REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411242313
Pablo Augusto da Paz Elleres[1]
Dario Amauri de Almeida Lopes[2]
Antônio Lucena Bitencourt[3]
RESUMO
Este artigo trata da violência virtual que ocorre nas redes sociais e plataformas digitais, o ciberbullying, uma tipologia de crime oriundo do bullying geralmente ocorrido no âmbito escolar, mas quando passa a vigorar em ambiente virtual gera danos sociais e psicológicos às vítimas. Esta pesquisa é de cunho qualitativo, quando não há a necessidade de produção de resultados através de procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação, também se trata de uma pesquisa bibliográfica desenvolvida por meio de livros, artigos, leis e jurisprudências relacionadas ao crime de ciberbullying. A qual tem como objetivo apresentar a existência das lacunas na legislação brasileira em relação aos Crimes Virtuais (Ciberbullying). Tendo como resultados a exposição de jurisprudências que não abarcam os coparticipes tornando-os impunes e mais fortes para a ação contínua nas redes sociais e ambientes virtuais nas mais diversificadas plataformas como: o facebook, o instagram, o youtube e outras.
Palavras-chave: Crime, Cibercrime, Ciberbullying, Redes Sociais.
ABSTRACT
This article deals with virtual violence that occurs on social networks and digital platforms, cyberbullying, a type of crime arising from bullying that generally occurs at school, but when it takes effect in a virtual environment, it causes social and psychological damage to the victims. This research is of a qualitative nature, when there is no need to produce results through statistical procedures or other means of quantification, it is also a bibliographical research developed through books, articles, laws and instructions related to the crime of cyberbullying. The objective of which is to present the existence of gaps in Brazilian legislation in relation to Virtual Crimes (Cyberbullying). The results are the exposure of exhibitions that do not include co-participants, making them unpunished and stronger for continuous action on social networks and virtual environments on the most distributed platforms such as: facebook, instagram, youtube and others.
Keywords: Crime, Cibercrime, Cyberbullying, Social Networks.
1 INTRODUÇÃO
No século XXI a evolução dos meios de comunicação fora alavancada com a popularização da Internet. Através da rede sem fronteiras, a extensão da utilização das redes sociais e dos aplicativos de comunicação, por intermédio dos aparelhos smartphones, tablets, notebooks e desktops vêm tomando proporções onde a informação propaga-se instantaneamente e de modo incontrolável.
Nesse sentido, as mídias sociais trouxeram benefícios como por exemplo, a possibilidade de comunicar pessoas que estão em diversas partes do planeta, mas também surgem os problemas relacionados ao bullying digital, o qual se faz presente nos recursos tecnológicos atuais, como nas redes sociais, aplicativos de comunicação, blogs e outros; acometendo desde crianças, passando pelos adolescentes e chegando até os adultos.
Este artigodelimita-se sobre o ciberbullying: a violência virtual e o silêncio do código penal e da legislação brasileira, uma vez que na Internet, mais especificamente nas redes sociais, nos e-mails e nos aplicativos de comunicação instantânea notoriamente ocorrem violências por meio de insultos, ameaças, difamação, intimidação, rumores, provocações e ainda a exclusão de um indivíduo.
Nesse sentido, o ciberbullying frequentemente tem tido repercussão em jornais impressos, mídia televisionada e nas redes sociais e aplicativos, porém o código penal brasileiro apesar de dispor de legislações que tratam desses tipos de crimes não conseguem ter uma abrangência completa, pois ainda existem algumas lacunas na legislação vigente no que tange a questão dos incitadores e da plateia silenciosa das mídias sociais.
A ausência de uma tipificação específica mais detalhada para o ciberbullying no Código Penal brasileiro contribui para a impunidade dos agressores, dificultando a responsabilização legal. As normas atuais, como as que tratam de crimes contra a honra, não conseguem abranger a complexidade do ciberbullying, criando lacunas que deixam as vítimas desprotegidas. Por outro prisma, o desconhecimento sobre direitos e deveres legais entre vítimas e agressores contribui para a continuidade do ciberbullying e desestimula denúncias. Além disso, o anonimato das plataformas digitais facilita essa prática, enquanto a legislação vigente carece de mecanismos eficazes para identificar e punir os infratores.
A análise de legislações estrangeiras sobre ciberbullying pode ajudar a formular propostas de alteração na legislação brasileira visando abarcar a plateia silenciosa que se manifesta com as curtidas, comentários etc. Bem como, a falta de entendimento sobre a fronteira entre liberdade de expressão e agressão on-line contribui para o impacto psicológico e social nas vítimas.
O tema Cibercrime na modalidade de Cyberbullying é uma expressão de “origem inglesa, o qual dá a conotação aos ataques psicológicos e físicos de forma intencional, por uma pessoa ou mais contra um semelhante que, geralmente, não tem capacidade para se defender” (Gazeta Digital, 2022). Em regra geral, esse tipo de crime ocorre de maneira frequente no âmbito escolar, onde essas agressões ocorrem longe dos pais.
Entretanto, no atual mundo globalizado, onde as pessoas utilizam-se da velocidade online para realizar as atividades do cotidiano (como trabalhar, estudar e para o lazer), toda população utiliza-se da Internet principalmente para distrair-se. Nesse sentido, as redes sociais são o principal foco dos usuários da Web, onde esse tipo de crime passou acontecer na modalidade virtual.
De acordo com Lacerda (2023), no Brasil, dados inéditos dos cartórios de notas do país apontam aumento histórico nos registros de bullying e cyberbullying, com alta média anual de 12%. Em 2023, houve recorde na solicitação de atas notariais, documento usado como prova desse tipo de crime em processos judiciais e administrativos. Foram mais de 120 mil notificações dessa natureza, o maior número já registrado.
Ainda de acordo com o levantamento de Lacerda (2023), o crescimento é contínuo desde 2007, início da série histórica da pesquisa. Na ocasião, houve solicitação de 25,6 mil atas notariais, no ano seguinte, o resultado subiu para 90, 6 mil. Desde 2021, a marca de 100 mil documentos foi ultrapassada todos os anos. O maior número de pedidos foi registrado no estado de São Paulo, quem em 2023 contabilizou mais de 20 mil requisições. Ne sequência estão Minas Gerais (16 mil), Paraná (14,6 mil) e Rio Grande do Sul (12,5 mil), logo trata-se de um tema, que causa inúmeros danos/sofrimento as vítimas.
Na legislação brasileira, não se tem de fato leis para os agressores e afins relacionados a este tipo de crime. Os danos pessoais que a pessoa pode vir a adquirir e as ações cabíveis são, processar por danos morais, calúnia, difamação, injúria, ameaça e atualmente já se tem a lei do bullying e a lei do marco civil da Internet. Porém, O que se tem de fato são as prevenções, não leis rigorosas contra os agressores.
A importância do tema para a sociedade e no próprio mundo jurídico, seria uma reformulação na legislação, pois existe não somente ignorância, mas também desconhecimento dessa tipologia de crime, já que o código penal existente é dos anos 40 e mesmo em sua reformulação em 2002, não havia em seu bojo penalidade específica para o ciberbullying, somente em janeiro de 2024 é que houve uma legislação que trata de modo direto em relação ao tema.
Vale destacar que anteriormente não havia se quer uma delegacia especializada nos delitos virtuais, somente com a sanção da lei nº 14.811 de 12 de janeiro de 2024 é que se tipifica de fato o delito em tela, entretanto mesmo chancelado este tipo de crime cibernético pela referida legislação, nada se vê em relação a questão dos incitadores ou da plateia silenciosa que dá likes, curtidas, e tece comentários menos danosos favorecendo a ação delituosa nas mídias sociais, não havendo, portanto, um modo de apenar aqueles de indiretamente descumprem a lei.
Nesse sentido, a pesquisa em tela é de suma importância, pois destaca certos tipos de lacunas existentes nas legislações, as quais proporcionam a impunidade daqueles que participam indiretamente (a plateia silenciosa), no caso os agressores envolvidos nesta tipologia de crime virtual.
Este artigo tem como objetivo apresentar a existência das lacunas na legislação brasileira em relação aos Crimes Virtuais (Ciberbullying). Para tanto, faz-se necessário identificar as principais formas de ciberbullying no mundo virtual; compreender as bases da legislação brasileira e a regulamentação dos crimes virtuais; e demonstrar o silêncio do código penal brasileiro e da lei 14.811/24 em relação aos partícipes indiretos dos crimes virtuais.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste tópico serão explicados os principais conceitos relacionados ao tema deste artigo, bem como serão apresentadas informações relacionadas a legislação brasileira sobre o ciberbullyiung.
O ciberbullying é uma variação do bullying, enquanto o primeiro ocorre em meio virtual, o segundo é recorrente no âmbito escolar (meio físico presencial). O Cyberbullying é hoje um dos grandes desafios das escolas no mundo e, também, no Brasil. São inúmeros os casos de ataques pelas redes sociais e por mensagens de celular com ameaças, calúnias, difamações, injúrias, etc., que causam muita dor para as vítimas e ansiedade e percepção de caos no ambiente escolar, o que atrapalha o rendimento dos alunos e serve como desintegrador da qualidade do ambiente (REZENDE; CALHAU, 2020). Há na literatura alguns tipos de ciberbullying, dentre os quais pode-se destacar:
- As mensagens inflamadas ou provocações incendiárias (flaming): mensagens que são permeadas entre agressor e a vítima de maneira rude e agressiva, podendo ocorrer de modo privado ou público;
- Assédio (harassment): envio reiterado de mensagens por remetente desconhecido ou anônimo, visando incomodar e aborrecer o destinatário;
- Perseguição (cyberstalking): o agressor envia mensagens intimidatórias à vítima atemorizada pela vigilância constante;
- Vídeolinchamento (happy slapping): agressão física da vítima que é filmada ou fotografada pelos agressores por dispositivos eletrônicos e publicado nas redes sociais ou youtube. (Blaya (2013); Lima (2011); Seixas, Fernandes, Morais (2016); Shariff (2009) apud (REZENDE; CALHAU, 2020, p. 101).
A prática deste tipo de crime se dá em meio virtual e a legislação brasileira como a Constituição Federal, o código civil e o código penal não previam até certo momento acerca do tema, embora dê enfoque a artigos importantes como:
Art. 5º, IV (CF, 88): “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”;
Lei nº 13.185/2015, parágrafo único: Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial;
Art. 136-A. Intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor pessoa a constrangimento físico ou moral, de forma reiterada. Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa;
Arts. 138, 139 e 140 do CP (1940), tratam respectivamente da calúnia, difamação e da injúria;
E somente em 2024 fora sancionada, a Lei 14.811/2024, que torna mais rígidas as penas para crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Dentre as condutas, as práticas de bullying e cyberbullying passam a constar no Código Penal, que agora prevê pena de multa e reclusão para os praticantes. Entretanto, esta visa punir de modo rígido somente o agressor principal do ato praticado nas redes e mídias sociais, mas não prevê punição aos participantes que só assistem, curtem e comentam a postagem criminosa.
No próximo tópico serão explicados de modo mais detalhado cada um dos conceitos, definições, legislações e o silêncio da lei vigente acerca do ciberbullying.
3. METODOLOGIA
Esta pesquisa é de cunho qualitativo, conforme Praça (2015) com o termo “pesquisa qualitativa” descreve uma relação entre o objetivo e os resultados que não podem ser interpretadas através de números, nomeando-se como uma pesquisa descritiva”. A pesquisa em tela visa analisar, interpretar e compreender o fenômeno do bullying virtual dos participantes de redes sociais, através de suas respostas, as quais proporcionarão conhecer os sentimentos dos jovens que fazem uso deste recurso, diante das dificuldades, desafios, superações, ações e experiências diante do ciberbullying.
Por fim, trata-se também de uma pesquisa bibliográfica, que conforme afirma Praça (2015) […] “deve apresentar as mais recentes e consistentes obras científicas que tratem do assunto proposto pelo pesquisador. Em alguns casos, este item pode ser chamado de ‘estado de arte’”. Dentre as fontes de pesquisa bibliográfica acerca do Bullying/ciberbullying e as mídias sociais serão: livros, artigos, dissertações e sites relacionados a temática.
4. DESENVOLVIMENTO
Neste tópico serão apresentados os principais detalhes sobre a temática, os quais permitirão um maior esclarecimento e conhecimento em relação ao ciberbullying.
4.1 Conceitos de Cyberbullying
Neste tópico serão explicitados os conceitos fundamentais relacionados ao ciberbullying e as principais formas de ciberbullying no mundo virtual e as suas características. O cyberbullying é uma variante do bullying. O primeiro concerne ao ato ocorrido nos ambientes físicos, o segundo caracteriza-se por ocorrer em âmbito virtual. De acordo com Reis e Going (2024):
A manifestação do bullying se configura em cinco formas: verbal, físico ou material, psicológico ou moral, sexual e virtual. O verbal acontece com atitudes de cochichar, discriminar, intimidar, fazer comentários, colocar apelidos pejorativos, fazer piadas ofensivas, xingar, ofender, fazer gozações, insultar; o físico e material ocorre por meio de agressões físicas […]; o moral ou psicológico evidencia-se com atos de colocar amigos contra a vítima por meio de fofocas, difamações, excluir, irritar, humilhar e ridicularizar, ignorar, desprezar ou fazer pouco caso, dominar, perseguir, difamar, aterrorizar; o sexual por abusar, violentar, assediar, insinuar e o virtual que ocorrem com as características do psicológico ou moral pelas redes sociais.
Para melhor definir e exemplificar este tipo de crime, o próximo tópico irá destacar cada uma das formas de realização do ciberbullying.
4.2 Principais Formas de Ciberbullying no Mundo Virtual
A maioria dos estudos acadêmicos classifica a violência online, destacando o ciberbullying como um fenômeno envolvendo desde a violência psicológica até a disseminação de rumores e exclusão. Para WILLARD (2007) apud FONSECA (2015, pg. 36) os principais tipos de ciberbullying, são:
O flaming diz respeito a breves e acaloradas discussões entre dois ou mais indivíduos através de uma tecnologia (ex.: e-mail, sala de chat); refere-se a ira, mensagens de confronto, utilizando, muitas vezes, linguagem explícita. A perseguição (harassment) envolve enviar, de forma repetida, mensagens cruéis, ofensivas, rudes ou com insultos. A difamação (denigration) inclui enviar ou colocar rumores cruéis e falsos (ex.: fotos, vídeos) sobre alguém de forma a prejudicar a reputação desse indivíduo ou as suas relações.
Estes dois tipos de ciberbullying (as discussões e a perseguição) são recorrentes nas salas de bate-papo, ou ainda nos próprios aplicativos como o whatsapp. Já a difamação é recorrente nas redes sociais como facebook por exemplo. Ainda sob a perspectiva de WILLARD (2007) apud FONSECA (2015, pg. 36) acerca dos tipos de ciberbullying, tem-se:
A representação (impersonation) diz respeito à invasão da conta de alguém, fazendo-se passar por essa pessoa e enviando mensagens, a fim de a vítima ficar em problemas/perigo ou para prejudicar a reputação/amizades da mesma. Relativamente ao outing, é a exibição pública ou encaminhamento de comunicações/imagens pessoais que contém informação sensível ou de caráter sexual.
Ou seja, a representação é claramente a falsidade ideológica que pode ocorrer nas redes sociais, ou também nos aplicativos como o whatsapp, este tipo de crime é mencionado na legislação brasileira, e a exibição pública é a exposição da imagem de outrem principalmente através dos aplicativos de comunicação instantânea como o whatsapp. Ainda parafraseando WILLARD (2007) apud FONSECA (2015, pg. 36), os quais continuam a tipificar o ciberbullying, em mais três tipos:
Trickery refere-se a gozar ou induzir alguém a revelar segredos, sendo, posteriormente, partilhado online. A exclusão (exclusion) inclui a recusa deliberada de aceitar alguém num site ou numa rede social (ex.: ser excluído da lista de contatos). Por fim, o cyberstalking refere-se ao uso de meios de comunicação eletrônica para perseguir outra pessoa (enviar mensagens com ameaças de agressão física ou de natureza intimidatória, envolver outrem em atividades online que a levam a recear a sua segurança). (Willard, 2007 apud Fonseca, 2015).
Por outro prisma, ainda existem conforme destaca o MEC (2022), a “trollagem ato de enviar mensagens ofensivas pela internet para irritar alguém”. E o “stalking consiste em perseguir uma pessoa, reiteradamente, de diversas formas (fisicamente, por e-mail, telefone, aplicativos, redes sociais, etc.), para ameaçá-la física ou psicologicamente. Acarretando pânico e outras perturbações, por sentir que a sua integridade está em risco”.
A Lei nº 13.185/2015 Art. 2º “Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda: I – ataques físicos; II – insultos pessoais; III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; IV – ameaças por quaisquer meios; V – grafites depreciativos; VI – expressões preconceituosas; VII – isolamento social consciente e premeditado; VIII – pilhérias” (BRASIL, Lei 13.185/2015).
Ainda na mesma Lei nº 13.185/2015 em seu Parágrafo único é disposto que: Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (ciberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. E no art 3º as maneiras de intimidação do bullying. Ou seja, há uma menção ao ciberbullying, mas a tipologia em sua maioria é do bullying. No item 2 serão apresentadas as bases da lei Brasileira acerca dos crimes virtuais (destacando desde a Constituição, passando pelo código penal, código civil, lei do marco civil da internet, e finalizando com a lei do ciberbullying com vistas a destacar cada uma destas legislações para melhor explicitar a ideia desta proposta.
4.3 Bases da Legislação Brasileira e a Regulamentação dos Crimes Virtuais
Nos tópicos seguintes serão dados detalhamentos da legislação brasileira e do modo que nela são tratados os crimes virtuais.
4.3.1 A legislação Brasileira e as suas Especificidades
A legislação brasileira dispõe de diversas regulamentações acerca de vários tipos de crimes, a iniciar pela lei suprema que é a Constituição Federal até chegar aos códigos civil e penal. A Constituição Federal (1988) reza em seu bojo os seguintes artigos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. (BRASIL, CF, 1988, grifo nosso).
É nítido que na lei das leis há uma preocupação com o preconceito de racismo, de sexo, de cor e de idade; ainda há o sentimento de responsabilidade com a manifestação de pensamento, com a indenização pelo dano material, moral ou da imagem e a inviolabilidade da correspondência.
Apesar deexistir uma legislação específica de cibercrime como a existente em Portugal (Lei nº 109/2009), frequentemente se utiliza da lei complementar do Código Penal Brasileiro em seu Capítulo V explicita os crimes contra a honra através dos seguintes artigos:
Art. 138 (calúnia), 139 (difamação), 140 (imjúria), para apenar os autores dos crimes cibernéticos: Art. 138 – Caluniar. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. E Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (Ferindo a Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso). (BRASIL, CP, 2002, grifo nosso).
Deste modo, o código penal discorre sobre os principais tipos de crimes ocorridos no meio virtual, ou seja, a Calúnia (acusar alguém falsamente de ter cometido um crime). A exemplo disso, dizer que a arrumadeira do hotel pegou dinheiro sem permissão. Já a Difamação (dizer algo que seja ofensivo à sua reputação, como falar que alguém traiu outrem), por exemplo. Ou ainda, Injuriar, ou seja ofender a dignidade de alguém, como afirmar que uma mulher é “prostituta”, ou um rapaz é “viado”. No código penal, ainda há artigos que tratam da falsa identidade e da ameaça, conforme destaque:
Art. 307 – Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
Art. 146– Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único – Somente se procede mediante representação. (BRASIL, CP, 2002, grifo nosso).
Ou seja, criar um perfil fake para causar dano à imagem de outrem (Falsa identidade) e ameaçar alguém pela Internet, mesmo que seja uma bravata, poderá ser apenado por meio deste artigo, para tanto, basta fazer uma queixa formal. Por outro lado, o Código Civil em sua letra menciona o dano moral, que fora apresentado na constituição federal, e que é incluso como pena no Código Penal Brasileiro. O Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, CC, 2002).
Uma outra legislação brasileira de suma importância é a Lei do Marco Civil da Internet nº 12.965/14 se divide em cinco capítulos: disposições preliminares, dos direitos e garantias dos usuários, da provisão de conexão e de aplicações de internet, da atuação do poder público e disposições finais.
Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I – o reconhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração; VI – a finalidade social da rede.
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II – proteção da privacidade; III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, Lei nº12.965, 2014, grifo nosso).
Com base no que fora elucidado, fica nítido a importância de saber o limite no que é liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, para não ferir o direito de outrem, bem como garantir o direito a privacidade e a liberdade de expressão, conforme ressalta a Lei nº 12.965/2014.
Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.
Art. 13º. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento. § 1o A responsabilidade pela manutenção dos registros de conexão não poderá ser transferida a terceiros. § 2o A autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderá requerer cautelarmente que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior ao previsto no caput. § 3o Na hipótese do § 2o, a autoridade requerente terá o prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir do requerimento, para ingressar com o pedido de autorização judicial de acesso aos registros previstos no caput. § 4o O provedor responsável pela guarda dos registros deverá manter sigilo em relação ao requerimento previsto no § 2o, que perderá sua eficácia caso o pedido de autorização judicial seja indeferido ou não tenha sido protocolado no prazo previsto no § 3o. (BRASIL, Lei nº12.965, 2014, grifo nosso).
Há uma gama de informações que são tratadas na Lei do marco da internet, como: a liberdade de expressão, o exercício da cidadania, finalidade social da rede, proteção dos dados pessoais e a privacidade dos usuários e ao provedor de acesso manter os logs de acesso no período de 1 ano. Já em relação ao bullying a Lei nº 13.185 discorre sobre o tema, e trata somente em seu parágrafo único sobre o ciberbullying.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (ciberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. (BRASIL, Lei nº 13.185, 2015, grifo nosso).
Somente mais tarde em 2024 é que de fato veio a ser elaborada e sancionada a lei que pune o ciberbullying, a qual será mais bem detalhada nas próximas seções. Antes observe o que dispõe o marco civil da internet na próxima seção.
4.3.2 A Importância do Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados
Assim como toda a legislação brasileira, o Marco Civil da Internet tem uma importância significativa para os usuários da rede mundial de computadores (a Internet), pois foi através da Lei 12.965/2014) é que foram regulamentados os direitos e deveres dos internautas. A lei protege os dados pessoais e a privacidade dos usuários, portanto somente através de ordem judicial é que se pode quebrar dados e informações particulares existentes em sites ou redes sociais. Portanto, a partir desta legislação pode-se afirmar que a “internet não e uma terra sem lei”, como erroneamente muitos usuários leigos ainda pensam.
Não obstante a esta importante legislação, surge em 2018, a Lei nº 13.709 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), que estabelece um conjunto de regras para coleta, tratamento, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais. Todas as instituições públicas e privadas devem seguir o que trata a letra da lei, visando resguardar o tratamento de dados pessoais no Brasil, tanto em meios físicos quanto em plataformas digitais, salvaguardando dispõe os direitos e garantias fundamentais (art. 5, LXXIX da CF), a partir da promulgação da Emenda Constitucional n. 115/2022. Visando destacar a importância da legislação brasileira e o direito comparado, no próximo tópico serão destacadas as leis de Portugal e dos EUA.
4.3.3 Legislação Comparativa – Portugal e Estados Unidos
O ciberbullying não era tratado em sua totalidade na legislação brasileira, passando a ser chancelado no país a partir do ano 2023, quando o Brasil após 22 anos após a existência do decreto de Budapeste que trata de crimes virtuais, o adotou em 12 de abril de 2023. Através da Convenção de Budapeste, as autoridades brasileiras puderam contar com mais um recurso nas investigações de crimes cibernéticos, assim como de outras infrações penais, que demandassem a obtenção de provas eletrônicas/digitais armazenadas em outros países.
A legislação portuguesa, destaca desde os direitos fundamentais de acesso a informação, passando por diversos direitos chancelados no Brasil, mas destaca como diferencial da legislação portuguesa o direito ao uso da inteligência artificial e de robôs (ainda não previsto no Brasil), Direitos em plataformas digitais (trata de modo genérico no Brasil), Direito à cibersegurança (não há no Brasil), Direito à proteção contra a geolocalização abusiva (Não há no Brasil), Direito ao testamento digital (Não existe no Brasil), (PORTUGAL – Lei 27/2021).
Já nos EUA, em 2025 entrará em vigor a nova lei que trata de crianças e adolescente em relação ao uso das redes sociais.
Nova lei proíbe explicitamente que crianças e adolescentes menores de 14 anos criem contas em plataformas de mídia social, mesmo com o consentimento de seus pais. Esta medida vai além das políticas típicas das empresas de tecnologia, que geralmente requerem que os usuários tenham pelo menos 13 anos para criar contas, conforme estipulado pelo Ato de Proteção à Privacidade Online das Crianças (Coppa) nos Estados Unidos. Sob a nova regulamentação, as empresas de mídia social são obrigadas a desativar contas suspeitas de serem operadas por usuários com menos de 14 anos e a eliminar todas as informações associadas a essas contas quando solicitado pelos pais ou pelos próprios menores. Para jovens de 14 e 15 anos, a criação de contas em redes sociais só será permitida com o consentimento explícito dos pais, de acordo com a legislação. Contas preexistentes nessa faixa etária devem ser removidas caso não haja aprovação dos responsáveis. Essas medidas têm como objetivo garantir que os pais tenham controle sobre a participação de seus filhos nas redes sociais e possam tomar decisões informadas sobre seu uso (PIGÃO, 2024).
Há uma preocupação diferencial entre os legisladores brasileiros e os de Portugal e dos EUA, num já há previsão do uso da IA, nos EUA uma latente preocupação com as crianças e adolescentes nas redes sociais e no Brasil houveum avanço significativo para o país que até poucos anos contava somente com o código penal, civil e marco civil da internet para solucionar questões relacionadas ao tema. Entretanto, em 2024 com a lei do cyberbullying nº 14.811/24, o país pode afirmar que possui a sua legislação que chancela o tema, esta será melhor explicitada na próxima seção.
4.4 O Silêncio do Código Penal Brasileiro e da Lei do Cyberbullying em Relação aos Compartícipes de Crimes Virtuais
Nas próximas seções serão abordadas comparações entre o código penal e o código civil brasileiro para elucidar as questões relacionadas ao ciberbullying.
4. 4. 1 O Código Penal Brasileiro X O Código Civil
O Brasil é um país que possui uma diversidade de leis (a lei máxima, emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções) que estabelecem regras que tratam: do convívio social (trabalho, escolas, família e outros), nesse sentido, o convívio no meio digital, também é algo palpável e obviamente deve ser legislado para que os usuários da Internet possam estabelecer o bom diálogo.
Nesse sentido, os crimes virtuais, mais especificamente àqueles que ocorrem online como o ciberbullying apesar de ser mencionado na legislação do bullying, necessitava de embasar-se na constituição federal, no código penal e código civil para poder fazer valer a cobrança da legislação em relação a este tipo de crime. A exemplo disso, LIMA destaca o caso ocorrido no ano de 2015:
Quando a jovem Maria das Dores Martins, de 20 anos e cor de pele negra, fora vítima de injuria racial por meio de uma foto postada com o namorado no facebook A foto foi inclusa de forma pública, assim, qualquer pessoa tinha livre acesso para ver, comentar ou curtir a mídia. Um mês após a postagem, houve uma enxurrada de comentários maldosos relacionados a cor de sua pele. Como por exemplo, “Onde comprou essa escrava?” Me vende ela” “Parece que tão na senzala” “Seu dono?” reinaram no perfil da moça. É válido mencionar que embora exista lei para o ocorrido com a jovem, os crimes virtuais possuem caracteres distintos, como neste caso, há comentários maldosos com mais de vinte curtidas e curtir dentro da rede é sinônimo de concordar com a ideia exposta. (LIMA, 2015).
Por se tratar de um crime digital, ganhou repercussão e propagou-se rapidamente na rede social em tela. Ainda sobre o mesmo tipo de injuria LIMA menciona:
Outro tipo de injúria racial através do cyberbullying, ocorrera com a jornalista Maria Júlia Coutinho, conhecida como “Maju”, que sofrera grandes ofensas em comentários na página do JN no Facebook. Uma foto com a moça foi publicada na rede social junto das informações meteorológicas e instantaneamente, vários comentários ofensivos apareceram em relação à cor da pele de Maju. Mais uma vez, temos um delito com grandes propagações e com várias curtidas. As ofensas ficaram caracterizadas por piadas de mau gosto, como: “Qual é band-aid de preto? Fita isolante”. “Não bebo café para não ter intimidade com preto”. “Ela já nasceu de luto” entre outros. (LIMA, 2015).
Nesse diapasão, se a legislação em questão na época tratasse com mais vigor deste tipo de crime, as pessoas que curtiram, compartilharam e postaram comentários jocosos na rede social, certamente estes usuários também seriam apenados.
Embora tenha sido sancionada pelo presidente da república em 12 de janeiro de 2024 a Lei 14.811/2024, no bojo do:
Art. 6º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 146-A: Intimidação sistemática (bullying), a Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais: tendo como Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave. E a Intimidação sistemática virtual (cyberbullying) em seu parágrafo único. Diz-se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real, mantendo como Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave” (BRASIL, 2024, grifo nosso).
Esta dispõe somente do fato típico e de sua penalidade, mas não disserta sobre questões mais específicas. Ainda elucidando sobre o ciberbullyng, destaca-se um outro caso de no qual fez-se uso de perfil falso, o qual ocorrera nos Estados Unidos, conforme menciona LIMA:
Em 2006, Megan, de 13 anos, sofreu a agressão de sua vizinha, Lori Drew, de 47 anos, através do MySpace (rede social) como forma de vingança. A jovem havia rompido a amizade com a filha de Drew e por isso ela decidiu criar um perfil falso para humilhar a jovem, com a ajuda de sua funcionária e da filha. Megan cometeu suicídio por acreditar que em algum lugar do mundo existia um rapaz que a amava chamado Josh Evans, um rapaz que dizia amar a garota e que logo depois tornou-se malvado e agressivo. Em uma certa ocasião, a vizinha que se passava por Josh, mudou o temperamento e começou a usar duras palavras quando dialogava com a adolescente. Lori disse à Megan, esta que pensava ser Josh do outro lado, que o mundo seria um lugar melhor sem você. Foi então que ela pegou um cinto e se enforcou no closet. Tempo depois a conta do rapaz foi encerrada e descobriu que ele nunca se quer existiu. No campo da justiça, foi aberto processo contra Lori Drew e em 2008 foi condenada a três anos de prisão mais US$300.000 (trezentos mil dólares) em multa. Todavia, em 2009, foi inocentada, sua conduta não foi crime, mas o caso serviu como jurisprudência e teve grande relevância para a criação de leis penais específicas aos crimes da internet e principalmente ao cyberbullying. (LIMA, 2015).
Neste caso, o Art. 307 do Código Penal por meio da falsa identidade para causar dano a outrem, fora ferido e, portanto, se fosse no Estado brasileiro seria apenado através deste artigo do código penal. Mas, a delinquente, ainda deveria ser apenada pelo CP art. 122 – por induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Mas, não está explícito na lei o meio pelo qual a vítima fora induzida e muito menos a maneira pela qual a criadora do perfil falso realizou tal indução, portanto, muito provavelmente este artigo seria excluso da penalidade.
Uma outra lacuna importante é apresentada nos estudos de Pereira, acerca da importância da Lei nº 12.965/2014 que trata do Marco Civil da Internet e suas omissões, mais especificamente no que tange a questão da não responsabilização civil dos provedores de acesso pelos danos causados por conteúdo gerado pelos seus usuários.
Do ponto de vista das decisões judiciais, talvez o tema mais conflitante seja o abordado pelo terceiro capítulo, que determinou que o provedor de Internet não é responsável civilmente pelos danos causados por conteúdo gerado pelos seus usuários. A jurisprudência brasileira é bastante controversa sobre essa questão, sendo que algumas decisões entendem que o provedor também se responsabiliza pelo que o usuário manifesta, e outras expõem o entendimento de que essa responsabilidade é apenas do autor do conteúdo. Neste aspecto, a lei tende a pacificar bastante a jurisprudência brasileira, ao estabelecer que o provedor somente será responsabilizado se, por ordem judicial, deixar de tomar providências para tornar indisponível o conteúdo ofensivo ou, em se tratando de conteúdo de caráter sexual, o próprio usuário solicitar, por meio de notificação, que ele seja indisponibilizado e o provedor não o fizer. (PEREIRA, 2014).
Mas será que o provedor não poderia bloquear este usuário quando o mesmo resolvesse postar conteúdo ofensivo? Será que não existe a possibilidade de utilizar algoritmos que permitam conhecer o conteúdo da escrita, ou das imagens que este usuário pretende postar e previamente informá-lo que este tipo de informação não possa ser publicada?
Embora em 2024 tenha sido sancionada a lei do ciberbullying no Brasil, dispondo do quantum penal. Pois a lei 13.185/2015 buscava no código penal a penalidade a ser aplicada. Fato que deveria ocorrer de maneira inversa (pois o código penal é uma lei complementar e não pode complementar uma lei ordinária). Entretanto, o quantum penal da lei 14.811/24 está claro, mas no caso, o Ciberbullying é um crime que tipifica diversas tipologias de crimes, que quando cometidos em regra não se dão numa única ação, mas normalmente um conjunto de condutas que são agrupadas para aplicar a penalidade.
4. 4.2 O Silêncio da Lei do Ciberbullying em relação aos Copartícipes destes Atos
Com a criação da lei do ciberbullying, esperava-se que todas as questões concernentes ao tema pudessem ser tratadas, porém, o que se nota nas pesquisas e publicações relacionadas ao tema é a existência de uma dificuldade de apenar os envolvidos, não só diretamente (o praticante do ciberbullying), mas principalmente aqueles que estão indiretamente envolvidos (a plateia silenciosa). Que conforme ressaltam REIS e GOING (2024):
A plateia silenciosa observa e não desmascara a agressão por medo de ser escolhida como vítima. Quando se mantem indiferente ou nega a realidade, fortalece o agressor pela impunidade de suas ações. Episódios frequentes de violência adormecem a indignação e acentuam a insensibilidade nas pessoas, essa apatia assegura a impunidade.
Por outro lado, há também a plateia participativa, ou seja, aquela que comenta, curte e acaba dando força ao agressor, bem como acaba agredindo também a vítima desta prática delituosa.
A plateia participativa, mesmo que não seja amiga do agressor, aumenta o seu poder de intimidação. Caracteriza-se pelas pessoas que não têm coragem suficiente para agredir, mas aprovam, admiram e aderem às agressões. No cyberbullying, esta plateia repassa mensagens difamatórias, fofocas, boatos pelos sites de relacionamento, tornando-se coautores dessas agressões mesmo sem perceber. Para Maldonado (2011) apud REIS; GOING (2024), os espectadores, chamados de plateia protetora, aliam-se às vítimas e agem para inibir e desarmar as agressões. Ao agirem desta forma, podem auxiliar o agressor a sentir empatia, colocando-se no lugar da vítima, fazendo-o parar de agredir. Os programas antibullying são fundamentais para fortalecer a plateia protetora sendo um recurso eficaz para construir relacionamentos respeitosos.
A questão mais surpreendente é que os praticantes deste tipo de delito são os agressores, que em sua maioria trata-se de jovens adolescentes que se escondem em perfis das redes sociais, “os praticantes de cyberbullying em sua maioria são adolescentes, não sendo possível traçar o seu perfil, pois os seus ataques ficam no ambiente virtual uma vez que as vítimas não os denunciam” (SILVA, 2010 apud REIS; GOING, 2024).
Em outro prisma, as famílias destes adolescentes juntamente com a escola têm fundamental importância na educação, na observação e em coibir este tipo de situação quando for detectada, visando diminuir a incidência de casos relacionados a esta temática.
Há uma relação direta entre as interações no contexto virtual, o cyberbullying e o bullying. A forma como a família e a escola fazem a mediação contribuem para a resolução do problema ou não, em alguns casos até pioram a agressão entre as crianças e adolescentes. Mas se a escola e os pais tratam o tema punindo as práticas agressivas e promovem orientações seguras, nota-se a redução do bullying (MANDIRA, 2017 apud REIS; GOING, 2024).
É nítida a importância deste pilar: família e escola, para sanar agressões como o ciberbullying, pois a inobservância pode acarretar resultados danosos para a saúde do agredido, como: irritabilidade, depressão, síndrome do pânico, medo, baixa autoestima, sentimento de raiva e frustração entre outros. Além destes problemas de saúde causados pelo crime de ciberbullying, os tribunais brasileiros têm tratado de decisões importantes ainda de modo generalizado, como no caso de uma escola particular na cidade de Manaus:
Para destacar um caso prático na cidade de Manaus a seguir tem-se uma lide entre um aluno (representado por sua genitora e uma escola particular). O Juiz Matheus Guedes Rios, da Vara Cível, negou procedência a uma ação contra a Escola Lato Sensu, em Manaus, onde um aluno pediu que o centro de ensino adotasse um plano, com cronograma de execução, para coibir a prática do cyberbullying do qual foi vítima. O aluno, representado por sua genitora, narrou à justiça que foi agredido em sua integridade moral e psíquica, sendo alvo de humilhação e comentários absurdos, com vários impropérios, por parte de colegas que usaram perfis virtuais não oficiais mas que usavam o nome da Instituição de Ensino. Visando regular essas relações, no Brasil, a Lei nº 13.185/2015 preconiza que é dever das escolas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática. Nesse particular aspecto, o magistrado concluiu, entre as provas examinadas nos autos, que o Lato Sensu adotou todas as medidas cabíveis, promovendo palestras sobre cyber bullying, exibindo filmes educativos e interagindo com os estudantes, com medidas preventivas. O magistrado também entendeu que não se pode obrigar a instituição de ensino em coibir que o nome da escola seja usado em perfis de redes sociais não oficiais, por expressa ausência de previsão legal. A ação foi julgada improcedente, e o autor recorreu (Processo nº 0739973-61.2022.8.04.0001).
A escola no caso em tela não tem culpa das ações dos estudantes no âmbito virtual, já que a instituição de ensino não deve coibir a criação de perfis nas redes sociais de seus alunos, pois seria uma violação de direito. Outro caso importante ocorreu na plataforma tiktok, conforme destaque a seguir:
Uma ação de obrigação de fazer com ação indenizatória por danos morais devido a violação dos termos de uso do tiktok e abuso de direito à liberdade de expressão nos vídeos publicados pela parte ré em seu canal. Por violar as diretrizes da comunidade tiktok, como as que vedam o cyberbullying, comportamento abusivo e discurso de ódio, extrapolando o limite do direito de expressão. A plataforma não opôs qualquer resistência a tornar indisponível o conteúdo mencionado pelo autor alegando, inclusive já ter feito. (PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – XXXXX-52.2023.8.26.0016 – 2º Tribunal de Justiça de São Paulo).
É nítido na pesquisa que a lei está sendo muito bem utilizada pelos tribunais, mas todas as questões referem-se à indenização, obrigação de fazer e outras, porém sem qualquer tipo de tratamento relacionado aos coparticipes que curtem, comentam e concordam com as ações dos agentes delituosos do ciberbullying, o que demonstra o silêncio da lei e dos tribunais sobre o assunto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crime de ciberbullying tornou-se um dos principais desafios da era digital, pois este tem impacto na saúde e vida de jovens, adolescentes e adultos. Embora a sociedade educacional esteja engajada na conscientização sobre suas consequências sociais e psicológicas, o sistema jurídico brasileiro ainda demonstra lacunas importantes em seu tratamento. Principalmente no que tange a questão dos coparticipes, ou seja, aqueles usuários das redes sociais e demais plataformas que apenas curtem, comentam ou compartilham conteúdos de ciberbullying nas redes sociais, fato que explicita uma falha em abordar a problemática de forma integral.
Embora em 2024 tenha sido sancionada e esteja vigente a Lei 14.811/2024 e esta estabeleça diretrizes para o combate ao ciberbullying e à violência nas escolas e no ambiente virtual, a legislação não contempla de modo efetivo sobre a figura dos coparticipes. Fato que potencializa os indivíduos que, por meio de suas interações nas redes sociais, corroborem com o sofrimento da vítima, por permanecem impunes. A falta de responsabilização não apenas minimiza o impacto do ciberbullying, mas também alimenta um ambiente de violência virtual, desincentivando a empatia e o respeito às diferenças.
Portanto, é crucial que a lei brasileira por meio dos legisladores ou ainda das decisões dos tribunais tenham um olhar diferenciado à realidade das interações digitais, considerando a complexidade das relações sociais no ambiente virtual. Sendo primordial a inserção de medidas que tratem da coautoria ou da cumplicidade moral e virtual no ciberbullying com vistas a criar um ambiente mais seguro e acolhedor nas redes sociais. Somente deste modo, haverá a promoção da verdadeira cultura de respeito e responsabilidade, que não deixe espaço para o silêncio e a impunidade diante das agressões virtuais.
4 REFERÊNCIAS
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[1] Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: pabloelleres14@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-3654-5852.
[2] Professor Orientador do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
[3] Professor de TCC II do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.