de maneira flexível para abranger relacionamentos que não se enquadram nos modelos tradicionais de casais. A propósito, Pereira (2021) discorre sobre o Código Civil de 2002:

“O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando elementos caracterizadores de um núcleo familiar, e que vem sendo demarcados pela doutrina e pela jurisprudência, especialmente após a Constituição de 1998: durabilidade, estabilidade, convivência sob o mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Mesmo que ausente um desses elementos, ainda assim pode haver caracterização da união estável, trazendo, por conseguinte, efeitos jurídicos. O essencial é que se tenha formado entre pessoas uma relação afetiva e duradoura, com o objetivo de constituir uma família, ou seja, com o propósito de estabelecer uma vida conjugal em comum. Mesmo que inicialmente o objetivo não fosse o de constituir um núcleo familiar, mas se a realidade vivida pelo casal conduziu a esta realidade, aí também estará caracterizada uma união estável. (…)”. (in Direito das Famílias / Rodrigo da Cunha Pereira ; prefácio Edson Fachin.

– 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book. p. 319).

Esta abordagem permite que os tribunais garantam a divisão justa de bens e o reconhecimento de direitos patrimoniais em relações poliafetivas, com base nos princípios de esforço comum e contribuição mútua. Conforme julgado de reconhecimento de união estável em uma relação poliafetiva:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL – REQUISITOS – COMPANHEIRA DECLARADA COMO DEPENDENTE EM IMPOSTO DE RENDA – DEDUÇÃO DE DESPESAS FAMILIARES COM EDUCAÇÃO E SAÚDE – INDÍCIO DE ENTRELAÇAMENTO DE VIDAS, MÚTUA ASSISTÊNCIA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA – EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA DE BENS – AUSÊNCIA DE PROVAS – PROCEDIMENTO PRÓPRIO PARA ESSE FIM – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Para que a relação seja qualificada como união estável, mister seja notória perante a sociedade, como um núcleo familiar e com a “aparência” de casamento, pautada pelo dever de lealdade e animus da preservação da relação conjugal, requisitos a serem analisados em cada caso concreto; – A inserção da companheira como dependente econômico para fins de dedução de imposto de renda de despesas com educação e saúde, constitui, no mínimo, o reconhecimento da união estável por parte do declarante, perante o fisco federal; – A escassez de provas sobre a existência de bens a serem partilhados, impede a divisão na forma pretendida pela apelante. (TJ-MG – Apelação Cível: 51970552720218130024 1.0000.24.149932-6/001, Relator: Des.(a) Delvan Barcelos Júnior, Data de Julgamento: 27/06/2024, 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 28/06/2024)

O desenvolvimento jurisprudencial também é uma fonte vital do direito para trisais. Decisões dos tribunais têm estabelecido precedentes que, pouco a pouco, contribuem para a proteção dos direitos em configurações familiares não convencionais. Segundo Groeninga (2022), há casos em que os tribunais reconheceram a existência de famílias formadas por mais de duas pessoas adultas, aplicando conceitos de direito de família de maneira a garantir direitos como pensão alimentícia e herança, mesmo sem uma legislação específica para trisais. Essas decisões refletem uma tendência de reconhecimento da realidade social das famílias poliafetivas e a necessidade de uma resposta jurídica adequada.

A doutrina, por sua vez, tem sido fundamental para discutir e propor como o direito pode evoluir para abraçar a diversidade de formas familiares. Tepedino (2020) enfatiza a importância de um diálogo contínuo entre a sociedade e o sistema jurídico para que as leis refletem as mudanças sociais e garantam direitos de forma equitativa. A doutrina não apenas influencia a interpretação das leis pelos tribunais, mas também inspira mudanças legislativas que podem formalizar as proteções para as famílias poliafetivas.

Apesar do Código Civil Brasileiro, juntamente com a maior parte da jurisprudência, ainda não reconhece esse tipo de união. No entanto, observa-se que não há nenhuma inconstitucionalidade associada, significando que o direito constitucional reconhece a liberdade de escolha onde o Estado não deve intervir (Souza; de Faria, 2016).

Considerando que o que não é explicitamente proibido pela lei é permitido, surge a percepção de que a omissão do legislador em tais casos pode permitir espaço para interpretações e analogias com situações não especificamente contempladas na legislação, mas que deveriam receber um tratamento igualitário (Fell; Sanches, 2016).

A escritura pública possui uma natureza declaratória, não criando o vínculo jurídico que descreve, mas apenas formalizando a publicidade de uma relação jurídica preexistente. A principal função da lavratura de escrituras públicas de união estável é verificar a duração da união e estabelecer os efeitos relacionados aos bens do casal. Portanto, é crucial entender que a união estável não é estabelecida pela escritura em si, mas pelo atendimento aos requisitos legais, incluindo a existência de uma convivência social reconhecível, a publicidade dessa relação, sua continuidade e duração, além da intenção mútua de formar uma família. O diálogo sobre a viabilidade de uma escritura pública para uniões poliafetivas iniciou-se em 2012, marcado por um evento significativo quando a Tabeliã de Tupã elaborou o primeiro documento oficial reconhecendo esse tipo de união (Tartuce, 2017).

A primeira escritura pública referente a uniões poliafetivas no Brasil foi concretizada em Tupã, localizada a 435 km de São Paulo, sob a responsabilidade da tabeliã Cláudia do Nascimento Domingues. O documento envolveu um trisal composto por duas mulheres e um homem, que viviam juntos em união estável por três anos e buscavam formalizar sua relação para assegurar direitos equivalentes aos do casamento. Após enfrentarem recusas de outros notários na localidade, encontraram na tabeliã Cláudia uma disposição para oficializar a união, considerando que não havia impedimentos legais para tal. Este evento ocorreu em maio de 2012, mas ganhou notoriedade pública somente após ser mencionado no Diário Oficial do Estado (Tartuce, 2017).

Em um caso similar no Rio de Janeiro, em outubro de 2015, ocorreu a formalização da primeira união estável poliafetiva entre três mulheres no 15º Ofício de Notas, localizado na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. A tabeliã Fernanda de Freitas Leitão foi responsável por registrar a união. Pouco depois, Leandro Jonattan da Silva Sampaio, aos 33 anos, e suas parceiras, Thaís e Yasmin, também formalizaram sua união estável poliafetiva. Eles optaram por registrar a relação para regularizar aspectos previdenciários e de cobertura de saúde, sendo esta a primeira união do tipo envolvendo um homem e duas mulheres no estado do Rio de Janeiro. (Tartuce, 2017)

Contudo, as escrituras públicas que declararam uniões poliafetivas enfrentaram reações adversas no meio jurídico. Foram consideradas inexistentes, nulas e até indecentes, além de serem vistas como um desafio direto aos valores morais e aos bons costumes da família brasileira (Dias, 2020).

Os trisais que formalizarem suas uniões estáveis poliafetivas por meio de escrituras públicas fizeram isso com base nos princípios fundamentais de afeto e dignidade da pessoa humana, valores essenciais ancorados na Constituição Federal. Esses princípios são centrais na formação desses laços familiares.

5.   DIREITOS DOS CÔNJUGES E DOS FILHOS EM DISSOLUÇÕES DE UNIÃO ESTÁVEL EM TRISAIS

A dissolução de uniões estáveis em trisais apresenta desafios jurídicos particulares, especialmente no que tange à proteção dos direitos dos cônjuges e dos filhos. O direito brasileiro, embora não contemple especificamente as configurações poliafetivas, oferece princípios gerais que podem ser adaptados para estas situações.

De acordo com o Art. 1.726 do Código Civil, a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil, isto é, o regime padrão para uniões estáveis é a comunhão parcial de bens, a menos que os parceiros decidam formalizar um Contrato de Convivência que, depende do reconhecimento da presença dos requisitos legais: ostensividade, publicidade, durabilidade e o elemento subjetivo do desejo de constituir família, conforme dispõe o art. 1.723 do Código Civil de 2002 (Dias, 2023).

Este contrato, que pode ser formalizado por meio de escritura pública ou particular, permite que os envolvidos estabeleçam regras específicas para o relacionamento. Importante frisar que tal contrato não constitui por si só a união estável, mas serve para definir acordos que beneficiem o relacionamento.

Em trisais, é possível adotar o regime de comunhão parcial de bens de maneira espontânea, ou escolher qualquer outro regime patrimonial por meio de um Contrato de Convivência. Consequentemente, os efeitos sucessórios devem acompanhar o regime escolhido, conforme estabelecido pelo Código Civil Brasileiro, nos artigos 1.829 e seguintes.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694). I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais (Brasil, 2002).

Esses artigos detalham a sucessão legítima em caso de falecimento de um dos cônjuges e já são aplicados em uniões homoafetivas, sugerindo que as normas vigentes para uniões monogâmicas também possam reger as uniões poliafetivas.

No entanto, devido às particularidades das uniões trisais, que envolvem mais de duas pessoas, a divisão patrimonial não se dá por meação, devido à dificuldade de divisão equitativa dos bens em duas partes iguais. Portanto, a repartição do patrimônio em trisais requer um processo de “triação”, adaptando a distribuição de forma que contemple equitativamente todos os membros.

Segundo Dias (2019), a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituição, deve garantir que todos, independentemente do formato de suas relações familiares, desfrutem de igualdade de oportunidades e de tratamento perante a lei. Este princípio é essencial na interpretação dos direitos patrimoniais durante a dissolução de uniões estáveis em trisais. Ainda que o Código Civil em seus artigos sobre a união estável se refira apenas a casais, a jurisprudência tem começado a adaptar sua aplicação para abranger relações poliafetivas.

Pereira (2021) destaca que o reconhecimento de esforço comum na aquisição de bens pode ser estendido a trisais, garantindo uma divisão equitativa que respeite as contribuições de cada um dos membros. O desafio reside em como quantificar e qualificar essas contribuições em uma relação tripartite, um problema ainda em evolução na jurisprudência brasileira.

A questão da sucessão é particularmente desafiadora em trisais. Tradicionalmente, as leis de sucessão beneficiam cônjuges e descendentes diretos em configurações monogâmicas. Contudo, em trisais, onde todos os membros podem compartilhar uma vida em comum e contribuir para o patrimônio do grupo, as leis atuais podem não refletir adequadamente as complexidades dessas relações. A adequação das leis de herança e sucessão às formas familiares não tradicionais é essencial para garantir justiça e equidade na distribuição dos bens após a morte de um dos parceiros. (Groeninga, 2022)

A adaptação da jurisprudência tem sido uma resposta parcial à falta de legislação específica. Em alguns casos, os tribunais têm reconhecido testamentos e outros documentos legais que explicitam a vontade dos membros do trisal em relação à distribuição de seus bens, aplicando princípios de equidade e intenção das partes para resolver disputas de sucessão. Essa abordagem, embora ainda incipiente, sinaliza uma crescente conscientização judicial sobre a realidade das famílias poliafetivas. (Groeninga, 2022)

Por outro lado, a complexidade aumenta quando envolve filhos de gerações anteriores ou do próprio trisal. Segundo Tepedino (2020), é fundamental que a legislação evolua para proteger os direitos sucessórios dessas crianças, garantindo que não sejam prejudicadas pela ausência de um marco legal claro que reconheça todos os pais de forma equitativa. A proteção legal estendida poderia incluir a revisão das leis de registro civil para permitir o reconhecimento formal de todos os pais, independentemente de sua configuração familiar.

A Constituição Brasileira, em seu Artigo 227, assegura com prioridade absoluta os direitos das crianças, incluindo o direito à convivência familiar. Groeninga (2022) observa que tribunais têm começado a interpretar este artigo de forma a incluir crianças de famílias poliafetivas, reconhecendo o vínculo afetivo com todos os adultos envolvidos como essencial para o bem-estar da criança. Em casos de dissolução, isso implica que arranjos de guarda devem considerar o melhor interesse da criança, o que pode incluir manter um relacionamento estável com todos os pais, independentemente do número.

Tradicionalmente, a guarda é atribuída a um ou ambos os pais biológicos, mas em trisais, a situação é complexa, pois todos os adultos podem ter desempenhado papéis parentais significativos. Pereira (2021) argumenta que a flexibilização das normas de guarda, para reconhecer múltiplos pais, não só atende ao princípio do melhor interesse da criança, mas também reflete uma compreensão mais inclusiva de família. Isso permite que a criança mantenha um relacionamento contínuo e estável com todos os indivíduos que ela considera como pais, independentemente de laços biológicos.

Ademais, a questão da manutenção (pensão alimentícia) surge frequentemente em dissoluções de uniões estáveis. Dias (2019) aponta que, em trisais, determinar a obrigação de manutenção pode se tornar complexo, pois todos os membros adultos podem ter obrigações para com as crianças. A legislação precisa evoluir para reconhecer que cada adulto que assumiu um papel parental deve contribuir para o sustento da criança, proporcionando um suporte que reflita a realidade vivida pela criança antes da dissolução da união.

Outro aspecto relevante é a proteção legal em casos de abuso ou negligência. Conforme Tepedino (2020) destaca, em configurações familiares não tradicionais, pode ser desafiador para o sistema legal identificar e intervir em situações de risco para a criança, devido à falta de clareza nos papéis parentais reconhecidos legalmente. A adaptação das leis para reconhecer explicitamente todos os membros de trisais como pais legais poderia facilitar a atuação dos órgãos de proteção infantil, garantindo que a criança receba proteção adequada em qualquer configuração familiar.

Finalmente, a elaboração de novas diretrizes para a prática jurídica em casos envolvendo famílias poliafetivas é essencial. Groeninga (2022) sugere que a formação contínua de magistrados e profissionais do direito sobre as dinâmicas das famílias poliafetivas é crucial para garantir que as decisões sejam tomadas com plena consciência das necessidades e dos direitos das crianças envolvidas. Esta educação deve incluir uma compreensão dos aspectos psicológicos e sociais que afetam as crianças em trisais, garantindo que as decisões judiciais promovam realmente o seu melhor interesse em longo prazo.

6.  JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE TRISAL

A legislação brasileira atual apresenta várias restrições em relação ao concubinato e, por extensão, às famílias poliafetivas: a) existe uma proibição de realizar doações em favor do concubino, com risco de anulação da doação conforme o art. 550 do Código Civil de 2002; b) é vedado contratar seguro de vida em benefício da concubina, com nulidade prevista no art. 793 do mesmo código; c) a concubina não pode ser beneficiária de testamento, seja como herdeira ou legatária, conforme o art. 1.801, inciso III; d) é proibido o recebimento de pensão alimentícia, estabelecido no art. 1.694. Além disso, a poligamia é considerada um crime contra a família no Brasil, tipificado no artigo 235 do Código Penal, o que por si só já desqualifica a poliafetividade como uma forma legítima de entidade familiar devido à violação do princípio da legalidade.

Por outro lado, em países como Estados Unidos e alguns da Europa, já se observa uma aceitação do poliamor como forma de família. Por exemplo, em 2020, a cidade de Somerville em Massachusetts, EUA, começou a reconhecer oficialmente o poliamor, com a aprovação pelo Conselho da Cidade. Similarmente, em Newfoundland, Canadá, em 2018, dois homens e uma mulher em uma relação poliamorosa foram legalmente reconhecidos como pais de uma criança. Também em Medellín, Colômbia, três homens em um relacionamento poliamoroso se casaram legalmente no ano anterior (Klein, 2021).

No Brasil, a jurisprudência tem explorado direitos patrimoniais em casos de famílias paralelas, porém ainda não se observa um reconhecimento claro de outros arranjos familiares como o trisal. No entanto, seria prudente observar decisões judiciais que reconheçam a “triação”, ou seja, a divisão do patrimônio comum em três partes iguais, atribuindo efeitos patrimoniais significativos a essa configuração (Amorim, 2017).

O primeiro caso que merece destaque ocorreu em 2005 no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Na ocasião, o Desembargador Rui Portanova, na relatoria do processo AC nº 700097864193, introduziu a ideia de que é possível reconhecer uniões estáveis não exclusivas, propondo o conceito de “triação”. Neste caso específico, um homem que mantinha simultaneamente relações com duas mulheres teve seu patrimônio dividido inicialmente em três partes iguais, designando um terço para cada um dos adultos envolvidos.

Entretanto, após discussões durante a sessão de julgamento, ajustou-se a divisão do espólio: 25% para a esposa, 25% para a companheira e os restantes 50% distribuídos entre todos os filhos, incluindo a filha do falecido com a companheira (Brasil, 2005). Esta decisão também ressalta a importância de proteger os direitos sucessórios de todos os filhos, assegurando que todos participassem do patrimônio deixado, construído antes da formação da família simultânea. Essa decisão foi posteriormente adotada como referência em outros tribunais, inclusive para partilhas em vida.

Outro caso relevante foi a apelação cível 70033154303 – RS, que reconheceu o direito da companheira que estava em uma união estável paralela de participar da partilha dos bens adquiridos durante a convivência. Neste caso, foi aplicado o conceito de “triação”, dividindo os bens entre as partes envolvidas de maneira equitativa.

Na mesma linha de entendimento adotada pelo TJRS, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), na apelação 0190482013 – MA (0000728-90.2007.8.10.01155), reconheceu uma declaração post mortem de união estável, mesmo que essa união tenha ocorrido simultaneamente ao casamento. O relator do caso observou que, com provas suficientes nos autos demonstrando a existência de uma união estável paralela ao casamento, a decisão deveria ser pela procedência da ação. Veja:

DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEOS. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO.

  1. Ainda que de forma incipiente, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a juridicidade das chamadas famílias paralelas, como aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável. 2. A força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Entre esses casos, estão exatamente as famílias paralelas, que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas. 3. Para a familiarista Giselda Hironaka, a família paralela não é uma família inventada, nem é família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. E continua, com esta lição: “Na verdade, são famílias estigmatizadas, socialmente falando. O segundo núcleo ainda hoje é concebido como estritamente adulterino, e, por isso, de certa forma perigoso, moralmente reprovável e até maligno. A concepção é generalizada e cada caso não é considerado por si só, com suas peculiaridades próprias. É como se todas as situações de simultaneidade fossem iguais, malignas e inseridas num único e exclusivo contexto. O triângulo amoroso subreptício, demolidor do relacionamento número um, sólido e perfeito, é o quadro que sempre está à frente do pensamento geral, quando se refere a famílias paralelas. O preconceito, ainda que amenizado nos dias atuais, sem dúvida, ainda existe na roda social, o que também dificulta o seu reconhecimento na roda judicial”. 4. Havendo nos autos elementos suficientes ao reconhecimento da existência de união estável entre a apelante e o de cujus, o caso é de procedência do pedido formulado em ação declaratória. 5. Apelação cível provida (Maranhão, 2014).

Apesar de tais decisões serem aplaudidas, elas ainda são raras no direito brasileiro, exigindo dos profissionais jurídicos uma abordagem mais sensível. Esse desafio foi particularmente relevante na época da promulgação do Código Civil de 2002, e continua sendo crucial dado o desenvolvimento atual do Direito de Família, que se fundamenta fortemente no princípio da afetividade.

No cenário nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 1.045.273/SE em 2020, decidiu que indivíduos em uniões estáveis paralelas não têm direito à pensão previdenciária. A decisão reiterou que a sociedade brasileira não reconhece o concubinato ou relações entre amantes de longa duração como relação familiar. A votação foi acirrada, 6 a 5, com a maioria formada pelos Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski, favorecendo a monogamia e a proibição legal da bigamia, considerada crime pelo Código Penal.

CONSTITUCIONAL. CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS DISCUTIDAS. Possuem repercussão geral as questões constitucionais alusivas à possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável homoafetiva e à possibilidade de reconhecimento jurídico de uniões estáveis concomitantes (BRASIL, 2012, s.p.).

Em contraste, em uma jurisprudência mais recente, em 2022, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um recurso especial de uma mulher que conviveu com um homem por três anos antes dele casar-se com outra pessoa, mantendo, no entanto, uma relação com ele por mais 25 anos. Ela pleiteava o reconhecimento e a dissolução da união estável e a partilha dos bens adquiridos. O colegiado decidiu que é possível reconhecer a união estável no período anterior ao casamento, mas após o casamento, a relação foi classificada como concubinato, não permitindo a partilha de bens após essa data (Brasil, 2022).

Esses casos destacam a complexidade e a evolução do reconhecimento jurídico de relações familiares não convencionais, como as uniões estáveis paralelas e, por extensão, poderiam informar o tratamento legal de trisais no Brasil, promovendo uma interpretação mais ampla e inclusiva das relações familiares contemporâneas.

7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo proporcionou uma investigação abrangente sobre a condição jurídica das famílias formadas por trisais no contexto do direito brasileiro, com um foco particular nos direitos dos cônjuges e dos filhos em situações de dissolução de união estável. A análise revelou que, apesar da crescente visibilidade e aceitação das relações poliafetivas na sociedade contemporânea, ainda existem lacunas significativas na legislação que necessitam ser abordadas para garantir proteção e equidade para todos os membros dessas famílias.

Ficou evidente que as configurações familiares estão evoluindo mais rapidamente do que a legislação atual pode acompanhar. Os desafios identificados em relação aos direitos patrimoniais, sucessórios, e especialmente aos direitos relacionados à guarda e ao bem-estar das crianças, destacam a necessidade urgente de reformas legais. Essas reformas devem refletir a diversidade das formações familiares e garantir que todos os indivíduos envolvidos, especialmente as crianças, tenham seus direitos adequadamente protegidos e respeitados dentro do sistema jurídico.

As discussões sobre a aplicabilidade dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade de tratamento perante a lei são fundamentais e devem continuar a orientar a evolução do direito de família no Brasil. A jurisprudência, embora esteja se adaptando gradualmente às realidades das famílias poliafetivas, ainda necessita de um marco legal mais claro e inclusivo que abordem especificamente as questões enfrentadas por trisais.

A pesquisa também sublinhou a importância de um diálogo contínuo entre os profissionais do direito, legisladores, e a sociedade para formular leis que não apenas reconheçam a existência de trisais, mas que também promovam a segurança jurídica e o bem-estar de todos os envolvidos. A educação e a sensibilização sobre as dinâmicas das famílias poliafetivas são cruciais para esse processo, pois contribuem para a formação de uma base de entendimento comum, necessária para a implementação eficaz de novas legislações.

Em conclusão, este estudo destaca que, enquanto a sociedade continua a evoluir e a abraçar diversas formas de relacionamentos familiares, é imperativo que o sistema jurídico acompanhe esse progresso. Somente através de uma legislação adaptada e inclusiva será possível garantir que todas as formas de família sejam respeitadas e protegidas de maneira justa e equitativa.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Planalto, 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20/10/2024.

BARBOSA, V. F. O problema sobre a legitimidade jurídica das uniões poliamoristas (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito). Brasília: CEUB, 2018.

BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Planalto, 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20/10/2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4.277/DF. Relator: Ministro Ayres Britto. Data: 05/05/2011. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 20/06/2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 132/RJ. Relator: Ministro Ayres Britto. Data: 05/05/2011. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 20/06/2023.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Rondônia. 4a Vara de Família e Sucessões. Autos n. 001.2008.005553-1. Juiz: Adolfo Theodoro Naujorks Neto. Data: 13/11/2008. Porto Velho: TJRO, 2008. Disponível em: <www.tjro.jus.br>. Acesso em: 20/10/2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação n. 00082087420108190209. Rio de Janeiro: TJRJ, 2013. Disponível em:<www.tjrj.jus.br>. Acesso em: 20/06/2024.

DIAS, Maria Berenice. (2019). Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

DIAS, Maria Berenice. (2021). União homoafetiva: a construção da igualdade na jurisprudência brasileira. Editora Revista dos Tribunais.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª. ed. [S. l.]: Juspodivm, 2021.

GOLDENBERG,   Mirian;   PILÃO,   Antonio   Cerdeira.   Poliamor   e                            monogamia: construindo diferenças e hierarquias. Revista Ártemis, Edição V. 13, jan-jul, 2012.

GROENINGA, Giselle. (2022). Família e mudança: Perspectivas jurídicas sobre relações poliafetivas. Editora Saraiva.

GROENINGA, Giselle. (2022). Família e Direito Contemporâneos: Estudos de Caso. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

HARMATIUK MATOS, A. C. (2020). Relações familiares não convencionais e o direito. Editora Juruá.

KIGNEL, Luiz. (2022). Judiciário e Relações Poliafetivas: Desafios e Perspectivas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Renovar.

OLIVEIRA, Adriana Vidal de. (2021). Direito de Família e Configurações Não Tradicionais: Uma Perspectiva Brasileira. São Paulo: Editora Forense.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (2019). Direito de família contemporâneo. Editora Del Rey.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (2021). Direito de família e o novo Código Civil. São Paulo: Editora Atlas.

PIOVESAN, Flávia. (2020). Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva.

SANTIAGO, Rafael da Silva. O Mito da monogamia à luz do Direito Civil constitucional: a necessidade de uma proteção normativa às relações de poliamor. 2014. 114 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília. Orientador: Professor Doutor Frederico Henrique Viegas de Lima, Brasília, 2014.

SANTIAGO, Rafael da Silva. Poliamor e direito das famílias: reconhecimento e consequências jurídicas. Curitiba: Juruá, 2015.

SHEFF, Elizabeth. (2018). The Polyamorists Next Door: Inside Multiple-Partner Relationships and Families. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers.

SOUZA, Regina da Silva; FARIA, Heraldo Felipe de. (2016). Admissibilidade E Tutela Jurídica Da União Poliafetiva. Judicare, [S.l.], v. 9, n. 1, p. 103-147. Acesso em: 28 de ago. de 2022.

SOUZA, Regina da Silva; FARIA, Heraldo Felipe de. (2016). Admissibilidade E Tutela Jurídica Da União Poliafetiva. Judicare, [S.l.], v. 9, n. 1, p. 103-147. Acesso em: 21 de out. de 2022.

STACEY, Judith. (2019). Unhitched: Love, Marriage, and Family Values from West Hollywood to Western China. New York: NYU Press.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 14ª. ed. Editora Forense, 2019.

TEPEDINO, Gustavo. (2020). Temas de Direito Civil: Atualidades. Rio de Janeiro: Editora Forense.

CACHAPUZ, R. da R. .; SILVA, M. A. da; ROSA, M. A. . ESTUDO JURÍDICO DOTRISAL COMO UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 15, n. 43, p. 86–103, 2023. DOI: 10.5281/zenodo.8111879.Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/1603. Acesso em: 28 out. 2024.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS. Apelação Cível 70033154303. Relator: Desembargador Rui Portanova. Julgamento em: 03.12.2009.                   Disponível                                                             em: https://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_co marca=Tribunal%20de%20Justi%C3%A7a%20do%20RS&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=&num_processo=70033154303 &codEmenta=77 06337&temIntTeor=true. Acesso em: 18 nov. 2024

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS. Apelação Cível 70024804015. Relator: Desembargador Rui Portanova. Julgamento em: 13.08.2009.                   Disponível                                                             em:https://www.jusbrasil.com.br/diarios/218903071/djpa-26-11-2018-pg-512?ref=next_bu tton. Acesso em: 18 nov. 2024.

FELL; SANCHES. Possibilidade de Reconhecimento da União Poliafetiva como Entidade Familiar e suas Respectivas Implicações Perante o Ordenamento Jurídico Pátrio, autora Elizângela Tremela Fell e Jeniffer Balen Sanches, 2016. Disponível em: Acesso em: 28 out. 2024.

DIAS, Maria Berenice. Pacto antenupcial e contrato de convivência: Semelhanças e diferenças.         2023.       Disponível     em: https://berenicedias.com.br/pacto-antenupcial-e-contrato-de-convivencia-semelhancas-e-dife rencas/. Acesso em: 28 out. 2024.


1 Discente de Bacharelado em Direito, da Faculdade dos Carajás, joaolucas_soares003@hotmail.com

2 Discente de Bacharelado em Direito, da Faculdade dos Carajás, jbolsoni300@gmail.com