INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NA AUTOPERCEPÇÃO CORPORAL EM JOVENS UNIVERSITÁRIOS.

IMPACT OF SOCIAL MEDIA ON THE BODY IMAGE OF YOUNG UNIVERSITY STUDENTS

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411301127


Vitor Montanha da Silva
.Matheus Santana Almeida Prado de Oliveira
.Ana Julia Kendrick
Lucas Henrique Mascarenhas Santos
Orientador: Cleyton Eduardo Mendes de Toledo


RESUMO:

A dismorfia corporal é um transtorno caracterizado pela preocupação excessiva com a aparência, impactando negativamente a saúde mental e emocional. Indivíduos afetados experimentam ansiedade intensa e obsessiva em relação à sua autoimagem, mesmo diante de mínimas imperfeições percebidas. Podendo levar ao isolamento social, dificuldades nas relações interpessoais e queda na autoestima. Os portadores muitas vezes recorrem a procedimentos estéticos considerados desnecessários, resultando em riscos à saúde física. A busca incessante por perfeição estética pode consumir tempo e recursos, prejudicando a qualidade de vida. OBJETIVOS: Conhecer os dados acerca da prevalência de sintomas da dismorfia corporal em jovens universitários, além de identificar possíveis associações com variáveis de interesse como contexto sociodemográfico em que o participante está inserido, e impacto do uso das redes sociais. JUSTIFICATIVA: Diante da escassez de dados sobre dismorfia corporal no Brasil, este estudo visa investigar a prevalência desse transtorno em universitários, buscando construir um panorama mais preciso da realidade nacional.METODOLOGIA: Estudo de campo quantitativo, obtenção de dados dos estudantes universitários voluntários através de um formulário online, via Google Forms. CONCLUSÃO: Tendo em vista os dados coletados é possível inferir que as redes sociais têm influência na autopercepção corporal de estudantes universitários, em destaque para mulheres e indivíduos mais jovens (entre 18 a 25 anos). Além disso, notou-se que a população mais preocupada com auto imagem é composta por mulheres, homossexuais e bissexuais, indivíduos que autodeclaram diagnóstico prévio de transtorno depressivo ou ansiedade.

PALAVRAS-CHAVE:Dismorfiacorporal;SaúdeMental;Redessociais.

INTRODUÇÃO

É um fato indiscutível que nas últimas décadas ferramentas como a mídia e principalmente a internet vem moldando a sociedade. Por consequência disso, torna-se cada vez mais difícil a compreensão dos fenômenos sociais bem como a percepção dos indivíduos em relação à autoimagem corporal. Dentro desse contexto, Rice et al (2020), estabelece o termo “Pandemic of Dismorphia” (Pandemia da Dismorfia), relatando como os filtros e lentes presentes em aplicativos de fotografias acabam distorcendo a imagem, originando fotos modificadas artificialmente, com o objetivo de mascarar, tanto para si quanto para outros, características físicas vistas como indesejadas dentro da cultura local.

A autopercepção em relação à própria aparência não é um problema contemporâneo. O famoso mito de Narciso presente na obra do poeta romano Ovídio intitulada Metamorfose, escrita a mais de 2000 anos, já refletia a preocupação e os estigmas referente a autopercepção da aparência. Uma vez que a vaidade é um comportamento muito presente na espécie humana o indivíduo que enxerga-se fora dos padrões estéticos tende a conviver com sintomas como: ansiedade; ansiedade social; esquiva social; baixa autoestima. (Rice et al., 2020)

O transtorno dismórfico corporal (TDC) é um transtorno psiquiátrico relacionado ao TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Por definição, é o transtorno psiquiátrico em que o paciente apresenta sofrimento emocional significativo, que o atrapalha socialmente e/ou profissionalmente, por conta de uma percepção errônea (exagerada ou imaginativa) sobre sua própria aparência (American Psychiatric Association, 2013). Essa percepção alterada da aparência pode ou não ter algum ponto de referência do ideal de aparência “correto”, sendo influenciado pelos meios de comunicação, que por vezes visam apresentar um modelo de beleza padronizada principalmente para o público feminino, por exemplo, a fim de venderem seus produtos (Mônica Cristine Fort; Sura; Brahm, 2017).

Apesar de muitos indivíduos, sejam homens ou mulheres, se preocuparem com sua aparência em certo nível de preocupação em diferentes circunstâncias, o TDC se apresenta pelo nível de insight do paciente sobre pensamentos depreciativos relacionados à aparência, sendo esses “defeitos” pouco perceptíveis ou imperceptíveis aos outros. Quanto menor for o insight do paciente sobre os pensamentos depreciativos, maiores e mais intensos serão os sinais e sintomas, visto que o nível do insight reflete o quanto o indivíduo crê no conteúdo desses pensamentos ou é capaz de confrontá-los, sabendo que seus pensamentos nem sempre remontam a realidade (American Psychiatric Association, 2013). O TDC se diferencia de preocupações normais porque acarreta prejuízo funcional importante ao indivíduo, diminuindo sua qualidade de vida, distanciando‐o de suas atividades cotidianas e ocupando muito de seu tempo (perdem horas se olhando no espelho e se arrumando a fim de esconder seus “defeitos”) (Morita et al., 2021).

Na atualidade, com o uso abundante de redes sociais, filtros em fotografias e selfies, nota-se um aumento na busca por procedimentos estéticos que visam proporcionar auto aceitação e bem estar emocional ao tirar uma fotografia ou se olhar no espelho (Calderón-Mazzotti; Mendoza, 2022; Ward et al., 2018). No entanto, evidências científicas afirmam que na maioria das vezes esses procedimentos são ineficazes na intenção de diminuir ou extinguir o sofrimento basal do paciente com TDC. Essa insatisfação pode prejudicar os profissionais que fazem tais procedimentos, como os cirurgiões plásticos, criando desafios na relação médico-paciente. Esses cirurgiões, por vezes, podem não se atentar ao diagnóstico prévio de TDC, ou até não ter o interesse em saber, podendo resultar na insatisfação do paciente em relação ao procedimento efetuado e até processos jurídicos contra o especialista pelo paciente em questão (Sarwer, 2002; Dey et al., 2015).

Segundo a sociedade brasileira dermatologia (SBD), há, em pacientes atendidos por queixas dermatológicas, uma alta prevalência de agravos psicológicos e mais de um terço (38%) com elevado grau de insatisfação com a imagem. A prevalência de transtorno dismórfico foi de 48% entre as mulheres com queixas cosmiátricas (como poros abertos, assimetria facial, rugas e manchas discretas) e 30% entre as demais (anorexia, preocupação com definição muscular, por exemplo). Menor renda familiar, histórico de violência doméstica, procura por queixa cosmiátrica e ideação suicida foram fatores associados, independentemente, à ocorrência do transtorno dismórfico corporal. Ainda segundo a SBD, o TDC é bastante prevalente entre pacientes da cirurgia plástica e da dermatologia, estimando‐se afetar entre

4,5% a 35,2% dos pacientes dermatológicos, em comparação a 0,7% a 2,3% dos controles populacionais. Há maior prevalência entre mulheres (76% dos casos) adultas (25−40 anos) e que referem queixas cosmiátricas. Estima‐se que até 80% dos indivíduos com TDC apresentem ideação suicida durante a vida, e 24%−28% já tentaram o suicídio (Morita et al., 2021).

Devido ao contexto global do uso de aparelhos eletrônicos, como o celular, que possui acesso a diversas redes sociais que estimulam a publicação de fotos e proporcionam experiências com seus filtros objetivando uma maior aceitação da própria imagem e visando a manutenção permanente do uso das mesmas, questiona-se o efeito da comparação do real e virtual na saúde da população referente ao contexto de imagem corporal (Diefenbach; Christoforakos, 2017; Calderón-Mazzotti; Mendoza, 2022).

Existe na literatura poucos dados em relação aos sintomas de dismorfia corporal numa população não clínica, principalmente na conjuntura brasileira. Portanto a importância deste estudo tem por fundamento a coleta de dados para compreender adequadamente a autopercepção corporal dos brasileiros, mais especificamente em universitários, analisando também a influência das redes sociais no problema.

  1. METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa de campo quantitativa e transversal acerca da preocupação dismórfica corporal em uma amostra de estudantes universitários matriculados na UniCesumar na cidade de Maringá- PR. Os voluntários responderam um questionário online por meio de um convite com acesso ao Google Forms com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e 3 seções com diferentes questionamentos. Em relação ao TCLE foi disponibilizado para os participantes interessados um documento para cópia, assinado pelo pesquisador responsável, com todos os direitos do participante, respeitando o regulamento do CONEP. Na primeira seção estará presente questões acerca da característica sociodemográfica do participante (Tabela 1)

Tabela1. Questionário Sociodemográfico.

Questões fechadas:Respostas objetivas:
É estudante da Unicesumar na modalidade presencial?Sim. Não.
Qual é a sua faixa de idade?18-21 anos. 22-25 anos. 26-29 anos. 30 anos ou mais.
Qual é o seu sexo?Masculino. Feminino.
Qual é a sua orientação sexual?Heterossexual. Homossexual. Bissexual. Outro.
Qual é o seu status familiar?Solteiro (a). Casado (a). Divorciado (a). Viúvo (a).
Possui diagnóstico prévio de ansiedade ou depressão?Sim, depressão. Sim, ansiedade. Sim, ambos. Não.
Possui algum transtorno diagnosticado que não seja ansiedade ou depressão?Sim. Não.

Fonte: Elaborado pelos autores

Na segunda sessão os participantes responderam o Questionário de Preocupação Dismórficas (DCQ), Tabela 2, proposto por Oosthuizen; Lambert; Castle (1998). É um questionário com sete questões, servindo para rastrear os sintomas de dismorfia corporal, sendo sua utilidade comprovada em populações psiquiátricas como mostrado por Jorgensen et al. (2001) e Mancuso; Knoesen; Castle (2010). Ademais, o questionário também obteve uma boa validação quando aplicado sob a população geral, como foi demonstrado por Schieber et al. (2018), e em indivíduos representados por minorias sexuais e populações não brancas, como demonstrado por Rozzell et al. (2020).

Tabela 2. Questionário de Preocupações Dismórficas (DCQ).
Questões0pontos1ponto2pontos3pontos
Estámuitopreocupadocomalgumaspectoda sua aparência física?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Considera-sedeformadomalestruturadode alguma maneira?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Consideraseucorpocomalgumdefeito(odor corporal excessivo, muita transpiração, etc)?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Consultouousentiunecessidadedeconsultar um cirurgião plástico, dermatologista, ou outrotipodemédicoemrelaçãoàsperguntas anteriores?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Já foi informado por outras pessoas ou médico que você é normal, apesar de acreditarfortementequealgoerradocom sua aparência ou funcionamento corporal?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Passamuitotempopreocupadoemrelaçãoà sua aparência ou funcionamento corporal?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas
Passa muito tempo tentando cobrir ou esconderdefeitospercebidosnasuaaparência ou funcionamento corporal ?
NÃO

Igual a maioria das pessoas

Mais que a maioria das pessoas

Muitos mais que a maioria das pessoas

Fonte: Adaptado de Oosthuizen, Lambert e Castle (1998)

O questionário é formado por 7 itens, recebe-se uma pontuação entre 0 a 3 em cada um destes. Pontuação 0 é referente a não apresentar a condição. Pontuação 1 refere-se a percepção da condição como igual a maioria das pessoas. Pontuação 2 refere-se a percepção da condição como maior do que a maioria das pessoas. Pontuação 3 refere-se a percepção da condição como muito maior que a apresentada pela maioria das pessoas.

Há certa divergência na literatura sobre notas de corte para classificação dos indivíduos quanto a pontuação no questionário. Neste estudo foi escolhido a nota de corte proposta por Monzani et al. (2011), como apresenta a tabela 3, sendo dividido os paciente em 4 grupos: Sem sintomas (DCQ escore = 0); Preocupações mínimas (DCQ escore = 1-5); Preocupações moderadas (DCQ escore 6-10); Preocupações clinicamente significativa (DCQ escore > 11), sendo esse último o grupo de maior interesse.

Tabela 3 – Nota de corte proposta por Monzani et al. (2011).
Sem sintomasDCQ escore = 0.
Preocupações mínimasDCQ escore = 1-5
Preocupações moderadasDCQ escore = 6-10
Preocupações clinicamente significativasDCQ escore = >10

Na terceira seção, subjetivamente classificou o quanto as redes sociais têm influência na presença das queixas relacionadas à autopercepção corporal, com base em uma Escala de Likert. A pergunta feita foi: “Em uma escala de 0 a 3, o quanto você considera que os

conteúdos das redes sociais têm influência nas condições respondidas na página anterior?” 0= nenhuma influência; 1= pouca influência; 2 = média influência; 3= alta influência.

Os critérios de inclusão estão relacionados a quaisquer indivíduos estudantes matriculados na modalidade presencial da Unicesumar no câmpus de Maringá, de qualquer curso superior, que aceitaram o TCLE. Foram excluídas respostas de indivíduos que não são estudantes, alunos de outras instituições e estudantes da modalidade EAD. Além disso, foram excluídos indivíduos que apresentam condições psiquiátricas diferentes de ansiedade e/ou depressão, de acordo com as respostas obtidas no formulário.

  1. ANÁLISE DE DADOS.

Os dados foram coletados após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, conforme as normas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e respeitando todos os preceitos éticos vigentes na Resolução n° 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os dados extraídos foram tabulados no programa Microsoft Excel, componente do pacote Office da Microsoft Corporation, disponibilizado gratuitamente pela instituição, de forma que os dados foram calculados utilizando as ferramentas da própria plataforma: ANOVA fator único para análise do DCQ médio entre as variáveis analisadas, com nível de significância (alfa) = 0,05.

RESULTADOS

Foram registradas 228 respostas, 189 válidas e 39 que enquadraram-se nos critérios de exclusão. Entre as 189 respostas válidas 117 (61,9%) correspondem ao sexo feminino e 72 (38,1%) do sexo masculino. Como era esperado, a grande maioria das respostas estão na faixa etária entre 18 à 21 anos, pois os participantes da pesquisa são formados por universitários, com uma queda significativa e progressiva de respostas nas faixas etárias mais velhas.

As mulheres obtiveram um DCQ médio maior que os homens, refletindo dessa maneira maiores preocupações quanto a própria imagem corporal que o sexo oposto ( DCQ médio 8,24 x 5,12). Além, o sexo feminino apresentou uma maior porcentagem de indivíduos na categoria Preocupações Clinicamente Significativas (32,48% x 8,33%) e obtiveram também maior influência das redes sociais na autopercepção corporal, com cerca de 53% das participantes relatando tal fato. Entre os homens, a influência das redes é alta em cerca de 41,67%) (Tabela 4).

Tabela 4. Preocupações Dismórficas de acordo com o Sexo

SexoTotal deSemPreocupaçõesPreocupaçõesPreocupaçõesDCQ-ScorePorcentagem de

RespostassintomasmínimasmoderadasclinicamentemédioParticipantes que


(%)(%)(%)significativas(p-valor<0,01)percebem a alta





(%)
influência das redes







influência na auto







percepção corporal (%)
Masculino727 (9,72%)35 (48,61%)24 (33,33%)6 (8,33%)5,1241,67%
Feminino1172 (1,71%)42 (35,9%)35 (29,91%)38 (32,48%)8,2453%

Fonte: Elaborado pelos autores

Em relação à faixa etária, os indivíduos com DCQ score médio mais alto foi entre as idades de 26-29 anos (7,26) seguindo pela faixa etária de 18 à 21 anos (7,15), sendo indivíduos mais velhos (30 anos +) com a menor média entre as faixas etárias, com cerca de 5,2. A influência das redes sociais possuem maior impacto nas duas faixas etárias mais novas ( 18 – 25) quando comparado com as faixas mais velhas (Tabela 5).

Tabela 5.Preocupações Dismórficas de acordo com Faixa Etária

Faixa etária (Anos)Total de RespostasSem sintomas (%)Preocupações mínimas (%)Preocupações moderadas (%)Preocupações clinicamente significativas (%)DCQ-Score médio (p-valor: 0,65)Porcentagem de Participantes que percebem a alta influência das redes influência na auto percepção corporal (%)
18-211257 (5,6%)47 (37,6%)40 (32%)31 (24,8%)7,1552%
22-25392 (5,13%)16 (41,03%)12 (30,77%)9 (23,08%)6,8558,97%
26-291508 (53,33%)4 (26,67%)3 (20%)7,2633,33%
30+1006 (60%)3 (30%)1 (10%)5,220%

Fonte: Elaborado pelos autores

Indivíduos casados obtiveram uma menor pontuação no DCQ score, assim como uma menor porcentagem de participantes na categoria de Preocupações Clinicamente significativas, mas , surpreendentemente, relataram uma maior influência das redes sociais na autopercepção corporal quando comparado aos indivíduos solteiros (Tabela 6) . Quanto à orientação sexual, os indivíduos com a maior pontuação no questionário são configurados por indivíduos bissexuais ( DCQ médio: 10,77), seguido por homossexuais (média de 8,75) e heterossexuais (média de 6,8). Contudo, o grupo que mais sofre influência das redes sociais é o de heterossexuais, que apesar de uma menor média no questionário, possuem 50,9% dos participantes com a percepção que as redes sociais possuem alta influência na autopercepção corporal (Tabela 7 ).

Tabela 6. Preocupações Dismórficas de acordo com Estado Civil

Estado CivilTotal de RespostasSem sintomas (%)Preocupações mínimas (%)Preocupações moderadas (%)Preocupações clinicamente significativas (%)DCQ-Score médio (p-valor: 0,74)Porcentagem de Participantes que percebem a alta influência das redes influência na auto percepção corporal (%)
Solteiros (as)1758 (4,57%)69 (39,43%)56 (32%)42 (24%)7,0849,14%
Casados (as)1418 (57,14%)2 (14,29%)3 (21,43%)6,6457,14%

Fonte: Elaborado pelos autores

Tabela 7. Preocupação Dismórfica quanto à Orientação Sexual

Orientação SexualTotal de RespostasSem sintomas (%)Preocupaçõe s mínimas (%)Preocupações moderadas (%)Preocupações clinicamente significativas (%)DCQ-Score Médio (p-valor: 0,014)Porcentagem de Participantes que percebem a alta influência das redes influência na auto percepção corporal (%)
Heterossexuais1659 (5,45%)64 (38,79%)57 (34,56%)35 (21,21%)6,8050,9%
Homossexuais1107 (63,64%)1 (9,09%)3 (27,27%)8,7546,15%
Bissexuais1305 (38,46%)1 (7,69%)7 (53,85%)10,7727,27%

Fonte: Elaborado pelos autores

Em última análise, com relação à presença de transtornos psiquiátricos, foi encontrado o grupo que sofre com a maior influência das redes sociais dentre todas as outras variáveis analisadas, configurado por indivíduos depressivos, com cerca de 80% destes relataram uma alta influência das redes na autopercepção corporal. Além disso, participantes que apresentam transtorno depressivo, obtiveram uma maior porcentagem nas categorias de Preocupações Clinicamente Significativas, tanto em transtorno depressivo isolado (40%), como associado à ansiedade (33,33%) Indivíduos sem nenhum transtorno apresentaram a menor média do questionário quando comparado aos outros grupos (DCQ médio : 6,56) (Tabela 8).

Tabela 8. Preocupações Dismórficas de acordo com Transtornos psiquiátricos

Presença deTotal deSemPreocupaçõePreocupaçõePreocupaçõesDCQ-ScorePorcentagem de
transtornoRespostassintomass mínimass moderadasclinicamenteMédioParticipantes que
psiquiátricos
(%)(%)(%)significativas(p-valor: 0,21)percebem a alta





(%)
influência das redes







influência na auto







percepção corporal (%)
Sem transtornos1138 (7,1%)50 (44,25%)32 (28,32%)23 (20,35%)6,5644,25%
Ansiedade591 (1,7%)22 (37,29%)20 (33,9%)16 (27,12%)7,7562,71%
Depressão503 (60%)02 (40%)7,680%
Ambos (Ansiedade e Depressão)1203 (25%)5 (41,67%)4 (33,33%)9,1841,67%

Fonte: Elaborado pelos autores

  1. DISCUSSÃO

Primeiramente, é importante destacar que o Questionário de Preocupações Dismórficas foi aplicado no presente estudo como uma forma simples de avaliar a autopercepção corporal dos participantes. De forma alguma a pontuação no questionário reflete em um diagnóstico de Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), mesmo que os itens pontuados no questionário referem-se a situações ou sintomas que se enquadram em critérios diagnósticos de Dismorfia Corporal. A utilidade do questionário pode ser verificada nos estudos presentes na literatura como uma forma de rastreio da condição citada, variando sua sensibilidade de 72 a 91 % com base na nota de corte adotada, que no presente estudo foi estabelecida em 11 pontos, a mesma adotado por Monzani et al (2012).

É improvável que os indivíduos que no presente estudo pontuaram mais que 11 pontos no questionário possuam todos os critérios para TDC. Dentro desse grupo, podem enquadrar-se indivíduos que realmente possuem altas chances de possuir diagnóstico de Dismorfia Corporal, bem como indivíduos com outros transtornos que não foram levados em consideração no presente estudo, como hipocondria por exemplo, ou simplesmente indivíduos com maior vaidade em relação a aparência que simulam um quadro de TDC, mas não apresentam ou atendem os critérios diagnósticos para essa condição.

Ainda que não seja possível diagnosticar os participantes apenas com o Questionário de Preocupações Dismórficas, o alto número de indivíduos que se enquadram como preocupações clinicamente significativas não deixa de ser um resultado preocupante. Tal dado corrobora com Rice, Graber e Kourosh (2020), ao definirem o cenário atual como uma “Pandemia da Dismorfia”, termo esse que é uma hipérbole relacionada ao fato de um grande número de pessoas estarem descontentes com a própria aparência ou um funcionamento corporal.

O dado que mais chama a atenção dos resultados encontrados está relacionado à diferença na autopercepção corporal entre o sexo feminino e masculino. Mesmo que homens aparentam

ser influenciados pelas redes, as mulheres percebem tal situação de maneira mais intensa. Atualmente, os sinônimos de beleza feminina equivalem à mínima porcentagem corporal de gordura, glúteos e seios volumosos e evitar ao máximo características que demonstre o envelhecimento. Devido estereótipo na mídia social muitas mulheres acabam por se comparar e se diminuir frente a essas publicações (Santos, 2021). O presente estudo visualiza e corrobora com a percepção de Santos (2021), pois demonstrou-se que as redes sociais têm mais efeitos sobre as mulheres quando comparado aos homens (53% x 41,67%), além de obterem maiores resultados quanto à preocupação corporal.

As preocupações quanto ao próprio corpo entre os homens se mostra mais prevalente em contextos nos quais o culto ao corpo idealizado é massivo, como no ambiente de academias e nas redes sociais – onde a valorização de um físico supermusculoso ganha destaque. Essa preocupação pode se tornar tão grande a ponto de ser considerada um transtorno psiquiátrico dentro da esfera do TDC, denominado Dismorfia Muscular. De acordo com Eufrásio, Nobrega (2016), o investimento da indústria da moda na divulgação de um modelo hegemônico de corpo, saúde e beleza, tomando como exemplo a revista Men’s Health, retratando padrões de corpos com baixa gordura corporal e musculatura hipertrofiada possibilitam a insatisfação corporal masculina. Ainda que menor que as mulheres, a população masculina relata uma importante influência das redes sociais, e mesmo com escores menores de preocupações corporais que as mulheres, 41,67% dos participantes referem grande influência das redes sociais na autopercepção corporal. Ainda, segundo o estudo de Krebs et al., (2024), sobre a prevalência, é relevante a diferença de sexo, no qual as meninas mostraram ser especialmente vulneráveis ao TDC com uma prevalência de 1,8% em comparação a 0,3% entre os meninos. Essa diferença corrobora os achados sobre ansiedade relacionada à aparência em amostras obtidas nas instituições de ensino (VEALE et al., 2016).

Além disso, o estudo de Eufrásio, Nóbrega (2016) mostrou que com o passar da idade possivelmente as redes sociais passam a ter menos efeitos sobre estes sintomas, visto que, apesar da menor quantidade de pessoas entrevistadas acima dos 30 anos, a porcentagem de indivíduos em categorias com alta preocupação em relação ao corpo foram menores que nas outras faixas etárias mais novas. Essa observação também é corroborada na literatura, como por Schieber et al. (2018), que comparando tanto o número de homens quanto de mulheres observou-se uma queda no DCQ médio ao passar da idade. Isto também é compatível com o estudo de Krebs et al., (2024), sobre a prevalência da dismorfia corporal, que destaca bem o panorama na população atual. Nos dados obtidos sobre a presença do TDC entre crianças, os dados referentes a crianças entre 5 a 11 anos foi estimada em apenas 0,1%, confirmando a extrema raridade dos casos na infância. Esse fator se deve, principalmente, porque a autopercepção ainda não é amplamente influenciada por pressões sociais e ideais de beleza nesta faixa etária. No entanto, o estudo revelou uma mudança drástica na adolescência, com a prevalência do TDC aumentando para 1,9% entre os adolescentes de 12 a 19 anos. Isso implica não somente na identificação de uma fase crítica para o desenvolvimento da doença, como também denota a influência das mudanças físicas significativas da puberdade. O estudo ainda sugere diferenças clínicas entre a pré-adolescência (12-14 anos) e a fase final da adolescência (15-19 anos). Nos estágios iniciais, o TDC pode começar a se manifestar de

forma sutil, com sintomas de preocupação excessiva e comportamentos de comparação, tendendo a se intensificar e se fixar nos últimos anos da adolescência. Estes resultados são compatíveis com os resultados do nosso estudo, visto que, assim como os sintomas de TDC tendem a aumentar na pré-adolescência e intensificar-se na adolescência, entre os 18-21 anos, este estudo demonstrou um pico de 24,08% (Tabela 3) com sintomas clinicamente significativos que decresceu conforme o avançar da idade dos participantes.

Quanto à orientação sexual, os heterossexuais, apesar de possuírem menor porcentagem quanto aos sintomas clinicamente significativos, relatam sobre o prejuízo das redes sociais com mais frequência que os homossexual e bissexuais (50,9%; 46,15%; 27,27%). Contudo, indivíduos bissexuais e homossexuais apresentaram maiores preocupações dismórficas que heterossexuais e um DCQ médio também superior. Este achado corrobora com a literatura, visto que Frederick; Essayli (2016), também encontraram maiores preocupações de homens gays em relação ao próprio corpo que homens heterossexuais, esses pontuaram como as principais hipóteses para tal fato maiores objetificações e pressões sociais quanto ao corpo de sua própria comunidade, maior tendência de esconderem partes do corpo durante relações sexuais além de maiores gastos quanto produtos e procedimentos cosméticos. Apesar do presente estudo verificar apenas quanto homo, hetero e bissexuais, Rozzel et al (2020) verificou que indivíduos de minorias sexuais e indivíduos de etnia não branca também possuem maiores preocupações corporais que indivíduos heterossexuais de etnia branca/europeia, muitas vezes por esse último ser retratado nas mídias como o padrão estético a ser alcançado pela sociedade.

Ainda relacionado ao uso das mídias digitais de comunicação, os entrevistados que alegaram-se portadores de algum transtornos psiquiátricos demonstraram resultados diferentes quanto à autopercepção corporal e influência das redes. A depressão mostrou-se um fator importante, tanto em portadores autodeclarados de depressão isolada como associado a ansiedade, refletindo em maiores preocupações clinicamente significativas e maior influência das redes sociais do que aqueles sem transtornos. Já em relação aos indivíduos apenas com ansiedade, refletiu-se proporcionalmente em maiores números de preocupações moderadas (33,9%) e clinicamente significativas (27,12%), além de maior influência das redes sociais (62,71%), que participantes sem diagnóstico de transtornos psiquiátricos.

Em relação aos processos biológicos e mecanismos que levam ao desenvolvimento da TDC, alguns artigos relacionam possíveis alterações funcionais e estruturais. Entre essas alterações, se tornam evidentes quando compreendemos a conectividade funcional dinâmica do cérebro. Essa conectividade refere-se às maneiras diferentes como regiões cerebrais se comunicam e sincronizam suas atividades para realizar funções específicas, sendo divididas em dois tipos: estática, que é a média das interações entre regiões cerebrais ao longo de uma tarefa ou repouso, e a dinâmica, que diz respeito a como essas interações mudam ao longo do tempo. Cada rede funcional do cérebro expressa ambas conectividades, o que nos permite

captar as áreas mais ativas nas mais variadas situações e comportamentos. No contexto do TDC, o estudo de Wong et al., 2021, observou que pessoas com esse transtorno apresentavam um padrão alterado de conectividade funcional no córtex orbitofrontal (OFC), área cerebral vastamente estudada em transtornos e associada à avaliação de estímulos emocionais e de recompensa. Durante uma tarefa de visualização controlada realizada pelos pesquisadores, os participantes foram orientados a visualizarem seus rostos em duas etapas. No primeiro momento foram direcionados a visualização naturalista irrestrita de si próprios – sem demais orientações. No segundo momento, foram orientados a focar sua atenção no centro da imagem de seu próprio rosto (sem explorar imperfeições). Utilizando a técnica de Análise de Dinâmicas do Autovetor Principal (Leading Eigenvector Dynamics Analysis – LEiDA) para mapear a conectividade funcional do cérebro em tempo real, foi possível inferir sobre a ativação das redes neurais (FIGUEROA et al., 2019). Comparando os portadores de TDC com indivíduos controles saudáveis, houve um aumento na ativação anormal do OFC bilateralmente, estímulos estes que persistiram mesmo após a sessão controlada. Esse estado é associado à intensificação de pensamentos obsessivos e compulsões relacionadas à autoimagem, indicando que essa conectividade funcional hiperativa pode contribuir para as percepções distorcidas e a fixação em “defeitos” faciais. Essa relação é fundamental para a compreensão das causas do TDC e o impacto clínico dos comportamentos, de modo a prejudicar os indivíduos holisticamente. Este comprometimento pode abranger AVD e AIVD, impactando de maneira significativa nos resultados acadêmicos, relações interpessoais e autoestima. Além disso, a condição está diretamente associada ao aumento do risco de desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e estresse, de tal forma que a qualidade de vida do indivíduo é reduzida substancialmente se não houver tratamento adequado.

Por fim, o tratamento do transtorno dismórfico corporal é baseado em medicamentos (ISRS – Inibidores seletivos da recaptação de serotonina) e psicológico (TCC – terapia cognitivo-comportamental). A escolha do tratamento medicamentoso é baseada na tolerância do paciente quanto aos efeitos colaterais fármacos, visto que, para o TDC, os ISRS possuem eficácia semelhante. Esta resposta do paciente deve ser avaliada entre 8 a 12 semanas. Se não houver melhora após o paciente estar em dose máxima, é sugerido: trocar o ISRS, trocar para Venlafaxina ou adicionar TCC. Portanto, quando houver intolerância medicamentosa, é necessário a diminuição da dose ou a troca do fármaco. Quando os ISRS não surtem o efeito esperado, utilizamos de estratégias de potencialização, que diz respeito a adicionar um anticonvulsivante ao tratamento, como: Risperidona, Haloperidol, Aripiprazol ou Clomipramina – no caso do último, sendo necessário avaliações eletrocardiográficas antes e depois do início do uso, pelo risco de arritmias e síndrome serotoninérgica. Isto é importante, pois 40-60% dos pacientes não têm resposta satisfatória sem a potencialização dos ISRS com os anticonvulsivantes (Stein et al., 2019). Além do uso de fármacos, a TCC também é considerada uma intervenção paralela de 1° linha, sendo uma abordagem cognitiva que visa identificar e flexibilizar pensamentos e crenças decorrentes do TDC. A EPR (exposição e prevenção de resposta) é uma das principais técnicas utilizadas concomitantemente a TCC e consiste em estimular o paciente a abster-se de realizar as compulsões (prevenção de resposta) diante da situação temida (exposição). (PAULO CLEMENTE SALLET et al., 2023). Por fim, a neuromodulação não invasiva demonstrou superioridade quanto ao placebo e a neuromodulação invasiva só deve ser realizada quando houver falta de resposta aos

fármacos e TCC segundo os critérios de inclusão para neurocirurgia, reservado para paciente refratários e graves (Miguel et al.).

  1. CONCLUSÃO

É possível inferir com base nos dados coletados que as redes sociais têm influência na auto percepção corporal de estudantes universitários, principalmente de mulheres e indivíduos mais jovens. Além disso, notou-se que as populações mais preocupadas com a autoimagem é dado por mulheres, homossexuais e bissexuais, e indivíduos que autodeclaram um diagnóstico prévio de depressão e ansiedade. Tratando-se de um estudo quantitativo, a análise apenas dos números traz certa desvantagem para a melhor compreensão desse fenômeno social tão complexo. Por serem aspectos muito subjetivos dos participantes, a generalização dos resultados deve ser feita de maneira cautelosa, pois não é possível a análise aprofundada de fatores sociais, culturais e históricos dos participantes.

O fato da baixa amostragem em certas populações do presente estudo torna necessário outras abordagens futuras relacionados ao tema. Os autores reforçam a necessidade de posteriores estudos, sejam eles quantitativos ou qualitativos, para um melhor entendimento da autopercepção corporal entre diferentes contextos sociodemográficos, bem como o quanto as redes sociais interferem nesse processo.

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