ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DO TRAUMA GENITOURINÁRIO NO ESTADO DO ACRE: PREENCHENDO LACUNAS DE CONHECIMENTO NA REGIÃO NORTE DO BRASIL, 2013-2023

EPIDEMIOLOGICAL ANALYSIS OF GENITOURINARY TRAUMA IN THE STATE OF ACRE: FILLING KNOWLEDGE GAPS IN THE NORTHERN REGION OF BRAZIL, 2013-2023

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411250119


Ary Rodrigues Turcheto1,
Niago Silva Rigo2,
Miguel Lucas Silva Valente3,
Yotaro Alberto Camargo Suzuki4


RESUMO

Os traumas genitourinários abrangem lesões nos rins, ureteres, bexiga, uretra e órgãos genitais, frequentemente resultando em complicações graves e exigindo intervenções médicas complexas. Este estudo visa caracterizar o perfil epidemiológico de pacientes com trauma geniturinário tratados em um centro de referência no Acre, Brasil, entre 2013 e 2023, destacando as características demográficas, os tipos de lesões, os tratamentos aplicados e os desfechos clínicos. A pesquisa adotou uma abordagem transversal, descritiva e retrospectiva, utilizando dados secundários do sistema de informação do SUS. Foram analisados 102 casos, com predominância de pacientes do sexo masculino (85,3%) e média de idade de 31,64 anos. Os traumas renais foram os mais comuns (59,8%), seguidos por lesões de uretra (20,6%) e bexiga (8,8%). A maioria dos pacientes necessitou de intervenções cirúrgicas (83,3%), e a taxa de mortalidade foi baixa (2,9%). Este estudo preenche uma lacuna de conhecimento sobre a epidemiologia dos traumas geniturinários no Acre, fornecendo dados essenciais para a formulação de políticas de saúde pública e estratégias de prevenção.

Palavras-chave: Trauma geniturinário, Epidemiologia, Lesões renais

ABSTRACT

Genitourinary traumas include injuries to the kidneys, ureters, bladder, urethra, and genital organs, often resulting in severe complications and requiring complex medical interventions. This study aims to characterize the epidemiological profile of patients with genitourinary trauma treated at a referral center in Acre, Brazil, from 2013 to 2023, highlighting demographic characteristics, types of injuries, treatments applied, and clinical outcomes. The research adopted a cross-sectional, descriptive, and retrospective approach, using secondary data from the SUS information system. A total of 102 cases were analyzed, with a predominance of male patients (85.3%) and an average age of 31.64 years. Renal traumas were the most common (59.8%), followed by urethral (20.6%) and bladder injuries (8.8%). Most patients required surgical interventions (83.3%), and the mortality rate was low (2.9%). This study fills a knowledge gap regarding the epidemiology of genitourinary traumas in Acre, providing essential data for the formulation of public health policies and prevention strategies.

Keywords: Genitourinary trauma, Epidemiology, Renal injuries

1 INTRODUÇÃO

Os traumas genitourinários incluem lesões nos rins, ureteres, bexiga, uretra e órgãos genitais, muitas vezes resultando em complicações severas e exigindo intervenções médicas complexas. Essas lesões podem resultar tanto de traumas contusos quanto penetrantes, sendo encontradas em cerca de 10% dos pacientes admitidos em hospitais de urgência e emergência. (Zinman e Vanni, 2016). É mais comum nas idades entre 15 e 45 anos, com predominância do gênero masculino (Morey Et al., 2014).

As principais causas de trauma geniturinário são acidentes automobilísticos, lesões por desaceleração e violência penetrante por arma de fogo (WHO, 2015). O rim é o órgão mais frequentemente envolvido, sendo os traumas de ureter e bexiga mais raros e associados a traumas de alta energia e a outras lesões severas concomitantes (Cury Et al., 2018).

Essas lesões podem ser difíceis de detectar, especialmente nas áreas retroperitoneais e pélvicas, onde até mesmo a tomografia computadorizada com contraste intravenoso pode falhar em identificá-las claramente. Embora o trauma urogenital raramente seja fatal, pode causar morbidade significativa a curto e longo prazo se não for identificado precocemente (Froehner Et al., 2017). A hematúria é o principal indicador de trauma geniturinário. No entanto, isso não é específico para a localização da lesão nem servindo de prognóstico para a gravidade da lesão (Cestare Et al., 2015).

A epidemiologia do trauma genitourinário ainda não está bem estabelecida no Estado do Acre. Localizado na Amazônia Ocidental, o estado possui características socioeconômicas e demográficas únicas que influenciam a epidemiologia dos traumas. Compreender a distribuição e os determinantes dos traumas geniturinários no Acre é importante para desenvolver estratégias de prevenção eficazes e otimizar os recursos de saúde. Este estudo, portanto, visa preencher a lacuna de conhecimento existente, fornecendo uma análise detalhada dos dados epidemiológicos e clínicos dos pacientes atendidos em um centro de referência no estado entre 2013 e 2023.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa adotou uma abordagem transversal, descritiva e retrospectiva. O estudo utilizou dados secundários disponibilizados pelo Ministério da Saúde, por intermédio dos microdados dos sistemas de informação do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

Esses dados referem-se ao período entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2023, em uma série histórica de dez anos, sendo totalizados 102 casos nesse período. O estudo incluiu todos os casos de trauma genitourinário no Estado do Acre durante os dez anos. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças 10ª revisão (CID-10), foram consideradas as nomenclaturas S370 para traumatismo do rim, S371 para traumatismo do ureter, S372 para traumatismo da bexiga, S373 para traumatismo da uretra, S374 traumatismo do ovário, S375 para traumatismo da trompa de Falópio e S376 para traumatismo do útero

As variáveis analisadas foram: Idade, Sexo, Raça/Cor, Munícipio de Residência, Unidade Federativa, Ano(s) de Acompanhamento, Especialidade, Uso de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Dias Permanentes, Processo Hospitalar Utilizado, Diagnóstico Principal, Causa, Morte, Cobrança, Categoria da Internação. O cálculo da taxa de mortalidade foi realizado dividindo o número de óbitos pelo total de casos observados.

Para a análise dos dados coletados, foi utilizada estatística descritiva, com variáveis categóricas apresentadas em frequências e percentuais e as contínuas em médias e desvio padrão. As comparações entre variáveis categóricas e contínuas foram realizadas através do teste do Qui-quadrado e do teste T de Student, respectivamente, utilizando o software SPSS versão 26. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05.

Quanto aos aspectos éticos, o estudo não precisou ser encaminhado para aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa, por se tratar de uma análise fundamentada em um banco de dados secundários e de domínio público.

3 RESULTADOS

No total, 102 pacientes apresentaram trauma geniturinário no estado do Acre entre 2013 e 2023. Após revisão dos dados, nenhum caso foi excluído, resultando em uma amostra final de 102 casos que compuseram o grupo de estudo. Os pacientes tinham uma média de idade de 31,64 anos (DP=18,67). A maioria dos casos ocorreu em adultos entre 20 e 59 anos (63,7%), seguidos por jovens de 0 a 19 anos (28,4%) e idosos com 60 anos ou mais (7,8%).

Gráfico 1. Distribuição de Casos de Trauma Geniturinário por Faixa Etária, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

A análise por sexo revelou uma predominância de pacientes do sexo masculino (85,3%), enquanto as pacientes do sexo feminino representaram 14,7% dos casos. Em relação à raça/cor, 49% dos casos não especificaram essa informação. Entre os casos com dados disponíveis, 40,2% foram classificados como pardos, 7,8% como amarelos, 2,0% como brancos e 1,0% como pretos.

Tabela 1. Distribuição de Casos por Sexo e Raça/Cor em Pacientes com Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

A distribuição anual dos casos mostrou picos em 2023 (12,7%), 2015 e 2021 (ambos com 11,8%), com variações nos anos restantes. Os meses com maior incidência foram maio (14,7%) e novembro (12,7%), enquanto os demais meses apresentaram uma distribuição mais equilibrada.

Gráfico 2. Distribuição Anual e Mensal dos Casos de Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023

Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

A maioria dos pacientes (83,3%) necessitou de intervenções cirúrgicas, enquanto 14,7% foram tratados clinicamente e 2,0% em pediatria. No que diz respeito ao uso de UTI, 96,1% dos pacientes não necessitaram deste recurso, enquanto 3,9% utilizaram UTI adulto tipo II. O tempo de permanência no hospital variou entre 1 e 44 dias, com uma média de 7,09 dias e um DP de 7,21 dias.

Tabela 2. Intervenções Médicas e Tempo de Hospitalização em Casos de Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Os procedimentos realizados variaram, com a nefrectomia parcial sendo o mais comum, correspondendo a 18,6% dos casos. Cirurgias múltiplas foram necessárias em 13,7% dos pacientes, enquanto a cistostomia foi realizada em 11,8% dos casos. Tratamentos de traumatismos com lesão de órgãos intratorácicos e intra-abdominais, bem como tratamentos cirúrgicos em politraumatizados, representaram cada um 7,8% dos procedimentos.

A cistorrafia foi realizada em 5,9% dos casos, e tratamentos de traumatismos envolvendo múltiplas regiões do corpo, assim como nefrectomia total, cada um representou 4,9% dos procedimentos. Outros procedimentos são demonstrados no gráfico 3.

Gráfico 3. Procedimentos Cirúrgicos Mais Frequentes em Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

A distribuição dos diagnósticos principais indicou que o traumatismo do rim foi o mais comum (59,8%), seguido por traumatismo da uretra (20,6%) e da bexiga (8,8%). Os principais diagnósticos principais estão alocados na tabela 3. Ao correlacionar a faixa etária com o evento traumático, no que diz respeito aos tipos de trauma, o traumatismo do rim foi o mais comum, representando 59,8% dos casos, sendo particularmente prevalente entre adultos (64,6%) e jovens (62,1%), mas raro em idosos (12,5%).

O traumatismo da uretra foi a segunda condição mais frequente, correspondendo a 20,6% dos casos. Este tipo de trauma apresentou uma alta incidência em idosos (87,5%), enquanto entre adultos e jovens a frequência foi de 15,4% e 13,8%, respectivamente. O traumatismo da bexiga constituiu 8,8% dos casos, com maior prevalência em jovens (17,2%) e adultos (6,2%), sem registros entre idosos. O traumatismo do ureter foi observado exclusivamente em adultos (3,9%).

Eventos menos comuns incluíram traumatismo de outros órgãos pélvicos (4,9%) e traumatismo de órgão pélvico não especificado (2,0%). Entre os adultos, esses traumas foram responsáveis por 6,2% e 1,5% dos casos, respectivamente, enquanto entre os jovens, essas proporções foram de 3,4% para ambos. Nenhum dos idosos sofreu traumatismos nesses dois últimos grupos.

Tabela 3. Distribuição dos Principais Diagnósticos em Trauma Geniturinário por Distribuição Etária, Acre, 2013-2023.

*Qui-Quadrado de Pearson
Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

A análise estatística utilizando o teste qui-quadrado de Pearson revelou uma correlação significativa entre a faixa etária e o tipo de diagnóstico principal (p < 0,05). A estatística de qui-quadrado apresentou um valor de 29,277 com 10 graus de liberdade e uma significância assintótica bilateral de 0,001, indicando que as distribuições observadas diferem significativamente das esperadas.

A medida de associação V de Cramer foi de 0,379, confirmando a força da correlação entre a faixa etária e o tipo de trauma geniturinário. Esse resultado sugere que a idade dos pacientes está significativamente associada ao tipo de lesão sofrida, com padrões distintos de prevalência observados entre as diferentes faixas etárias.

A análise das cobranças hospitalares revelou que a maioria dos pacientes foi dada alta melhorada (77,5%), enquanto 11,8% foram transferidos para outros estabelecimentos e 3,9% foram considerados curados. A mortalidade foi baixa, com 97,1% dos pacientes sobrevivendo e 2,9% falecendo. As intervenções urgentes constituíram a maior parte dos casos (84,3%), com procedimentos eletivos representando 15,7%.

Tabela 4. Desfecho Hospitalar dos Pacientes com Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023.

As causas dos traumas foram diversas, com quedas sem especificação sendo a mais comum (23,5%), seguidas por agressões por disparo de arma de fogo (16,7%) e exposição a fatores não especificados causando traumatismo (8,8%). Outros acidentes e agressões incluíram motociclistas traumatizados em colisão com objetos fixos ou parados (3,9%) e pessoas traumatizadas em outros acidentes de transporte especificados com veículos a motor (3,9%).

Gráfico 4. Causas dos Traumas Geniturinários por Tipo de Incidente, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Geograficamente, a maioria dos pacientes residia em Rio Branco (47,1%), Cruzeiro do Sul (11,8%) e Tarauacá (7,8%). Em termos de unidades federativas, a maioria dos pacientes era do Acre (87,3%), seguido pelo Amazonas (7,8%) e Rondônia (3,9%).

Gráfico 5. Distribuição Geográfica dos Pacientes com Trauma Geniturinário, Acre, 2013-2023.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Em relação ao desfecho hospitalar, 77,5% dos pacientes tiveram alta hospitalar com melhora, 11,8% foram transferidos para outros hospitais e 3,9% foram considerados curados. Três pacientes faleceram (2,9%), sendo que todos os óbitos ocorreram em pacientes que se apresentavam instáveis hemodinamicamente na admissão. No pós-operatório, 21 pacientes necessitaram de UTI, e o tempo médio de internação na UTI foi de 9,6 dias, enquanto o tempo médio de internação total foi de 15,2 dias.

4 DISCUSSÃO

A análise epidemiológica dos traumas geniturinários no estado do Acre entre 2013 e 2023 revelou dados significativos que preenchem uma lacuna de conhecimento na região Norte do Brasil. A amostra composta por 102 pacientes destacou não apenas a prevalência e distribuição dos casos, mas também trouxe à luz fatores associados ao tratamento e aos desfechos hospitalares, proporcionando uma base robusta para comparações com estudos em outras regiões e delineando futuras direções de pesquisa.

A média de idade dos pacientes foi de 31,64 anos, com um desvio padrão de 18,67 anos, indicando uma ampla variação etária. A predominância de traumas em adultos (63,7%) e jovens (28,4%) é consistente com a literatura existente, como estudos de Sehat et al. (2021) e Silva et al. (2019), que também identificaram maiores incidências de traumas em indivíduos na faixa etária produtiva. Esta predominância pode ser atribuída a uma maior exposição a atividades de risco, como o uso de motocicletas e a participação em atividades físicas intensas (Allen et al., 2016).

A análise de gênero mostrou uma preponderância masculina significativa (85,3%), refletindo a tendência global em que os homens são mais frequentemente vítimas de traumas geniturinários devido a comportamentos de maior risco e maior envolvimento em atividades violentas (McGeady; Breyer 2013). Este achado é corroborado por estudos como o de Bolandparvaz et al. (2017) que também observaram uma incidência maior de traumas em homens jovens. As diferenças de gênero na incidência de traumas são frequentemente associadas a fatores culturais e sociais que influenciam o comportamento de risco.

A análise racial revelou uma grande lacuna de dados, com 49% dos casos sem especificação de raça/cor. Entre os dados disponíveis, a maioria dos pacientes foi classificada como parda (40,2%), seguida por amarela (7,8%), branca (2,0%) e preta (1,0%). Esta distribuição reflete a composição demográfica do estado do Acre, onde há uma predominância de indivíduos autodeclarados pardos (IBGE, 2022). A ausência de dados completos limita a capacidade de análise detalhada das disparidades raciais, destacando a necessidade de aprimoramento nos registros hospitalares.

A distribuição anual dos casos mostrou picos em 2023 (12,7%), 2015 e 2021 (ambos com 11,8%), sugerindo possíveis fatores sazonais ou eventos específicos que aumentaram a incidência de traumas nesses anos (Ramgopal et al., 2019). A distribuição mensal revelou maior incidência nos meses de maio (14,7%) e novembro (12,7%). Estudos adicionais são necessários para investigar as causas dessas variações, que podem estar relacionadas a eventos climáticos, culturais ou sociais específicos da região.

O trauma renal foi o diagnóstico mais comum entre os pacientes com trauma geniturinário no estado do Acre, representando 59,8% dos casos. Este achado é consistente com a literatura médica, que frequentemente identifica os rins como os órgãos mais vulneráveis a lesões em traumas geniturinários (Nicola et al., 2015). A vulnerabilidade renal, embora a localização retroperitoneal proporcione alguma proteção, deve-se à sua exposição relativa durante traumas contusos e penetrantes (Alothman et al., 2022).

Estudos clássicos e recentes corroboram a alta incidência de traumas renais. Tae et al. (2022) realizaram uma extensa revisão sobre o manejo de traumas renais na Coreia do Sul, destacando que os rins são frequentemente lesionados devido à sua posição anatômica e à ausência de proteção óssea significativa. Traumas contusos, como aqueles resultantes de acidentes automobilísticos ou quedas, são causas comuns de lesões renais devido à desaceleração súbita que causa o impacto direto no órgão (Hirsch; Heinz; Wullich, 2017). Além disso, traumas penetrantes, incluindo ferimentos por armas de fogo e facadas, frequentemente resultam em danos renais graves, dada a vascularização rica do órgão que leva a hemorragias significativas (Alothman et al., 2022).

O segundo diagnóstico mais comum foi o trauma de uretra, representando 20,6% dos casos. Este tipo de lesão é particularmente prevalente em traumas pélvicos, como fraturas da pelve, que frequentemente resultam em danos à uretra posterior (Nnabugwu et al., 2023). A literatura médica, incluindo estudos como os de Battaloglu et al. (2019), aponta que a uretra masculina é mais suscetível a traumas devido à sua anatomia e à sua posição relativa aos ossos pélvicos. Lesões de uretra são frequentemente associadas a alta morbidade, incluindo disfunção urinária e sexual, exigindo intervenções complexas e acompanhamento a longo prazo (Hosseini; Tehranipour; Farshidmehr, 2021).

O trauma de bexiga foi o terceiro diagnóstico mais comum, correspondendo a 8,8% dos casos. As lesões na bexiga são frequentemente relacionadas a traumas pélvicos e podem ser causadas por impacto direto ou aumento súbito da pressão intravesical durante um trauma contuso (Rausch et al., 2016). Segundo Mahat; Leong; Chung (2019), lesões vesicais são frequentemente associadas a fraturas pélvicas e são um indicativo de trauma significativo, necessitando de intervenção cirúrgica urgente para prevenir complicações como a peritonite e a sepse.

Estudos comparativos de diferentes regiões e contextos reforçam a prevalência dos traumas renais. Por exemplo, uma coorte conduzida por Lipsky et al. (2014) sobre traumas geniturinários em ambientes urbanos versus rurais indicou que, independentemente da localização, os traumas renais são consistentemente os mais frequentes devido a acidentes de trânsito e quedas, que são comuns em ambos os cenários. Além disso, a pesquisa destacou que a alta incidência de traumas renais em áreas rurais pode estar relacionada ao acesso limitado a equipamentos de segurança e cuidados médicos imediatos, o que também pode ser um fator no contexto do Acre.

Em relação aos traumas de uretra, estudos em centros de trauma urbano, como os realizados por Neu et al. (2022), indicam que lesões uretrais são frequentemente subdiagnosticadas inicialmente, mas apresentam complicações significativas a longo prazo, incluindo estenose uretral e incontinência urinária. A prevalência de traumas de uretra no Acre sugere a necessidade de protocolos de diagnóstico mais rigorosos e intervenções precoces para minimizar as complicações.

Para traumas de bexiga, a literatura sugere uma variabilidade na incidência com base na natureza dos traumas e na infraestrutura local de atendimento de emergência. Estudos como os de Urry et al. (2016) indicam que a prontidão e a capacidade de resposta dos serviços de emergência são cruciais para a detecção e o manejo eficaz das lesões vesicais. A taxa relativamente baixa de traumas vesicais observada no Acre pode refletir variações na exposição a traumas de alta energia ou diferenças nos critérios de diagnóstico e registro de casos.

Comparando com estudos realizados em outra região do Brasil, como os de Cury et al. (2008) no Sudeste, observa que a incidência de traumas geniturinários e o perfil demográfico dos pacientes no Acre são semelhantes, embora haja variações nos tipos de trauma e nos desfechos hospitalares. Por exemplo, enquanto os traumas renais são predominantes em todas as regiões, a incidência de traumas de uretra é maior no Acre, o que pode refletir diferenças nas causas dos traumas, como maior exposição a acidentes de motocicleta.

As intervenções cirúrgicas foram necessárias em 83,3% dos casos de trauma geniturinário no Acre, enquanto 14,7% dos pacientes foram tratados clinicamente. Este achado destaca a alta necessidade de procedimentos cirúrgicos neste tipo de trauma, o que é corroborado por estudos similares em outras regiões. Por exemplo, um estudo conduzido por Zimmerman et al. (2020) nos Estados Unidos encontrou que, dos 1.105 pacientes que necessitaram de laparotomia de emergência por trauma, 242 (22%) apresentaram lesões urológicas, incluindo lesões nos rins (16%), no ureter (4%) e na bexiga (4%). A semelhança entre os achados reforça a natureza crítica dos traumas geniturinários que frequentemente requerem reparos cirúrgicos para garantir a recuperação funcional e prevenir complicações.

Uma das principais limitações deste estudo é a alta proporção de dados faltantes sobre raça/cor, o que impede uma análise mais detalhada dessa variável. Além disso, a natureza retrospectiva do estudo e a dependência de registros hospitalares podem introduzir vieses de informação, como subnotificação de casos menos graves ou inconsistências nos registros médicos. Estudos prospectivos futuros devem considerar a coleta de dados mais abrangente e padronizada para minimizar esses vieses.

Futuras pesquisas devem focar em identificar fatores de risco específicos para os diferentes tipos de traumas geniturinários e avaliar a eficácia de estratégias de prevenção e tratamento adaptadas ao contexto local. Além disso, estudos comparativos com outras regiões do Brasil e de outros países podem fornecer insights valiosos sobre as diferenças epidemiológicas e as melhores práticas de manejo.

5 CONCLUSÃO

Este estudo epidemiológico sobre traumas geniturinários no estado do Acre entre 2013 e 2023 revelou importantes dados que preenchem lacunas no conhecimento sobre esse tipo de lesão na região Norte do Brasil. Com uma amostra de 102 pacientes, observamos que a maioria dos traumas ocorreu em adultos jovens do sexo masculino, o que é consistente com a literatura que associa essa demografia a uma maior exposição a atividades de risco.

Os traumas renais foram os mais comuns, seguidos por traumas de uretra e bexiga. A alta frequência de intervenções cirúrgicas necessárias reflete a gravidade desses traumas, embora a baixa necessidade de cuidados intensivos indique que, na maioria dos casos, os pacientes não evoluíram para estados críticos. A análise dos desfechos hospitalares foi positiva, com alta taxa de melhora e baixa mortalidade, demonstrando a eficácia do manejo clínico e cirúrgico disponível na região.

As limitações deste estudo incluem a alta proporção de dados faltantes sobre raça/cor e a natureza retrospectiva da análise, que pode introduzir vieses. Portanto, futuros estudos prospectivos com coleta de dados mais abrangente e padronizada são necessários para validar e expandir os achados atuais.

Em termos de perspectivas futuras, é essencial focar na identificação de fatores de risco específicos e na avaliação de estratégias preventivas e de tratamento adaptadas ao contexto local. Estudos comparativos com outras regiões do Brasil e do mundo podem fornecer insights adicionais sobre as melhores práticas e diferenças epidemiológicas, ajudando a aprimorar o manejo dos traumas geniturinários no Acre e em regiões semelhantes.

Este estudo contribui significativamente para a literatura sobre traumas geniturinários, fornecendo dados essenciais para o desenvolvimento de políticas de saúde pública e estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes. A continuidade da pesquisa nesta área é crucial para melhorar o atendimento e os desfechos dos pacientes, promovendo uma abordagem mais integrada e informada no manejo dessas lesões complexas.

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1Residente de cirurgia geral pela Fundação Hospital Estadual do Acre – Rio Branco, Acre Instituição de formação: Fundação Hospital Estadual do Acre (FUNDHACRE) Endereço: BR-364, Km 02 – Distrito Industrial, Rio Branco – AC CEP: 69907-672 E-mail: aryturcheto@gmail.com

2Residente de cirurgia geral pela Fundação Hospital Estadual do Acre – Rio Branco, Acre Instituição de formação: Fundação Hospital Estadual do Acre (FUNDHACRE) Endereço: BR-364, Km 02 – Distrito Industrial, Rio Branco – AC CEP: 69907-672 E-mail: niagorigo@hotmail.com

3Bacharelando em Medicina pela Universidade Federal do Acre – Rio Branco, Acre Instituição de formação: Universidade Federal do Acre (UFAC)Endereço: Rodovia BR 364, Km 04 – Distrito Industrial, Rio Branco – AC, 69920-900 E-mail: miguelvalente001@gmail.com

4Cirurgião Geral pela Fundação Hospital Estadual do Acre – Rio Branco, Acre Instituição de formação: Fundação Hospital Estadual do Acre (FUNDHACRE) Endereço: Rua Antunes de Alencar, 45, Bosque, Rio Branco – AC CEP:69908220 E-mail: yotarosuzuki@bol.com.br