REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411252309
Gustavo Freitas Santos1
Leandro Ivo Dantas Alves Cardoso Pereira2
Prof. Orientador: Márcio Costa Brito Ribeiro3
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar a influência da mídia no sistema penal brasileiro, investigando como a mídia se estabeleceu e desenvolveu mecanismos que interferem no funcionamento regular do sistema penal e, consequentemente, representam um risco ao Estado democrático de direito brasileiro. Essa abordagem se baseia na função da mídia como principal veículo de transmissão de informações, cujo poder de disseminação dos conteúdos pode ser exercido de maneira arbitrária e sensacionalista, desconsiderando a importância do interesse público. Ao mesmo tempo, esse poder viabiliza a busca desmedida por lucro, utilizando notícias criminais como forma de garantir audiência. Essa questão impacta não apenas a imagem que a sociedade possui da eficácia do sistema judiciário, mas também influencia a percepção da realidade criminal pela população em geral e até mesmo pelos juízes enquanto servidores públicos. Isso acarreta consequências diretas na análise dos processos judiciais e nas decisões subsequentes. Portanto, com base em uma revisão sistemática do ordenamento jurídico, o estudo mostra a função e atuação do poder judiciário, especialmente no que diz respeito à dinâmica do sistema penal e sua seletividade punitiva. Destaca-se a relação e as contradições existentes entre o funcionamento e as garantias estabelecidas em relação à mídia e à justiça penal.
Palavras–chave: mídia; poder judiciário; influência.
ABSTRACT
The objective of this study is to analyze the influence of the media on the Brazilian penal system, investigating how the media is distributed and develops mechanisms that interfere with the regular functioning of the penal system and, consequently, represent a risk to the Brazilian democratic rule of law. This approach is based on the role of the media as the main vehicle for transmitting information, whose dissemination power can be exercised in an arbitrary and sensationalist manner, disregarding the importance of the public interest. At the same time, this power enables the excessive search for profit, using criminal news as a way to guarantee an audience. This issue impacts not only the image that society has of the effectiveness of the judicial system, but also influences the perception of criminal reality by the general population and even by judges as public servants. This has direct consequences for the analysis of legal proceedings and subsequent decisions. Therefore, based on a systematic review of the legal system, the study shows the function and performance of the judiciary, especially with regard to the dynamics of the criminal system and its punitive selectivity. The relationship and contradictions that exist between the functioning and conditional guarantees in relation to the media and criminal justice are highlighted.
Keywords: media; judicial power; influence.
INTRODUÇÃO
A forma como os casos criminais são apresentados pela mídia pode influenciar profundamente a percepção pública da justiça e do sistema penal.
É necessário analisar a influência da mídia no sistema penal brasileiro, investigando como a mídia se estabeleceu e desenvolveu mecanismos que interferem no funcionamento regular do sistema penal e, consequentemente, representam um risco ao Estado democrático de direito brasileiro.
Essa abordagem se baseia na função da mídia como principal veículo de transmissão de informações, cujo poder de disseminação pode ser exercido de maneira arbitrária e sensacionalista, desconsiderando a importância do interesse público.
Ao mesmo tempo, esse poder viabiliza a busca desmedida por lucro, utilizando notícias criminais como forma de garantir audiência.
Essa questão impacta não apenas a imagem que a sociedade possui da eficácia do sistema judiciário, mas também influencia a percepção da realidade criminal pela população em geral e até mesmo pelos juízes enquanto servidores públicos. Isso acarreta consequências diretas na análise dos processos judiciais e nas decisões subsequentes.
Portanto, com base em uma revisão sistemática do ordenamento jurídico, o estudo mostra a função e atuação do poder judiciário, especialmente no que diz respeito à dinâmica do sistema penal e sua seletividade punitiva.
Destaca-se a relação e as contradições existentes entre o funcionamento e as garantias estabelecidas em relação à mídia e à justiça penal.
No primeiro capítulo, a análise está centrada no contexto histórico e na evolução da mídia, bem como na apresentação da previsão constitucional dos princípios que garantem o exercício da comunicação.
Também serão abordados os limites desses princípios e o momento em que sua proteção entra em conflito com os interesses jurídico-penais de natureza pessoal.
Outro aspecto abordado neste capítulo refere-se à origem da indústria cultural, a qual se fundamenta na mercantilização da mídia, analisando inicialmente o interesse da mídia em notícias criminais.
O próximo capítulo aborda o papel da mídia no processo de construção da realidade. Neste ponto, são analisados os diversos componentes e metodologias utilizados pela mídia para garantir um público consumidor de seu conteúdo, com destaque para a priorização da divulgação de notícias criminais. Essas notícias são frequentemente cercadas pela proliferação do medo e pela intensificação da vitimização, que por si só, exercem grande influência na formação da opinião pública.
No mesmo capítulo, também se discute a pena em suas várias concepções e como a mídia passa a intensificar e considerar a punição como o principal meio da política penal.
O terceiro capítulo trata do sistema penal e suas ramificações, examinando em que medida a mídia pode influenciar a atuação e posterior julgamento dos magistrados em questões penais.
Outro tópico abordado consiste na seletividade do sistema penal, com o objetivo de identificar a prevalência de indivíduos economicamente e socialmente marginalizados como réus em processos criminais.
Ainda se analisa o princípio da dignidade da pessoa humana e os limites a serem estabelecidos em relação à exposição e publicidade dos atos penais.
Por último, constata-se a presença de um conflito funcional entre a mídia e o sistema de justiça penal, o que evidencia a ilegitimidade da criminalização midiática.
ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA IMPRENSA E SEU PAPEL ATUAL NA SOCIEDADE
Desde a antiguidade o homem viu a necessidade de trazer a comunicação para sua vivência, para que de uma forma pudesse concretizar e materializar os acontecimentos e experiências cotidianas. Foi através do seu próprio desenvolvimento e progresso intelectual que se achou formas diversas de assentar sua experiência vivida, para que dessa forma se tornasse possível se manter e poder transmitir certa herança cultural às gerações futuras. (Sodré, 1999)
O marco para o desenvolvimento da comunicação social ocorreu pela evolução da linguagem oral para escrita, tendo como uma revolução histórica da humanidade. (Sodré, 1999) Além dos outros fatos históricos, é possível conciliar outros atos históricos ao desenvolvimento da comunicação social moderna, utilizando como principal exemplo a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A Revolução Francesa é conhecida e considerada um divisor de águas entre a Idade Moderna e a Contemporânea. (Sodré, 1999)
O momento que se instaurou o princípio da Liberdade de Imprensa foi a proclamação dos princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité), houve uma marca contra a censura na Revolução Francesa, possibilitando a proclamação em assembleia constituinte da Declaração do Homem e do Cidadão. Nesse ponto crucial da história da imprensa que se instaura o princípio da liberdade, consolidando a viabilização da imprensa atual. (Sodré, 1999)
Diante desse cenário, a Revolução Industrial viabiliza o desenvolvimento da indústria comunicacional com o objetivo de disseminar a produção dos meios de comunicação, tendo como exemplos os livros e jornais. Entretanto, esse avanço também gerou problemas como o analfabetismo e pobreza, limitando o acesso a informação, gerando uma reflexão no sentido de que a classe social está inteiramente ligada ao uso da mídia. (Bell, 1973)
A partir desse momento e consequências que os líderes políticos da alta sociedade começaram a utilizar em massa a imprensa como meio de controle de classes que não obtinham integridade no acesso a informação, criando de forma negativa, um novo ideal político de opinião pública. (Bell, 1973)
O termo “sociedade da informação” é utilizado por Daniel Bell, sociólogo estadunidense, com foco em expor uma visão contemporânea da sociedade inserida no século XXI, trazendo diversas percepções de como a sociedade evolui, analisando passo a passo a transformação histórica durante anos. (Bell, 1973)
Bell tem um entendimento pacificado que a sociedade pode entrar numa dimensão de três segmentos, sendo estes: o segmento estrutural social, a política e a cultura. A estrutura social diz respeito a economia, tecnologia e o seu próprio sistema ocupacional. Trazendo em outra vertente, a política dirige sobre a própria distribuição do poder da sociedade. (Bell, 1973) Durante o período histórico da sociedade burguesa, tinha como crença que os três segmentos estariam entrelaçados por um único sistema comum de valores, mas, na sociedade atual é possível analisar um distanciamento entre tais aspectos. (Bell, 1973)
Ao final, compreende-se que a base que caracteriza a “sociedade da informação” está relacionada a mudança de caráter do conhecimento, que caracterizou de forma determinante para a organização das decisões, expondo assim condições novas para o desenvolvimento, provocando um questionamento de qual é a sua real e principal função diante uma sociedade como um todo. (Bell, 1973)
O papel da imprensa na sociedade contemporânea está diretamente relacionado à sua capacidade de acompanhar as mudanças tecnológicas e sociais, sem perder de vista sua função primordial: ser uma mediadora entre o público e os acontecimentos, oferecendo informação de qualidade, transparente e imparcial. Em uma era marcada pela polarização política e pelo excesso de informações, a imprensa tem a responsabilidade de atuar como um farol de clareza, ajudando a sociedade a interpretar os eventos de maneira crítica e consciente (Sodré, 1999).
Assim, o papel atual da imprensa é não apenas informar, mas também contribuir para a formação de cidadãos mais conscientes, preparados para participar ativamente dos processos democráticos e das transformações sociais (Sodré, 1999).
O NASCIMENTO DA MÍDIA NO BRASIL E SUAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
A forma como o jornalismo se instaurou no Brasil está diretamente relacionado ao modo como o capitalismo se desenvolveu e enraizou até os dias atuais. Essa relação pode ser analisada por Nelson Werneck Sodré, ao destacar e traçar o trajeto da imprensa no Brasil (Rizzoto, 2012).
Para Sodré, a conexão entre a imprensa e o sistema capitalista, está conecta pela influência exercida através da difusão midiática no que tange a população em massa , tendo os mecanismos de produção e circulação capitalista como motivador, acaba gerando uma consequência que é a uniformidade e padronização do comportamento (Rizzoto, 2012).
Para que tenha uma trajetória histórica da imprensa e da mídia no Brasil, é essencial voltar os entendimentos do período colonial, época que a imprensa tinha como maneira de agir o controle da colônia. (Bell, 1973).
Em junho de 1808, houve a instauração da censura pelos exames de papéis e livros que fossem publicados, isso aconteceu através da Impressão Régia no Brasil. A fiscalização tinha como base central tudo que seria impresso contra a religião, o governo da época e os bons costumes (Bell, 1973).
O primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro em 10 de setembro de 1808 foi o principal destaque inicial da imprensa no Brasil, os materiais publicados tinham como objetivo divulgar matérias europeias da época. Por mais que tinha havido o acontecimento da imprensa escrita no Brasil, não houve um exercício pleno, honesto e transparente, pois foi utilizado como forma de controle por parte externa (Sodré, 1999).
Após o período colonial, o Brasil enfrentou a turbulenta fase de independência e sua subsequente estabilização estrutural, econômica e política, sendo que apenas após o movimento de 1820 ocorreu o desenvolvimento da imprensa brasileira. Foi nesse momento que, em 1° de junho de 1821, surgia na corte o Diário do Rio de Janeiro, sendo efetivamente o primeiro jornal informativo a circular no Brasil (Rizzoto, 2012).
Verifica-se que a recentemente estabelecida liberdade de imprensa é comprometida pelas forças hegemônicas, uma vez que, desde a proclamação da independência em 1822, inicia- se a luta pelo poder entre os grupos com divergências políticas (Rizzoto, 2012).
É nesse contexto de predominância da censura que surge o denominado pasquim, uma imprensa panfletária fundamentada na violência da linguagem, onde se percebiam “vozes desconexas e desarmoniosas, clamando em altos termos e lutando desordenadamente pelo poder que lhes garantisse condições de existência compatíveis, seja com a tradição, seja com a necessidade. ” (Rizzoto, 2012).
Avançando para o período do império brasileiro, após a abdicação de d. Pedro I e o golpe da maioridade de Pedro II, que deu início ao Segundo Reinado, marcaram o início de uma nova fase na vivência política brasileira. Após o período da regência e a entrada na fase conhecida como “agitação”, a disputa política se intensificou, gerando inquietação no país e o consequente retorno da participação da imprensa (Sodré, 1999).
A transição do século XIX ao XX no Brasil é marcada pela grande transformação da pequena para a grande empresa, caracterizada pela ascensão da burguesia e pelo desenvolvimento do capitalismo. Foi nesse período que ocorreu a transformação dos pequenos jornais em empresas jornalísticas, compostas por equipamentos avançados, o que impacta e aprimora a produção e, consequentemente, a relação do jornal com anunciantes, leitores e a política (Sodré, 1999).
Com o início da Primeira Guerra Mundial, pode-se observar uma divisão significativa na imprensa, tanto no modo como se desenvolvia quanto em sua estrutura organizacional. No fim dos anos 1920, a imprensa brasileira desempenhou um papel importante ao acompanhar eventos históricos fundamentais para a construção do país, como o movimento constitucionalista de 1932 e a posterior eleição indireta de Getúlio Vargas. Esse governo impôs o estado de sítio após a chamada intentona comunista, instaurando a censura e implementando o Estado Novo, um regime considerado ditatorial, no qual a imprensa livre só operava na clandestinidade (Sodré, 1999).
Mais adiante, com o golpe militar de 1964, a mídia passou a influenciar de maneira decisiva o conhecimento transmitido e acessado pela população. Durante a década seguinte, a televisão se consolidou como o principal veículo de disseminação da ideologia do regime militar, marcada pela imposição da censura (Andrade, 2003).
Apesar do longo período em que a imprensa brasileira foi restringida pela censura da ditadura, a luta pela liberdade de expressão persistiu e permaneceu ativa, principalmente no que se refere ao pensamento político (Andrade, 2003).
Com o fim do regime militar, houve a redemocratização. Nesse contexto, surgiu em 1988 a nova Constituição Federal, pautada na ideia de que o poder emana do povo, estabelecendo o Estado Democrático de Direito. Entre as características centrais desse Estado estão a soberania popular e a democracia representativa e participativa, que se manifestam em um Estado Constitucional, fundado na vontade popular e na proteção aos direitos humanos. (Andrade, 2003)
A Constituição Federal de 1988 delineou princípios que equilibram a liberdade de informação e divulgação com a proteção dos direitos e garantias individuais, visando assegurar a aplicação efetiva de ambos e prevenir possíveis conflitos, promovendo, assim, a segurança na preservação dessas garantias. (Sodré, 1999)
Nesse contexto, é relevante ressaltar algumas garantias acolhidas pela Constituição Federal de 1988, que protegem e regulam o papel atual da mídia e dos meios de comunicação no Brasil, assegurando a difusão de informações a todos os segmentos da sociedade. (Sodré, 1999)
A primeira garantia constitucional que sustenta a estrutura comunicacional em um país democrático como o Brasil é o direito à informação. Esse direito é protegido pelo artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, que estabelece que “é garantido a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. (Sodré, 1999)
Ao interpretar esse dispositivo, percebe-se que ele assegura o direito à informação e, ao mesmo tempo, garante o sigilo das fontes quando relacionado ao trabalho jornalístico, com o objetivo de monitorar e controlar as informações divulgadas. Isso contribui para o controle da gestão pública, prevenindo possíveis abusos por parte do Estado, que poderiam ocorrer por meio de restrições ao acesso às informações. (Sodré, 1999)
A liberdade de informação e o direito à comunicação estão diretamente conectados com a liberdade de opinião, mencionada no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. (Rizzoto, 2012)
Essa liberdade está igualmente relacionada à liberdade de expressão, considerada um princípio abrangente, dado que é abordada em várias disposições constitucionais. Assim, a liberdade de expressão é fundamental em um regime democrático, pois inclui o direito de se informar, refletir e, posteriormente, opinar. Contudo, a proibição do anonimato, prevista no mesmo artigo, visa impedir o uso abusivo dessas liberdades, garantindo a transparência e a proteção da dignidade humana. (Sodré, 1999)
Além de incorporar essas garantias no capítulo sobre direitos fundamentais, a Constituição Federal criou um capítulo específico para regulamentar a comunicação social. Esse capítulo, especialmente em seu artigo 220, protege contra a censura e assegura a liberdade de pensamento, criação, expressão e informação, sem restrições. Esse dispositivo busca preservar o direito individual garantido constitucionalmente, que é difundido pelos meios de comunicação de massa, como afirma Alexandre de Moraes (Moraes, 2017).
O CONFLITO ENTRE A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS BENS JURÍDICOS – PENAIS DE NATUREZA PESSOAL
O conflito entre a liberdade de imprensa e a proteção aos bens jurídicos-penais de natureza pessoal se insere no debate sobre o alcance e os limites das garantias constitucionais. Em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, é essencial equilibrar o direito à informação com a proteção à dignidade, à honra e à privacidade dos cidadãos. O desafio reside em preservar a liberdade de imprensa sem que isso represente uma afronta aos direitos individuais que também possuem proteção constitucional. (Moraes, 2017)
A liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia, pois garante a transparência e a fiscalização do poder público e das instituições. No Brasil, esse direito é assegurado pela Constituição Federal de 1988, que protege a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sem censura prévia (art. 5º, IX e art. 220). Esse dispositivo reflete a importância da liberdade de imprensa para o funcionamento de uma sociedade aberta e democrática. (Moraes, 2017)
Bens jurídicos-penais de natureza pessoal referem-se a direitos fundamentais que visam proteger o indivíduo em sua esfera íntima e pessoal. Entre esses bens estão a honra, a dignidade, a privacidade e a imagem. Esses direitos encontram proteção legal no Código Penal brasileiro, que prevê crimes contra a honra, como a calúnia, a difamação e a injúria, e na própria Constituição, que garante o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X). (Moraes, 2017)
A liberdade de imprensa e os bens jurídicos pessoais representam direitos fundamentais que, em algumas situações, entram em conflito. O direito à informação pode, por exemplo, invadir a esfera privada de um indivíduo, violando seu direito à dignidade ou à honra. Esse embate exige que se estabeleçam critérios de ponderação para decidir qual dos direitos deve prevalecer em cada caso específico. (Moraes, 2017)
A jurisprudência brasileira adota o princípio da ponderação para resolver conflitos entre direitos fundamentais, como a liberdade de imprensa e os direitos de personalidade. Esse
princípio, oriundo do direito constitucional, busca um equilíbrio entre os direitos, de modo que nenhum se sobreponha de forma absoluta ao outro. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem utilizado a ponderação como método para solucionar casos que envolvem esses conflitos, considerando as particularidades de cada situação. (Andrade, 2003)
Os critérios de ponderação levam em conta aspectos como a relevância da informação para o interesse público, o grau de exposição do indivíduo e a veracidade das informações veiculadas. Em temas de interesse público, a liberdade de imprensa tende a prevalecer, mas deve ser exercida de forma responsável, sem abusos. Já em assuntos da vida privada, os bens jurídicos de natureza pessoal ganham mais proteção, especialmente quando envolvem pessoas que não ocupam cargos públicos ou de notoriedade. (Andrade, 2003)
O interesse público é um fator relevante na análise de conflitos entre a liberdade de imprensa e os direitos individuais. Quando uma notícia possui relevância social, como em casos de corrupção ou crimes que impactam a coletividade, a imprensa tem o direito de informar. No entanto, quando a informação se refere à vida privada de um indivíduo e não tem relevância pública, a proteção aos bens jurídicos pessoais deve prevalecer. (Andrade, 2003)
O Código Penal brasileiro tipifica crimes contra a honra, como a calúnia, a difamação e a injúria, que buscam proteger a dignidade das pessoas. A imprensa, ao divulgar uma informação, pode incorrer nesses crimes, caso a veiculação seja desproporcional ou sem base factual. Contudo, é reconhecido que o direito à crítica e à liberdade de imprensa oferece certa proteção aos jornalistas, desde que respeitados os limites legais. (Andrade, 2003)
Além da responsabilidade penal, a imprensa também pode responder civilmente pelos danos causados aos bens jurídicos de natureza pessoal. A Constituição Federal assegura o direito à indenização por danos morais ou materiais decorrentes da violação de direitos fundamentais. Assim, quando uma reportagem ofende a honra ou a privacidade de alguém, o veículo de comunicação pode ser obrigado a indenizar a vítima. (Moraes, 2017)
A liberdade de imprensa não é absoluta e deve respeitar os limites impostos pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais. A violação de direitos como a dignidade e a privacidade representa um abuso da liberdade de expressão, que pode gerar responsabilização penal e civil. A Constituição, ao proibir o anonimato e prever a responsabilização dos abusos, indica que a liberdade de imprensa deve ser exercida com responsabilidade. (Moraes, 2017)
A ética jornalística desempenha um papel fundamental na proteção dos bens jurídicos de natureza pessoal, pois orienta os profissionais da imprensa sobre os limites da liberdade de expressão. Princípios éticos como a veracidade, a imparcialidade e o respeito à dignidade humana ajudam a evitar excessos e abusos no exercício da atividade jornalística (Moraes, 2017).
O INTERESSE DA MÍDIA PELA NOTÍCIA E DIVULGAÇÃO CRIMINAL
A criminalidade e a violência, presentes nos tempos atuais, são fatores inegáveis enraizados em diversas sociedades e frequentemente tratados de forma distorcida e inadequada em relação à realidade vivenciada. (Gomes, 2015)
Nessa perspectiva, a imprensa, integrada à indústria cultural, possui mais um recurso poderoso para representar eventos reais vivenciados pela sociedade com o intuito de comercializar seu produto de forma manipulativa. O crime e toda a sua sequência de eventos resultam em uma mistura de comoção e desejo de buscar justiça. (Gomes, 2015)
A participação indireta e ativa da população, de certa forma concedida pela mídia, promove uma visão contrária à realidade, visto que a dramatização empregada desperta prazer no envolvimento, uma vez que as consequências não afetam aqueles que se consideram dignos de julgamento. (Gomes, 2015)
A maneira errônea, generalizada e imprecisa como tais temas são abordados pela população em geral resulta em diversas consequências para a implementação do direito penal, um problema que é agravado pela disseminação cada vez mais ampla com que essas questões são absorvidas e moldadas pela imprensa. (Gomes, 2015)
É importante notar que os meios de comunicação transmitem uma interpretação simplista do significado da violência, ao considerá-la sinônimo de criminalidade. Entretanto, é importante ressaltar que o crime se enquadra como apenas uma das manifestações da violência, que por sua vez se estabelece como uma categoria mais ampla. (Gomes, 2015)
Ao analisar a realidade brasileira, é possível identificar uma variedade de formas de violência, tais como a fome, o desemprego, os baixos salários, a corrupção, a prostituição infantil e outras abordagens lamentáveis que, infelizmente, acabam por moldar e caracterizar a sociedade do nosso país. (Gomes, 2015)
No que diz respeito à criminalidade, pode-se afirmar que esta representa a principal opção entre as modalidades de violência que a imprensa e a mídia, de maneira geral, adotam em seu tratamento rigorosamente criterioso das notícias a serem veiculadas. Ou seja, como o crime de massa é considerado relevante para o cidadão comum, será ele que se tornará o foco principal de difusão. (Gomes, 2015)
Dessa forma, os demais problemas sociais, igualmente considerados como violência contra a sociedade, acabam por assumir um papel secundário nas pautas de divulgação e nas discussões subsequentes. (Gomes, 2015)
É a partir disso que, ao se omitir temas tão fundamentais, ocorre a proliferação de um estado de pânico na população, gerando a necessidade de garantir a autodefesa e a consequente repressão. (Lira, 2014)
A primeira medida adotada é o acionamento do sistema penal, visando a aplicação de penas mais severas, como forma de transmitir a impressão de que o problema global já está sendo solucionado. (Lira, 2014)
O resultado disso é o incessante clamor por um estado rigoroso, apto a punir, “o qual é chamado e legitimado a proteger o ‘cidadão de bem’, isolado e profundamente amedrontado, custe o que custar e contra quem for, desde que seja em detrimento do outro”. (Lira, 2014)
Assim, ao se estabelecer um sentimento completamente egoísta e desprovido de empatia, acaba-se por legitimar a relativização de direitos fundamentais, como a presunção de inocência e o devido processo legal do indivíduo acusado ou suspeito de haver cometido algum crime. (Lira, 2014)
Sendo assim, compreende-se que essa mentalidade punitivista gera reflexos extremos no direito penal, visto que se verifica um confronto com diversos princípios constitucionais, como o da fragmentariedade, da subsidiariedade e da intervenção mínima. (Lira, 2014)
A MÍDIA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REALIDADE
A mídia, como uma forma de comunicação de massa, é definitivamente um dos alvos- chave do processo de construção da realidade social, desempenhando um papel significativo na formação da consciência social da população. Desde a sua invenção, a mídia transformou-se em todas as dimensões, o que a fez mais aberta à sociedade. No entanto, no domínio criminal os discursos e a possibilidade de criar narrativas aberto para a mídia adquiriu uma nova dimensão, o que muitas vezes influencia contornos que são difíceis de controlar.
O ENFOQUE COMUNICACIONAL E SEUS COMPONENTES MANIPULÁVEIS
A mídia usa técnicas especializadas para capturar a atenção do público, moldando a comunicação de acordo com interesses econômicos e políticos, o que influencia a opinião pública. A seleção de notícias, a narrativa e os valores implícitos moldam a visão da realidade (Bitencourt, 2023).
Notícias sobre crimes, por exemplo, enfatizam detalhes que aumentam o sentimento de insegurança, sugerindo penas mais duras como solução. Isso cria uma percepção de que o crime está fora de controle, embora dados mostrem o oposto, impactando o sistema de justiça e a opinião pública. Bitencourt destaca que o Direito Penal deveria ser a “ultima ratio”, mas a pressão midiática leva a sentenças desproporcionais e foca em crimes violentos, minando os princípios jurídicos (Bitencourt, 2023).
O retrato do crime pela mídia afeta profissionais jurídicos, que, pressionados, podem tomar decisões sem considerar todo o contexto social. Esse ciclo de pressão resulta em uma resposta punitiva excessiva, ignorando o princípio do intervencionismo mínimo e contribuindo para a superlotação prisional (Bitencourt, 2023).
Nesse cenário, precisamos pensar sobre como a mídia molda a opinião pública e o que isso significa para o sistema de justiça criminal. A maneira como os crimes são mostrados e a pressão por punições rápidas podem distorcer a realidade. Isso pode criar uma situação em que a justiça fica em segundo plano em relação ao que o público quer. Bitencourt enfatiza que o direito penal deve servir à justiça e proteger os direitos legais básicos. Ele não deve ser influenciado por pressões externas (Bitencourt, 2023).
O POPULISMO PENAL E A MÍDIA: INFLUÊNCIAS NO PROCESSO PENAL
O populismo penal ganhou força com o foco da mídia em punições rápidas e severas, atendendo ao clamor público por justiça. A ênfase em crimes chocantes leva a uma demanda de ação imediata do sistema judicial, ignorando a complexidade dos casos e as proteções legais. (Lopes Jr, 2023).
Esse fenômeno transforma o processo penal em uma resposta para satisfazer demandas públicas, priorizando penas duras e medidas repressivas. Isso desvia o foco de questões importantes, como a ressocialização e a prevenção do crime, levando à repressão como única solução viável (Lopes Jr, 2023).
A mídia, ao destacar crimes de grande notoriedade, reforça a percepção de que segurança depende de penas longas e maior poder punitivo para o Estado (Lopes Jr, 2023).
A saturação dos crimes violentos em termos de meios de comunicação social cria essa imagem de insegurança e medo, que é usada por políticos como desculpa para aprovar leis mais duras. Isso cria um ambiente em que os processos legais não têm a finalidade de revelar a verdade e garantir a justiça, mas sim responder às pressões externas (Lopes Jr, 2023).
Aury Lopes Jr. destaca o fator de influência desse populismo punitivo promovido pelos meios de comunicação no comportamento dos profissionais da área de direito. Juízes e promotores que muitas vezes são obrigados a se esforçar para não parecerem indulgentes ou ineficazes para serem julgados à luz da pressão dos protestos (Lopes Jr, 2023).
Essa atitude desempenha um papel negativo na independência do poder judicial e na imparcialidade dos processos penais, o que é intolerável em um Estado democrático baseado no Estado de direito. O autor argumenta que, ao ceder às demandas punitivas da sociedade, o sistema penal frequentemente falha na proteção dos direitos das pessoas, sendo mais eficiente em violar o direito à presunção de inocência e o direito à total defesa (Lopes Jr, 2023).
Como se pode observar, há uma distorção do próprio conceito de justiça, forçado pelas pressões sociomidiáticas combinadas com o populismo punitivo. A absolvição ou a não condenação deveriam ser vistos como uma hipótese possível em um processo justo. No entanto, o processo é considerado falho. Com isso, põe-se em xeque a noção de legitimidade do processo penal e promove-se a ideia falaciosa de que “todo processo penal deveria terminar com uma condenação” (Lopes Jr, 2023).
Isso é o que reforça uma cultura da condenação, em que, independentemente das provas reveladas durante o processo e das circunstâncias que permeiam o crime em questão, o foco está em punir. Outro aspecto importante é a transformação do processo penal em um mero espetáculo. A exposição exacerbada de casos criminais leva a opinião pública, muitas vezes, a julgar antes mesmo do tribunal. Dessa forma, o processo acontece na praça pública e o julgamento é forçado e prematuro (Lopes Jr, 2023).
O poder do juiz é comprometido e a decisão que deveria ser autônoma será influenciada por um clamor social gerado por terceiros. Como Aury Lopes Jr. destaca, a resistência a esta tendência se encontra na reafirmação das garantias processuais e na importância do devido processo, ou seja, ele deve ser exercido independentemente do apelo de popularidade (Lopes Jr, 2023).
Em suma, o populismo penal midiático perverte a função do processo penal, transformando-o em um veículo de repressão, ao invés de ser um meio de justiça em si. O tratamento sensacionalista e superficial da mídia a respeito dos crimes acaba por criar uma narrativa que favorece a punição em franca oposição às garantias constitucionais e à própria busca pela verdade (Lopes Jr, 2023).
O resultado é um sistema penal servil ao desejo de vingança de uma sociedade aterrorizada, mas inservível para a garantia dos direitos fundamentais dos acusados e para a formulação de soluções melhores para os problemas da criminalidade (Lopes Jr, 2023).
O PAPEL DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DA CULTURA PUNITIVA
A influência da mídia no processo penal não se limita a tal; por outro lado, pode-se até afirmar que é um dos fatores mais influentes na formação de uma cultura punitiva exagerada. A cobertura de tais crimes pela mídia de massa implica evidente e sensacionalismo, pois o único objetivo é chamar o público para aumentar a audiência (Nucci, 2023).
Entretanto, ao fazê-lo, a mídia de distorção de massa tais noções inexistentes na mentalidade do público, como a presença de erros flagrantes no sistema de justiça, a conclusão de que o sistema punitivo é muito brando, entre outros (Nucci, 2023).
Dessa forma, a sociedade coloca pressão suficiente sobre as autoridades para tomar medidas punitivas muito mais severas do que as previamente condicionantes, fortalecendo o que é conhecido como Direito Penal Simbólico, em que leis penais mais rígidas são impostas como resposta imediata ao clamor social, embora sua eficácia real seja discutível (Nucci, 2023). Nucci vê nesse contexto como a mídia cria uma ilusão de que o acusado deve ser condenado não por evidências convincentes, mas porque ele deve ser culpado. Portanto, a publicidade que a mídia fez de um caso criminal com base no julgamento na esfera da opinião pública influencia não apenas a sociedade, mas também a própria estrutura da justiça penal deste ou daquele país (Nucci, 2023).
O processo penal, portanto, parece transformar-se: não é mais um meio de encontrar e provar o que realmente aconteceu, mas é um meio de remediação da pressão, baseado nas demandas punitivas da opinião pública e na lógica do Direito Penal Simbólico (Nucci, 2023).
Outra consequência negativa da espetacularização do processo penal é o enfraquecimento da presunção de inocência. Uma vez que a opinião pública considera costumeiramente o réu como criminoso antes mesmo de uma sentença judicial, a presença do réu como protagonista de um espetáculo midiático de julgamento extrapola o devido rito processual e subsequente transformação do réu em réu condenado (Nucci, 2023).
O julgamento feito pela mídia caracteriza-se por ser uma segunda instância, paralelamente ao processo judicial, que antecede à completa apreciação das provas e da sentença pelo juiz de direito, através da qual o acusado é inapelavelmente condenado à publicidade devido post factum. Para Nucci, isso significa que o dano é infligido à integridade do processo penal, tornando ridícula a santidade do rito de julgamento com o objetivo de “bloquear” o olhar do público da democracia (Nucci, 2023).
A transmissão midiática requer a capacidade do magistrado de estar acima das probabilidades e importar a justiça, porque a influência do lado de fora torna impossível fazer sentido e levar a decisões a favor das regras que deveriam ser orientadas, justas e imparciais (Nucci, 2023).
Além de tudo, o autor destaca que, ao disseminar a ideia falsa de leniência do sistema liberal, cria-se a ideia perversa de que somente a paciência para si é capaz de frutificar a justiça. A partir dessa falácia, não se mensura um sistema jurídico penal justo pela sóbria distribuição da proteção e garantia dos direitos, mas sim pela dureza e quantidade de penas impostas (Nucci, 2023).
Do ponto de vista argumentado, tal ideia equívoca de justiça pode levar à criação de leis mais duras e imprevidentes, criadas em face da insatisfação popular e sem análise de eficácia ou repercussão na sociedade. Para Nucci, a violência causada ao Direito pela mídia, nesse caso, acaba por desmantelar os fundamentos humanísticos do Direito Penal moderno, como a proporcionalidade entre crimes e penas e o princípio da intervenção mínima (Nucci, 2023).
Um segundo ponto abordado por Nucci é como a cobertura mediática afeta diretamente a independência judicial ao julgar um caso, especialmente aqueles com grande apelo público. O autor enfatiza que, ao haver uma grande cobertura mediática de um determinado caso, os juízes e promotores podem se sentir pressionados a assumir uma posição mais rígida para evitar críticas do público relacionadas à suposta indiferença com a justiça. Prejudica a independência judiciária, um dos pilares de qualquer Estado Democrático de Direito (Nucci, 2023).
Durante a fase anterior de julgamento pelo tribunal popular, o juiz independente, que deve se basear somente na lei e nas provas apresentadas em tribunal para alcançar sua decisão, é prejudicado devido à opinião pública, muitas vezes baseada em fatos incompletos ou falsos fornecidos pela mídia (Nucci, 2023).
Além de destruir a imparcialidade do sistema judicial, a mídia do espetáculo penal também destrói o sistema judicial enquanto legitimidade. Neste contexto, ao se referir a Nucci, um desmantelamento do Estado de Direito ocorre quando a aplicação da lei se dá com base na opinião pública em vez de um exame técnico e imparcial da situação (Nucci, 2023).
A solução aos problemas gerados pelo populismo penal midiático, segundo Nucci, se dará, em primeiro lugar, com a atuação dos operadores do Direito que passarão a se comportar de forma mais crítica, pontuando a importância dos princípios e garantias constitucionais que comandam o processo penal, que são, por exemplo, as garantias processuais e o princípio da legalidade (Nucci, 2023).
No mesmo sentido, a própria mídia, que possui a atribuição de aplicar comunicação, também não deveria praticar atos capazes de perturbar o processo penal, visto a ausência, em um estado de direito, de um tribunal da opinião pública, capaz de desvirtuar o Estado Inquisitório (Nucci, 2023).
Portanto, somente por meio das garantias fundamentais, como a presunção de inocência, ao direito de ampla defesa e devido ao processo legal, será seguro seguir o processo (Nucci, 2023).
A OPINIÃO PÚBLICA COMO CONSTRUTORA DA POLÍTICA CRIMINAL
O processo de criminalização, conforme mencionado anteriormente, é composto por duas fases distintas. (Zaffaroni, 2001)
A fase primária envolve a avaliação das opiniões e decisões do público, enquanto a fase secundária se baseia nos fatos em questão e na aplicação precisa da pena, a qual deve ser justificada por meio de um processo legal adequado. (Zaffaroni, 2001)
É notável que a opinião pública, em sua essência, está sendo cada vez mais influenciada pelo medo e pela insegurança, o que resulta na promoção da necessidade de proteção e busca por justiça. Este cenário acaba por gerar um sentimento generalizado de ódio e vingança. (Zaffaroni, 2001)
Outro ponto relevante diz respeito aos estereótipos criados pelo intelecto populista, seja através da classificação do indivíduo criminoso ou da seletividade na aplicação das punições, o que reflete “o espírito que permeia as mentalidades do nosso espaço e tempo. ” Vale ressaltar que tais ocorrências podem ser influenciadas pela atuação do magistrado, uma vez que a pressão social por penas severas em nome da segurança e justiça pode impactar a análise do caso e a prolação da sentença. (Zaffaroni, 2001)
No entanto, é possível observar em nosso sistema penal vigente, com seu caráter expressivo e retributivo, sua crescente ineficácia. (Zaffaroni, 2001)
A superlotação das prisões reduz sua capacidade de conter o medo e a insegurança, além de não diminuir os índices de criminalidade, resultando na completa supressão de seu ideal ressocializador. (Zaffaroni, 2001)
Finalmente, é possível afirmar que, embora a opinião pública não tenha poder absoluto para alterar sozinha o processo de criminalização, é compreendido que ela exerce grande
influência na formulação de políticas criminais, mesmo que de forma indireta, seja através da divulgação de notícias criminais e manifestação de opinião sobre a questão da punição, seja ao apoiar propostas legislativas que busquem mudanças na área da justiça criminal e segurança pública. (Zaffaroni, 2001)
O ENFOQUE COMUNICACIONAL E SEUS COMPONENTES MANIPULÁVEIS
O papel da mídia como influenciadora na formação da opinião pública é claramente perceptível no contexto da política criminal brasileira, tanto no julgamento primário quanto no secundário. Fato este que se aplica igualmente ao entendimento dos magistrados ao julgarem casos criminais, uma vez que também são pessoas comuns, embora desempenhem uma função jurisdicional. (Cintra, 2011)
Dentro desse contexto, o juiz exerce sua principal função no ordenamento jurídico, que consiste na aplicação da norma ao caso concreto, fundamentando-se nas garantias de imparcialidade e independência, com o objetivo de assegurar tanto os interesses individuais quanto o interesse público, além de consolidar as premissas do estado democrático de direito. (Cintra, 2011)
Em outras palavras, pode-se afirmar que não há violação da imparcialidade quando o juiz se empenha na resolução do litígio, conduzindo o processo de maneira instrumental e eficaz, com o objetivo de adotar as providências legais adequadas, assegurando assim que o direito material seja concedido àquele que realmente o possui. (Cintra, 2011)
Contudo, por mais que o juiz desempenhe um dos papéis mais relevantes em um processo judicial, ele é, igualmente, um indivíduo comum, inserido em um contexto social, e, portanto, suscetível a influências externas ao atuar em prol da jurisdição, como acontece com a indução promovida pela mídia. (Cintra, 2011)
A transmissão de informações por meio dos meios de comunicação, independentemente de seu conteúdo, é de extrema importância, uma vez que assegura a manutenção da democracia. (Cintra, 2011)
No entanto, o que não pode ocorrer é que, na maioria das vezes, a notícia criminal seja pautada por um juízo de valores, ou seja, por um julgamento prévio, o que pode persuadir a conclusão do juiz sobre o caso concreto, influenciando assim seu julgamento e, consequentemente, colocando em risco sua imparcialidade. (Sanguiné, 2001)
Não obstante, além da indução sobre a culpabilidade do indivíduo, a mídia também sugere as penalidades a serem aplicadas, além de criticar a ineficiência do sistema penal existente, o que tende a reforçar a necessidade de criação de leis mais severas. (Sanguiné, 2001) Além disso, a pressão resultante da opinião pública exerce significativa influência na formação do julgamento pelo magistrado, que se vê compelido a aplicar a legislação penal de acordo com os padrões previamente estabelecidos pela sociedade. (Sanguiné, 2001)
Dentro da perspectiva evidenciada pelo clamor público, constata-se que a medida mais adequada para mitigar, de forma imediata, a insegurança e o temor gerados pela criminalidade é a prisão, especialmente em caráter preventivo. (Sanguiné, 2001)
Nesse contexto, observa-se que o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 312, estabelece as hipóteses em que a prisão preventiva é cabível, quais sejam: a garantia da ordem pública e econômica, a conveniência da instrução criminal ou a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, quando houver evidência da ocorrência do crime e indícios suficientes de autoria, bem como do risco inerente à liberdade do imputado. (Sanguiné, 2001)
Outro ponto relevante é que a decretação da prisão preventiva deve ser interpretada de maneira excepcional, ou seja, deve ser utilizada como último recurso, sendo precedida por outras medidas que possam ser adequadas ao caso concreto. (Sanguiné, 2001)
Esse rol de hipóteses de cabimento é considerado taxativo, o que impede a aceitação de outras interpretações para sua aplicação, especialmente quando se refere a circunstâncias desfavoráveis ao acusado, sendo, portanto, contrárias ao princípio do in dubio pro réu. (Sanguiné, 2001)
Constata-se, portanto, que em nenhum momento o legislador inclui no referido rol o clamor público como uma das hipóteses para a decretação da prisão preventiva. Entretanto, embora não exista uma previsão legal específica, esse fator é extremamente relevante e pode influenciar a decisão final do juiz, que pode assim optar pela aplicação da medida. (Sanguiné, 2001)
Além disso, apesar da complexidade de contrariar a opinião predominante e formar sua própria convicção, o juiz deve agir com imparcialidade, seguindo os procedimentos adequados à prestação jurisdicional, uma vez que a declaração de culpa antecipada é considerada inconstitucional (Sanguiné, 2001).
A SELETIVIDADE DO SISTEMA PUNITIVO
A seletividade do sistema punitivo é uma questão central na crítica criminológica, associada ao papel do direito penal como controle social. Juarez Cirino dos Santos aponta que o sistema penal, em prática, é guiado por interesses que reforçam desigualdades estruturais (Santos, 2022).
Santos critica o uso do direito penal, observando que ele concentra seus esforços repressivos nas classes desfavorecidas, especialmente nas populações pobres e negras, direcionando a proteção para quem tem menos acesso a recursos legais (Santos, 2022).
A seletividade se manifesta na criminalização primária, que pune mais práticas das classes mais baixas, como pequenos furtos e tráfico de drogas, enquanto crimes das classes altas, como corrupção, recebem tratamento mais brando. Na criminalização secundária, agentes do sistema de justiça aplicam a lei focando no controle de grupos marginalizados, fortalecendo a aplicação desigual das leis (Santos, 2022).
O sistema prisional é formado majoritariamente por pessoas de baixa renda, pouca escolaridade e de minorias étnicas, evidenciando a seletividade do aparato punitivo, que marginaliza grupos específicos da sociedade. Para Santos, o Direito Penal visa manter a posição social vigente, funcionando como mecanismo de poder e não de justiça. (Santos, 2022).
Essa seletividade, segundo Cirino dos Santos, é sustentada por um preconceito social e econômico, legitimando a repressão das classes mais pobres para manter a ordem. Ele questiona se esses mecanismos de disciplina protegem a sociedade ou interesses econômicos e políticos específicos, beneficiando crimes de “colarinho branco” enquanto excluem as camadas desfavorecidas (Santos, 2022).
Superar essa seletividade exige reformar o sistema penal e políticas criminais, buscando equidade e justiça social, o que depende não só de leis, mas do compromisso dos operadores do Direito (Santos, 2022).
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS LIMITES DA EXPOSIÇÃO E DA PUBLICIDADE DOS ATOS PENAIS: A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O SEGREDO DE JUSTIÇA.
A dignidade da pessoa humana é um pilar do ordenamento jurídico brasileiro, consagrada na Constituição Federal como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. No que diz respeito ao Direito Penal, o princípio selvagem impede a exposição e publicidade de atos processuais ato, para que o acusado possa ter sua honra e privacidade preservadas (Santos, 2022).
Nesse sentido, o Juarez Cirino dos Santos reforça a ideia de que a execução devido processo criminal, a exposição da vida privada de acusado e acusador em um processo criminal de grande repercussão na mídia, por exemplo, que respeita e dignifique a dignidade humana â e a presunção de inocência, uma garantia constitucional de que “ninguém será considerado. Culpa até que o trânsito em paz da sentença condenatória” (Santos, 2022).
Cirino dos Santos ressalta que a presunção de inocência não se restringe apenas à sentença judicial, mas também surge em toda a fase processual, conforme protege o acusado de julgamentos tendenciosos e prematuros provenientes da sociedade e da mídia (Santos, 2022).
Embora a publicidade dos atos processuais constitua uma regra fundamental no que concerne à transparência e ao controle social do Poder Judiciário, esta conveniência deve ser relativizada em face dos direitos fundamentais do acusado, especialmente se se trata de julgamento por público e notório que possa induzir a opinião das pessoas e macular a imparcialidade do Tribunal (Santos, 2022).
Desse modo, o autor ressalta o segredo de justiça como elemento essencial nesse sentido, de modo a proteger a dignidade e a honra do acusado antes que sua culpa seja devidamente provada (Santos, 2022).
Santos Cirino afirma que o segredo de justiça é uma medida excepcional necessária em certas situações para proteger a integridade do julgamento e garantir a imparcialidade. Ele ressalta que, em um país onde a política penal se transforma em “show”, o clamor público é intensificado pela mídia, que frequentemente divulga a imagem do acusado como “culpado” dias antes do julgamento (Santos, 2022).
Ao mesmo tempo, de acordo com Santos, se demonstra que o que é contrário ao princípio da dignidade pessoal é que uma pessoa desonra não apenas se dada a um processo social de sujeição antecipada, mas finalmente eliminada: mesmo que ele justifique sua dignidade ao final do processo (Santos, 2022).
Além disso, o autor insiste que o respeito à dignidade humana requer que alguns limites sejam observados em relação à exposição pública de processos penais. Em outras palavras, o autor alerta que o processo penal não pode se tornar um “show” e é evidente que a mídia não deve ser autorizada a desencadear a atenção negativa em relação ao arguido (Santos, 2022).
Portanto, alcançar esse objetivo é uma tarefa significativa devido à razão de que, como aponta Santos, a popularização dos casos criminais pela mídia distorce a presunção de inocência e, como resultado, não permite um julgamento livre e justo (Santos, 2022).
Tal desenvolvimento prejudica a legitimidade dos tribunais e cria um espaço para a influência externa e julgamentos públicos. Finalmente, o autor sublinha que a preservação do segredo de justiça e a presunção de inocência são críticas para a execução justa e equilibrada do processo penal (Santos, 2022).
Dessa forma, a proteção da dignidade humana, na opinião de Cirino dos Santos, requer que os tribunais garantam que a publicidade no processo não leve à desadequação da presunção de inocência. Assim, ele reitera que apenas a combinação da transparência e do respeito aos direitos humanos pode garantir a integridade e a validade da respectiva esfera legal (Santos, 2022).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho revelou as formas de interação entre mídia, opinião pública e sistema penal, além dos efeitos dessa interação na política criminal no Brasil. A análise de livros e filmes mostrou que a mídia sensacionalista usa casos de interesse público para influenciar a percepção de justiça e criminalidade dos brasileiros.
Como consequência, há uma pressão sobre os órgãos judiciais, que podem adotar posturas oportunistas e afastar-se de princípios justos, como o devido processo legal e a presunção de inocência. A pesquisa também destacou a prevalência do Direito Penal Simbólico, que, apesar de atender rapidamente às demandas sociais, é ineficaz para enfrentar problemas crônicos de segurança, gerando um ciclo de repressão falha.
A ausência de mecanismos de análise de impacto leva a sociedade a crer que a criminalidade é combatida com medidas meramente repressivas. O estudo abordou ainda a seletividade do sistema penal, influenciada pela mídia, que determina quais crimes são “fortemente noticiados” e molda a percepção pública. Grupos vulneráveis, especialmente os desfavorecidos, são retratados como os principais responsáveis por crimes, reforçando a desigualdade e transformando o sistema penal em uma ferramenta de controle social.
Por fim, a pesquisa aborda a dignidade da pessoa e a presunção de inocência, reforçando a importância do equilíbrio entre a publicidade dos atos processuais e o direito à privacidade dos acusados, limitando a exposição midiática, especialmente nas fases iniciais dos processos criminais. A regulamentação da mídia deve garantir uma cobertura ética, respeitando a dignidade dos envolvidos e evitando julgamentos antecipados.
Em suma, este estudo oferece uma reflexão crítica sobre o impacto da mídia na construção da política criminal no Brasil, indicando a necessidade de fortalecer as proteções processuais e adotar cautela frente às abordagens populistas de justiça criminal.
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1 graduando em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste.
2 graduando em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste.
3 Advogado criminalista, mestre pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Memória: Linguagem e Sociedade (PPGMLS) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia, especialista em Ciências Penais pela UNIDERP em parceria com o Instituto Panamericano de Política Criminal, especialista em Docência do ensino superior e novas tecnologias pela Faculdade Sudoeste/UNIGRAD. Professor e coordenador dos cursos jurídicos de pós-graduação Faculdade Sudoeste/UNIGRAD. Professor de Direito Penal e processo Penal no curso de graduação em Direito na Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR; professor e palestrante sobre os diversos temas do Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional e Direitos Humanos.